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Lei 10.639 e o Ensino de Geografia

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CURSO: Geografia DISCIPLINA: Mundo Contemporâneo I 
 
CONTEUDISTA: Gabriel Siqueira Corrêa e Diana da Silva Alves 
 
AULA 8 e 9 – A lei 10.639 e o ensino de Geografia: discutindo conteúdos 
além da África 
 
META DA AULA: 
 
Nessa aula espera-se que o estudante consiga estabelecer relações entre os 
debates sobre África, território brasileiro e a importância da lei federal 10.639/03. É 
fundamental que essa relação seja feita, pensando o papel no campo do ensino de 
Geografia. 
 
OBJETIVOS: 
Esperamos que após o conteúdo desta aula, o estudante seja capaz de: 
 
1. Entender o que é a lei 10.639 e o seu papel no campo do ensino de Geografia; 
 
2. Conhecer temas possíveis para trabalhar a lei 10.639/03; 
 
3. Ser capaz de propor estratégias para debater a questão étnico-racial na 
Geografia, trabalhando, por exemplo, o tema das comunidades remanescentes de 
quilombo. 
 
PRÉ-REQUISITOS: 
É fundamental para esta aula que o estudante tenha feito a leitura da aula 4 
a 7, dominando os conteúdos básicos sobre a África. 
CEDERJ – CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA 
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 
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INTRODUÇÃO 
 
Nas aulas anteriores, estabelecemos um diálogo para aprofundar o 
conhecimento sobre a África e os processos que envolvem a fragmentação, 
colonização e descolonização do continente. Podemos falar de certa forma, que 
traçamos um percurso baseado em três pontos: a) as leituras mais comuns sobre a 
África e seus estigmas; b) a importância na conscientização da produção de 
conhecimento sobre a África e a partir dos próprios africanos; e c) o debate sobre 
descolonização e os fatores internos e externos que foram importantes no processo 
de busca por soberania territorial das ex-colônias. 
Ao longo desse caminho tensionamos por diversas vezes conteúdos 
associados ao senso comum sobre o tema, que são reproduzidos em sala de aula, 
e precisam ser revistos urgentemente. É preciso compreender que o ensino de 
Geografia carrega grande potencial, apresentando-se como um interessante canal 
nessa discussão, pois o tema sobre África esta presente em diversos momentos ao 
longo do ensino fundamental e médio, seja através da leitura sobre a própria África; 
dos processos de colonialismo e imperialismo nas dinâmicas geopolíticas; das 
dinâmicas econômicas atuais com a formação de blocos econômicos; ou ainda do 
papel dos africanos e dos afrodescendentes na construção do território brasileiro. 
Dizemos isso não só pela importância do próprio conteúdo, mas também pela 
existência de uma lei (10.639/03) que torna obrigatório o ensino sobre o continente 
africano, e sobre o papel da população negra por todo território brasileiro. Nesse 
caminho, estabelecemos algumas perguntas para essa aula: Você conhece a lei 
10.639/03 (atual 11.645)? Saberia trabalhar temas vinculados a questão étnico-
racial e o ensino de Geografia? Quais seriam as propostas para trabalhar conteúdos 
sobre a África? Após a aula de hoje, esperamos que vocês sejam capazes não só 
de responder estas questões, mas que tenham autonomia para produzir sobre 
esses temas. 
 
1. A Lei 10.639/03 e o Ensino de Geografia 
 
 3 
Em 2003 foi promulgada a lei federal 10.639, fruto de lutas histórias e da 
intensa atuação do Movimento Negro Brasileiro, que desde os anos de 1930 disputa 
no campo da educação a inserção de conteúdos que demonstrem não só a 
presença da população negra, mas sua importância na construção histórica e 
produção do território brasileiro. Abaixo segue na integra o texto da lei que altera a 
LDB de 1996: 
Art. 1º A lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos 
seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B: 
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e 
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. 
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo 
da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra 
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição 
do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do 
Brasil. 
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados 
no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística 
e de Literatura e História Brasileira. 
(...) 
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional 
da Consciência Negra’. 
 
A leitura da lei, apesar de ser curta, traz uma complexidade para o campo de 
ensino e do currículo de Geografia que precisam ser explicitados e debatidos. Ela 
provoca algumas disputas por interpretações, principalmente em grupos que 
entendem que os currículos são apenas aglomerados de temas que precisam ser 
ensinados, o que resulta em uma leitura da lei como acréscimo de conteúdos, ou 
seja, um novo conteúdo para ser ensinado, junto a um conjunto de temas que já 
incham o currículo da educação básica (SANTOS, 2007). Essa visão deve ser 
http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L9394.htm#art26a
 4 
problematizada, afinal o currículo é um campo de disputa, um conjunto de temas e 
questões socialmente valorizados para serem ensinados. Outra tendência é a de 
reduzir a sua aplicação a disciplina de história e literatura, ignorando que a mesma 
lei aponta que deve ser tratada em todo o currículo escolar. 
Importante para ser abordado sobre a lei é a imensa gama de informações e 
conteúdos que ela estabelece, podendo ser vista como um dispositivo que 
reestrutura o currículo. A história da África e dos africanos, por exemplo, é um tema 
que abarca uma imensidade de estudos, questões, e problematizações, como vimos 
nas aulas anteriores, e que são pouco tratados hoje na escola. 
A luta dos negros no Brasil é outro tema que vai atuar de maneira conjunta 
com o negro na formação da sociedade nacional, levantando questionamentos 
acerca de todos os movimentos de lutas para o fim da escravidão, bem como toda 
a contribuição social passada e presente, e participação na formação e 
conformação do território brasileiro – dentro as quais a quilombagem, por exemplo, 
possui grande destaque e importância, mas pouco ou raramente é abordada no 
ensino de Geografia. 
Tem-se ainda o estudo da cultura negra brasileira, valorizando a participação 
do negro como agente cultural e produtor de conhecimento, o que inclui as esferas 
das religiões, musica, alimentação, costumes, escrita, conhecimentos técnicos etc. 
Podemos observar que atualmente o que se insere sobre o tema, restringe a 
contribuição negra a esfera da musica e alimentação, principalmente as vinculadas 
aos livros didáticos de Geografia (CORRÊA, 2013). E preciso entender a produção 
da cultura em uma dimensão política e de reconhecimento de saberes. 
Dessa forma, podemos entender que este conjunto de temas vai além da 
inclusão de uma gama de conteúdos no currículo escolar, e deve ser utilizada como 
instrumento capaz de auxiliar na construção de outras visões de mundo, mais 
plurais e diversas do que a perspectiva eurocêntrica, predominante na geografia 
escolar(SANTOS, 2009.) 
Um cuidado importante é que estes conteúdos propostos não devem ser 
tratados apenas como “adicionais”, ou trabalhados de forma pontual na semana do 
dia 13 de maio ou 20 de novembro. É necessário que eles façam parte dos 
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conteúdos que são ensinados na Geografia, já que este é um tema que atravessa 
blocos temáticos na disciplina. 
Podemos inclusive, usar a lei a partir de uma leitura de atuação em três 
vertentes de intervenção, para a superação de paradigmas no sentido de uma 
educação antirracista. Santos (2007) aponta que entre essas estratégias temos “ 
coordenação das relações cotidianas no âmbito escolar.; a transversalidade da 
temática racial pelas diferentes disciplinas, com revisão de materiais didáticos;e a 
utilização de métodos e técnicas pedagógicas alternativas quando necessário 
(SANTOS, 2007, pág. 24) 
Mas o que significam esses três aspectos? O que eles nos apresentam? 
Primeiro que a Lei 10.639 será um instrumento também de reflexão das relações 
raciais no cotidiano da escola, no combate ao racismo, indo muito além de propor 
novos temas sobre a África. 
 Ademais ela demonstra a importância de revisões de materiais didáticos 
largamente utilizados em sala de aula. Como temos abordado, será que os materiais 
didáticos produzidos recentemente contribuem para o combate ao racismo? Eles 
demonstram uma visão sobre a África que não seja associada unicamente aos 
estigmas de miséria? 
É provável que as respostas indiquem que grande parte do que foi publicado 
se concentra na própria perspectiva/visão de mundo eurocêntrica. O que nos mostra 
que só acrescentar conteúdos, utilizando os materiais existentes, acabaria 
transformando um instrumento de mudança, em um mecanismo de perpetuação 
dos estigmas. Aliada a essa revisão, surge uma demanda para a produção de outros 
materiais, textos, filmes, artigos etc, que contribuam para a formação continuada do 
professor que está em sala de aula. 
 
Boxe Multimídia : 
 
 6 
“ Cor da Cultura é um projeto 
educativo de valorização da cultura 
afro-brasileira, fruto de uma parceria 
entre o Canal Futura, a Petrobras, o 
Cidan - Centro de Informação e 
Documentação do Artista Negro, o 
MEC, a Fundação Palmares, a TV 
Globo e a Seppir - Secretaria de políticas de promoção da igualdade racial. O projeto teve seu início 
em 2004 e, desde então, tem realizado produtos audiovisuais, ações culturais e coletivas que visam 
práticas positivas, valorizando a história deste segmento sob um ponto de vista afirmativo.” Fonte: 
http://www.acordacultura.org.br/ 
 
Esse processo de produção/revisão e assim, construção, tem um papel 
fundamental para a aplicação da lei, pois evita a justificativa comum de professores 
não interessados em trabalhar a temática, de culpar a falta de materiais didáticos 
para trabalhar com os temas existentes na legislação. Ter contato com estes 
conteúdos, conhecendo outras leituras e noções sobre a África, também contribui 
para um contato com o tema que vá além do senso comum. 
Diante desse dispositivo jurídico, percebemos que as lutas ainda são muitas, 
mas as possibilidades que surgem também, tornando-se fundamental sua utilização 
na geografia, enquanto disciplina que aborda a formação do espaço mundial, bem 
como do território brasileiro. Ademais a lei 10.639/03 permite a valorização da 
identidade negra e a presença de sua grafia no território brasileiro, construindo 
pontes fundamentais para trabalhar não apenas a África a partir da lei. 
Portanto, mais que um instrumento para inserir ou revisar o tema da África, 
a lei possibilita reposicionar o aluno negro no mundo da educação, apresentando o 
papel desempenhado na formação do território brasileiro, não de maneira 
hierarquizada presente só no momento da escravidão, e sim mostrando todo o 
processo de resistência, conhecimento e construção ao longo desses séculos até 
os dias de hoje. 
Esse ordenamento jurídico vai, sobretudo, trazer uma grande crítica ao 
modelo curricular adotado em nossa sociedade, inclusive o de geografia. 
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Mas quais são as possibilidades de trabalho com a lei em sala de aula? Como 
podemos pensar estratégias de inserção desses temas? Quais conteúdos? 
Nesses percursos para pensarmos a aplicação da lei 10.639/03, é necessário 
um esforço coletivo de leitura e produção de materiais didáticos que contribuam com 
temas presentes no corpo curricular da própria geografia. Santos (2009) constrói 
um temário em que indica diversos pontos para trabalharmos estes conteúdos em 
diferentes momentos: i) raça e modernidade; ii) comunidades remanescentes de 
quilombo; iii) segregação de base racial; iv) Branqueamento do território; v) 
toponímia; vi) África e regionalizações, vii) Relações sociedade natureza, entre 
outros. 
Não há tempo nessa aula para destrincharmos todos estes pontos. Como 
estratégia, trabalharemos ao menos dois desses pontos. A África, que já foi 
apresentada nas últimas aulas, e as comunidades remanescentes de quilombo, 
entendendo suas territorialidades como resistência. Estes temas percorrem 
conteúdos do campo da Geografia, e podem ser explorados no ensino. 
[INÍCIO DA ATIVIDADE 1 ] 
 
Atividade 1 - Explique o que é a lei 10.63/03 e aponte ao menos duas 
consequências dela para o ensino de Geografia. 
 
Diagramação, favor deixar 5 linhas para a resposta 
 
Resposta Comentada 
O aluno pode abordar um resumo da lei ou suas interpretações: 
- A lei 10.639, traz obrigatoriedade na inserção de temas vinculados a África, e a 
participação e o protagonismo negro na formação do território brasileiro. 
-Ela visa combater a ausência desses temas em sala de aula, bem como as leituras 
preconceituosas presentes no cotidiano escolar, e materializadas nos livros 
didáticos. 
-Entre as consequências podemos citar a revisão desses materiais didáticos, a 
inserção de temas vinculados á questão étnico-racial, presença maior de imagens 
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de homens/mulheres negros/negras nos livros didáticos e formação de pós-
graduações com essa temática para estimular a formação continuada. 
 
Fim da atividade 
 
2. Temas e possibilidades para trabalhar a lei 10.639 no ensino de Geografia: 
o debate sobre a África 
 
Ao pensarmos os conteúdos referentes ao continente Africano, é preciso 
superar questões associadas à naturalização da dominação das metrópoles 
europeias sobre os reinos localizados na África, ou uma exposição centrada em 
mazelas, que inclusive podem ser encontradas em todos os continentes, e não se 
restringem a África. 
É necessário superar esses debates, e pensar a partir de raciocínios 
geográficos, por exemplo, discutindo o processo de roedura do continente e o 
choque de espacialidades (ver aula 4). Da mesma forma não podemos ignorar as 
formas de dominação e resistência que aconteceram no continente (ver aula 5), 
principalmente as formas que levaram efetivamente a descolonização, com 
destaque ao pan africanismo (ver aula 6), que possuiu papel fundamental no campo 
da produção do conhecimento de africanos e afrodescendente pelo mundo, bem 
como da configuração das lutas territoriais, que explicam também muitas das 
consequências políticas vistas atualmente. 
De certa forma, os conteúdos das aulas passadas nos ajudam a refletir sobre 
alguns tópicos que o professor pode aproveitar para aprofundar a partir de outras 
perspectivas. Sistematizaremos brevemente cinco deles, que você já possui um 
conhecimento mais abrangente: 
 
i) Processo de colonização e interiorização da influência europeia no continente 
africano, que não pode ser reduzida a ideia de “dominação” ou apenas a referência 
a Conferência de Berlim; 
 
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ii) Compreensão da escravidão como esvaziamento e fragilização das bases que 
constituíam laços territoriais. Assim a escravidão é um tema para o debate a partir 
de raciocínios espaciais, a medida que a saída de africanos do continente 
desestrutura organizações e modelos de produção variados e também de saberes; 
 
iii) Compreensão dos sistemas de dominação de características territoriais que 
foram implementados sob a justificativa da colonização e do Imperialismo. Sistemas 
esses que desestruturaram a produção agrícola e possuem consequências vistas 
hoje no campo da produção de alimentos em vários países. 
 
iv) Compreensão de fatores internos e externos que levaram a descolonização 
africana. Este tema é raramente abordado por autores do campo da Geografia, tanto 
pelo desconhecimento, quanto pela crença em classificar este como um conteúdo 
da história. Isso resulta, em um salto temporal da conferência de Berlim até o 
período atual, que não explica as formas de exploração territorial,ou as resistências. 
Outro problema é que frequentemente o final da Segunda Guerra Mundial é indicado 
como causa do fim da influência política europeia sobre a África. Nesse caminho o 
pan-africanismo nem mesmo é citado, como característica que estreita o laço e 
afirma uma negritude pelo mundo. 
 
Boxe multimídia 
 
Uma boa oportunidade para debater o continente 
africano com os estudantes é usando filmes que são 
de fácil circulação entre eles. Nesse caminho o 
recente filme “Pantera Negra”, apesar de abordar uma 
realidade fictícia, traz possibilidade para debates que 
podem ser incorporados em sala de aula. Entre eles 
podemos destacar: a) o confronto entre os 
protagonistas que discutem uma perspectiva de África 
unida em vários momentos, que são referências aos ideais do pan-africanismo; b) 
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a presença majoritária de atores negros em papeis principais, algo incomum até em 
filmes que abordam a realidade africana, e que são produzidos nos EUA; c) a 
presença de mulheres negras em posições de poder seja no comando ou 
manuseando tecnologia; d) discussão sobre recursos naturais e tecnologia. Isso 
para ficarmos só em quatro pontos que chamam atenção no filme. 
 
Esses tópicos, embora iniciais ajudam a entender e sistematizar um conjunto 
de conteúdos sobre África que já foram debatidos na disciplina. Porém, 
vislumbramos outras possibilidades a que o professor possa recorrer. 
Uma delas que possuí grande abrangência é referente a diáspora africana, 
que raramente é trabalhada na ciência geográfica, apesar de se tratar do 
movimentos migratório de maior dimensão dos últimos 70 anos. Pode haver a 
princípio um estranhamento, já que a palavra diáspora é normalmente vinculada 
aos povos judeus. Mas desde o final do século XX fala-se da diáspora africana para 
pensar o movimento de milhares de africanos escravizados em direção as 
Américas, em um número que chega a 12 milhões em algumas estimativas. O mapa 
abaixo nos oferece uma dimensão sobre como este processo ocorreu: 
Mapa I – Fluxo de africanos escravizados 
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Retirado de: https://www.thinglink.com 
 
Estes grupos marcaram os países de destino, através do contato, de trocas 
culturais e de conhecimento, ao serem inseridos em um novo contexto espacial, 
tendo que se adaptar a condições de trabalho forçadas, e a uma cultura 
predominante que criminalizava as suas formas de manifestação simbólica. Vale a 
pena lembrar que a discussão sobre pan-africanismo iniciou-se de forma externa ao 
continente Africano, exatamente com essa percepção da diáspora. Trabalhar esses 
movimentos migratórios possui imensa importância, para entendermos a 
pluralidade étnica por todo mundo, ou até mesmo para entender melhor o contexto 
latino americano, para onde grande parte dessa população foi deslocada. 
Além dessa diáspora no processo de escravidão, havia o movimento dos 
migrantes que saíram do continente africano desde os anos de 1950, em direção as 
antigas metrópoles, em busca de melhores condições de vida no contexto da 
descolonização. 
Muitos africanos partiram para territórios como França, Itália, Reino Unido, 
Espanha e Portugal, que devido à falta de mão de obra para exercer determinados 
trabalhos, não criaram barreiras, a princípio, contra essa migração. 
https://www.thinglink.com/
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Um exemplo da consequência desse processo de migração no período da 
descolonização, e até mesmo após ele, pode ser vista através do esporte, 
principalmente o futebol. Na seleção de futebol francesa dos 24 jogadores mais 
convocados no ano de 2016, quatro deles eram filhos de argelinos, além de contar 
com jogadores de ascendência do Congo, de Senegal e Angola. Por outro lado, dos 
24 jogadores da seleção argelina que disputou a Copa Das Nações Africanas em 
2016, 14 deles nasceram em território Francês. Casos semelhantes se repetem em 
2017, por exemplo, com jogadores da seleção da Bélgica, que possui três atletas 
filhos de congoleses, e três de marroquinos; seleção da Alemanha, que conta com 
jogadores filhos de ganeses, nigerianos e tunisianos; Inglaterra (cuja seleção sub17, 
campeã mundial é composta por oito filhos de nigerianos); e Portugal, que possui 
um interessante caso, em que o jogador que marcou o gol do título da Eurocopa 
(Copa disputada entre as nações europeias) nasceu na Guiné-Bissau. É possível 
ver através dessas equipes e do esporte, como a presença africana permanece em 
vários países europeus. 
 
Início do boxe multimídia 
 
O meia titular da seleção 
inglesa, quarta colocada na 
copa do mundo de 2018, 
Bamidele Jermaine Alli 
conhecido como Dele Alli, é 
príncipe da etnia Yorubá, maior 
grupo étnico-linguístico da 
Nigéria, representando cerca 
de 20% da população do país. 
Seu pai, Kehind Alli é um 
grande empresário nigeriano. 
Em entrevista apresentada pelo 
site “esporte.ig”, o ex-jogador John Fashanu, que também faz parte da tribo Yoruba 
disse que se Dele Alli fosse para Nigéria, ele teria chances de ser o rei dos Yorubás 
no país. 
 
Fonte: Esporte - iG @ http://esporte.ig.com.br/futebol/2017-01-06/dele-alli-principe.html 
 
Fim do boxe multimídia 
http://esporte.ig.com.br/futebol/2017-01-06/dele-alli-principe.html
http://esporte.ig.com.br/futebol/2017-01-06/dele-alli-principe.html
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Por fim ainda há o fluxo atual dos imigrantes africanos e asiáticos, fugindo de 
guerras e conflitos em direção ao continente europeu. As áreas de entrada, pela 
condição geográfica são principalmente Itália e Espanha, ou a Grécia, caminho 
possível ao atravessarem a Turquia, buscando entrar na Europa. Muitos deles, 
quando sobrevivem a travessia, são mandados de volta, ou sofrem com processo 
de xenofobia e racismo. 
Mapa 2: Fluxo de imigrantes na Europa. 
 
Retirado de: https://www.publico.pt/ 
 
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Esse debate inclusive gera uma ampla discussão sobre xenofobia e racismo. 
Muitos países europeus defendem políticas mais rígidas a entrada de imigrantes em 
seus territórios, sendo tema recorrente nas cúpulas da União Europeia. 
 
Imagem 1. Africanos tentam entrar na Europa 
 
Retirado de https://br.sputniknews.com/mundo/201505211084129/ 
 
Com essa breve introdução, queremos dizer que estes conteúdos estão 
presentes em todo currículo escolar. Mas cabe destacar que ensinar sobre África e 
os africanos vai muito além de ensinar sobre o continente africano. Os conteúdos 
estão presentes em temas como o ensino sobre o território brasileiro, do continente 
americano e da própria Europa. Afinal a diáspora é um fenômeno não só vinculado 
a deslocamento, mas a descendência e ancestralidade. 
 
3. Além da África: a questão quilombola e as formas de resistências no 
território brasileiro 
 
No tópico anterior trouxemos alguns elementos que nos ajudam a pensar a 
temática sobre a África, entre eles a diáspora. Mas é preciso reforçar que existem 
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outros temas necessários para trabalharmos a lei 10.639. Apesar de termos um 
temário amplo que poderíamos explorar, vamos trazer aqui a questão das 
comunidades quilombolas e das comunidades remanescentes de quilombos. Afinal, 
você sabe o que significa Quilombo? Qual a compreensão historiográfica e 
geográfica você tem do tema? Sabe citar algumas comunidades do passado além 
do Quilombo de Palmares? E sobre as comunidades remanescentes de quilombos 
atuais? É a mesma coisa dos quilombos antigos? Esperemos debater um pouco 
sobre o tema neste tópico, com o intuito de gerar uma base de debate que o 
professor possa trabalhar em sala de aula. 
 Em primeiro lugar, cabe destacar que este debate vem sendo realizado de 
forma mais intensa nas últimas três décadas. As comunidades remanescentes de 
quilombo ganham espaço no campo acadêmico, mas também pelos discursos 
produzidos no campo midiático e na fala de deputados estaduais e federais. Estas 
duas últimas associam-se geralmente em um discurso preconceituoso, baseados 
em uma historiografia desatualizada,que ignora a releitura dos debates mais 
recentes sobre quilombos e resistências do período escravocrata, e ainda, não se 
aprofunda nas realidades dessas comunidades, tanto no passado quanto no 
presente. Dessa forma, a exposição aparente na mídia e até mesmo nos debates 
realizados na câmara dos deputados, está usualmente atrelada a criminalização de 
grande parte das comunidades que requerem direito ao território, seja através de 
ofensas ou até mesmo pela perseguição aos direitos adquiridos. Mas afinal, o que 
se entende sobre comunidades quilombolas? 
Se formos tomar como referência o campo de ensino, quando se aborda a 
história da escravidão, principalmente a partir da ótica geográfica, esse processo 
aparece de forma breve e com saltos temporais que não tocam na superfície das 
relações de expropriação, nem nos mecanismos criados para sua manutenção. No 
ensino de Geografia, principalmente nos livros didáticos, o período da escravidão 
(que corresponde a todo período colonial e imperial) é usualmente retratado como 
um momento pré-capitalista na sociedade brasileira, ilustrada por quadros de Jean-
Baptiste Debret e Johann Moritz Rugendas. 
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Quadros de Mortiz Rugendas (A esquerda) e Jean-Baptiste Debret (a direita) 
 
 
 Menções a formas de resistência e lucidez dos africanos escravizados 
aparecem restritas, na maior parte dos casos a uma ou duas situações de revoltas. 
Entre os quilombos ganha dimensão o de Palmares, muitas vezes carregado de um 
excessivo simbolismo, que o transforma em única marca de resistência negra no 
período da escravidão. É possível que o estudante, após estudar o tema, tenha a 
impressão que a única forma de resistências perpetrada pelos africanos 
escravizados, se manifestou em Palmares. 
 Porém, uma simples leitura da legislação do período colonial nos mostra 
como os quilombos eram mais comuns do que o imaginário nacional normalmente 
coloca. As legislações do período nomeavam até a menor ameaça como 
quilombola, tendo como base uma descrição genérica e ampla. Dessa forma foi 
possível justificar diversos enquadramentos, e práticas de violência contra qualquer 
aglomeração de grupos negros. 
Entre estas legislações destaca-se a criada pelo Conselho Ultramarino em 
1740. Após Palmares, os portugueses procuraram criar mecanismos na legislação 
que atentassem para formas de resistência negra, que ameaçavam a existência da 
escravidão. Esta medida apontava que eram considerados quilombos “Toda 
habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que 
não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”. 
Após a leitura atenta, é possível perceber que este modelo foi pautado em 
um paradigma isolacionista, atrelado à fuga ao sistema escravocrata, situado em 
lugares distantes de difícil acesso, capacidade de produção de alimentos e 
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construção de moradias, o que indica uma capacidade de se fixar no território. Esse 
modelo foi criado como norma para repreensão já que atraia mais a atenção das 
autoridades por infligir danos diretos a riqueza das elites, o que resultou em maior 
atenção a esta estratégia em específico. 
Mas será que essa era a única forma de resistência que resultou em 
ocupações de território, durante e posterior a escravidão? As pesquisas com fontes 
históricas recentes dizem que não. Nas leituras vemos uma mudança de quilombo 
enquanto fuga para quilombo enquanto grupo composto por inúmeros sujeitos que 
construíam relações multifacetadas e negociavam processos de autonomia e 
liberdade (GOMES, 1995). 
Entre as informações que enriquecem o debate temos discussões sobre a 
complexidade das características referentes às comunidades quilombolas, 
encontradas em levantamos históricos sobre casos de quilombo pelo Brasil inteiro. 
Segundo Gomes (1999), essa complexidade envolve: 
i) Localização: a partir dos mais distintos ambientes urbano\rural, dos 
espaços em florestas, cidades ou sertões, e no próprio ambiente de 
trabalho forçado, seja diretamente nos engenhos ou outros espaços 
das fazendas e/ou minas; 
ii) Temporalidades: alguns com duração mais longa, chamados de 
geracionais que não se restringiam a um abrigo imediato, mas algo 
que necessitasse de uma organização e estrutura, enquanto outros 
eram temporários organizados para durarem dias, e às vezes meses, 
buscando uma perspectiva mais móvel. 
iii) Objetivos: também poderiam variar, de comunidades mais dispersas 
que envolviam uma forma de sobrevivência imediata frente ao perigo 
da fuga, até projetos de liberdades mais ambiciosos relacionados a 
uma nova forma de viver. 
iv) A relação estabelecida com a escravidão: mudava de acordo com 
a situação, haviam grupos que usavam e eram usados pelo sistema 
escravocrata. 
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v) As estratégias de resistência e conflito também dependiam dos 
fatores citados anteriormente. Dos quilombos móveis e ágeis que se 
dissolviam com facilidade, pois não tinham uma estrutura tão 
elaborada, e possuíam um grau de autonomia e de menor tamanhos, 
até os maiores, fixos e estruturados politicamente. 
Sem levarmos em consideração as alianças estabelecidas entre africanos 
livres ou escravizados, indígenas, populações pobres, taberneiros, e até 
fazendeiros que compravam seus produtos a um custo mais barato, possibilitando 
uma revenda com lucros. Essas características já nos mostram a multiplicidade de 
situações para pensar a questão quilombola, que vão muito além do que é posto 
usualmente para todos nos no processo de ensino-aprendizagem. 
Assim existiam os quilombos que: 
a) Se desenvolviam de maneira independente, comercializando com 
economias locais; 
b) Outros que viviam dos saques; 
c) E ainda existia “(...) o aquilombamento caracterizado pelo protesto 
reivindicatório dos escravos em relação a senhores(...).” (GOMES, 2006, p. 34) que 
exprime a existência de concessão por parte das elites, com o intuito de acomodar 
as tensões provenientes do sistema escravocrata. 
d) Existiam até mesmos os quilombos que aquilombavam a fazenda ao 
serem recapturados, chegando a negociar direitos com os donos das fazendas. 
Essas negociações estavam associadas ao fim de castigos corporais, a 
existência do tempo de descanso, e concessão de pedaços de terra para a 
plantação, e folga aos domingos. 
No final do período escravocrata, diversos grupos chamados de quilombolas, 
ou grupos que poderiam assim ser chamados pela sua forma de gestão territorial 
pautada na resistência ou convivência coletiva, viviam incorporados ao campesinato 
– principalmente os localizados distantes do centro, onde a opressão era menor 
devido a pouca visibilidade. Eles viviam em áreas afastadas dos centros urbanos, 
cuja valorização do espaço ainda era baixa, por não estarem integradas as regiões 
mais dinamizadas. 
 19 
Mas também existiam outros, que se integraram e eram aceitos no sistema, 
localizados no entorno de áreas urbanizadas, como ocorria na região de Minas 
Gerais, na proximidade das zonas de mineração. Estes, ainda que pequenos, 
atraiam escravizados, descontentes com a expropriação do trabalho nas lavras, e 
com o fim da escravidão permaneceram ocupando fazendas abandonadas, assim 
como aqueles quilombos que aquilombavam as fazendas. 
Existiam ainda aqueles grupos que estavam há tanto tempo nas fazendas e 
produziam nas mesmas, que ao final da escravidão, com os fazendeiros já em 
situação decadente no que diz respeito ao potencial de investimento, tiveram as 
terras recebidas através de doação. Essa é uma situação comum, que abarcou 
centenas de comunidades negras, que permaneceram nas áreas onde foram 
escravizadas, e hoje se veem em meio à disputa jurídica pela terra em que sempre 
viveram. 
É preciso apontar, que como forma de resistência os quilombos estiveram 
presentes em todos os espaços dos ciclos econômicos. Esse é outro fator que 
permite falar que eles não estavam isolados. 
Diante dessascaracterísticas, podemos entender que quilombo antes do ano 
de 1889, expressa uma diversidade de territorialidades e criação de redes de 
solidariedade, informação, comércio e conflito. É em diferentes casos: refúgio, 
protesto, revolta, resistência. Da mesma forma expressa, em amplos e variados 
sentidos, sentimentos de mudança não apenas de uma ordem escravocrata, mas 
seu elemento constituinte de racismo. Lembremos que a escravidão voltada a 
população negra, com o investimento intelectual que a sustentou, possuiu e utilizou 
a ideia de raça como elemento de constituição de sua base, de forma que sem a 
raça enquanto conceito biológico e/ou bíblico era impossível justificar/explicar a 
escravidão direcionadas a populações negras. 
Com o fim da escravidão, a denominação quilombola perde sua força 
enquanto instrumento que autorizava incursões, violência e genocídio contra grupos 
negros. De certa maneira, a questão quilombola que aparece como um problema 
durante mais de três séculos, deixa de ser um problema de Estado em tal período. 
As formas de genocídio mudam e se adaptam as novas condições e formas de 
 20 
denominações e exclusão. Esquecer o quilombo como problema passa a ser 
estratégia para governamentabilidade adotada que desejava se afastar das marcas 
da escravidão, tanto no sentido do imaginário nacional, como também da presença 
negra no território. 
Importante nesse debate percebermos como as comunidades quilombolas e 
as formas de resistência dos africanos e brasileiros escravizados foram múltiplas, e 
ativas durante a formação do território brasileiro. 
Mas será que esses grupos sumiram após a escravidão? Qual a ligação deles 
com as comunidades remanescentes de quilombo que buscam o direito ao 
território? 
 
Início da atividade 
 
Atividade II 
 
Cite ao menos duas dimensões que abarcam a complexidade de 
características das comunidades quilombolas no passado. 
 
Deixar 8 linhas 
 
Resposta comentada: 
 Conforme aponta o texto a complexidade envolve: localização, 
temporalidade, objetivos, relação com a escravidão, e estratégias de 
resistência. Abaixo apresentamos esses fatores explicados: 
 
a) Localização: a partir dos mais distintos ambientes urbano\rural, dos espaços em 
florestas, cidades ou sertões, e no próprio ambiente de trabalho forçado, seja 
diretamente nos engenhos ou outros espaços das fazendas e/ou minas; 
b) Temporalidades: alguns com duração mais longa, chamados de geracionais que 
não se restringiam a um abrigo imediato, mas algo que necessitasse de uma 
 21 
organização e estrutura, enquanto outros eram temporários organizados para 
durarem dias, e às vezes meses, buscando uma perspectiva mais móvel. 
c) Objetivos: também poderiam variar, de comunidades mais dispersas que 
envolviam uma forma de sobrevivência imediata frente ao perigo da fuga, até 
projetos de liberdades mais ambiciosos relacionados a uma nova forma de viver. 
d) A relação estabelecida com a escravidão: mudava de acordo com a situação, 
haviam grupos que usavam e eram usados pelo sistema escravocrata. 
e) As estratégias de resistência e conflito também dependiam dos fatores citados 
anteriormente. Dos quilombos móveis e ágeis que se dissolviam com facilidade, pois 
não tinham uma estrutura tão elaborada, e possuíam um grau de autonomia e de 
menor tamanhos, até os maiores, fixos e estruturados politicamente. 
Fim da atividade 
 
4. Das comunidades quilombolas as comunidades remanescentes de 
quilombos 
 
O fim da escravidão gerou o silenciamento da existência das territorialidades 
quilombolas no território. Muitos desses grupos assumiram essa invisibilidade como 
estratégia de permanência, localizando-se em áreas menos valorizadas por não 
conterem redes de circulação com o centro, como por exemplo, áreas da região dos 
lagos (Cabo Frio, Búzios, São Pedro da Aldeia), ou da Costa Verde (Paraty e Angra 
dos Reis). 
No campo da legislação, perdurou um silêncio de um século. Mas quando a 
concepção de quilombo volta a ser mobilizada, agora como ferramenta de direito? 
O termo só voltaria a constar em um documento nacional em 1989 junto à nova 
constituição, com o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, 
que afirma o seguinte: 
 
Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam 
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o 
Estado emitir-lhes os títulos respectivos. 
 
 22 
Esse artigo, ainda que vago, garante a princípio que comunidades 
quilombolas, agora acrescida do temos remanescentes, possam ter o título definitivo 
das terras que tradicionalmente já ocupam. Tem-se ainda na mesma Constituição, 
dois decretos que serão utilizados para fortalecimento do debate jurídico a favor das 
comunidades quilombolas, que são os decretos 215 e 216, que versam sobre a 
valorização e preservação das manifestações culturais dos afro-brasileiros, e 
tombamento – entre outros – dos “sítios detentores de reminiscência histórica dos 
antigos quilombos”. 
Outro complemento que acontece posterior a criação do artigo é o decreto de 
4887 de 2003 que reconfigura a luta de comunidades a partir de seus critérios de 
auto definição expandindo suas possibilidades de interpretação e luta: 
(...) Art. 2o Consideram-se remanescentes das comunidades dos 
quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo 
critérios de auto atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de 
relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra 
relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. 
§ 1o Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das 
comunidades dos quilombos será atestada mediante auto definição da 
própria comunidade. 
§ 2o São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos 
quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, 
econômica e cultural. 
§ 3o Para a medição e demarcação das terras, serão levados em 
consideração critérios de territorialidade indicados pelos 
remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo facultado à 
comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a 
instrução procedimental. (DECRETO 4887, emitido pela presidência da 
república em 2003, grifos nossos) 
 
 Neste decreto aparecem três questões essenciais para trazer elasticidade ao 
conceito. 
a) O primeiro é o critério de auto atribuição, que posiciona os grupos como portadores 
de suas identidades, dando a eles o direito de se auto denominarem, fato que inverte a 
lógica dos quilombos, que ao longo da história foram sempre definidos e criminalizados. 
Auto definição não implica em reconhecimento sem debates, mas sim que o primeiro 
passo é que a comunidade se defina enquanto quilombola, dando o pontapé inicial para 
o reconhecimento que possui longas etapas. 
 
 23 
b) O segundo é o reconhecimento de que não adianta só regularizar um pequeno 
pedaço de terra. Estes grupos precisam de território para a sua reprodução simbólico-
material, incluindo não apenas o território que eles ocupam atualmente, mas o 
necessário para a reprodução dos seus modos de vida, entendendo estes territórios não 
como privados, mas coletivos (inclusive na sua titulação). Reforçando esse aspecto o 
artigo fala em critérios de territorialidades indicadas pelas comunidades. 
 
c) A terceira indica que a comunidade vai definir os critérios a partir de sua apropriação 
territorial, áreas de uso da terra, de apropriação histórica, entre outros, farão parte do 
cenário apresentado pela comunidade sobre o território requerido. A territorialidade do 
grupo é então conceito fundamental nesse caminho, e o seu uso por parte da 
comunidade passa a ser necessário como forma de conscientização e luta pelo 
território. 
Desta forma o artigo 68 do ADCT, junto aos outros decretos, aparece como 
um dos meios possíveis para efetivar esse acesso a terra, que em muitassituações 
acontecem para regularizar a ocupação já existente, seja através das terras doadas 
de antigas fazendas, ou até de retomada de áreas em situação de conflito. 
Porém, qual o contexto atual das comunidades quilombolas no Brasil? A 
titulação está acontecendo? 
Em primeiro lugar, cabe entender a dimensão da presença quilombola no 
território brasileiro. Como etapa no processo de regularização, a Fundação Cultural 
Palmares (FCP) apresenta em seu site dados sobre comunidades quilombolas 
certificadas. A escolha de sua base se dá exatamente por ser uma fundação que 
participa do processo de titulação. Segundo a FCP até o ano de 2017 tivemos 2494 
certificações emitidas (mapa III) que abarcam 2958 comunidades quilombolas. A 
diferença entre o número de certificação e comunidades é decorrente da união de 
comunidades em um mesmo processo com o intuito estratégico de agilizar os 
processos e manter laços étnicos fortalecendo-se na luta. 
 24 
Mapa 3 - Mapa de comunidades remanescentes de quilombos certificadas 
no Brasil pela Fundação cultural Palmares. 
 
Fonte: Mapa de elaboração própria, dados obtidos no sitio da Fundação 
Cultural Palmares 
 
 25 
Essa certificação é o primeiro passo para a titulação. Ela representa o 
primeiro esforço coletivo, mediante a criação de uma associação, e organização 
inicial das memórias e dos próprios laços que fazem daquele grupo um quilombo, 
seus símbolos diacríticos, sob a forma de um texto, apresentando um primeiro 
passo de auto atribuição e coesão do grupo. Destaca-se que além desse número 
existem mais 100 emissões que estão em andamento, mas não foram emitidas 
devido à burocracia do processo, que exige, entre os documentos, ata da criação 
da associação de moradores, que apesar de parecer simples, gera dificuldade para 
grupos com moradores que não tem acesso a conhecimentos mais burocráticos. 
Apesar de apresentar números altos, se compararmos esse número com o 
número de processos abertos, e ainda o número de comunidades já tituladas, 
vemos uma grande diferença entre a existência do direito e a efetiva titulação. O 
mapa (imagem iv) elaborado pela Comissão Pró Índio indica o número de 
comunidades com processos abertos junto ao INCRA e o número de comunidades 
tituladas por estado. 
 26 
Imagem iv : Mapa traçando um comparativo entre os processos abertos junto 
ao INCRA e as já tituladas. 
 
Fonte: Retirado do site da comissão Pró-indio 
Analisando este mapa podemos perceber que o número de comunidades 
tituladas é muito inferior ao número de processos abertos – que também é diferente 
das comunidades certificadas. A cada dez comunidades com processos abertos, 
proporcionalmente apenas uma é titulada. Em alguns estados como Mato Grosso, 
Tocantins, Paraná e Espírito Santos, nenhuma comunidade conseguiu o título do 
seu território. Se comparado às comunidades certificadas e que não conseguiram 
 27 
dar entrada ao processo de titulação junto ao INCRA esse número fica ainda mais 
preocupante. 
Além de alarmantes esses números mostram a dificuldade existente no 
processo de titulação de uma comunidade quilombola, ao contrário do que muito se 
afirma no espaço político e midiático. Grande parte dessa dificuldade se dá pela 
morosidade em fazer os processos andarem. 
 
Boxe curiosidade 
 
Você seria capaz de explicar quais as etapas jurídicas necessárias para uma 
comunidade requerer a titulação de terras? Será que o processo é tão simples como 
alguns deputados costumam falar? 
De forma resumida, após a comunidade elaborar um documento com as suas 
memórias, e assinar um termo que declara as terras como coletivas, elas recebem 
uma certificação junto a Fundação Cultural Palmares. No momento seguinte o 
processo deve tramitar no INCRA para a produção do Relatório Técnico de 
Identificação e Demarcação (RTID), que por si só já depende de tempo e uma 
equipe para a sua elaboração, pois nele são elaborados o relatório antropológico, 
mapeamento com memorial, planta do perímetro, indicação de áreas ocupadas, 
cadastramento das famílias, além de levantamento de documentos oficiais ligados 
ao uso e sobreposição do território. Após a elaboração do RTID, temos a fase de 
publicação, contestação, julgamento da contestação, possíveis recursos e novos 
julgamentos para, enfim, entrarmos nos encaminhamentos e desapropriações, em 
um processo que pode levar mais de uma década. 
 
Diante dessa rápida descrição, devemos perguntar como fica a situação das 
comunidades que lutam pela sua titulação durante esse processo. É preciso lembrar 
que muitas delas entram com a certificação, pois estão em uma situação de conflito, 
e a titulação é uma estratégia de luta e disputa para permanência. Nesse período 
de espera, muitas comunidades ficam expostas a violência, atos de retaliação, 
 28 
ameaças e assassinatos. Frente a essas situações os grupos tentam criar 
estratégias de resistência, buscando parcerias, e se associando a movimentos 
sociais em outras escalas como forma de luta. 
Ainda que de forma inicial, esse debate, pode contribuir para a 
potencialização do debate sobre comunidades remanescentes de quilombo em sala 
de aula. A partir dessas informações, sistematizamos algumas possibilidades para 
trabalhar o tema nas aulas de Geografia: 
i) Exemplo de territorialização: expressando as relações simbólicas, econômicas 
que essas comunidades possuem, bem como elas agem em relação com a 
natureza. Podem ser explicadas em todos os anos do ensino fundamental, pois o 
próprio conceito de território perpassa por todo o conteúdo. 
ii) Outras lógicas de uso do território: pautados, por exemplo, por laços de 
solidariedade, presença de sistemas de agroflorestas, acesso a áreas de lazer, e 
não existência de muros. Os territórios também passam a ser “lugares da memória” 
frente ao território imemorial, cada vez mais presente em nossa sociedade, bem 
como a característica principal que é a inalienabilidade das terras, sendo 
efetivamente uma terra de uso coletivo. 
 
iii) Resistência ao processo de escravidão: mostrando a proporção de quilombos 
no Brasil, baseado em diversas leituras diferentes, bem como outras formas de 
resistência, o qual o negro foi protagonista, desmistificando a tese de que o negro 
era adaptável a escravidão. 
iv) Marco da presença negra no território e as grafagens no espaço: Através 
de mapas, mostrar a presença da população negra em todo território brasileiro, e 
não somente em um período histórico, mas sim durante todo o processo de 
formação do território, nos estados e atualmente, com as comunidades 
remanescentes de quilombos nos municípios. A partir disso, mostrar como a 
presença negra geo-grafou o espaço brasileiro. 
 29 
v) Diversidade étnica: A partir dos quilombos, mostrar os diferentes grupos dos 
escravos trazidos do continente africano (como os bantos), e as estratégias em 
separá-los executada pelos sistemas de poder implementados tanto no período 
colonial como imperial. Essas diferenças vão contribuir para as diferentes 
estratégias de lutas dessas comunidades no território brasileiro. 
vi) Problematizando a formação agrária do país: começando pela lei de Terras 
de 1850, que inicialmente afetava a população negra, pois no período da 
escravidão, poucos grupos tinham acesso a capital para realizar a compra das 
áreas. Cabe lembrar que a escravidão só tem fim, oficialmente 38 anos depois da 
criação da lei. Além disso, os conflitos atuais que essas comunidades vêm sofrendo, 
frente a uma forte pressão da bancada ruralista contra os direitos obtidos. 
vii) Explicar a dinâmica de urbanização e especulação: em que muitas das áreas 
localizadas em comunidades quilombolas, que eram antigas áreas rurais passaram 
a sofrer, devido à urbanização e valorização com consequente pressão dos agentes 
imobiliários. Fato que ocorre principalmente com as comunidades que não tiveram 
títulos expedidos (amaioria), como a localizada na Pedra do Sal, zona portuária no 
Rio de Janeiro, área com reforma e investimentos previstos para os Jogos 
Olímpicos de 2016. 
viii) A diversidade do campo brasileiro: pois a partir da identificação das 
comunidades quilombolas, pode-se identificar uma gama de grupos como os 
ribeirinhos, os seringueiros etc. 
ix) territorialidades e outras formas de saberes: explicando e problematizando 
os diferentes processos de formação, produção econômicas, práticas sociais, bem 
como as diversas origens. A descolonização dos saberes também é um foco 
importante para ser abordado, dando destaque para a história oral que essas 
comunidades possuem que expressam informações preciosas sobre o 
conhecimento do território e do modo de vida, bem como realçam os saberes 
tradicionais; 
 30 
x) Indicar as lutas atuais: como os conflitos estão ocorrendo, as repercussões na 
mídia, as posições que esses grupos da elite defendem e sob quais discursos eles 
se apoiam. Os diferentes desafios que enfrentam pelas comunidades quilombolas 
rurais e urbanas, os agentes que atuam nesses conflitos como órgãos ambientais, 
políticos, agentes imobiliários, grandes proprietários de terra, grandes empresas, 
quais são as dificuldades que as comunidades enfrentam nessas lutas, as pressões, 
as coerções etc. 
xi) Localização dessas comunidades: esse caráter tem que ser enfatizado 
através da utilização de mapas, para indicar a presença em lugares os quais são 
negadas a sua participação. A valorização da ação local, como forma de movimento 
social também é importante, pois em muitos momentos retira da invisibilidade uma 
comunidade perante aos olhos dos moradores de determinados estados. 
xii) Discutindo as formas de descendência e ocupação territorial: é importante 
mostrar ao aluno, que para conseguir esse território as comunidades passam por 
processos de reconhecimento, que colocam diversos empecilhos para a aquisição 
do título definitivo. Dois campos são principais nessa disputa, o primeiro é o Laudo 
Territorial, onde características como ancestralidade, oralidade e relações de 
parentesco são postas em destaque. O campo jurídico é outro a ser explorado, 
mostrando quais as legislações e direitos essas comunidades possuem. 
 
5. CONCLUSÃO 
 
A lei 10.639 apresenta grande importância no combate ao racismo na 
sociedade brasileira. Devemos lembrar que neste território entraram mais de quatro 
milhões de africanos escravizados, número expressivo que dá pistas sobre a 
influência das culturas africanas na formação da nação brasileira. Ademais, indica 
a importância de entender melhor não apenas a África, mas temas relacionados às 
marcas territoriais que envolvem os afrodescendentes. 
Em um esforço para traçar relações, o debate sobre comunidades 
quilombolas e comunidades remanescentes de quilombo aparece como uma 
 31 
possível estratégia de inserção da temática, que nos ajuda tanto a inserir a lei, como 
trabalhar algumas das marcas africanas no território brasileiro. Reforçamos que 
esse esforço de compreensão de temáticas ligadas à lei não se encerra aqui. É 
importante buscar não apenas associar o tema, mas inseri-lo em diversos 
momentos do currículo. 
 
Início ATIVIDADE FINAL 
 
Atividade Final – Atende aos objetivos 1, 2, 3. 
Como a questão quilombola pode ajudar na inserção da lei 10.639 no ensino de 
Geografia? 
 
Diagramação, deixar 5 linhas para a resposta 
 
Resposta comentada 
 
No último tópico da aula apresentamos uma série de caminhos que partem 
tanto do debate de temas (reforma agrária, urbanização) até conceituais 
(território e territorialidade) que podem ajudar o estudante a mediar o debate 
sobre quilombo abordando o papel da população negra, e sua participação na 
formação do território, mas também nas disputas pela regularização fundiária 
no Brasil. 
 
 [FIM DA ATIVIDADE FINAL] 
 
RESUMO 
 
A aula de hoje teve como objetivo apresentar a importância da lei para uma 
educação antirracista. Nesse caminho, discutimos como ela afeta o currículo de 
Geografia, e exige um esforço de i) Revisão dos materiais didáticos normalmente 
 32 
utilizados; ii) Produção de novos materiais no campo da Geografia; iii) diversificação 
de metodologias e didáticas para o ensino de Geografia. 
Nessa direção abordamos dois temas que podem ser utilizados para realizar 
um debate no campo da geografia sobre os temas da lei. O primeiro é o debate 
sobre o continente africano. A partir das discussões presentes nas aulas anteriores, 
foi apresentada uma breve sistematização de possibilidades. Junto a isso, o tema 
da diáspora, no passado e no presente, foi citado como outra possibilidade dentro 
do campo do ensino, para trabalhar com migração. 
Por fim, o terceiro e o quarto tópico estava relacionado a abordagem sobre 
as comunidades remanescentes de quilombo. Enquanto no primeiro a discussão 
esteve associada a definições e formas de resistência no passado, o segundo 
trabalhou significados e dilemas da territorialização quilombola atualmente. 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
ALMEIDA, Alfredo Wagner B. de 1987/88 ‘Terras de Preto, Terras de Santo, Terras de índio 
— Posse Comunal e Conflito”. Humanidades, n.° 15, 1987, pp. 42-49. 
 
ARRUTI, José Maurício. A emergência dos remanescentes: notas para o diálogo entre 
indígenas e quilombolas. Mana (Rio de Janeiro), Rio de Janeiro, v. 3, n.2, p. 7-38, 1997. 
 
GOMES, Flávio dos Santos. Quilombos do Rio de Janeiro do Século XIX, In: REIS, J. J. & 
GOMES, F. S. (orgs.): Liberdade Por um Fio. HistÛria dos Quilombos no Brasil. São Paulo: 
Cia. das Letras, 1996 
______. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, 
século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2006 
 
SANTOS, Renato Emerson dos. Rediscutindo o Ensino de Geografia: Temas da Lei 10.639. 
2009 (Mimeo). 
 
 
 
http://lattes.cnpq.br/5528125458118360