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MANUAL BÁSICO DE FARMACOLOGIA Carlos Herrero Carcedo carlosherrerocarcedo.com 1 Para minha rainha por estar sempre ao meu lado. 2 MANUAL BÁSICO DE FARMACOLOGIA 2ª Edição. Ano 2018 Carlos Herrero Carcedo carlosherrerocarcedo.com Copyright© 2018 por Carlos Herrero Carcedo Todos os Direitos Reservados AVISO LEGAL Fica rigorosamente proibido, sem a autorização escrita do titular do copyright, a reprodução desta obra por qualquer médio ou procedimento, incluídos a reprografía e o tratamento informático. https://www.carlosherrerocarcedo.com/ https://www.carlosherrerocarcedo.com/ 3 "Há homens que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam um ano e são melhores. Há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida: esses são os imprescindíveis”. Bertolt Brecht 4 Índice SEÇÃO 1: MEDIADORES QUÍMICOS 1) SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO................ ................17 1. Anatomia e fisiologia básicas 2. Sistemas de neurotransmissão 3. Principais efeitos do sistema nervoso autônomo 4. Modulação pré-sináptica e pós-sináptica 2) TRANSMISSÃO COLINÉRGICA.................... .................20 1. Ações da acetilcolina 2. Receptores colinérgicos 3. Agonistas muscarínicos (parassimpaticomiméticos) 4. Antagonistas muscarínicos (parassimpaticolíticos) 5. Drogas que influenciam os gânglios autônomos 6. Bloqueadores neuromusculares 7. Drogas de ação pré-sináptica 8. Medicamentos inibidores da colinesterase 3) TRANSMISSÃO NORADRENÉRGICA.................. ..........27 1. Catecolaminas e receptores adrenérgicos 2. Síntese, armazenamento e liberação de noradrenalina 3. Recaptação e degradação de catecolaminas 4. Drogas que atuam sobre os receptores adrenérgicos 5. Drogas que atuam sobre os neurônios noradrenérgicos 4) FARMACOLOGIA DOS MEDIADORES 5-HIDROXITRIPTAMINA E PURINAS............... ............36 1. Localização, biossíntese e degradação da 5-HT 2. Efeitos farmacológicos 3. Drogas que atuam sobre os receptores de 5-HT 4. Medicamentos anti-enxaqueca 5. Purinas como mediadores 5) INFLAMAÇÃO E RESPOSTA IMUNITÁRIA... ...............40 1. Reação inflamatória aguda 2. Resposta imunitária inata (não específica) 3. Resposta imunitária adaptativa (específica) 4. Mediadores da inflamação e reações imunitárias 5 6) ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTERÓIDES.............. 46 1. Características gerais 2. Reações adversas 3. Salicilatos 4. Paraaminofenóis 5. Pirazolonas 6. Derivados do ácido propiônico 7. Derivados do ácido acético 8. Oxicams 9. Derivados do ácido antranílico 10. Outros AINE 11. Medicamentos seletivos para a COX-2 (coxib) 7) ANTI-INFLAMATÓRIOS E IMUNOSSUPRESSORES.. 57 1. Anti-histamínicos H1 2. Tratamento de gota e hiperuricemia 3. Drogas anti-reumáticas modificadoras da doença (DMARD) 8) MEDIADORES PEPTÍDICOS E PROTÉICOS.............. ..65 1. Tipos de mediadores peptídicos 2. Síntese e secreção de peptídeos 3. Antagonistas peptídicos 4. Peptídeos e proteínas. Tratamento farmacológico SEÇÃO 2: SISTEMA NERVOSO CENTRAL 9) NEUROTRANSMISSÃO E AÇÃO FARMACOLÓGICA NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL............. ...............70 1. Introdução 2. Aminoácidos transmissores/excitadores no SNC 3. Aminoácidos transmissores/inibidores no SNC 4. Noradrenalina 5. Dopamina 6. 5-hidroxitriptamina (serotonina) 7. Acetilcolina 8. Purinas 9. Histamina 10. Melatonina 11. Óxido Nítrico 12. Mediadores lipídicos 6 10) DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS............ ............78 1. Neurotoxicidade e mecanismos de morte neuronal 2. Acidente vascular cerebral (AVC) 3. Doença de Alzheimer 4. Doença de Parkinson 11) ANESTÉSICOS GERAIS................................... ..............85 1. Introdução 2. Mecanismo de ação dos anestésicos 3. Efeitos nos sistemas nervoso, cardiovascular e respiratório 4. Anestésicos gerais por inalação 5. Anestésicos gerais por via intravenosa 12) ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS................................. ...90 1. Definição de ansiedade e insônia 2. Benzodiazepinas 3. Buspirona 4. Outros ansiolíticos e hipnóticos 13) ANTIDEPRESSIVOS.................................................... ....97 1. Natureza da depressão 2. Mecanismos patogênicos da depressão 3. Tipos de antidepressivos 4. Antidepressivos tricíclicos 5. Outros inibidores não seletivos da recaptação de NA e 5-HT 6. Inibidores seletivos da recaptação de 5-HT (SSRI) 7. Inibidores seletivos da recaptação de NA 8. Inibidores da monoaminoxidase (IMAO) 9. Bloqueadores de receptores, antagonistas não seletivos 10. Medicamentos anti-maníacos 14) ANTIPSICÓTICOS..................................................... .....107 1. Natureza da esquizofrenia 2. Mecanismos patogênicos da esquizofrenia 3. Classificação dos antipsicóticos 4. Efeitos farmacológicos e reações adversas gerais 5. Propriedades diferenciais e aplicações dos antipsicóticos de primeira e segunda geração 15) ANTIEPILÉPTICOS.................. ......................................114 1. Natureza e tipos de epilepsia 2. Bases fisiopatológicas da epilepsia 7 3. Mecanismos de ação dos antiepilépticos 4. Principais drogas antiepilépticas 5. Escolha de um antiepiléptico 6. Descrição dos anticonvulsivantes mais utilizados 16) ANALGÉSICOS OPIÁCEOS.......................... ..............123 1. A dor 2. Drogas de morfina 3. Receptores opióides 4. Agonistas e antagonistas 5. Ações farmacológicas 6. Tolerância e dependência 7. Características farmacocinéticas 8. Analgésicos opiáceos 17) ANESTÉSICOS LOCAIS............................ ..................130 1. Características físico-químicas 2. Mecanismo de ação 3. Características farmacocinéticas 4. Reações adversas 5. Propriedades dos anestésicos locais SEÇÃO 3: AÇÕES E PROPRIEDADES DAS DROGAS QUE ATUAM NOS PRINCIPAIS SISTEMAS ORGÂNICOS 18) CORAÇÃO....................................................... ..............135 1. Freqüência e ritmos cardíacos 2. Contração cardíaca 3. Fluxo sanguíneo coronário 4. Regulação autonômica do coração 5. Peptídeos natriuréticos cardíacos 6. Doença isquêmica do coração 19) MEDICAMENTOS ANTIARRÍTMICOS................ .....142 1. Classificação e mecanismos de ação 2. Quinidina, procainamida e disopiramida (classe Ia) 3. Lidocaína e mexiletina (classe Ib) 4. Propafenona e flecainida (classe Ic) 5. Beta-bloqueadores (classe II) 8 6. Amiodarona e sotalol (classe III) 7. Verapamil e diltiazem (classe IV) 8. Adenosina 9. Digoxina 10. Outros antiarrítmicos 20) DROGAS QUE AUMENTAM A CONTRAÇÃO MIOCÁRDICA...................................................... .........147 1. Características químicas dos glicosídeos digitálicos 2. Mecanismo de ação da digoxina 3. Efeitos cardiovasculares da digoxina 4. Propriedades farmacocinéticas e intoxicação digitálica 5. Aplicações terapêuticas da digoxina 6. Outros medicamentos inotrópicos positivos 21) DROGAS ANTIANGINOSAS....................... ...............152 1. Angina 2. Nitratos orgânicos 3. Bloqueadores β-adrenérgicos 4. Bloqueadores dos canais de cálcio 5. Outros antianginosos 22) SISTEMA VASCULAR E DROGAS VASOATIVAS....................................................... ..............156 1. Os vasos sanguíneos 2. Endotélio vascular 3. Sistema renina-angiotensina 4. Drogas vasoconstritoras 5. Drogas vasodilatadoras de ação direta 6. Drogas vasodilatadoras de ação indireta 23) FARMACOLOGIA DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA............................................................... ...........162 1. Conceitos fundamentais 2. Aumento da excreção de sal e água 3. Inibição do sistema renina-angiotensina-aldosterona 4. Beta-bloqueadores na insuficiência cardíaca 5. Inibição do hormônio antidiurético 6. Relaxamento do músculo liso vascular 7. Aumento da força de contração cardíaca 8. Vasodilatadores 9 24) ANTI-HIPERTENSIVOS........................................ ......167 1. Hipertensão arterial (HBP) 2. Classificação dos medicamentos anti-hipertensivos 3. Diuréticos 4.Beta-bloqueadores adrenérgicos 5. Bloqueadores α1-adrenérgicos 6. Inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) 7. Antagonistas dos receptores da angiotensina II (sartanes) 8. Bloqueadores dos canais de cálcio 9. Inibidores da ação simpática de ação central 10. Vasodilatadores diretos 11. Outros medicamentos anti-hipertensivos 12. Escolha do medicamento anti-hipertensivo 25) PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS D OS BLOQUEADORES DOS CANAIS DE CÁLCIO, IECA E BETA-BLOQUEADORES.................................. ................176 1. Bloqueadores dos canais de cálcio 2. IECA 3. Beta-bloqueadores 26) RIM.................................................................... ............182 1. Estrutura e função do néfron 2. Diuréticos de alça 3. Tiazidas 4. Diuréticos poupadores de potássio 5. Inibidores da anidrase carbônica 6. Diuréticos osmóticos 7. Aplicações terapêuticas 27) ATEROSCLEROSE E DROGAS HIPOLIPEMIANTES.......................................................... .190 1. Doença ateromatosa 2. Lipoproteínas 3. Estatinas 4. Fibratos 5. Drogas hipolipemiantes que inibem a absorção de colesterol 6. Ácido nicotínico e derivados 7. Outras drogas hipolipemiantes 10 28) FARMACOLOGIA DA HEMOSTASIA E TROMBOSE............................ ..............................................197 1. Introdução 2. Farmacologia da função plaquetária 3. Farmacologia da coagulação 4. Farmacologia da fibrinólise 29) APARELHO RESPIRATÓRIO............................ ...........207 1. Regulação da respiração 2. Asma brônquica 3. Medicamentos anti-asmáticos 4. Agonistas dos receptores β2-adrenérgicos 5. Xantinas 6. Anticolinérgicos 7. Antagonistas dos receptores de cisteinil-leucotrienos 8. Anti-histamínicos H1 9. Glicocorticóides 10. Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) 11. Tosse 12. Hipertensão pulmonar 13. Surfactantes pulmonares 30) APARELHO DIGESTIVO........................... ....................218 1. Controle neuronal e hormonal 2. Secreção gástrica 3. Antiácidos 4. Antagonistas do receptor H2 da histamina 5. Inibidores da bomba de prótons 6. Outras drogas que inibem a secreção de ácido gástrico 7. Erradicação da infecção por Helicobacter pylori 8. Drogas protetoras da mucosa 9. Farmacologia de vômito 10. Medicamentos procinéticos 11. Laxantes 12. Medicamentos antidiarréicos 13. Farmacologia da doença inflamatória intestinal crônica 14. Farmacologia da secreção biliar 31) TRATAMENTO DO DIABETES MELLITUS.... .........233 1. Hormônios das ilhotas pancreáticas 2. Diabetes Mellitus 3. Insulinas 11 4. Sulfoniluréias 5. Biguanidas 6. Tiazolidinedionas (glitazonas) 7. Outros antidiabéticos orais 8. Adjuvantes de insulina 32) GLÂNDULA PITUITÁRIA E CÓRTEX ADRENAL............ ............................................................... .243 1. Hipófise anterior (adeno-hipófise) 2. Corticoliberina (CRH) e corticotropina (ACTH) 3. Tireoliberina (TRH) e tireotropina (TSH) 4. Somatoliberina (GHRH), somatostatina (GHRIH) e somatotropina (GH) 5. Prolactina 6. Hipófise posterior (neuro-hipófise) 7. Córtex adrenal 8. Glicocorticóides 9. Mineralocorticóides 33) TIREÓIDE................................................................... ...254 1. Hormônios tireoidianos 2. Anomalias da função tireoidiana 3. Farmacologia do hipertireoidismo 4. Farmacologia do hipotireoidismo 34) METABOLISMO ÓSSEO......................................... ....260 1. Remodelação óssea 2. Doenças ósseas 3. Bisfosfonatos 4. Raloxifeno 5. Hormônio da paratireoide (PTH) 6. Ranelato de estrôncio 7. Calcitonina 8. Preparações de vitamina D 9. Sais de cálcio 10. Outros compostos 35) APARELHO REPRODUTOR...... .................................268 1. Controle hormonal do sistema reprodutor feminino 2. Estrogênios 3. Moduladores seletivos dos receptores estrogênicos 4. Progestágenos 12 5. Antiprogestágenos 6. Controle hormonal do aparelho reprodutor masculino 7. Andrógenos 8. Antiandrógenos 9. Inibidores da aromatase 10. Secreção com influência gonadal 11. Contraceptivos orais 12. Útero 13. Disfunção erétil SEÇÃO 4: FARMACOLOGIA DE DOENÇAS INFECCIOSAS E CÂNCER 36) BASES MOLECULARES DA QUIMIOTERAPIA.. .....286 1. Introdução 2. Reações bioquímicas como possíveis alvos 3. Resistência bacteriana aos antibióticos 4. Mecanismos bioquímicos da resistência aos antibióticos 37) ANTIBIÓTICOS β-LACTÂMICOS.............................. ..293 1. Penicilinas 2. Cefalosporinas 3. Outros antibióticos β-lactâmicos 38) ANTIBIÓTICOS AMINOGLICOSÍDEOS, MACROLÍDEOS E GLICOPEPTÍDEOS .......... ...................301 1. Aminoglicosídeos 2. Macrolídeos 3. Antibióticos glicopeptídeos 4. Outras alternativas às infecções por germes Gram positivos 39) TETRACICLINAS, CLORANFENICOL, LINCOSAMIDAS E OUTROS ANTIBIÓTICOS.............. ...309 1. Tetraciclinas 2. Cloranfenicol 3. Lincosamidas 4. Outros antibióticos 13 40) QUINOLONAS, SULFONAMIDAS, TRIMETOPRIM, COTRIMOXAZOL E NITROFURANTOÍNA...... ..............317 1. Quinolonas 2. Sulfonamidas 3. Trimetoprim 4. Cotrimoxazol 5. Nitrofurantoína 41) ANTIMICOBACTERIANOS..................... ...................326 1. Quimioterapia antituberculose 2. Quimioterapia anti-lepra 42) ANTIVIRAIS................................................... ..............332 1. Vírus patogênicos 2. Inibidores nucleósidos da transcriptase reversa 3. Inibidores não nucleósidos da transcriptase reversa 4. Inibidores de protease 5. Inibidores da DNA polimerase viral 6. Inibidores da ligação do HIV nas células do hospedeiro 7. Inibidores da neuraminidase e inibidores do desmantelamento da cobertura viral 8. Medicamentos biológicos e imunomoduladores 9. Tratamento combinado do HIV 43) ANTIFÚNGICOS.......................................... .................342 1. Infecções fúngicas 2. Antibióticos antifúngicos 3. Antifúngicos sintéticos 44) DROGAS ANTIPARASITÁRIAS............... ..................349 1. Principais infecções por protozoários 2. Amebíase 3. Tripanossomíase 4. Leishmaniose 5. Outras infecções por protozoários flagelados 6. Malária 7. Toxoplasmose 8. Pneumocistose 9. Principais infecções por helmintos 10. Benzoimidazóis 11. Praziquantel 14 12. Niclosamida 13. Outros anti-helmínticos 45) QUIMIOTERAPIA ANTINEOPLÁSICA. ................. ....360 1. Célula cancerosa 2. Drogas alquilantes e compostos relacionados 3. Medicamentos antimetabólitos 4. Antibióticos citotóxicos 5. Derivados de plantas 6. Hormônios 7. Antagonistas hormonais 8. Outras drogas antineoplásicas 9. Estratégias futuras 15 SEÇÃO 1 16 SISTEMA NERVOSO 1 AUTÔNOMO 1. ANATOMIA E FISIOLOGIA BÁSICA. O sistema nervoso periférico possui os seguintes elementos: • Sistema nervoso autônomo. • Nervos eferentes somáticos que inervam o músculo esquelético. • Nervos aferentes somáticos e viscerais. O sistema nervoso autônomo é constituído morfologicamente por: a) O sistema nervoso simpático, cujos centros nervosos estão localizados no corno intermediolateral da medula espinal a partir de onde saem as eferências simpáticas ou fibras pré-ganglionares para os gânglios pré-vertebrais e paravertebrais simpáticos para finalmente inervar os órgãos e tecidos as fibras pós-ganglionares de longo alcance. b) O sistema nervoso parassimpático, cujos nervos emergem de duas regiões: os nervos cranianos III, VII, IX e X e os segmentos 2, 3 e 4 da medula sacral. As fibras eferentes pré-ganglionares são longas e os gânglios parassimpáticos são geralmente localizados perto ou dentro do órgão efetor inervado pelas fibras pós- ganglionares. c) O sistema nervoso entérico, que consiste em neurônios localizados em plexos intramurais do tracto intestinal, pode agir por conta própria para controlar as funções motoras e secretoras do intestino, mas recebe aferências a partir dos sistemas simpático e parassimpático. O sistema nervoso autônomo, inconscientemente, regula muitas funções viscerais: metabolismo energético,contração e relaxamento da musculatura lisa vascular e visceral, frequência cardíaca, secreções... A principal diferença entre as vias eferentes autônomas e somáticas é que as vias autônomas têm dois neurônios em série, e as vias somáticas só um neurónio motor que liga o SNC com a fibra do músculo esquelético. 17 2. SISTEMAS DE NEUROTRANSMISSÃO. Todas as fibras motoras que saem do sistema nervoso central, ou seja, todas as fibras pré-ganglionares simpáticas e parassimpáticas, liberam o neurotransmissor acetilcolina, que age nos receptores colinérgicos nicotínicos. Todas as fibras pós-ganglionares parassimpáticas liberam acetilcolina, que realiza a transmissão por interação com receptores colinérgicos muscarínicos. A maioria das fibras pós-ganglionares simpáticas libera noradrenalina, que atua nos receptores adrenérgicos α ou β. A exceção são as glândulas sudoríparas, onde a acetilcolina atua nos receptores colinérgicos muscarínicos. 3. PRINCIPAIS EFEITOS DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO. EFEITO SIMPÁTICO EFEITO PARASSIMPÁTICO ÓRGÃO (ADRENÉRGICO) (COLINÉRGICO) CORAÇÃO Nodo sinusal ↑ frequência cardíaca (β1) ↓ frequência cardíaca Aurícula ↑ contratilidade (β1) ↓ contratilidade Nó ↑ automaticidade e ↓ velocidade de condução e atrioventricular velocidade de condução (β1) bloqueio AV ↑ automaticidade, contratilidade e Ventrículo sem efeito velocidade de condução (β1) ARTERÍOLAS constrição (α) sem efeito Coronárias Músculo dilatação (β2) sem efeito Vísceras, pele e constrição (α) sem efeito membranas mucosas Glândulas salivares constrição (α) dilatação Renais constrição (α) sem efeito Tecido erétil constrição (α) dilatação VEIAS constrição (α) / dilatação (β2) sem efeito VÍSCERAS broncodilatação (β broncoconstrição e ↑ secreção Brônquios 2) ↓ motilidade, ↑ motilidade, dilatação de esfíncteres e Tubo digestivo contração de esfíncteres (α1) estimulação da secreção relaxamento (β contração (detrusor) e relaxamento do Bexiga 2), contração do esfíncter (α1) (retenção urinária) esfíncter (incontinência urinária) ÓRGÃOS SEXUAIS ejaculação (α1) ereção MASCULINOS OLHO Aluno dilatação (midríase) contração (miose) Músculo ciliar relaxamento leve contração 18 PELE (EFEITO SIMPÁTICO) (EFEITO PARASSIMPÁTICO) Músculo pilomotor pilo-ereção (α1) sem efeito Glândulas sudoríparas secreção localizada (α1) secreção generalizada Glândulas lacrimais e sem efeito secreção nasofaríngeas Glândulas salivares secreção secreção Os sistemas nervosos simpático e parassimpático exercem efeitos opostos no controle da freqüência cardíaca, no músculo liso gastrointestinal..., mas não em outras situações como a secreção das glândulas salivares. A atividade simpática é aumentada em casos extremos de estresse (luta, fuga...), aumentando a freqüência e a contratilidade cardíaca, enquanto a atividade parassimpática predomina durante o repouso. Ambas exercem um controle fisiológico contínuo de órgãos e processos metabólicos em condições usuais. 4. MODULAÇÃO PRÉ-SINÁPTICA E PÓS-SINÁPTICA. A base da resposta efetora está na interação com os receptores pós-sinápticos, embora a interação com os receptores pré- sinápticos também seja importante e pode causar uma modulação positiva ou negativa sobre a atividade do neurónio. Os efeitos opostos dos sistemas simpático e parassimpático não se devem apenas aos efeitos opostos dos dois neurotransmissores, mas também à inibição da liberação de acetilcolina exercida pela noradrenalina agindo sobre as terminações parassimpáticas ou à inibição da liberação de noradrenalina pela acetilcolina. O antagonista de um dos dois sistemas, adrenérgico (simpático) ou colinérgico (parassimpático), favorecerá a expressão do outro no órgão que recebe a inervação dos dois sistemas com ações opostas. Existem drogas que atuam seletivamente como agonistas ou antagonistas nos receptores pré-sinápticos e pós-sinápticos dos sistemas noradrenérgico e colinérgico. As terminações colinérgicas e noradrenérgicas respondem à acetilcolina e noradrenalina, bem como a outras substâncias liberadas como cotransmissores, sintetizadas e armazenadas nos neurônios do sistema nervoso autônomo que estão localizados no sistema nervoso central e nos gânglios. Se mais de um neurotransmissor ou neuromodulador são liberados em conjunto, cada um dos quais interage com receptores específicos, o efeito obtido é o resultado das ações de cada um deles em seus receptores pré-sinápticos ou pós-sinápticos. Os cotransmissores mais proeminentes são o óxido nítrico e o peptídeo intestinal vasoativo (parassimpáticos), o ATP e o neuropeptídeo Y (simpáticos). Além destes, há muitas outras substâncias: prostaglandinas, adenosina, dopamina, GABA, 5-hidroxitriptamina, peptídeos opióides, endocanabinóides... Os mediadores químicos agem diretamente como neurotransmissores e podem também regular a liberação pré- sináptica do transmissor e a excitabilidade neuronal (ambas as ações são exemplos de neuromodulação em que o mediador químico aumenta ou diminui a eficácia da transmissão sináptica sem participar diretamente como transmissor). 19 TRANSMISSÃO COLINÉRGICA 2 1. AÇÕES DA ACETILCOLINA. As ações muscarínicas da acetilcolina (ACh) são devidas à sua liberação nas terminações parassimpáticas pós-ganglionares com duas exceções: 1. ACh reduz a pressão arterial indiretamente por meio de vasodilatação generalizada, embora a maioria dos vasos sanguíneos não tenha inervação parassimpática. ACh age nas células endoteliais vasculares através da liberação de óxido nítrico, sendo este responsável pelo relaxamento da musculatura lisa. 2. ACh estimula a secreção das glândulas sudoríparas inervadas por fibras colinérgicas simpáticas. Os efeitos muscarínicos produzidos por uma dose pequena ou média de ACh (diminuição da pressão sanguínea, desaceleração do coração...) são cancelados após a administração de uma pequena dose de atropina (antagonista muscarínico). Uma dose mais elevada de ACh, ainda sob a influência da atropina, induziria um aumento na pressão sanguínea por estimulação dos gânglios simpáticos (vasoconstrição), seguido de um aumento secundário pela liberação de adrenalina na glândula adrenal (efeitos nicotínicos muito semelhantes aos produzidos pela nicotina). 2. RECEPTORES COLINÉRGICOS. Os receptores colinérgicos são de dois tipos: a) Nicotínicos (receptores nicotínicos de ACh ou nAChR): são parte de um canal iônico cuja abertura eles controlam. Existem três subtipos: - aqueles encontrados na junção neuromuscular esquelética. - aqueles da membrana celular ganglionar. - aqueles do SNC (muitas regiões do cérebro). b) Muscarínicos (receptores muscarínicos de ACh ou mAChR): associados a proteínas G. Existem cinco subtipos: M1 (nervosos), M2 (cardíacos), M3 (glandulares / músculo liso), M4 (SNC), M5 (SNC: localizados na substância negra mesencefálica, glândulas salivares e músculo ciliar). 20 3. AGONISTAS MUSCARÍNICOS (Parassimpaticomiméticos). a) Medicamentos. Entre os ésteres da colina, temos acetilcolina, metacolina, carbacol e betanecol. Como alcalóides naturais muscarina, arecolina e pilocarpina e de síntese oxotremorina e xanomelina. b) Efeitos. - Redução da frequência cardíaca e da velocidade de condução, redução da força de contracção cardíaca (auricular), diminuição do débito cardíaco, diminuição notável da pressão arterial, dilatação arteriolar (mediada pelo óxido nítrico). - Aumento da atividade secretora e peristáltica do trato digestivo e relaxamento esfincteriano (aparecem diarréia e dores cólicas). - Favorecendo a micção, contraindo seletivamente o detrusor e relaxando o esfíncter da bexiga. - Broncoconstrição aguda e aumento da secreção. - Miose. A ativação do músculo constritor da pupila reduz a pressão intraocular (secundária ao glaucoma), uma vez que facilita a drenagem do humor aquoso que é interrompido quando a pupila se dilata. - Estimulação da secreção glandular (sudorese, salivação e lacrimação). c) Aplicaçõesclínicas. O cloreto de betanecol é usado na retenção urinária (incluindo após a cirurgia), retenção gástrica e distensão abdominal pós- operatória. O cloridrato de pilocarpina seria indicado no tratamento da xerostomia (boca seca) alertando para uma possível diminuição da acuidade visual. Como um efeito colateral provoca sudorese profusa. Este miótico também é usado no glaucoma crônico e agudo. 4. ANTAGONISTAS MUSCARÍNICOS (Parassimpaticolíticos). a) Medicamentos. A atropina e a hioscina (escopolamina) são alcaloides naturais que atravessam a barreira hematoencefálica. O metonitrato de atropina tem efeitos periféricos semelhantes à atropina, mas carece de ação central (exclusão do cérebro). O brometo de ipratrópio é utilizado por inalação, ciclopentolato, homatropina e tropicamida por via oftálmica. Como antagonistas seletivos, temos: pirenzepina e telenzepina (M1), tripitamina (M2) e oxibutinina, tolterodina, tróspio, solifenacina e darifenacina (M3). 21 b) Efeitos. - Redução intensa da secreção salivar (boca seca). Eles inibem as glândulas salivares, lacrimais, brônquicas e sudoríparas. - Eles produzem dilatação pupilar ou midríase (parar de responder à luz) e paralisação da acomodação ou cicloplegia devido ao relaxamento do músculo ciliar, impedindo a visão de perto. - Altas doses de atropina reduzem a motilidade gastrointestinal de maneira incompleta (drogas seletivas M3 na fase de desenvolvimento)., enquanto a pirenzepina inibe a secreção gástrica sem afetar outros sistemas (seletividade M1). - Relaxamento da musculatura brônquica e redução da secreção das glândulas mucosas nasal, faringolaríngea, traqueal e brônquica. Eles evitam a broncoconstrição reflexa (anestesia), mas não a induzida por mediadores locais (asma). - Ação fraca sobre o músculo liso das vias biliares e do trato urinário (precaução nos idosos com hipertrofia prostática porque eles tendem a precipitar retenção urinária). - Atropina produz excitação do SNC (nervosismo, irritabilidade, desorientação, alucinações, delírio...) e em caso de intoxicação, esses efeitos centrais são neutralizados com fisostigmina (anticolinesterásico que cancela o bloqueio mAChR). - Hioscina (escopolamina), em dose baixa, produz sedação notável e ao bloquear a transmissão colinérgica nos núcleos vestibulares é utilizada como anticinético e antiemético. - Eles afetam o sistema extrapiramidal reduzindo os efeitos colaterais de muitos antipsicóticos, aplicando-se na terapia antiparkinsoniana. c) Aplicações clínicas. Na incontinência urinária provocada por instabilidade do músculo detrusor neurogênico no adulto são utilizados oxibutinina, tolterodina, tróspio, e darifenacina (seletivos para os receptores M3). A prevenção de tontura e vômito devido ao movimento (doença de movimento) executa-se com escopolamina (hioscina). A fim de produzir midríase, cicloplegia ou ambos os efeitos (irite aguda, iridociclite, queratite, exame da retina e fundo do olho), tropicamida (de curta duração) e ciclopentolato (ação prolongada) são usadas. Em pacientes com predisposição, eles podem desencadear um ataque de glaucoma agudo. Tanto a atropina quanto a escopolamina são usadas em medicação pré- anestésica (broncodilatação, redução de secreções...). A atropina é útil na bradicardia sinusal e como um antídoto para os inibidores da colinesterase. Cada vez menos pirenzepina e telenzepina são usadas na úlcera péptica como um supressor da secreção de ácido gástrico (antagonista seletivo de M1). Os antagonistas muscarínicos são indicados nos espasmos da musculatura lisa digestiva para facilitar a endoscopia e radiologia gastrointestinal, bem como espasmolíticos na síndrome do intestino irritável ou na diverticulose do cólon. 22 5. DROGAS QUE INFLUENCIAM OS GÂNGLIOS AUTÔNOMOS. a) Estimulantes ganglionares. Atuam seletivamente nos receptores nicotínicos e podem ser de origem natural, como nicotina e lobelina ou epibatidina, ou de origem sintética, como dimetilfenilpiperazínio (DMPP) e tetrametilamônio (TMA). A nicotina produz inicialmente uma estimulação dos ganglios, que gera uma mistura complexa de ações simpáticas e parassimpáticas (aumento da pressão arterial, aumento das secreções brônquicas, salivares e de suor, taquicardia, tremores, estimulação da respiração, náuseas, etc.), embora esses efeitos estimulantes, em muitos casos, sejam seguidos por depressão. Apenas nicotina e lobelina são usados na cessação do tabagismo. b) Bloqueadores ganglionares. O bloqueio ganglionar pode ocorrer devido à interferência na liberação de ACh, continuação da despolarização ou interferência na ação pós-sináptica da ACh. Os efeitos são numerosos e complexos: hipotensão, inibição das secreções, redução do tônus e da motilidade gastrointestinal, problemas na micção... Foram utilizados fármacos bloqueadores ganglionares hexametônio (sem aplicação clínica), trimetafan (hipotensão controlada em cirurgias e emergências hipertensivas) e mecamilamina, embora atualmente eles não são usados. 6. BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES. a) Bloqueadores não-despolarizantes. Eles atuam como antagonistas competitivos, uma vez que o bloqueio neuromuscular que produzem é revertido após o aumento da ACh na placa motora (pela adição direta de ACh ou, indiretamente, pela administração de agentes anticolinesterásicos). Os primeiros músculos a serem paralisados são os músculos extrínsecos do olho e os músculos faciais; membros, faringe e músculos respiratórios os acompanham mais tarde, sendo estes últimos músculos os primeiros a se recuperar. Os bloqueadores não-despolarizantes são usados na indução do relaxamento muscular em longo prazo na anestesia, nas crises presentes no tétano ou para facilitar a ventilação mecânica quando necessário. 23 Velocidade Duração MEDICAMENTO Efeitos adversos de indução da ação Hipotensão,broncoconstrição Tubocurarina Lenta Prolongada (liberação de histamina) Atracúrio Intermediária Intermediária Hipotensión transitória Mivacúrio Rápida Curta Hipotensión transitória Poucos efeitos colaterais (sem Vecurônio Intermediária Intermediária liberação de histamina) Pancurônio Intermediária Prolongada Taquicardia Cisatracúrio, doxacúrio, pipecurônio e vecurônio carecem de efeitos cardiovasculares e não aumentam a liberação de histamina. Galamina (em desuso), pancurônio e rocurônio produzem taquicardia. A maioria é eliminada pelo rim sem alterações ou é metabolizada no fígado com duas exceções: o atracúrio (indicado em insuficiência renal ou hepática) que se degrada espontaneamente no plasma e o mivacúrio, hidrolisado pela colinesterase plasmática. b) Bloqueadores despolarizantes. Eles agem, de forma semelhante à ACh, como agonistas dos receptores da placa motora terminal. A diferença é que decametônio (obsoleto devido ao seu efeito prolongado) e suxametônio (succinilcolina) permanecem na placa terminal o tempo suficiente para que a despolarização induz uma perda da excitabilidade eléctrica e ocorre o bloqueio enquanto ACh alcança a placa terminal mais rapido do que estes e é hidrolisada pela colinesterase no plasma sem atingir a despolarização prolongada. Suxametônio (succinilcolina) produz um relaxamento intenso de 3-5 minutos de duração com recuperação espontânea, e é usado na intubação endotraqueal, procedimentos de curto prazo (luxações), convulsões induzidas por medicamentos e terapia eletroconvulsiva. Os efeitos adversos mais importantes são: - Bradicardia - Perda de potássio muscular que induz hipercalemia. O aumento do potássio extracelular pode causar parada cardíaca em situações de doença hepática, queimaduras, lesões com denervação muscular... - Aumento da pressão intraocular. - Paralisia prolongada em pacientes com deficiência de colinesterases plasmáticas ou uso de anticolinesterásicos. - Hipertermia maligna (espasmo muscular intenso com um aumento elevado da temperatura corporal que pode causar a morte). Esta desordem idiossincrática é comum com suxametônio e halotano (drogas anestésicas por inalação)e é combatida com dantroleno, uma vez que inibe a contração muscular, impedindo a saída de Ca2+ do retículo sarcoplasmático. 24 7. DROGAS DE AÇÃO PRÉ-SINÁPTICA. a) Inibem a síntese de acetilcolina. Hemicolinio inibe o transporte de colina para o interior da terminação nervosa e, portanto, a síntese de ACh. Não tem aplicação clínica e o bloqueio que produz é lento em seu estabelecimento (de acordo com o esgotamento das reservas de ACh) e revertido pela colina. b) Inibem a liberação de acetilcolina. Vesamicol interfere com o transporte de ACh para as vesículas sinápticas, não estando disponível para sua liberação. Para a liberação de ACh é necessária a entrada de Ca2+ na terminação nervosa após um impulso nervoso. O Mg2+ e certos antibióticos aminoglicosídeos inibem a entrada de Ca2+ e a liberação de ACh. Várias toxinas, como toxina botulínica, β-bungarotoxina ou toxina tetânica, inibem a liberação de ACh em concentrações muito pequenas. A toxina botulínica é usada no tratamento do blefaroespasmo, espasmo hemifacial, estrabismo e torcicolo espasmódico. 8. MEDICAMENTOS INIBIDORES DA COLINESTERASE. Eles são drogas que favorecem a transmissão colinérgica, pois impedem a inativação da acetilcolina, inibindo a ação dos dois tipos de colinesterases que hidrolisam a acetilcolina: a AChE (acetilcolinesterase) e a BuChE (butiril colinesterase). Os efeitos mais importantes dos medicamentos anticolinesterásicos são: - Aumentam e prolongam a ação da ACh liberada nas terminações motoras, aumentando a força de contração. - Miose (constrição pupilar), contração do músculo ciliar (bloqueio da acomodação e dificuldade em se concentrar na visão de perto) e diminuição da pressão intraocular. - Aumento da atividade peristáltica. - Estimulação das secreções das glândulas salivares, lacrimais, brônquicas e gastrointestinais. - Bradicardia e hipotensão. - Broncoconstrição. O edrofônio é uma anticolinesterásico de ação rápida (segundos) e curta duração (menos de 15 minutos). Ele é usado no diagnóstico de miastenia gravis, uma doença caracterizada por fraqueza acentuada do músculo estriado (no caso em que fosse, a melhora seria repentina), e para resolver a dúvida entre crise miastênica e crise colinérgica (resolverá a primeira e piorará fugazmente a segunda). 25 Os inibidores da colinesterase de ação intermediária são: • Fisostigmina (30 a 60 minutos): usado em envenenamentos graves por anticolinérgicos (efeitos adversos importantes). • Neostigmina (2-3 horas): usado no tratamento e diagnóstico de miastenia gravis. • Brometo de piridostigmina (4-6 horas): também indicado no tratamento da miastenia gravis. Droga com efeito prolongado e poucos efeitos colaterais, embora em altas doses produza bromismo (reação psicótica aguda). O terceiro grupo é formado por os anticolinesterásicos irreversíveis de longa duração: diflos (altamente tóxico), paratião (inseticida) e ecotiopato (como colírio no glaucoma). Em caso de envenenamento com inseticidas ou com compostos organofosforados, usamos pralidoxima ou obidoxime como um antídoto o mais cedo possível para reativar a atividade da colinesterase plasmática. O donepezil, utilizado na doença de Alzheimer, é um inibidor da acetilcolinesterase com seletividade cerebral. A rivastigmina é também um inibidor da acetilcolinesterase que é utilizado na doença de Alzheimer, uma vez que aumenta os níveis de ACh no cérebro. 26 TRANSMISSÃO 3 NORADRENÉRGICA 1.CATECOLAMINAS E RECEPTORES ADRENÉRGICOS. As catecolaminas mais usadas são: • Adrenalina (epinefrina): secretada pela medula adrenal. • Dopamina: transmissor / neuromodulador no SNC. • Isoproterenol (isoprenalina): não natural, ausente no corpo. • Noradrenalina (norepinefrina): transmissor liberado pelas terminações nervosas simpáticas. Os receptores adrenérgicos são de dois tipos, α e β, com dois subtipos α1, α2 (cada um com três subtipos adicionais) e três subtipos β1, β2 e β3, classificados de acordo com a ordem de potência dos agonistas ou a existência de antagonistas seletivos. Os efeitos mais importantes da ativação desses receptores são: a) Receptores α1-adrenérgicos (NA> A >> ISO): vasoconstrição, aumento da pressão arterial, a contração do músculo radial do íris (midríase) e dos esfíncteres digestivos e da bexiga, a glicogenólise (hiperglicemia) e a secreção das glândulas salivares e sudoríparas. b) Receptores α2-adrenérgico (A> NA >> ISO): a inibição da liberação de neurotransmissores (hipotensão arterial), agregação plaquetária e inibição da secreção de insulina (hiperglicemia). c) Receptores β1-adrenérgicos (ISO> NA> A): aumento da frequência e contratilidade cardíaca, aumento da automaticidade e velocidade de condução. d) Receptores β2-adrenérgicos (ISO> A> NA): broncodilatação, a vasodilatação, o relaxamento do músculo liso visceral (digestivo, do útero, do detrusor da bexiga...), tremores musculares e glicogenólise hepática. e) Receptores β3-adrenérgicos (ISO> NA = A): termogênese e lipólise. A seletividade não é absoluta e, embora se pretenda encontrar agonistas β2-seletivos broncodilatadores que não afetam o coração ou antagonistas β1-seletivos que exercem um bloqueio cardíaco eficaz sem os efeitos broncoconstritores indesejados, sempre haverá uma seletividade relativa. 27 2.SÍNTESE, ARMAZENAMENTO E LIBERAÇÃO DE NORADRENALINA. As vesículas sinápticas contidas nas varicosidades dos neurônios noradrenérgicos periféricos (simpáticos pós-ganglionares) são o local de síntese, armazenamento e liberação de NA, e de co- lançamento de outros mediadores como ATP e neuropeptídeo Y. A síntese de catecolaminas requer quatro enzimas: • Tirosina hidroxilase: tirosina → dopa. • Dopa-descarboxilase: dopa → dopamina. • Dopamina-β-hidroxilase (DBH): dopamina → noradrenalina. • Feniletanolamina-N-metiltransferase: noradrenalina → adrenalina. A concentração de NA nas vesículas é muito alta e é mantida graças ao transportador vesicular de monoaminas e à formação do complexo NA-ATP-cromogranina A que impede sua saída. O estímulo nervoso provoca a despolarização da membrana da terminação nervosa, abrindo seus canais de cálcio. Como conseqüência da entrada de Ca2+, inicia-se a liberação de NA (se houver), DBH, ATP e cromogranina A. 3.RECAPTAÇÃO E DEGRADAÇÃO DE CATECOLAMINAS. As duas primeiras enzimas que metabolizam as catecolaminas são localizadas intracelularmente (a recaptação na célula é necessária para sua degradação) e são: • Catecol-O-metiltransferase (COMT): ausente nos neurônios noradrenérgicos. • Monoaminoxidase (MAO): muito distribuída em neurônios e células não neuronais. A captação celular do transmissor pode ser: - Captação 1 (neuronal): as terminações nervosas capturam 75% da NA recém-liberada, reciclando-a e podendo ser liberada novamente pelo estímulo nervoso. - Captação 2 (extraneuronal): as células vizinhas não neuronais capturam catecolaminas que não são armazenadas, mas eles são subsequentemente metabolizadas pela MAO ou pela COMT (a adrenalina depende mais da captação 2 do que a noradrenalina). 28 4.DROGAS QUE ATUAM SOBRE OS RECEPTORES ADRENÉRGICOS. a) Agonistas dos receptores adrenérgicos. * Adrenalina (ação β predominante e α), também chamada epinefrina. Os efeitos farmacológicos mais notáveis da adrenalina são: - Aumenta a freqüência cardíaca (efeito cronotrópico) e a força de contração (efeito inotrópico). - Em doses baixas, produz vasodilatação (ação β2), mas em doses mais altas prevalece a vasoconstrição (devido à ativação α vascular), aumentando a pressão arterial e aparecendo taquicardia. - Broncodilatação (ação β2). - Contração do músculo radial da íris causando midríase (ação α). - Relaxamento do músculo liso visceral (digestivo, útero, detrusor da bexiga). - Diminui a secreção de insulina, favorecendo a hiperglicemia (ação α2). Entre as reações adversas mais freqüentes da adrenalina estão: taquicardia, ansiedade, tremor, palidez, hiperglicemia... É de escolha no choque anafilático. É usada na parada cardíaca e tambémassociada aos anestésicos locais para aumentar seu efeito. * Noradrenalina ou norepinefrina (potente ativador α1, com atividade β1 cardíaca e sem ação β2). Produz uma vasoconstrição intensa, aumentando a resistência periférica, e um aumento da frequência e contratilidade cardíaca. A hipertensão gerada frequentemente causa bradicardia reflexa. É usada em choque refratário à dopamina e em hipotensão após extirpação de feocromocitoma. * Isoproterenol ou isoprenalina (baixa ação α, ativação β1 e β2 exclusiva). Esta catecolamina estimula o coração e causa vasodilatação, elevando a pressão sistólica e diminuindo a pressão diastólica. Como resultado, há uma queda na pressão arterial que pode ser grave se o estado circulatório não for satisfatório ou se o volume minuto estiver baixo. Produz dilatação brônquica, redução do tônus e da motilidade gastrointestinal e inibição da contração uterina. Usada em choque com vasoconstrição. * Dobutamina e prenalterol (estimulantes cardíacos β1-seletivos). Usados em choque cardiogênico e séptico sem hipotensão como estimulantes cardíacos (agentes inotrópicos). * Dopamina (efeito vasoconstritor α1 em altas doses). Produz hipotensão em doses baixas e hipertensão em doses mais altas. É usado em choque refratário à expansão de volume e em choque séptico. 29 * Outros agonistas adrenérgicos pouco usados são a ibopamina (agonista dopaminérgico) e a metoxamina (ação α exclusiva). * A fenilefrina, nafazolina, fenilpropanolamina, etilefrina, cirazolina, oximetazolina, tetrizolina, fenoxazolina, tramazolina e xilometazolina. Simpaticomiméticos de ação preferencial α1 que causam intensa vasoconstrição e aumento da pressão arterial. Usados no congestionamento nasal topicamente por não mais do que três dias seguidos para evitar o possível congestionamento de rebote como um efeito colateral. A fenilefrina também é usada como midriático para a exploração da retina. * A midodrina e a droxidropa são dois pró-fármacos com ação agonista preferencial α1 que são geralmente usados na hipotensão ortostática. * Clonidina (ação α2 agonista seletivo). Droga hipotensora central utilizada na hipertensão, no diagnóstico de feocromocitoma, para reduzir a pressão intraocular (apraclonidina e brimonidina), para o tratamento de sintomas de abstinência em viciados e na redução de ondas de calor na menopausa e da frequência dos ataques de enxaqueca. * Medetomidina e xilazina (ação α2 agonista seletivo). Eles são usados como adjuvantes em anestesia devido ao seu importante efeito sedativo sem indução da depressão respiratória. * Fenoterol, salbutamol, terbutalina, bambuterol, formoterol, procaterol, indacaterol e salmeterol (β2-agonistas seletivos). Eles induzem broncodilatação e são usados no tratamento de asma e DPOC e em ataques de broncoespasmo. * Ritodrina (β2-estimulante). Droga de escolha como inibidor do parto prematuro (salbutamol e terbutalina também são usados). * Clenbuterol (atividade preferencial β2). Broncodilatador em desuso, utilizado pelos atletas como anabolizante, pois aumenta a frequência e força de contração do músculo esquelético. * Efedrina (β-agonista não seletivo). Broncodilatador estimulante β1 e β2 adrenérgico utilizado na congestão nasal. * Metilfenidato e dextroanfetamina (adrenérgicos de ação mista). Psicoestimulantes utilizados no transtorno de déficit de atenção em crianças com ou sem hiperatividade. 30 b) Antagonistas dos receptores α-adrenérgicos. O bloqueio da atividade α1-adrenérgica causa hipotensão e taquicardia reflexa. Os antagonistas α1 produzem o fenômeno chamado inversão da resposta à adrenalina, pois ao bloqueando a ação α1, a atividade β2 vasodilatadora da adrenalina permanece (com noradrenalina, seu efeito hipertensivo não é revertido, mas é reduzido ou inibido). O antagonismo α2 provoca um aumento da liberação de noradrenalina e serotonina (potencial efeito antidepressivo) e promove a vasodilatação (ação anti-hipertensiva). * Fenoxibenzamina (bloqueia os receptores α1 e α2-adrenérgicos). Antagonista não seletivo (α1, α2) que também antagoniza a ACh, histamina e 5-HT. Utilizado no tratamento de sintomas de feocromocitoma e nas crises hipertensivas por simpaticomiméticos. * Fentolamina (antagonista não seletivo dos receptores α1 e α2). Ele é usado na prevenção e controle das crises hipertensivas por feocromocitoma, embora a ação vasodilatação é acompanhada de taquicardia. * Doxazosina, prazosina e terazosina (antagonistas α1-seletivos). Induzem vasodilatação e diminuição da pressão arterial com menos taquicardia do que os não seletivos. Todos produzem um efeito hipotensor acentuado "primeira dose" e são utilizados em pacientes hipertensos com diabetes e dislipidemia, uma vez que melhoram essas alterações metabólicas. Eles reduzem os sintomas obstrutivos e irritativos da hipertrofia benigna da próstata. * Alfuzosina, silodosina e tamsulosina (antagonistas dos receptores α1A prostáticos). Eles são de escolha em pacientes com adenoma prostático e hipertensão. Eles também produzem hipotensão de "primeira dose" e melhoram os sintomas obstrutivos da hipertrofia benigna da próstata. * Ioimbina e seu derivado sintético idazoxan (antagonistas α2- seletivos). Usados para analisar os subtipos de receptores α-adrenérgicos. * Mirtazapina (antagonistas α2-seletivos). Usado como antidepressivo. * Di-hidroergotamina e ergotamina. Usados em crises agudas de enxaqueca que não diminuem com analgésicos menores devido ao seu efeito vasoconstritor. A ergotamina exibe atividade agonista parcial nos receptores α-adrenérgicos dos vasos sanguíneos e antagonista naqueles de outros locais. A di- hidroergotamina é um antagonista α-adrenérgico. * Labetalol e carvedilol (inibem os receptores α1 e β- adrenérgicos). Labetalol é útil nas crises hipertensivas e carvedilol na insuficiência cardíaca. 31 c)Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos (Beta- bloqueadores). Os efeitos mais importantes do bloqueio β-adrenérgico são: - Redução da frequência cardíaca e velocidade de condução do nó AV. - Diminuição da força de contração e débito cardíaco. - As pessoas hipertensas vêem sua pressão arterial reduzida (não é o caso com normotensos) graças principalmente aos efeitos cronotrópico e inotrópico negativos que implicam uma diminuição do débito cardíaco. - Ação antiarrítmica. - Broncoconstrição. - Em pacientes diabéticos, eles atrasam a recuperação da glicose no sangue após uma injeção de insulina e aumentam a probabilidade de hipoglicemia com o exercício (a adrenalina libera menor quantidade de glicose hepática). - Redução da pressão intraocular. - Ação anti-tremor. As reacções adversas do bloqueio β1 adrenérgico são bradicardia, bloqueios de condução e insuficiência cardíaca. O bloqueio β 2-adrenérgico induz: • Broncoconstrição intensa. • Claudicação muscular, cãibras e sensação de frio, e fadiga dos membros (aumento do tônus dos vasos musculares). • Resposta à hipoglicemia reduzida (os sintomas são atenuados e menos glicose hepática é mobilizada). • Hipertrigliceridemia e diminuição do HDL. Os β -bloqueadores produzem efeitos centrais como distúrbios do sono, sonhos vívidos, fadiga, depressão... Os efeitos secundários menos comuns são distúrbios sexuais, gastrointestinais e cutâneos. Propranolol é um antagonista competitivo com afinidade pelos receptores β1 e β2 sem atividade agonista parcial (β agonista), ou seja, sem atividade simpatomimética intrínseca (ASI) e com efeitos notáveis sobre o SNC. Outros β-bloqueadores não cardiosseletivos são carteolol, nadolol, oxprenolol, alprenolol, penbutolol, pindolol, sotalol e timolol. Os β-bloqueadores cardiosseletivos (acebutolol, atenolol, betaxolol, bisoprolol, celiprolol, esmolol, metoprolol e nebivolol) bloqueiam os receptores β1 com maior seletividade para estes do que para os β2, sendo aconselháveis em pacientes asmáticos e diabéticos. 32 A meia-vida A meia-vida Efeitos β1-bloqueadores aumenta na aumenta na marcados ASI Vasodilatação cardiosseletivosinsuficiência insuficiência sobre o renal hepática SNC Acebutolol √ √ Atenolol √ Bisoprolol √ Celiprolol √ √ √ Esmolol Metoprolol √ √ Nebivolol √ √ √ β A meia-vida A meia-vida Efeitos -bloqueadores aumenta na aumenta na marcados não ASI Vasodilatação insuficiência insuficiência sobre o cardiosseletivos renal hepática SNC Carteolol √ √ Nadolol √ Oxprenolol √ √ √ Propanolol √ √ Sotalol √ β-bloqueadores A meia-vida A meia-vida Efeitos não aumenta na aumenta na marcados cardiosseletivos e ASI Vasodilatação insuficiência insuficiência sobre o antagonistas α renal hepática SNC 1-adrenérgicos Carvedilol √ Labetalol √ Alguns β-bloqueadores apresentam atividade agonista parcial (β- agonista) ou atividade simpatomimética intrínseca (ASI), isto é, durante o repouso (situação de baixa atividade simpática) não reduzem a freqüência cardíaca, ou até aumentá-la, enquanto sob condições de exercício eles reduzem a função cardíaca. Acebutolol, celiprolol, carteolol e oxprenolol são β-bloqueadores com atividade agonista parcial úteis em doentes onde a bradicardia grave pode limitar o uso de beta-bloqueadores. Celiprolol é um β1-bloqueador (reduz o débito cardíaco) e um agonista β2-adrenérgico (induz vasodilatação periférica e broncodilatação) utilizado como hipotensor em doentes com asma ou doença vasospástica. 33 As aplicações terapêuticas dos β-bloqueadores são numerosos: hipertensão, doença isquémica do coração, insuficiência cardíaca, arritmias, glaucoma, tireotoxicose (controlam a hiperatividade adrenérgica das crises hipertiróideas), a profilaxia da enxaqueca, tremor essencial, ansiedade patológica... Profilaxia β 1-bloqueadores Profilaxia HBP Angina Arritmias IAM do Tireo- Tremor IC cardiosseletivos reinfarto enxaqueca toxicose essencial Acebutolol √ √ √ Atenolol √ √ √ √ √ Bisoprolol √ √ Celiprolol √ √ Esmolol √ √ √ √ Metoprolol √ √ √ √ √ √ √ Nebivolol √ Profilaxia β-bloqueadores do Profilaxia Tireo- Tremor não HBP Angina Arritmias IAM reinfarto IC enxaqueca toxicose essencial cardiosseletivos do miocárdio Carteolol √ √ √ Nadolol √ √ √ √ Oxprenolol √ √ √ Propanolol √ √ √ √ √ √ √ √ Sotalol √ √ √ √ β -bloqueadores Profilaxia não do Profilaxia cardiosseletivos HBP Tireo- Tremor Angina Arritmias IAM reinfarto IC enxaqueca toxicose essencial e antagonistas do α miocárdio 1-adrenérgicos Carvedilol √ √ √ Labetalol √crise 5. DROGAS QUE ATUAM SOBRE OS NEURÔNIOS NORADRENÉRGICOS. a) Agem na síntese de noradrenalina. • α-metil-tirosina (inibe a tirosina hidroxilase): usada no feocromocitoma. • Carbidopa (inibe a dopa descarboxilase): usado na doença de Parkinson. 34 • Metildopa (falso transmissor α-metilnoradrenalina): usado na hipertensão durante a gravidez. • 6-hidroxidopamina (produz simpatectomia temporária) e MPTP (neurotoxina que destrói irreversivelmente os neurônios dopaminérgicos nigrostriatais). b) Agem no armazenamento de noradrenalina. A reserpina bloqueia o transportador vesicular de aminas, impedindo a entrada destas nas vesículas sinápticas, sendo posteriormente degradadas pela MAO (anti-hipertensivo obsoleto). c) Agem na liberação de noradrenalina. - A guanetidina, a betanidina, o bretilio (antiarrítmico) e a debrisoquina bloqueiam diretamente a liberação de noradrenalina das terminações nervosas simpáticas. Esses bloqueadores dos neurônios noradrenérgicos são anti-hipertensivos pouco utilizados debido aos seus efeitos colaterais graves. - As aminas simpaticomiméticas de ação indireta (tiramina, anfetamina e efedrina) deslocam a NA das vesículas permitindo sua liberação e posterior degradação. A inibição da MAO pode intensificar a ação simpaticomimética dessas aminas, causando uma grave hipertensão arterial. Metilfenidato e atomoxetina são outras aminas de ação indireta utilizadas no transtorno do déficit de atenção com/sem hiperatividade devido à estimulação que produzem no SNC. d) Inibidores da recaptação de noradrenalina. Cocaína e antidepressivos tricíclicos (imipramina, reboxetina, desipramina...) inibem a recaptação neuronal da NA liberada, intensificando os efeitos simpáticos. 35 FARMACOLOGIA DOS 4 MEDIADORES 5-HIDROXITRIPTAMINA E PURINAS 1. LOCALIZAÇÃO, BIOSSÍNTESE E DEGRADAÇÃO DA 5-HT. A serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5-HT) está localizada em maior concentração nas células enterocromafins do intestino, no sangue (plaquetas) e no SNC (neurônios). A síntese é produzida a partir do aminoácido L-triptofano na dieta por uma via semelhante à da NA. A degradação de 5-HT dá origem ao metabólito 5-hidroxiindolacético que é excretado na urina e serve como diagnóstico da síndrome carcinóide (tumor maligno das células enterocromafins do intestino delgado). 2. EFEITOS FARMACOLÓGICOS. • A 5-HT atua nos receptores 5-HT1B, produzindo atividade procinética e secretora (nos 5-HT4 aumenta esta atividade e nos 5- HT3 diminui a motilidade e participa na percepção sensorial do intestino). • No músculo liso brônquico produz contração por estimulação dos receptores 5-HT2. • A 5-HT causa vasoconstrição direta mediada por receptores 5- HT2A ou vasodilatação dependente do endotélio (libera óxido nítrico). • A serotonina causa agregação plaquetária (5-HT2A). • Estimula as terminações nervosas sensoriais (dor) principalmente pelos receptores 5-HT3. • Participa também do controle da ansiedade (5-HT1A). 36 3. DROGAS QUE ATUAM SOBRE OS RECEPTORES DE 5-HT. - Buspirona (agonista parcial de 5-HT1A). Sua ação ansiolítica é devida ao efeito inibitório da transmissão de 5-HT (redução da atividade serotoninérgica). - Sumatriptano (agonista dos receptores 5-HT1D). Usado no tratamento da enxaqueca devido ao seu efeito vasoconstritor do território arterial carotídeo. - Cetanserina (bloqueador dos receptores 5-HT2A). Apresenta ação anti-hipertensiva e atividade antiagregante plaquetária. - Risperidona (antagonismo 5-HT2A e bloqueio dos receptores D2 dopaminérgicos). Usada no tratamento da esquizofrenia. - Ciproheptadina (antagonista de 5-HT2A). Antagonista de receptores serotoninérgicos, histamínicos e muscarínicos, usada como estimulante do apetite, antialérgico e na profilaxia da enxaqueca. - Metisergida (antagonista / agonista parcial de 5-HT2). Alcalóide ergótico de ação anti-enxaqueca eficaz, embora pouco utilizado pelo seu efeito colateral raro, mas grave: a fibrose retroperitoneal. - Pizotifeno (antagonista de 5-HT2A). Usado na prevenção de ataques de enxaqueca. Causa ganho de peso nas primeiras semanas de tratamento e é aconselhável começar à noite porque produz sonolência. - Ergotamina, di-hidroergotamina (antagonista / agonista parcial de 5-HT1). Embora sejam classificados como antagonistas, sua atividade agonista parcial de 5-HT1 no SNC contribui para seu uso no tratamento do ataque agudo de enxaqueca. Eles produzem vasoconstrição periférica (incluindo os vasos coronários), náuseas, vômitos e dependência física. - Ondansetrona, granisetrona, tropisetrona e palonosetrona (antagonistas 5-HT3). Utilizados na profilaxia e tratamento de náuseas e vômitos causados por quimioterapia antineoplásica ou radioterapia. - Metoclopramida (agonista dos receptores 5-HT4). Medicamento procinético indicado em gastroparesia e refluxo gastroesofágico, e na profilaxia de náuseas e vômitos. 4. MEDICAMENTOS ANTI-ENXAQUECA. A teoria vascular propôs uma vasoconstrição intracerebral inicial que causou a aura e uma subsequente dilatação das grandes artérias extracerebrais. Existem testes que relacionam a aura ao fenômeno da depressão propagada cortical, mas isso não é um fator determinante para o estabelecimento de uma crise de enxaqueca (hipótese do cérebro). A ativação das terminações nervosas trigeminais das meninges e dos vasos extracranianos é o primeiro passo da crise de enxaqueca, produzindo dor diretamente e neuroinflamação através da liberação de neuropeptídeos (hipótesedos nervos sensoriais). 37 a) Tratamento sintomático da fase aguda. Deve ser administrado o mais cedo possível e é aconselhável um ambiente calmo com luz moderada. Os analgésicos menores, como paracetamol e AINE (ácido acetilsalicílico, ibuprofeno e diclofenaco) são inicialmente preferidos em formulações líquidas ou efervescentes. Para aumentar a eficácia, podemos associar cafeína ou codeína. O próximo passo no tratamento da crise aguda da enxaqueca corresponde à ergotamina e à di-hidroergotamina, isoladamente ou associadas a AINE, cafeína ou opioides. São agonistas parciais dos receptores 5-HT1 (ação vasoconstritora direta) e também bloqueiam a transmissão do nervo trigêmeo. Devemos evitar seu uso em casos de risco cardiovascular e suspender sua administração se formigamento ou dormência do membro forem detectados. A família dos "triptanos" consiste em sumatriptano, almotriptano, eletriptano, frovatriptano, naratriptano, rizatriptano e zolmitriptano. São agonistas dos receptores 5-HT1D que contraem as grandes artérias e inibem a transmissão nervosa trigeminal. Devido à maior frequência de recorrências e alto custo, geralmente são reservados para tratar uma crise estabelecida que não respondeu aos analgésicos iniciais. Os corticóides (prednisona, metilprednisolona ou dexametasona) são usados apenas nas crises graves e prolongadas ou no estado de enxaqueca. Náuseas e vômitos serão tratados com metoclopramida, clorpromazina ou domperidona. b) Profilaxia da enxaqueca. O tratamento profilático é indicado se as convulsões forem frequentes ou graves. Vamos começar com doses baixas gradualmente aumentando-as. Uma vez que a enxaqueca é controlada, vamos retirar o medicamento. Os β-bloqueadores, propranolol e metoprolol, são o tratamento profilático mais eficaz e são considerados de escolha em pacientes jovens, em pacientes hipertensos e em episódios anginosos prévios. Nadolol e atenolol também são usados. O pizotifeno (antagonista de 5-HT2A) também é eficaz, mas seu uso é restrito pela sua tendência ao excesso de peso. Os agentes antiserotoninérgicos ciproheptadina e metisergida são raramente utilizados. Os antagonistas do cálcio (flunarizina, nicardipina, nimodipina ou verapamil) são úteis na profilaxia da enxaqueca, devido à hiporreatividade vascular que produzem, apesar de ser a dor de cabeça um dos seus efeitos colaterais. O antidepressivo tricíclico amitriptilina é usado na profilaxia da enxaqueca. A clonidina (agonista α2-adrenérgico) é um agente anti- hipertensivo de ação central, também usado na profilaxia da enxaqueca. Os antiepiléticos, valproato de sódio e topiramato, são geralmente utilizados no tratamento farmacológico profilático. 38 5. PURINAS COMO MEDIADORES. Adenosina (nucleosídeo) e ADP e ATP (nucleotídeos), além de sua função no metabolismo energético, induzem um grande número de efeitos farmacológicos. Existem dois tipos de receptores de purinas: • Receptores P1 (subtipos A1, A2 e A3): respondem à adenosina. • Receptores P2 (subtipos P2X e P2Y): respondem ao ATP, ADP ou ambos. Os efeitos mais importantes da adenosina são: • Vasodilatação, redução da pressão arterial (A2). • Bloqueio da condução atrioventricular (A1). • Diminuição da força de contração (A1). • Broncoconstrição (A1) em indivíduos asmáticos (o efeito anti- asmático das metilxantinas é um resultado do bloqueio A1/A2) e broncoconstrição (A3) secundária a uma ativação dos mastócitos. • Inibição da agregação plaquetária (A2). • Neuroproteção na isquemia cerebral (A1) e isquemia coronária (A2) através da inibição da função celular e da redução das necessidades metabólicas das células. • Reduz a atividade motora, deprime a respiração, diminui a ansiedade e causa sonolência (efeitos opostos às metilxantinas). A agregação plaquetária é um dos principais efeitos do ADP. O clopidogrel (antagonista dos receptores de ADP de plaquetas) é um bom antiagregante plaquetário que neutraliza essa função primordial do ADP. As funções do ATP como transmissor rápido convencional no sistema nervoso central e nos gânglios autônomos estão relacionadas aos receptores P2X. Este nucleótido participa em vários tipos de células do músculo liso em muitas regiões do cérebro, na transmissão de dor, em caso lesão tecidual e no sistema imunológico (nenhum medicamento ainda foi desenvuelto com utilidade clínica). 39 INFLAMAÇÃO E RESPOSTA 5 IMUNITÁRIA 1. REAÇÃO INFLAMATÓRIA AGUDA. A reação inflamatória / imunitária aguda está localizada nos tecidos devido à presença de um patógeno ou substância nociva e consiste em dois componentes: • Resposta imunitária inata: é ativada logo após uma infecção ou lesão. Seus mediadores são gerados a partir de células e plasma. • Resposta imunitária adaptativa: só se desenvolve se o patógeno foi previamente reconhecido pela resposta inata. A resposta adaptativa é muito mais efetiva e específica que a anterior. 2. RESPOSTA IMUNITÁRIA INATA (não específica). A maioria dos patógenos compartilha estruturas essenciais ou padrões moleculares associados ao patógeno (PMAP) que são reconhecidos por receptores de reconhecimento ou Toll (RLT) localizados nos macrófagos de tecidos. A interacção de um PMAP com um RLT faz com que os macrófagos dos tecidos liberem citocinas pró-inflamatórias, tais como a interleucina- 1 (IL-1) e o fator de necrose tumoral (TNF-α), que atuam nas células endoteliais das vênulas póscapilares, produzindo dilatação vascular, exsudação de fluidos e expressão de moléculas de adesão nas superfícies celulares. O exsudado líquido contém os componentes das cascatas de enzimas proteolíticas (sistemas do complemento, da coagulação, fibrinolítico e de cininas) que causam a lise bacteriana. Diversos mediadores (histamina e prostaglandinas PGE2 e PGI2) gerados pela interação de microorganismos com o tecido produzirão vasodilatação e aumentarão a permeabilidade vascular. Graças às moléculas de adesão, os leucócitos aderem e migram através do endotélio vascular para o patógeno, onde é fagocitado e destruído. Na inflamação participam células presentes nos tecidos (células endoteliais vasculares, mastócitos e macrófagos teciduais) e células do sangue (plaquetas e leucócitos). Os leucócitos são divididos em: - células polimorfonucleares ou granulócitos: neutrófilos, eosinófilos e basófilos. - células mononucleares: monócitos e linfócitos. 40 Os mastócitos possuem receptores para uma classe de anticorpos (imunoglobulina IgE) e para os componentes do complemento (C3a, C5a), liberando histamina, principalmente, heparina, leucotrienos, PAF (fator ativador de plaquetas), interleucinas... A maioria dos medicamentos anti-inflamatórios interferem na síntese de uma importante família de mediadores derivados das células: os eicosanóides. Outros mediadores inflamatórios derivados das células são histamina, PAF, NO (óxido nítrico), neuropeptídeos e citocinas. 3. RESPOSTA IMUNITÁRIA ADAPTATIVA (específica). Os linfócitos são as células-chave na resposta imunitária adaptativa e são divididos em três grupos: • Linfócitos B: produzem anticorpos (resposta imunitária humoral). • Linfócitos T: destacam-se na primeira fase da resposta adaptativa e nas reações imunitárias mediadas por células. • Linfócitos "assassinos naturais" NK: são células linfoides com atividade na resposta inata não imunitária. A resposta imunitária adaptativa se desenvolve em duas fases: a) Fase de indução. As células apresentadoras de antígenos ou CPA fagocitam e apresentam o antígeno aos linfócitos T helper CD4+ e aos linfócitos T CD8+. Esses linfócitos T, ao reconhecerem o antígeno, sofrem uma expansão clonal das células, que também são capazes de reconhecer e responder a esse antígeno. b) Fase efetora. As células do clone diferem em: • Células plasmáticas: continuam a produzir anticorpos (se forem linfócitos B) ou fazem parte da resposta imunitária mediada por células, ativando macrófagos ou destruindo células infectadas por vírus (se forem linfócitos T). • Células de memória: sensíveisao antígeno (a resposta à segunda exposição será amplificada e será mais rápida). A fase efetora dependerá de respostas mediadas por: * Anticorpos: - ativação seletiva do sistema de complemento. - fagocitose mais efetiva. - ligação anticorpo-parasita que facilita sua destruição. - neutralização direta de alguns vírus. * Reações celulares: -Linfócitos T CD8+ destroem a célula infectada pelo vírus. -Linfócitos T CD4+ que liberam citocinas que ativam aos macrófagos para destruir patógenos intracelulares. 41 4. MEDIADORES DA INFLAMAÇÃO E DAS REAÇÕES IMUNITÁRIAS. a) Histamina. Amina sintetizada intracelularmente a partir do aminoácido L- histidina através da L-histidina-descarboxilase, armazenada nos mastócitos do tecido conjuntivo e nas células basófilas do sangue (existem elevadas concentrações no sistema digestivo, pulmão e pele) e liberada a partir dos mastócitos durante as reações alérgicas ou inflamatórias. Efeitos farmacológicos da histamina: • Estimula a secreção de pepsina e ácido clorídrico (receptores H2). • Produz contração do músculo liso intestinal e broncoconstrição (receptores H1). • Dilata os vasos sanguíneos (H1), aumenta a frequência e o débito cardíaco (H2), e aumenta a permeabilidade vascular (H1). Um agonista seletivo dos receptores H2 é o dimaprit e dos receptores H3 é a α-metil-histamina (inibe a liberação de neurotransmissores e apresenta uma possível utilidade na asma). Os antagonistas seletivos dos receptores H1 ou anti-histamínicos H1 (cetirizina) são usados em rinites e conjuntivites alérgicas, urticária aguda, picadas de insetos e erupções cutâneas alérgicas. Os antagonistas seletivos dos receptores H2 (cimetidina) são usados para reduzir a produção de ácido gástrico na úlcera péptica, hemorragia gastrointestinal, esofagite de refluxo, etc. Como antagonistas seletivos do receptor H3, temos a tioperamida. b) Eicosanóides. Os principais eicosanóides são os prostanóides (prostaglandinas e tromboxanos), os leucotrienos e as lipoxinas. A fonte mais importante de eicosanóides é o ácido araquidônico, um fosfolipídio que, graças à enzima fosfolipase A2, torna-se: • Araquidonato: através das enzimas cicloxigenases COX-1 e COX- 2 gera prostaglandinas e tromboxanos e, graças às lipoxigenases, é transformado em leucotrienos e lipoxinas. • Lisogliceril-fosforilcolina: precursor do fator ativador de plaquetas (PAF). 42 A COX-1 é uma enzima constitutiva que sintetiza prostanóides reguladores das respostas vasculares, enquanto COX-2 não está presente na maioria das células, mas é induzida por estímulos inflamatórios. Existem cinco classes de prostanóides (PGD2, PGF2α, PGI2, PGE2 e TXA2) e suas principais ações são: • PGI2 (sintetizada no endotélio vascular) e PGD2 (a partir dos mastócitos) produzem vasodilatação e inibição da agregação de plaquetas. • Tromboxano TXA2 (de origem plaquetária) induz vasoconstrição, agregação plaquetária e broncoconstrição. • PGF2α produz contração uterina e luteólise. • PGE2 predomina na resposta inflamatória e na febre. Nos receptores EP1, contrai o músculo liso bronquial e digestivo; nos receptores EP2, relaxa o músculo liso brônquico, digestivo e vascular, e com os receptores EP3 provoca a contração do útero e do músculo liso digestivo, a inibição da secreção de ácido gástrico e o aumento da secreção mucosa gástrica, etc. - Alprostadilo (PGE1). Indicado para manter aberto o canal arterial em neonatos com cardiopatia congênita. Também usado em disfunção erétil. - Misoprostol (PGE1). Eficaz na profilaxia da úlcera péptica em pacientes que tomam AINE. Contra-indicado na gravidez por ser uterotônico. - Dinoprostona (PGE2). Usada como indutora do parto. - Epoprostenol ou prostaciclina (PGI2). Indicado na hipertensão pulmonar primária e como alternativa à heparina na diálise renal. - Carboprost trometamina (PGE1). Usado para o tratamento da hemorragia pós-parto devida à atonia uterina. - Latanoprost (PGF2α). Usado no tratamento do glaucoma, pois reduz a pressão intraocular. Os leucotrienos causam broncoconstrição, aumento da secreção de muco, diminuição da pressão sanguínea (vasodilatação) e constrição dos vasos de resistência coronários. Eles são encontrados nos exsudatos inflamatórios e nos tecidos das doenças inflamatórias. Os antagonistas dos receptores de leucotrienos (zafirlucaste, montelucaste e pranlucaste) são indicados no tratamento sintomático crônico da asma. As lipoxinas atuam sobre os receptores específicos, opondo-se à ação de certos leucotrienos e exercendo um freio na reação inflamatória (o ácido acetilsalicílico induz a síntese de lipoxinas). 43 c) Fator ativador de plaquetas. Potente estimulador da agregação e ativação plaquetária. Mediador destacado de processos inflamatórios e alérgicos agudos e crônicos. Espasmogênio do músculo liso gastrointestinal e brônquico. Importante vasodilatador (exceto no coração, pulmão e rim) que também produz aumento da permeabilidade vascular. Os antagonistas competitivos do PAF e os inibidores da sua síntese são candidatos a fármacos anti-inflamatórios e antiasmáticos. d) Bradicinina. As ações farmacológicas da bradicinina são: • Vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular. • Causa dor. • Contração do músculo liso intestinal, uterino e brônquico. • Intervém na diarréia associada a doenças gastrointestinais. • Estimula a secreção nasofaríngea e a do sistema digestivo. • Desempenha um papel importante na pancreatite. Existem dois tipos de receptores de bradicinina, B1 (inflamação e hiperalgesia) e B2 (relaxamento do músculo liso vascular). Antagonistas B1 estão sendo desenvolvidos com utilidade em tosse e distúrbios neurológicos. Icatibant é um antagonista B2 com potencial aplicação na pancreatite aguda e alergias. e) Óxido nítrico. Óxido nítrico é um potente vasodilatador que exerce um efeito pró- inflamatório, pois aumenta a permeabilidade vascular e a síntese de prostaglandinas. Óxido nítrico inibe a agregação plaquetária e é um mediador na atividade citotóxica do macrófago contra bactérias, fungos e protozoários. A liberação de óxido nítrico é responsável da vasodilatação produzida pelos nitritos e nitratos como antianginosos. f) Neuropeptídeos. Eles provocam inflamação neurogênica, que intervém na fase tardia da asma, rinite alérgica, doença inflamatória intestinal... Os principais neuropeptídeos são substância P e neurocinina A (liberam histamina e outros mediadores) e CGRP (vasodilatador) ou peptídeo relacionado ao gene da calcitonina. 44 g) Citocinas. Mediadores produzidos e liberados pelas células do sistema imunitário durante a reação inflamatória. A grande família de citocinas consiste em: • Interleucinas: IL-1 intervém na resposta imunitária e inflamatória, tanto local como sistêmica. • Quimiocinas: Atraem ou recrutam leucócitos na área em que ocorreu lesão tecidual e inflamação. • Interferões: * IFN-α e IFN-β têm atividade antiviral e antineoplásica. * IFN-γ é um indutor de reações imunitárias celulares. • Fatores estimulantes de colônias: Estimulam a proliferação e diferenciação das células progenitoras hematopoiéticas. • Fatores de crescimento. • Fator de necrose tumoral ou TNF. 45 ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO 6 ESTERÓIDES 1. CARACTERÍSTICAS GERAIS. Os três principais efeitos terapêuticos dos AINE (anti-inflamatório, analgésico e antipirético) estão relacionados com a inibição da atividade das enzimas ciclooxigenases (COX), e, assim, com a inibição da síntese de prostaglandinas e tromboxanos, por estas drogas. A COX-1 é expressa na maioria dos tecidos e tem uma função de manutenção, pois participa na homeostase tecidual e na síntese de prostaglandinas e tromboxanos. A COX-2 é induzida em células específicas pela concorrência de várias citocinas e mediadores inflamatórios (IL-1 e TNF-α) sob circunstâncias patológicas, produzindo prostanóides responsáveis da inflamação. A importância terapêutica dos inibidores da COX-2 está na ação anti- inflamatória e analgésica eficaz sem osefeitos adversos típicos da inibição COX-1 (gastrointestinais, renais ou de coagulação). Os AINE têm uma ação analgésica, principalmente no nível periférico, inibindo a síntese das PG, impedindo que os eicosanóides aumentam a ação estimulante da dor de outros mediadores lá liberados (histamina, bradicinina...). Eles também realizam uma ação analgésica central na medula espinhal, uma vez que as PG facilitam a transmissão das fibras aferentes da dor. Os AINE são antipiréticos graças à inibição central da síntese de PG no hipotálamo (centro regulador da temperatura). Os anti-inflamatórios não esteróides, através da inibição da síntese de PG e tromboxanos, reduzem a atividade vasodilatadora, quimiotáctica e sensibilizadora das terminações sensoriais destes prostanóides. Os AINE são mais eficazes na inflamação aguda e dificilmente melhoram a evolução real da doença subjacente crônica. A ação antiagregante plaquetária (efeito inibitório da COX-1) não é compartilhada na mesma extensão por todos os AINE. O ácido acetilsalicílico (AAS) exerce um efeito inibitório da ciclo- oxigenase irreversível, inibição que é resolvida na maioria das células com a síntese de novas moléculas de COX, excepto nas plaquetas (a COX é inibida durante todo o tempo de vida das plaquetas, por isso é aconselhável interromper o tratamento com AAS uma semana antes da cirurgia). 46 Alguns AINE têm ação uricosúrica, ou seja, aumentam a excreção de ácido úrico: fenilbutazona, sulfinpirazona, altas doses de salicilato e baixas doses de diflunisal. Outros AINE, como o sulindaco, além da ação inibitória da COX, eliminam os radicais livres de oxigênio reduzindo os danos teciduais de certas doenças. 2. REAÇÕES ADVERSAS. As PG estão envolvidas na citoproteção gástrica, a agregação das plaquetas, o aparecimento de febre, a sensibilização das fibras aferentes aumentando o efeito da bradicinina (responsável pela dor), a atividade pró-inflamatória, a auto-regulação vascular renal e a indução do parto. Os efeitos colaterais mais comuns dos AINE são os efeitos de localização gastrointestinal: dispepsia, diarreia, sangramento e úlcera gástrica. Estas drogas lesam a mucosa gastroduodenal, independentemente da via de administração (efeito local agudo e efeito sistémico). Os fatores de risco que predispõem a sofrer uma complicação ulcerativa são: • Idade acima de 65 anos. • História de úlcera péptica. • Hemorragia ou perfuração anterior. • Uso concomitante de corticóides. • Anticoagulação ou coagulopatia. • Doses elevadas ou de ação prolongada de AINE muito ulcerogênicos. • Doenças graves associadas (infecção, neoplasia...). A profilaxia da gastropatia por AINE é realizada com o misoprostol (análogo das PG), omeprazol, acexamato de zinco ou ranitidina (só previne as úlceras duodenais). Os AINE menos prejudiciais para a mucosa gástrica são: etodolaco, diclofenaco, ibuprofeno, nabumetona e salicilatos não-acetilados. Entre aqueles com risco intermediário de complicações gastrointestinais temos: AAS, sulindaco, diflunisal, naproxeno e indometacina; alguns AINE com alto risco gastrolesivo são: tolmetina, piroxicam, cetoprofeno, fenilbutazona e azapropazona. As drogas inibidoras seletivas da COX-2 tem uma atividade anti- inflamatória e analgésica significativa e um menor dano gástrico. Nabumetona, meloxicam, nimesulida e etodolaco mostram alguma seletividade para a COX-2, enquanto as drogas mais recentes com seletividade para a isoforma COX-2 são celecoxib, rofecoxib, valdecoxib, parecoxib e etoricoxib. Muitos destes "coxib" foram removidos por um aumento das complicações cardiovasculares (eventos trombóticos), especialmente se os pacientes estão em alto risco cardiovascular ou sua administração é prolongada por um longo tempo. Uma vez que todos os AINE inibem a agregação das plaquetas, com a excepção de inibidores da COX- 2, usaremos os “coxib", juntamente com as medidas gastroprotetoras, como uma alternativa aos AINE tradicionais em pacientes que não requerem a inibição da agregação plaquetária. 47 As nefropatías de tipo agudo desencadeadas por AINE ocorrem com um risco relativamente elevado nos idosos, crianças e doentes que sofrem de doença cardíaca, doença hepática ou neuropatias (situações patológicas onde a perfusão renal está comprometida). Estas reduções da função renal são devidas à inibição da síntese de prostanóides que são responsáveis pela manutenção da hemodinâmica renal (fenoprofeno, indometacina e fenilbutazona têm um risco relativamente elevado). O consumo prolongado e excessivo de AINE pode provocar uma nefropatia intersticial crônica que, finalmente, pode tornar-se necrose papilar e insuficiência renal crônica (nefropatia analgésica). O ácido mefenâmico e o sulindaco produzem frequentemente reações leves da pele, tais como prurido e erupções cutâneas. As reações de hipersensibilidade são menos comuns e podem ser de tipo alérgico (angioedema e choque anafilático) ou de tipo seudoalérgico (rinorreia, asma brônquica...). As reações hematológicas ocorrem com uma frequência muito baixa, mas devido à gravidade de algumas delas merecem a sua descrição. A maioria é devida a mecanismos imunitários (agranulocitose, anemia aplástica, trombocitopenia...) e algumas outras são conseqüências farmacológicas dos AINE (hemorragias devido ao excesso de atividade antiagregante). 3. SALICILATOS. a) Ácido acetilsalicílico (AAS). É o AINE mais antigo com atividade analgésica, antipirética, anti- inflamatória (o uso de outros AINE menos gastrolesivos é preferido) e antiagregante plaquetária (em doses baixas, inferiores às doses analgésicas). Atua inibindo irreversivelmente as cicloxigenases COX-1 e COX-2. Os efeitos adversos mais frequentes são: • Hemorragia digestiva leve e assintomática em doses terapêuticas. • Reações broncospásticas em pacientes que sofrem de asma, alergias e pólipos nasais causadas pelo AAS. • Salicilismo: tontura, zumbido, perda auditiva (desenvolve-se em altas doses cronicamente). • A intoxicação por sobre-dosificação causa efeitos no sistema nervoso central: zumbido, confusão, agitação, dificuldade respiratória ... • Síndrome de Reye em crianças e adolescentes com acessos febris agudos derivados de infecções virais (encefalopatia hepática aguda). No envenenamento por salicilatos, o centro respiratório é diretamente estimulado, aumentando a ventilação e produzindo-se alcalose respiratória (como mecanismo compensatório, aumenta a eliminação renal de bicarbonato). 48 Doses mais elevadas de salicilatos podem causar uma depressão respiratória com retenção de dióxido de carbono, à qual a diminuição do bicarbonato está ligada, obtendo-se uma acidose respiratória não compensada. A acidose respiratória, juntamente com a acidose metabólica (conseqüência do acúmulo de metabólitos ácidos), constitui uma emergência médica. O AAS é utilizado, além das inúmeras aplicações terapêuticas dos AINE, como antiagregante plaquetário na prevenção da trombose cerebral e coronária e na profilaxia do IAM. b) Acetilsalicilato de lisina. Sal solúvel do AAS, com suas mesmas indicações, que permite a administração oral e parenteral (maior eficácia na dor aguda). c) Diflunisal. Também inibe a síntese de prostaglandinas. Tem boa eficácia analgésica, baixa atividade antiinflamatória e antipirética, e em doses baixas é uricosúrico. É usado em dor leve ou moderada associada a traumatismos, cirurgia, extrações dentárias, doenças reumáticas e dismenorréia. Seu uso é reduzido. d) Fosfosal. Salicilato não acetilado muito solúvel em água (menos efeito gastrolesivo) com efeito antiagregante plaquetário mínimo e pouca potência analgésica. Em desuso. e) Salsalato. Salicilato não acetilado insolúvel no suco gástrico que se dissolve e absorve no intestino (pouca irritação gástrica) e que tem um efeito antiagregante plaquetário mínimo. É usado na artrite reumatóide. Seu uso está diminuindo. A tabela da próxima página descreve algumas das principais aplicações terapêuticas dos anti-inflamatórios não esteróides.
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