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Leonardo Vinícius Ribeiro Moreira BBPM III - Farmacologia O coração contém dois tipos de miócitos cardíacos – os que espontaneamente podem iniciar potenciais de ação e os que não o fazem. As células capazes de iniciar potenciais de ação espontâneos são denominadas células marca-passo. Todas as células marca-passo exibem automaticidade, isto é, a capacidade de despolarizar de maneira rítmica acima de um limiar de voltagem. A automaticidade resulta na geração de potenciais de ação espontâneos. As células marca-passo são encontradas em nó sinoatrial (nó SA), nó atrioventricular (nó AV) e sistema de conduçãoventricular (feixe de His, ramos do feixe e fibras de Purkinje). Em seu conjunto, as células marca-passo constituem o sistema de condução especializado que governa a atividade elétrica do coração. O segundo tipo de células cardíacas, as células não marca-passo, inclui os miócitos atriais e ventriculares. As células não marca-passo sofrem contração em resposta à despolarização e são responsáveis pela maior parte da contração cardíaca. Em situações patológicas, essas células não marca- passos podem adquirir automaticidade e, portanto, também atuam como células marca-passo. Os fármacos podem atuam no ritmo cardíaco influenciando: 1) Potencial diastólico máximo das células marca-passo; 2) Velocidade de despolarização da fase 4; 3) Potencial limiar; 4) Duração do potencial de ação. Leonardo Vinícius Ribeiro Moreira BBPM III - Farmacologia As causas de disfunção elétrica no coração podem ser divididas em defeitos na formação do impulso e defeitos na condução do impulso. No primeiro caso, a automaticidade do nó SA é interrompida ou alterada, resultando em batimentos omitidos ou batimentos ectópicos, respectivamente. No segundo caso, ocorre alteração da condução do impulso (p. ex., no caso de ritmos de reentrada), podendo haver arritmias sustentadas. Em condições patológicas, a automaticidade pode ser alterada quando as células marca-passo latentes assumem o papel do nó SA como marca- passo do coração. Quando a frequência de disparo do nó SA se torna patologicamente lenta, ou a condução do impulso de AS está comprometida, pode ocorrer um batimento de escape, no momento em que um marca-passo latente inicia um impulso. A disfunção prolongada do nó SA pode resultar em séries de batimentos de escape, conhecidas como ritmo de escape. Por outro lado, um batimento ectópico ocorre quando as células marca-passo latentes desenvolvem uma frequência de disparo intrínseca, que é mais rápida que a frequência nodal SA, em alguns casos a despeito de funcionamento normal do nó SA. Isquemia, anormalidades eletrolíticas ou aumento do tônus simpático podem resultar em séries de batimentos ectópicos, denominadas ritmo ectópico. Ocorrem pós-despolarizações quando um potencial de ação normal deflagra despolarizações anormais adicionais. Ou seja, o primeiro potencial de ação (normal) deflagra oscilações adicionais do potencial de membrana, podendo levar a arritmias. São dois os tipos de pós- despolarizações: as precoces e as tardias. Se a pós-despolarização ocorre durante o potencial de ação incitador, ela é denominada pós despolarização precoce. Condições que prolongam o potencial de ação tendem a desencadear pós- despolarizações precoces. Especificamente, pode haver pós- despolarização precoce durante as fases de platô (fase 2) ou de repolarização rápida (fase 3). Durante a fase de platô, como, em sua maioria, os canais de Na+ estão inativados, uma corrente de Ca2+ para dentro da célula é responsável pela pós-despolarização precoce. Por outro lado, durante a fase de repolarização rápida, os canais de Na+ parcialmente recuperados podem conduzir uma corrente de Na+ para dentro da célula, que contribui para a pós-despolarização precoce. Se uma pós-despolarização precoce for sustentada, pode resultar em um tipo de arritmia ventricular, denominado torsades de pointes. Ao contrário das pós-despolarizações precoces, as pós-despolarizações tardias ocorrem pouco depois do término da Leonardo Vinícius Ribeiro Moreira BBPM III - Farmacologia repolarização. As altas concentrações de Ca2+ intracelulares levam a uma corrente de Na+ para dentro da célula, que, por sua vez, deflagra a pós-despolarização tardia. O segundo tipo de distúrbio elétrico do coração envolve defeitos na condução do impulso. Em condições patológicas, a alteração da condução do impulso pode resultar da combinação de três mecanismos: reentrada, bloqueio da condução e vias acessórias. Ocorre reentrada de um impulso elétrico quando um circuito elétrico autossustentado estimula uma área do miocárdio repetitiva e rapidamente. Duas condições devem estar presentes para que ocorra um circuito elétrico de reentrada: (1) bloqueio unidirecional (a condução anterógrada é proibida, enquanto a retrógrada é permitida); e (2) diminuição da velocidade de condução retrógrada. Quando o impulso chega ao ponto a, ele pode seguir seu percurso apenas pela via 1 (ramo à esquerda), uma vez que a via 2 (ramo à direita) está bloqueada unidirecionalmente na direção anterógrada. A condução do impulso ocorre através da via 1 e segue para o ponto b. Nessa junção, o impulso segue de modo retrógrado pela via 2 em direção ao ponto a. O tempo de condução do ponto b ao ponto a torna-se mais lento, dada a lesão celular ou a presença de células que ainda se encontram no estado refratário. Quando o impulso alcança o ponto a, as células na via 1 tiveram tempo suficiente para repolarizar e são estimuladas a continuar conduzindo o potencial de ação para o ponto b. Dessa maneira, as taquiarritmias resultam da combinação de bloqueio unidirecional e da diminuição da velocidade de condução na via anormal. Leonardo Vinícius Ribeiro Moreira BBPM III - Farmacologia – Bloqueadores dos canais de Na+ diminuem a automaticidade nas células do nó SA ao: 1) Deslocar o limiar para potenciais mais positivos; e 2) Diminuir a inclinação da despolarização da fase 4. O bloqueio dos canais de Na+ deixa menos canais disponíveis para abrir em resposta à despolarização da membrana, elevando, assim, o limiar para o disparo do potencial de ação e lentificando a taxa de despolarização. Ambos os efeitos estendem a duração da fase 4 e, por conseguinte, diminuem a frequência cardíaca. Embora as três subclasses de antiarrítmicos de classe I (classes IA, IB e IC) tenham efeitos semelhantes sobre o potencial de ação no nó SA, há importantes diferenças em seus efeitos sobre o potencial de ação ventricular. Antiarrítmicos da classe IA exercem bloqueio moderado sobre canais de Na+ e prolongam a repolarização tanto das células do nódulo SA quanto dos miócitos ventriculares. Por meio do bloqueio dos canais de Na+, esses agentes diminuem a velocidade de ascensão da fase 0, o que reduz a velocidade de condução através do miocárdio. Antiarrítmicos da classe IA também bloqueiam canais de K+, portanto, reduzem a corrente de K+ para fora da célula, responsável pela repolarização da membrana. Esse prolongamento da repolarização aumenta o período refratário efetivo das células. Em seu conjunto, a diminuição da velocidade de condução e o aumento do período refratário efetivo diminuem a reentrada. QUINIDINA: esse fármaco é o protótipo da classe. Possui um efeito anticolinérgico, o que aumenta a velocidade de condução atrioventricular. Pode causar cefaleia, tontura, diarreia e náuseas. Esse fármaco é contraindicado no prolongamento do intervalo QT. Leonardo Vinícius Ribeiro Moreira BBPM III - Farmacologia PROCAINAMIDA: possui pouco efeito anticolinérgico. Pode causar a síndrome like lúpus. Alémdisso, possui metabólito ativo, o NAPA, que tem efeitos de classe III. DISOPIRAMIDA: esse fármaco possui maior efeito anticolinérgico do que a quinidina. Pode causar retenção urinária e boca seca. Além disso, possui efeito inotrópico negativo, sendo contraindicada na IC descompensada. OBS: a disopiramida não está disponível no Brasil. Os antiarrítmicos da classe IB incluem a lidocaína, a mexiletina e a fenitoína. A lidocaína é o protótipo dos agentes da classe IB. Esses fármacos alteram o potencial de ação ventricular ao bloquearem os canais de Na+ e, algumas vezes, ao encurtarem a repolarização; este último efeito pode ser mediado pela capacidade dos fármacos de bloquear os poucos canais de Na+ de inativação tardia durante a fase 2 do potencial de ação cardíaco. Em comparação com os agentes antiarrítmicos da classe IA, que se ligam preferencialmente aos canais de Na+ abertos, os fármacos da classe IB ligam-se aos canais de Na+ tanto abertos quanto inativados. Por conseguinte, quanto maior o tempo durante o qual os canais de Na+ permanecem no estado aberto ou inativado, maior o bloqueio passível de ser exercido pelos antiarrítmicos da classe IB. A principal característica diferencial dos agentes antiarrítmicos da classe IB é a sua dissociação rápida dos canais de Na+. Como os canais de Na+ recuperam-se rapidamente do bloqueio dos agentes da classe IB, esses fármacos são mais efetivos no bloqueio dos tecidos despolarizados ou rapidamente impulsionados, em que há maior probabilidade de canais de Na+ no estado aberto ou inativado. Por conseguinte, os agentes antiarrítmicos da classe IB exibem bloqueio dependente do uso no miocárdio enfermo, no qual as células tendem a apresentar disparo mais frequente; esses antiarrítmicos exercem relativamente pouco efeito sobre o tecido cardíaco normal. LIDOCAÍNA: esse fármaco é o protótipo da classe. É metabolizado no fígado e, por conta disso, necessita de um ajuste de dose. Seu uso pode causar tontura e confusão. Além disso, seu uso não prolonga o intervalo QT. MEXILETINA: este fármaco é análogo a lidocaína. Não prolonga o intervalo QT e não tem efeito vagolítico. Seu uso pode causar náuseas e tremores. Sua eficácia é semelhante à da quinidina. OBS: a mexiletina não está disponível no Brasil. FENITOÍNA: esse fármaco possui efeito antiarrítmico limitado e é indutor de enzimas no CYP450 3A4. Os antiarrítmicos da classe IC são os mais potentes bloqueadores dos canais de Na+ e exercem pouco ou nenhum efeito sobre a duração do potencial de ação. Ao diminuírem acentuadamente a frequência de ascensão da fase 0 das células Leonardo Vinícius Ribeiro Moreira BBPM III - Farmacologia ventriculares, esses fármacos suprimem as contrações ventriculares prematuras. Os agentes antiarrítmicos da classe IC também impedem a taquicardia supraventricular paroxística e a fibrilação atrial. Entretanto, esses fármacos apresentam efeitos depressivos acentuados sobre a função cardíaca e, por tanto, devem ser utilizados com cautela. FLECAINIDA: esse fármaco é o protótipo da classe, no entanto, não está disponível no Brasil. – Os antiarrítmicos da classe II revertem a estimulação simpática tônica dos receptores β1-adrenérgicos cardíacos. Ao bloquearem os efeitos adrenérgicos dos potenciais de ação dos nós SA e AV, esses agentes diminuem a inclinação da despolarização da fase 4 (particularmente importante no nó SA) e prolongam a repolarização (especialmente relevante no nó AV). Esses agentes mostram-se úteis no tratamento das arritmias supraventriculares e ventriculares que são precipitadas por estimulação simpática. PROPANOLOL: fármaco de primeira geração com efeito antagonista não seletivo. ATENOLOL e METOPROLOL: fármacos de segunda geração com efeitos relativamente seletivos para beta-1. LABETALOL e CARVEDILOL: fármacos de terceira geração com efeitos antagonistas beta e vasodilatador. – Antiarrítmicos da classe III (bloqueadores dos canais de K+) diminuem a magnitude das correntes repolarizantes de K+ durante a fase II do potencial de ação e prolongam, portanto, a duração do potencial de ação. Esse prolongamento da Leonardo Vinícius Ribeiro Moreira BBPM III - Farmacologia fase de platô diminui a reentrada, mas também pode predispor a pós- despolarizações precoces. SOTALOL: esse fármaco atua tanto como da classe II por ser antagonista beta adrenérgico não seletivo que reduz a frequência cardíaca, quanto da classe III por bloquear canais de potássio, prolongando o potencial de ação. AMIODARONA: é principalmente um agente antiarrítmico de classe III, mas também atua como antiarrítmico das classes I, II e IV. Como potente agente de classe I, amiodarona bloqueia os canais de Na+ e, por conseguinte, diminui a frequência de disparo nas células marca- passo; Além disso, exerce atividade antiarrítmica de classe II pelo antagonismo não competitivo de receptores αlfa e de β- adrenérgicos. Por fim, como bloqueador dos canais de Ca2+ (classe IV), amiodarona pode causar bloqueio significativo do nó AV e bradicardia, embora, felizmente, seu uso esteja associado à incidência relativamente baixa de torsades de pointes. – Os fármacos que bloqueiam os canais de Ca2+ cardíacos atuam preferencialmente nos tecidos nodais SA e AV, uma vez que esses tecidos marca-passo dependem das correntes de Ca2+ para a fase de despolarização do potencial de ação. Em contrapartida, os bloqueadores dos canais de Ca2+ exercem pouco efeito sobre os tecidos dependentes dos canais de Na+ rápidos, como fibras de Purkinje e músculos atrial e ventricular. A principal ação terapêutica dos antiarrítmicos de classe IV consiste em tornar mais lenta a ascensão do potencial de ação nas células do nó AV, resultando em diminuição da velocidade de condução através do nó AV.