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ACCOUNTABILITY E TRANSPARÊNCIA PÚBLICA AULA 1 Prof. Fernanda Alves Andrade Guarido 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, nos dedicaremos aos fundamentos da accountability e seus mecanismos. Vamos nos debruçar sobre pesquisas anteriores que se propuseram a compreender o significado do termo no Brasil, e identificar os meios de realização, fazendo classificações. Também vamos identificar na prática o que se entende por accountability. Ao final, verificaremos que uma só palavra não define accountability – por ser polissêmica e multidimensional (Taylor, 2019, p. 1318), envolve ações distintas, com atores e papeis diversos. Veremos ainda que a accountability é muito importante nos estados democráticos, sendo forte nos locais em que há maturidade política e consciência do poder de atuação dos administrados. TEMA 1 – ACCOUNTABILITY – CONTEXTO E REALIDADE BRASILEIRA O termo accountability, não tem uma definição precisa na língua portuguesa. Dessa forma, há dificuldade em traduzi-lo, pois uma só palavra não o define. Contrariamente, nos Estados Unidos se fala muito em accountability, pois o norte-americano, com o emprego da palavra, logo compreende de que se trata. Essa observação é parte um estudo feito na década de 1990 pela professora Ana Maria Campos. Seu artigo é um dos primeiros a tratar da accountability no Brasil. É certo que há diferença nas relações entre a Administração Pública, e aquilo que é público no Brasil e nos Estados Unidos. Isso decorre das características culturais de um e outro e país. A forma de as pessoas se relacionarem com o Estado é diferente no Brasil e nos Estados Unidos. Da mesma forma, não se pode esquecer que existe um vínculo entre linguagem e cultura, que colabora na identificação, qualificação e, em suma, no conhecimento da realidade (Campos, 1990). Dessa forma, características da cultura brasileira poderiam ser responsáveis pela inexistência de um conceito preciso do termo accountability em nossa terra. A professora Ana Maria Campos passou a investigar, assim, de que forma o governo se relacionava com os cidadãos; de que maneira os cidadãos viam o governo e o Estado como um todo; como os servidores lidavam com os cidadãos; e como as pessoas em geral lidavam com o que era público (bens, recursos, entre outros). 3 Em 1990, observou-se que a pobreza política do brasileiro, a ausência, a fraqueza ou a pouca legitimidade das instituições e a falta de bases para as instituições brasileiras (características que favoreceram a existência de uma democracia formal no Brasil, marcada pela aceitação passiva do domínio do Estado) eram fatores que conduziam à inexistência do termo accountability no país. Quer dizer, os cidadãos brasileiros não tinham a cultura de exigir seus direitos, que estão no papel, na Constituição, nas leis, mas muitas vezes não se concretizam. Por sua vez, os cidadãos tinham uma relação de subordinação em relação ao Estado, favorecendo a existência de um “Superestado” (governo autoritário) e de “subcidadanias” (cidadãos subservientes). Observemos que, em 1990, há apenas dois anos de promulgação de nossa Constituição da República, também inexistia compromisso do cidadão brasileiro com qualquer forma de associativismo, ou com a gestão, o que favorecia a dominação do Estado. Quer dizer, o texto constitucional já favorecia a participação política do cidadão brasileiro, mas este ainda não era senhor de seus direitos, pois ainda estava descobrindo o texto da Constituição, construindo o seu sentido. Por isso, ainda não eram comuns e nem frequentes as associações de defesa de direitos dos cidadãos, e menos ainda a participação política dos cidadãos na gestão pública. Nossas instituições eram fracas. Por esses – e outros – motivos, a democracia brasileira era fraca, e alternava entre períodos de autoritarismo e populismo. Dessa forma, a fraqueza do tecido institucional determinava a ausência de controles do público sobre o Estado (Campos, 1990, p. 37). A fraqueza da imprensa como instituição, a falta de transparência nas organizações burocráticas do governo, a debilidade das instituições políticas, o baixo nível de organização da sociedade civil, a fragmentação cívica e ética das instituições – são evidências de uma democracia formal (Campos, 1990, p. 37- 9). Por outro lado, a Administração Pública brasileira era marcada pela centralização política e administrativa e pela ausência de participação dos indivíduos (por si ou por suas associações) nas políticas públicas (Campos, 1990, p. 40). A democracia brasileira, logo após a promulgação da Constituição, era formal, ou seja, constava das leis, mas ainda não se concretizava em ações diárias. Por exemplo, a constituição assegurava a existência de conselhos de comunidade, mas eles ainda estavam sendo descobertos, ainda estavam em 4 formação. Da mesma forma, a ação popular, as audiências públicas, as consultas públicas, apesar de constarem do texto constitucional, ainda não eram uma realidade. O mesmo pode ser dito dos orçamentos participativos, do dever de informação, todos presentes em regras, mas ausentes ou fracos na prática. Lembremos também que nossas instituições, encarregadas do controle, ainda estavam em estágio inicial, tal como o novo papel do Ministério Público, os Tribunais de Contas, as Corregedorias, entre outros. Enquanto a realidade no Brasil era de uma democracia formal, nos Estados Unidos a democracia não tinha tais características. Afinal, sendo uma democracia moderna, ali se considera natural que o governo e a gestão “sejam responsáveis perante os cidadãos” (Campos, 1990, p. 30). Quer dizer, lá há uma maior participação do cidadão na gestão pública e nem todos os serviços são de responsabilidade do Estado – e mesmo quando são, o cidadão está mais presente, é mais consciente acerca do que se faz, como se faz, opina acerca do gasto público, participa da gestão. Daí se percebe que o cidadão é ator responsável na existência e no processamento da accountability. Observemos que existe uma correlação entre accountability e democracia. É que ela é natural e corriqueira (constante) nos países onde há menos distância entre administrados e governo – isso nos locais em que há mais igualdade, menos autoridade e menos hierarquia. Por isso, pode-se afirmar que a accountability se relaciona com valores democráticos, tais como “igualdade, dignidade humana, participação e representatividade” (Campos, 1990, p. 33). O conceito é encontrado, dessa maneira, em ações, a exemplo do controle da gestão pública, sendo realizado, sobretudo, pelos destinatários das políticas públicas. Mecanismos de controles internos, ferramentais, estruturas e regras só serão efetivos se os cidadãos, individualmente ou por suas associações, participarem das políticas públicas, seja em sua construção, seja na entrega dos resultados. Isso envolve uma série de ações, que serão efetivas se realizadas concomitantemente, tais como: o exercício adequado da cidadania, desde o ato de votar, até o acompanhamento da gestão dos detentores de mandato eletivo; a participação na decisão acerca das políticas públicas a serem realizadas; o desenvolvimento de novos relacionamentos com os servidores públicos e com o Estado, nos quais não haja subserviência, nem clientelismo por 5 parte dos cidadãos, mas uma postura de equidade (o Estado e os servidores públicos não são melhores, nem mais sábios do que qualquer cidadão); o uso adequado de ferramentas que medem produtividade e desempenho; a formulação de leis e outros atos normativos que definam condutas e responsabilidades; a efetiva verificação e cobrança acerca do cumprimento das obrigações pelos gestores públicos (sejam servidores públicos lato sensu, agentes políticos, ou ainda particulares imbuídosde funções públicas). TEMA 2 – DEFINIÇÕES INICIAIS Accountability se relaciona, por assim dizer, com resposta e com responsabilização. A responsabilidade pode ser encarada pelo próprio indivíduo como um dever moral, ou como um dever advindo de um regulamento. A responsabilidade advinda de um dever moral está atrelada àquilo que o indivíduo acredita, ao modo como esse indivíduo conduz a sua vida, às crenças que norteiam o seu agir. É uma responsabilidade subjetiva, que vem do sujeito, internamente. Por outro lado, há a responsabilidade objetiva, isto é, decorrente da existência de regras que preveem sanções para os casos de descumprimento das obrigações que a própria regra cria. Na responsabilidade objetiva, o indivíduo faz o que deve ser feito, não porque acredita que está fazendo o que é correto, mas sobretudo porque a desobediência gera um resultado não desejado – uma penalidade. Na responsabilidade objetiva, cumprem-se obrigações. Dessa maneira, accountability se relaciona, também, com o cumprimento de uma obrigação. Postas essas questões contextuais, já é possível definir o termo. Para Paludo (2013, p. 135), “A noção de accountability encontra-se relacionada com o uso do poder e dos recursos públicos, em que o titular da coisa pública é o cidadão, e não os políticos eleitos”. O conceito auxilia na compreensão do que envolve a accountability, mas ainda é impreciso na definição de seus contornos. É que falta entender o que os cidadãos devem fazer em relação ao uso do poder e dos recursos públicos. Matias-Pereira (2010, p. 71) ressalta: “O termo accountability pode ser considerado o conjunto de mecanismos e procedimentos que levam os decisores 6 governamentais a prestarem contas dos resultados de suas ações, garantindo- se maior transparência e a exposição das políticas públicas”. Para realizar a accountability, devem ser adotadas ferramentas e processos voltados à prestação de contas daquilo que se fez estando à frente da gestão pública. Mas a accountability realmente ocorrerá se a resposta for dada quanto ao alcance do resultado que as ações praticadas pelos gestores públicos acarretaram. Quer dizer, as ferramentas e os processos de prestação de contas devem mostrar os resultados da ação. Somente assim estamos sendo verdadeiramente transparentes, se há, de fato, uma justificação acerca do como se atuou. Essa resposta deve ser dada aos cidadãos e aos encarregados do controle, visto que nos Estados Democráticos o controle também é exercido pelos órgãos previstos na estrutura governamental (tribunais de contas, controladorias, entre outros). Independentemente das características de cada país, estudos ressaltam que, em regra, ela decorre da transparência, da fiscalização e da sanção, sendo influenciada pela capacidade de agir das instituições de controle e pela dominância política de cada Estado. Vejamos o trecho a seguir como reflexão: sejam quais forem as idiossincrasias das experiências individuais de países com relação ao equilíbrio de accountability, os princípios básicos sugerem que accountability (A) é resultado da transparência (T), fiscalização (F) e sanção (S), moderados pelo grau de efetividade (E) das instituições, ajustado pelo grau de dominância política (D). essa abordagem pode ser resumida da seguinte maneira: A= (T+ F+ S) * (E – D). (Taylor, 2019, p. 1318) A citação quer dizer que a fórmula pode ser aplicada de forma ampla, em vários níveis de análise (por exemplo, dentro de um setor do governo, ou na relação entre governo e sociedade) e diferentes setores políticos (por exemplo, estados, municípios e mesmo países, ou ainda setores, segmentos, entre outros). Com essa fórmula, podemos verificar modos de alcançar os objetivos da accountability, dado que sua estrutura analítica permite identificação de escolhas estratégicas sobre políticas públicas. Vamos considerar, por exemplo, um tribunal de contas que realmente fiscaliza (uma instituição efetiva), com liberdade em relação a quem está no poder (baixo grau de dominância política). Em uma realidade como essa, as chances de as ações de transparência, fiscalização e sanção serem efetivas são maiores. Nesse cenário, pode-se alcançar a accountability. 7 TEMA 3 – TIPOS DE ACCOUNTABILITY Já sabemos que a accountability abarca múltiplas ações, sendo dominantes ações de transparência, fiscalização e sanção. Mas é preciso pensar ainda em como ocorre a accountability, quem são as pessoas envolvidas, e se é possível definir uma tipologia (espécies de accountability). Pensamos que sim. Podemos falar em accountability vertical e em accountability horizontal. A primeira (accountability vertical) advém do controle exercido pelos cidadãos e pela sociedade em relação aos governos e agentes políticos. Esse tipo de accountability pressupõe o controle exercido por desiguais (Paludo, 2013, p. 137), isto é, por agentes não estatais (cidadãos e sociedade) a agentes estatais (agente públicos e agentes políticos) (Mota, 2006, p. 43). Para ser autêntico, esse tipo de accountability demanda uma relação de respeito entre representantes e representados. Na accountability vertical, o detentor de mandato eletivo (agente político) representa o cidadão e, nessa condição, deve agir segundo seu juízo, em respeito aos contornos legais, buscando concretizar aquilo que ele sabe ou acredita ser a vontade de seus representados (Mota, 2006, p. 17). O primeiro exemplo de accountability vertical é aquele exercido por meio de eleições, com o instrumento do voto. O plebiscito e o referendo são exemplos de accountability vertical, pois também são exercidos pelo voto. O ato de representar demanda uma certa discricionariedade, que permitirá, dentro dos contornos legais, a realização de escolhas que devem conduzir à concretização da vontade dos representados. Os deveres de motivação e de publicidade, entretanto, são inafastáveis aos agentes políticos, para que se permita entender, analisar e mesmo julgar as ações dos agentes políticos (Mota, 2006, p. 17). É preciso lembrar, entretanto, que mesmo agindo dentro da legalidade, nem sempre o representante eleito vai fazer aquilo que seus representados desejam ou esperam. A liberdade de associação e a liberdade de opinião dos eleitores surge como o contrapeso necessário à garantia da accountability (Mota, 2006, p. 21). Mas ela só é possível se houver transparência em relação aos atos praticados pelos agentes políticos e pelos governos (agentes públicos). Da mesma forma, é necessário garantir liberdade de expressão política, de modo que se tenha uma autêntica democracia, na qual se observe a accountability vertical (Mota, 2006, p. 21). Nesse sentido, o associativismo dos cidadãos ocupa 8 um lugar central, pois a partir dele é possível expressar aos agentes políticos o que se pensa e o que se deseja em relação à gestão em exercício. O associativismo também pode conferir poder para demandar, controlar. Por isso, a liberdade de expressão e de associação representa um contrapeso democrático de grande importância na democracia representativa (Mota, 2006, p. 22). Atos de publicidade realizados na sociedade civil ou na imprensa também constituem exemplo de accountability vertical, pois podem servir ao exercício do controle. O mesmo se passa com o voto, que permite uma accountability realizada periodicamente a cada eleição. Mas somente a accountability vertical não garante aos agentes políticos e aos agentes públicos (servidores públicos em geral, e quem lhes faça as vezes) a responsabilização necessária, a fim de garantir ações legítimas (entendidas como aquelas desejadas pelos representados). Por conta disso, outros instrumentos são necessários, a exemplo de leis que estabeleçam obrigações. Tais instrumentos, tais arranjos institucionais constituem a accountability (Mota, 2006, p. 25). Assim, sãoprescritas regras, que quando desobedecidas vão acarretar sanções aos agentes políticos (e/ou aos agentes públicos). O segundo tipo, a accountability horizontal, diz respeito ao controle exercido pelos poderes ou pelos órgãos decorrentes. Diz-se horizontal por ser um tipo de controle exercido de agente estatal para outro agente estatal (Mota, 2006, p. 43). O controle exercido pelo Ministério Público, pelo Tribunal de Contas, pelo Legislativo, pelas Controladorias e por agências fiscalizadoras qualifica-se como controle horizontal. O controle horizontal será entre iguais (controle entre os poderes) ou entre autônomos (controle realizado por agências fiscalizadoras e por órgãos dos poderes) (Mota, 2006, p. 14). São exemplos de controle horizontal: Ações de improbidade administrativa movidas pelo Ministério Público em desfavor de agentes políticos. Instauração de Tomada de Contas Especial pelo Tribunal de Contas da União em relação a atos de gestores do executivo federal. Podemos citar outras classificações feitas para o termo accountability. No conceito de accountability política, por exemplo, estão presentes as dimensões de (1) informação, (2) justificação e (3) punição (Schedler, citado 9 por Paludo, 2013, p. 135). Mas o que isso quer dizer? Informação e justificação são meios de promover transparência da ação, são meios de resposta, conhecidos pelos teóricos como answerability (informação + justificação). Já a dimensão de punição, chamada de enforcement pelos teóricos estrangeiros, completa a dimensão do controle atribuída à accountability. Para resumir, podemos afirmar que, juntas, essas dimensões da accountability (informação, justificação e sanção ou answerability e enforcement) visam evitar e corrigir o abuso de poder político (Schedler, citado por Mota, 2006, p. 46). É preciso atentar, portanto, para a importância do elo entre as dimensões da accountability, pois isoladas elas não alcançam a accountability de fato. Por exemplo, informação e justificação, sozinhas, são um tipo de transparência, mas não são accountability. Em suma, para que exista accountability, a possibilidade de punir deve estar presente. Assim, considerando a accountability política, no exercício do poder é obrigatório haver transparência, devendo-se noticiar e explicar as ações tomadas. Se houver desvio das finalidades a que o atributo de poder conduz, deve haver sanção, a fim de coibir os desvios. Cumprindo com tais deveres, as dimensões de accountability podem conduzir a uma gestão transparente. Como funciona? Pense em um político, em pleno exercício de seu mandato eletivo. Um prefeito, por exemplo, que prometeu fazer uma obra de saneamento em bairros da cidade. Como fiscalizar tal ação? Podemos fazê-lo observando o PPA – Plano Plurianual. A obra está lá? Em que ano foi planejada? Quanto foi reservado para a obra? Há verba destinada? Ela foi realizada? Houve publicação dos atos inerentes à licitação? O contrato celebrado foi publicado? A obra foi realizada no tempo previsto? Verificando as páginas de publicações oficiais, pode-se garantir que as publicações foram feitas, se o contrato foi executado... e, diante da ausência da ausência, a dimensão de enforcement pode atuar, por meio das instâncias de controle (Tribunais de Contas, Ministério Público, punindo-se os responsáveis) A accountability necessita, para ser efetiva, de mecanismos institucionais fortes. Tais mecanismos podem ser diversos: uma lei com alto poder de coerção, um Tribunal de Contas e um Ministério Publico atuantes e muito respeitados, entre outros. Após tudo o que já vimos, podemos afirmar que existem mecanismos institucionais que asseguram accountability no Brasil (Mota, 2006, p. 2). Na Constituição de 1988, muitos desses mecanismos foram enaltecidos. 10 O próprio fato de integrarem o texto constitucional já lhes confere força normativa com potencial de concreção. A existência de conselhos da sociedade, audiências públicas, eleições periódicas, direito à informação e à liberdade de expressão, o dever de prestação de contas, o Ministério Público e seu papel bem-definido, os Tribunais de Contas, entre outros, são exemplos de mecanismos institucionais de accountability. Há ainda outras classificações feitas para o termo accountability (Paludo, 2013, p. 135): Accountability societal – aquele tipo de controle exercido por organizações da sociedade civil. Investigação e denúncia de abusos cometidos por detentores do poder no exercício de funções públicas, quando feitas por ONGs (Organizações Não Governamentais), são exemplo de accountability societal. Accountability econômica – o termo envolve a obrigação de prestar contas, como também o uso de boas práticas de gestão. Envolve ainda a possibilidade de responder pelos atos e resultados decorrentes da atuação do gestor. O Centro Latino-americano de Administração para o Desenvolvimento – CLAD é uma organização internacional e intergovernamental criada nos anos 1970. Propõe construir um novo modelo de Estado para a América Latina no século XXI. O CLAD surgiu em 1972, com os governos de México, Peru e Venezuela. Ele é respeitado por diversas entidades sérias voltadas ao desenvolvimento. A finalidade do CLAD é promover o desenvolvimento da gestão pública. Para tanto, firma convênios de cooperação com diversas entidades. A accountability é considerada pelo CLAD como crucial para o desenvolvimento dos Estados. Assim, em seus estudos, o CLAD definiu outras formas de realização da accountability. São elas: formas administrativas e políticas ou democráticas. Tal subdivisão ainda permite a classificação das formas gerenciais de responsabilização. Nas primeiras (formas administrativas), tem-se o controle de procedimentos, o controle de resultados e a competição administrada (CLAD, 2006). Mas como agem esses controles? Eles atuam de várias formas, seja na verificação da obediência a ritos internos, na verificação do alcance de 11 resultados, seja no estímulo para o desenvolvimento de ações benéficas para a unidade administrativa. É importante observar que, no controle de procedimentos, a atuação se dá pela verificação da eficiência; isto é, atenta-se se o rito estabelecido para a realização da função pública está sendo cumprido. Lembramos que obedecer ao rito envolve seguir regras e protocolos internos. Já na atuação pelo controle de resultados, o que se busca é a aferição do alcance de metas. Por fim, a competição administrada envolve o estabelecimento de estímulos e premiações para o cumprimento de metas pré-estabelecidas. Por fim, temos as “formas democráticas de accountability”. Trata-se de uma classificação por meio da qual podemos observar uma atuação por meio de supervisão parlamentar, exercida pelo Legislativo em relação aos demais poderes, notadamente o Executivo, esfera em que o termo accountability ganha relevo especial. Por exemplo, uma Câmara de Deputados pode solicitar ao Executivo que envie relatórios dos gastos que realizou. Outro exemplo: a criação de cargos públicos no âmbito do Executivo só pode ocorrer mediante lei. Também nessas formas democráticas há o “controle social”, que cuida de formas diretas de accountability exercidas pelos indivíduos. O exemplo clássico é o voto, por meio do qual um cidadão pode decidir se colabora para eleger ou não um dado político. Fala-se ainda em formas gerenciais de responsabilização, que têm ligação com o modo de gestão da coisa pública. Nessa seara, estão o controle por resultados e por competição administrada e o controle social. Aqui, importam, entre outros princípios, dar poder de ação ao gestor, priorizando o resultado da política pública, estimulando o modus operandi do gestor e conferindo transparência à gestão, de modo que o indivíduo seja partícipe e não cliente (Bresser-Pereira, 1998).Taylor (2019, p. 1318) afirma que accountability é um conceito multidirecional, e não somente vertical ou horizontal. Em seu entendimento, está presente a ideia de múltiplas ações que desencadeiam processos de accountability, bem como o envolvimento, não somente de sancionamento de comportamentos inadequados, mas também de monitoramento constante e potencial de investigação da conduta do ator governamental. O conceito abarca ainda, segundo Taylor (2019), a prevenção de transgressões. 12 TEMA 4 – OS AGENTES E A ACCOUNTABILITY Chegou o momento de estudar as pessoas envolvidas com a accountability, isto é, os agentes ou os atores. Escolhemos uma teoria para abordar o assunto. Trata-se da teoria agente-principal. Segundo a teoria do agente-principal, a accountability envolve a atuação de dois atores: o principal e o agente. Por essa teoria, o principal delega autoridade para que o agente atue em seu nome. A delegação, isto é, o ato de autorizar que alguém atue em nosso nome, tem a finalidade de promover a execução de algo que seja do interesse da parte que delega. Na teoria, o principal delega poderes ao agente. O agente é o gestor público, o político, enfim, aquele que atua na gestão pública. O principal é o cidadão. Nessa relação (agente e principal), é preciso considerar a assimetria de informações. Assimetria é o mesmo que diferença, desigualdade. Assim, no nosso caso, o agente (gestor ou agente público), que atua no exercício do poder que lhe foi delegado, tem informações que o principal (o cidadão) não tem. Nesse contexto, assimetria quer dizer desigualdade de informações. Devemos considerar ainda que os interesses do agente (gestor ou agente público) podem não coincidir com os do principal (cidadão), impactando na efetividade dos objetivos da relação obrigacional pactuada. Quer dizer, há risco de, chegando ao poder, o gestor público buscar a realização de interesses pessoais, ao invés de interesses públicos, com os quais havia se comprometido. Relembrando: consideramos, portanto, como principal, aquele que contrata uma obrigação, e agente aquele que se obriga a realizá-la. Assim, em regra os cidadãos confiam aos gestores públicos a obrigação de gerir os bens públicos. Por exemplo, o principal na accountability vertical deve ser entendido como o indivíduo ou a sociedade. O agente é o agente público. Pela teoria principal-agente, considera-se, portanto, que o agente possui interesses e informações que podem não ser os mesmos do principal. Assim, a assimetria (desigualdade) de informações é um problema a ser considerado para a efetivação da accountability. Já na accountability horizontal, considera-se que a relação se dá entre agentes, posto que nos dois pólos da relação há atores que desempenham obrigações atribuídas, segundo interesses públicos, na estrutura institucional vigente. Segundo Robl Filho e Garcia Junior, 13 A função das instituições democráticas passaria pelo estabelecimento de um processo de responsabilização do agente por meio das suas ações e omissões, assim como da aplicação de sanções adequadas para o caso em que os agentes não concretizem os interesses do principal ou descumpram as normas legais. (Robl Filho; Garcia Junior, 2018, p. 15) A accountability ganha força, assim, quando há mecanismos de enforcement, isto é, mecanismos de coerção aptos a compelir o agente a cumprir com o que podemos chamar de mandato. Tal como visto anteriormente, acontece que o mandato do agente muitas vezes não é vinculante, razão pela qual espera-se que ela aja segundo os interesses dos principais. Os políticos, por exemplo, não estão vinculados às promessas de campanha. Dessa forma, os mecanismos institucionais têm o papel de norte, para compelir o agente a realizar o mandato. O agente terá alguma liberdade, portanto, mas os contornos gerais de sua atuação estarão pautados por mecanismos institucionais que o legitimam (ou não). A lei é um desses mecanismos. São exemplos de agentes: detentores de mandato eletivo, tais como prefeitos, governadores, presidente da República, além de agentes políticos e agentes públicos – servidores públicos em geral. São exemplo de principais: o povo, a sociedade, a comunidade, o indivíduo, o eleitorado, as associações. É preciso atentar para o fato de que a dimensão de justificação (resposta sobre as obrigações que devem ser cumpridas pelo gestor público) merece especial atenção neste tema. Assim, o gestor deve dar satisfação de seus atos. Logo, ao decidir, ele deverá justificar os fundamentos que o levaram à decisão. E por que é assim? Podemos responder com base no Direito: é que o exercício de função pública envolve agir conforme a lei. Por isso, dizemos que a Administração Pública é regida pelo princípio da legalidade (Carvalho, 2009). Assim, como o gestor público tem que dar especial atenção à lei, deve motivar seus atos, fundamentando-os, bem como indicando os pressupostos de fato e de direito que os motivaram. Quer dizer, ao tomar uma decisão, o gestor público não pode agir com autoridade, impondo-a. Ele deve decidir e explicar os motivos que o levaram a escolher um caminho ao invés de outro. Sempre que possível, ele deve escrever os fundamentos – presentes na lei – para a sua decisão. Com isso, os agentes públicos facilitam a verificação, que é inerente à atuação pública, permitindo a conferência da adequação legal (cumprimento da lei) e finalística (realização de metas, políticas públicas) do ato praticado. Quer 14 dizer, o gestor deve justificar o ato com base na lei e com base na finalidade da sua realização. TEMA 5 – A ACCOUNTABILITY EM NOSSO COTIDIANO Vimos que no Brasil de 1990 o termo accountability não apresentava correspondente, de modo que nos deparávamos com um termo impreciso em língua portuguesa. Não havia tradução para a palavra accountability. Em 1990, a Constituição da República tinha apenas dois anos de promulgação, mas seu texto já trazia diversos conteúdos que permitiam a realização da accountability, ainda que não se pudesse dizer com certeza o que ela era. É que a Constituição previu a existência de meios de atuação do Ministério Público e do Tribunal de Contas; incluiu formas de participação da sociedade na gestão; trouxe a ação a ação popular para o nosso cenário; instituiu Conselhos da Comunidade, entre outras previsões que se alinham à accountability. De 1990 para cá, muita coisa mudou. O texto da Constituição foi sendo descoberto, concretizado, através do exercício cotidiano dos atos de cidadania, como também das práticas da gestão pública. Os artigos da constituição relativos à accountability são explicados em ações concretas. Assim, o Tribunal de Contas, o Ministério Público, os Procons, as Defensorias Públicas, as Controladorias, os Conselhos, os Observatórios, entre outros, são instrumentos de accountability previstos ou possibilitados pela Constituição. Tais instrumentos, em suas áreas de competência, vêm desempenhando funções importantes para o controle da gestão pública. Em suma, vimos que a accountability se vale de mecanismos institucionais, e que a lei é um desses importantes mecanismos. Nesse sentido, o próprio texto da Constituição permitiu o desenvolvimento da accountability no Brasil. Mas ainda são válidas as indagações: será que já podemos definir o termo com precisão? A língua portuguesa já nos confere uma clara dimensão do termo? Já temos maturidade política suficiente para termos intimidade com a accountability e seu papel? Temos atores suficientemente maduros, cientes de suas obrigações e de suas prerrogativas no que tange ao controle? Para responder a essas perguntas, acreditamos que é preciso analisar a trajetória da democracia brasileira, além dos marcos da gestão pública, a fim de compreender se houve modificações na compreensão do que vem a ser a accountabilityno Brasil. Quer dizer, como a democracia brasileira se 15 transformou? Como a gestão pública se transformou? Podemos afirmar que são muitas transformações, e que elas se refletem no dia a dia do brasileiro. Passados os anos, reconheceu-se que a Constituição da República consolidou importantes mecanismos de accountability, a exemplo do orçamento participativo, dos conselhos e do plebiscito, entre outros já mencionados. Tais mecanismos permitem a participação da sociedade nas políticas públicas (Pinho; Sacramento, 2009). Mas não é só isso. Ainda podemos citar outras mudanças. As reformas gerenciais, por exemplo, simbolizam um avanço em prol da realização da accountability no Brasil. Entre elas, a reforma gerencial ocorrida no interior da Administração Pública, em 1995, se apresentou como marco de mudança no modo de gerir a Administração Pública. O Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado – PDRAE, com as modificações no controle da gestão pública, foi considerado um instrumento de modernização. As reformas da Administração Pública brasileira, juntamente com a governança, são um tema que merece aprofundamento (Pinho; Sacramento, 2009). Nesse sentido, destaca-se a mudança no tipo de controle, que deixou de focar nos processos e nas formalidades em si, passando a olhar para os resultados. Ou seja, a Administração Pública aprendeu que um controle, atento apenas para o cumprimento da lei, ou para a sequência de ritos, não é suficiente e nem efetivo. Com isso, passou a olhar para a política pública como um todo, preocupando-se mais com o resultado das ações dos gestores, ao invés de atentar para a formalidade dos atos praticados. NA PRÁTICA Estudamos a dificuldade de os pesquisadores brasileiros definirem o termo accountability, algo que inclusive foi atribuído à relação existente entre linguagem e cultura (Campos, 1990). É importante estudar como, apesar da dificuldade de precisar o conceito, o termo é compreendido em instâncias encarregadas de fazê-lo. Pesquisando a jurisprudência selecionada do Tribunal de Contas da União – TCU, por exemplo, pode-se afirmar que, na prática, accountability é sinônimo de responsabilização. Assim concluímos porque, ao inserir a primeira como palavra-chave de pesquisa, são selecionados acórdãos que fazem menção à responsabilização. 16 Assim, ao pesquisar o termo accountability na jurisprudência, foram encontrados 243 acórdãos, com destaque para o termo responsabilização. Vale a pena transcrever alguns trechos, a título de ilustração: A presunção de corresponsabilidade do secretário municipal de saúde em relação à malversação de recursos do SUS (art. 9º, inciso III c/c art. 32, § 2°, da Lei 8.080/1990) é relativa e deve ser afastada na presença de evidências de que o gestor local de saúde não teve participação efetiva na gestão dos recursos. (Brasil. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 4785/2019. Data: 25.06.2019. Primeira Câmara. Relator: Marcos Bemquerer) Embora no enunciado acima não se encontre o termo responsabilização, nos indexadores, isto é, nos termos usados para selecionar o acórdão, consta o termo, que é também apresentado na jurisprudência do TCU quando se escreve o termo accountability. Percebe-se também no enunciado que o tema abordado é a responsabilização – no caso, isenção a um agente público local, quando não participou de atos de má gestão de recursos públicos por parte de agente público de outra esfera. Em outra ocasião, também na jurisprudência selecionada do TCU, lê-se: “Comando ministerial constante de portaria não justifica a violação de leis orçamentárias e ambientais. A burla de bloqueio orçamentário enseja a responsabilização do gestor”. (Brasil. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 0721/14-P. Data: 26.03.2014. Relator: José Mucio Monteiro). Esse acórdão evidencia a importância de se respeitar as receitas estimadas e as despesas constantes da Lei Orçamentária Anual – LOA. Burlá-la consiste em irregularidade grave, passível de responsabilização. O mesmo pode acontecer com quem burla metas, diretrizes ou programas previstos no Plano Plurianual – PPA ou na LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias. Nesse sentido, é importante lembrar que a LDO intermedia o médio planejamento do PPA em relação à LOA, pois é na LDO que devem constar as metas e prioridades do orçamento anual, a encargo da LOA (Deprá; Leal, 2017). No Judiciário, especificamente para o Superior Tribunal de Justiça – STJ, accountability é sinônimo de prestação de contas, consistindo em um princípio. Ao usar o termo para pesquisar, foram encontrados 5 acórdãos e 46 decisões monocráticas. Para ilustrar o que se expõe, é oportuna a citação da seguinte jurisprudência: 6. O sistema republicano brasileiro estabelece, em esfera federal, que é obrigação do Presidente da República apresentar, anualmente, ao Congresso Nacional as contas referentes ao exercício anterior (art. 84, XXIV da CF/88). Não há dúvida de que se trata de regra a ser adotada 17 em simetria pelos entes federados, por se tratar de importante dispositivo de accountability praticado nos tradicionais mecanismos de freios e contrapesos que plenificam o Estado Democrático de Direito e que afastam as práticas despóticas de órgãos governamentais. 7. Por conseguinte, é imperativo que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem assim como a todos os gestores da coisa pública, apresentem aos órgãos de controle as contas de dinheiros, bens e valores que venham a ser arrecadados e utilizados em obrigações de natureza pecuniária. 8. E, para conhecimento dos cidadãos, cabe aos entes efetuar a disponibilização de informações em portais de transparência, dotados de ampla divulgação, para acompanhamento do emprego dos recursos públicos, consoante dispõe a LC 101/2000. [...] (Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Resp n. 83.1965. Data: 29.08.2017. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho) No site eletrônico da CGU, a pesquisa com o termo accountability conduz a informações e normas que remetem ao tema governo aberto e integridade pública. A accountability igualmente surge como termo associado a estratégias de combate à corrupção. FINALIZANDO Vimos que o termo accountability não tem, no Brasil, uma precisão conceitual. Com o amadurecimento de nossa democracia, aprendemos acerca de suas dimensões de informação, justificação e punição (ou prestação de contas, transparência e responsabilização). O conceito pode ser associado, entre outros, a atos de controle, responsabilização e prestação de contas. Mas simplificá-lo ou isolá-lo em um desses atos é perigoso, pelo desprezo indevido a todas as dimensões da accountability. Fala-se em diversos tipos de accountability: os tipos horizontal e vertical ganharam espaço nas pesquisas. Na vertical, temos atos de fiscalização e controle sendo exercidos pelos cidadãos, sozinhos ou por meio de associações. Esse tipo de accountability tem forte ligação com democracias amadurecidas e cidadãos politizados. A accountability horizontal é aquela que ocorre por meio de agentes estatais: controles internos (controladorias, ouvidorias, setores de controle interno), Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Tribunais de Contas. Os atores envolvidos na accountability envolvem, segundo a teoria, um agente (agente público) e um principal (aquele que outorga o mandato; geralmente é o povo e o interesse público primário a ele atrelado). Assim, há a figura de alguém que age para realizar uma política pública, e esse alguém deve prestar contas de seus atos. Para que o mandato outorgado seja cumprido, é necessário que certos mecanismos sejam desenvolvidos, a fim de assegurar que 18 o agente não se desviará dos compromissos que assumiu. Isso fica fácil de compreender se pensarmos em políticos eleitos, com a obrigação de cumprir as promessas ou os planosapresentados durante a campanha. Tais promessas e planos devem estar atrelados a interesses públicos. Há, na estrutura institucional, mecanismos que vão fazer com que os agentes não se desviem das promessas antes realizadas. O PPA, a LDO e a LOA são leis orçamentárias nas quais constam as políticas públicas de médio (PPA) e de curto prazo (LDO e LOA). Por sua vez, os controles interno e externo, no cumprimento das funções institucionais (aquelas ligadas às próprias finalidades dos órgãos), estão encarregados de verificar o cumprimento dessas políticas e punir ou seguir a responsabilização quando houver desvio. O Ministério Público e o Judiciário também apresentam papel importante. O primeiro, ao investigar e provocar o judiciário para a responsabilização civil e criminal dos agentes que desviarem de seus deveres. Os Tribunais de Contas, no exercício do controle externo, na guarda de bens e dinheiro público, poderão responsabilizar agentes públicos faltosos com seus deveres. O povo, por fim, é o detentor do autêntico poder de controlar. No Brasil, pouco a pouco o povo descobre instrumentos de controle que estão a seu dispor. Os Conselhos da Comunidade, presentes na Constituição da República; as audiências públicas, as consultas públicas, os orçamentos participativos, a ação popular, entre outros, são mecanismos que permitem que o controle seja exercido pelo povo (individual ou coletivamente). O dever de justificar é inerente ao exercício da função pública. Isso envolve motivar os próprios atos e documentar o que se faz, permitindo, em suma, a compreensão do que foi realizado no exercício da função pública, a fim de se aferir se o meio utilizado foi adequado, se a finalidade pública a que se destina foi atendida, e se o meio utilizado era o mais interessante e viável, entre as opções existentes. É inafastável, ao agente público, a motivação, isto é, a justificação de suas funções. Afinal, aquilo que o agente público faz deve estar atrelado ao cumprimento de interesses públicos, sendo que muitas vezes até mesmo a forma de praticar o ato aparece discriminada no regramento vigente. A justificação deve ser realizada, portanto, pelos agentes públicos, a fim de que seja possível verificar que as obrigações, contraídas ou impostas funcionalmente, foram todas cumpridas. 19 Caso o agente público desvie das funções que lhe são atribuídas e/ou de suas obrigações legais, ele deve ser responsabilizado. Os mecanismos de coerção, ou seja, de imposição de cumprimento das regras, são fundamentais para assegurar que o agente público cumprirá seus deveres ou suas funções institucionais. Caso não o faça, sofrerá sanções que podem variar, a depender de quem realiza a accountability – pode ser a perda de eleições posteriores (accountability social); a imposição de uma multa (accountability horizontal exercida, por exemplo, por um Tribunal de Contas); ou a cassação de direitos políticos (sentença transitada em julgado aplicada por um juiz no exercício da função jurisdicional). Os mecanismos de responsabilização ou enforcement têm, assim, um importante papel na accountability. É certo, pois, que a accountability é um termo multidimensional, que pode ser exercido de maneiras diversas, podendo se destacar, segundo o CLAD (2006): formas administrativas de responsabilização a. controle de procedimentos b. controle de resultados c. competição administrada formas políticas ou democráticas de controle d. supervisão parlamentar e. controle social (democracia direta) formas gerenciais de responsabilização f. controle por resultados g. controle por competição administrada h. controle social 20 REFERÊNCIAS BRESSER-PEREIRA, L. C. Reforma do estado para a Cidadania: a reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional. 2 ed. São Paulo: Editora 34, 2011. CAMPOS, A. M. Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português? Revista de administração pública, v. 24, n. 2, p. 30-50, 1990. CARVALHO, R. M. U. Curso de Direito Administrativo. 2 ed. Salvador: Jus Podvim, 2009. CLAD – Centro Latino-americano de Administração para o Desenvolvimento. A responsabilização na nova gestão pública latino-americana. In: BRESSER- PEREIRA, L. C.; GRAU, N. C. (Coords.). Responsabilização na administração pública. São Paulo: Clad/Fundap, 2006. DEPRÁ, V. O. B.; LEAL, M. C. H. Fiscalização do orçamento público: accountability e controle social da atividade financeira do Estado. Revista do Direito Público, Londrina, v. 12, n. 3, p. 216-241, dez. 2017. MATIAS-PEREIRA, J. Curso de Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2010. MOTA, A. C. Y. H. A. Accountability no Brasil: os cidadãos e seus meios institucionais de controle dos representantes. 250f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. PALUDO, A. Administração Pública. 3 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. PINHO, J. A. G.; SACRAMENTO, A. R. S. Accountability: já podemos traduzi-la para o português? Revista Administração Pública, Rio de Janeiro, p. 1343- 1368, nov. / dez. 2009. ROBL FILHO, I. N.; GARCIA JUNIOR, R. Corrupção: uma análise a partir da economia institucional e da accountability horizontal em busca da efetividade do controle da administração pública. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, v. 10, p. 478-497, jul.-dez. 2018. 21 TAYLOR, M. M. Alcançando a accountability: Uma Abordagem para o Planejamento e Implementação de Estratégias Anticorrupção. Revista da Controladoria-Geral da União, v. 11, n. 20, p. 1311-1330, 2019.
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