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Geovana Sanches, TXXIV FIBROMIALGIA INTRODUÇÃO A fibromialgia é uma das causas mais comuns de dor crônica difusa. Trata-se de uma doença sistêmica adquirida que se associa a um aumento da sensibilidade dolorosa à pressão leve (alodinia). Definição • Síndrome álgica musculoesquelética crônica, de duração superior a 3 meses, generalizada, na qual há um distúrbio do processamento dos centros aferentes, causando dor EPIDEMIOLOGIA • Segunda enfermidade reumática mais frequente o 1ª é a osteoartrite • Prevalência em torno de 0,7% a 5% da população mundial • Aproximadamente 2% da população brasileira • Maior acometimento de mulheres o M 6 a 9: 1 H • Idade mais frequente de diagnóstico: entre os 35 e 60 anos • Pode coexistir com outras enfermidades reumatológicas, tais como osteoartrite, artrite reumatoide, LES e espondilite anquilosante ETIOLOGIA A etiologia da fibromialgia ainda é desconhecida, mas acredita-se que seja essencialmente multifatorial, com aspectos genéticos e psicológicos envolvidos. Fatores de risco • Idade o > 45 anos • Sexo feminino • Histórico familiar de fibromialgia • Lesões recorrentes • Outros problemas de saúde o LES ou AR • Aspectos psicológicos / psiquiátricos o Depressão o Ansiedade o Preocupação exagerada o Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) • Padrão de sono alterado • Obesidade Gatilhos • Infecções • Traumas • Estresse CARACTERÍSTICAS • Padrão clínico reconhecível, com poucas variações de um paciente para o outro • Alodínia: redução do limiar de dor • Hiperalgesia: resposta aumentada a estímulos dolorosos • Dor persistente: aumento da duração da dor após o estímulo • Não há alterações histológicas nos órgãos acometidos • Distúrbios do sono são encontrados em praticamente todos os pacientes FISIOPATOLOGIA Sensibilização central O processamento alterado da dor pelo SNC é um dos mecanismos fisiopatológicos mais importantes. Os indivíduos sentem mais dor do que o esperado para certo estímulo nociceptivo • Fibras da dor são estimuladas repetida, rápida e prolongadamente, amplificando os potenciais de ação nos neurônios do corno posterior da medula • Inibição das vias descendentes inibitórias da dor, potencializando a sensibilização Aminas biogênicas A norepinefrina e a serotonina podem exercer funções sinérgicas em modular a interpretação de um estímulo sensorial doloroso. Norepinefrina • Excreção diminuída Serotonina (5-HT) • Apresenta papel na regulação do sono profundo (restaurador) e na interpretação do estímulo sensorial doloroso • Baixos níveis e alteração de sua ação na fibromialgia • Outras alterações relacionadas com a atividade da serotonina o Substância P: tem efeito inibidor nas descargas de nervos sensoriais. Deficiência de 5HT à hiperalgesia Geovana Sanches, TXXIV o Atividade das células natural killer o Concentração de prolactina o Concentração de cortisol sérico o Concentração de hormônio do crescimento o Anormalidades no sistema nervoso central § Diminuição do fluxo sanguíneo talâmico à dor crônica § Diminuição do fluxo sanguíneo no núcleo caudado Alterações musculares • Redução da microcirculação local o Hipóxia e redução da energia disponível o Atrofia das fibras musculares tipo II e fibras reticulares o Maior quantidade de lipídeos e mitocôndrias • Desregulação vascular • Aumento da substância P nos músculos • Aumento de interlecucina-1 (IL-1) no tecido cutâneo • Fragmentação do DNA de fibras musculares Alterações neuro-endócrinas • Hipersecreção do hormônio ACTH o Decorrente da cronicidade da dor e alterações nos mecanismos nociceptivos no SNC • Níveis elevados de cortisol sérico o Particularmente no fim do dia • Aumento nos níveis do hormônio somatostaina à inibição do GH o Redução nos níveis de GH, particularmente durante o sono o Interrupção da fase IV do sono nos pacientes fibromiálgicos Alterações autonômicas • Hiper-reatividade persistente do sistema nervoso autônomo (SNA) o Alterações na frequência cardíaca de repouso o Diminuição na variabilidade da FC o Hipotensão ortostática • Aumento do tônus simpático durante o sono o Fragmentação do sono o Fadiga o Rigidez matinal o Distúrbios do sono o Ansiedade e irritabilidade Interações comportamentais, neuroendócrinas e imunológicas As alterações comportamentais levam a alterações na função imune, influenciando no curso da doença. As alterações neuroendócrinas e imunológicas são, em parte, secundárias às alterações comportamentais. Depressão clínica • Aumento do número de neutrófilos circulantes • Redução do número de células natural killer e queda da sua atividade • Redução de linfócitos B • Redução de células T-helper • Redução de células supressoras / citotóxicas MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Os principais sintomas da fibromialgia podem ser vistos como uma tríade que inclui dor, fadiga e distúrbios do sono. Dor • Sintoma dominante e principal queixa • Dor crônica o Pode surgir na infância o Pode surgir após um evento físico ou emocional estressante o Duração de anos o Pode iniciar de forma localizada, tornando-se difusa posteriormente o A procura médica em geral ocorre após piora ou disseminação da dor • Características o Generalizada, de intensidade variável ao longo dos dias o Espontânea, sem fator precipitante o Caráter migratório o É limitante e faz com que os pacientes evitem contatos físicos o Associa-se a espasmos ou choques elétricos agudos ocasionais o Piora com atividades físicas o Não melhora com AINEs Fadiga • Presente em 76% a 100% dos pacientes • Descrita como “cansaço avassalador” e sensação de “completo esgotamento” • Podem ocorrer episódios graves subitamente • Geralmente há piora após esforço físico Geovana Sanches, TXXIV • Repousar e dormir não melhora a fadiga • É limitante Distúrbios do sono O sono não-REM apresenta 4 fases e, à medida que elas progridem, o sono mais profundo é alcançado. Em pacientes com fibromialgia, há redução da eficiência do sono, com pequenos despertares noturnos frequentes, diminuição da duração do sono de ondas lentas e intrusão de ondas alfas nas fases de sono profundo. Esse padrão é denominado sono alfa-delta e está presente em cerca de 90% dos pacientes. Todavia, não é específico da fibromialgia, podendo estar presente em outras condições ou até mesmo em indivíduos saudáveis. • Não se trata de insônia – o paciente adormece, mas não se sente restaurado pela manhã • Associação com sensação de cansaço, dificuldade em realizar atividade física e performance cognitiva pobre • Sonolência diurna • Síndrome das pernas inquietas Outras características Depressão e ansiedade • Transtornos de humor podem ser um dos fatores patogênicos, mas também podem ser decorrentes da doença • A depressão muitas vezes se associa com fadiga mais grave, sono de má qualidade e dificuldade no controle da dor • Pacientes com ansiedade frequentemente apresentam palpitação e tonturas, sudorese e parestesia Distúrbios da cognição • Problemas com memória de curto prazo • Dificuldade para aprender uma nova tarefa, no processamento de informações e na solução de problemas • Brain fog (“nevoeiro cerebral”) o Estado de confusão, distração, dificuldade de concentração e pouca clareza mental • Podem ocorrer em crises periódicas e duram horas ou dias • Contribui para a frustração e estresse psicossocial Rigidez matinal • Sintoma de distúrbios inflamatórios • É prolongada e não melhora com exercícios • Pode haver edema nas mãos ou pés, mas não há evidência de sinovite Sintomas gastrintestinais • Náusea, vômito, gases, dor abdominal, diarreia, obstipação Sintomas uroginecológicos • Urgência, frequência, incontinência, dor pélvica, dismenorreia Sistema nervoso • Tontura, vertigem,parestesia, zumbido EXAME FÍSICO O paciente em geral apresenta exame físico normal, à exceção da presença de dor difusa. Pontos dolorosos • São 9 pontos, os quais devem ser avaliados bilateralmente o Inserção do músculo suboccipital o Borda superior do trapézio (porção medial) o Origem do músculo supraespinhoso superiormente à borda medial da escápula o Vista anterior dos espaços intertransversos de C5 a C7 o Segunda junção costocondral o Epicôndilo lateral o Quadrante superior externo das nádegas (glúteo) o Trocânter maior (uniões musculares adjacentes) o Almofada gordurosa medial do joelho próximo à interlinha articular • Cada ponto deve ser palpado com o polegar do examinador, aumentando gradualmente a pressão até que o paciente relate sensação dolorosa Geovana Sanches, TXXIV • Um ponto é considerado “positivo” quando o paciente relata dor em pressão aplicada inferior a 4kg (a cor sob a unha evanesce) DIAGNÓSTICO American College of Rheumatology (ACR 1990) • Dor difusa (bilateral, acima e abaixo do tronco, acometimento esqueleto axial, por no mínimo 3 meses); • Detecção de onze pontos dolorosos à palpação (dentre os 18), os quais foram denominados tender points Essa classificação limitava a investigação da doença na medida que não levava em consideração as demais alterações frequentes na doença, tais quais os distúrbios do sono, fadiga e distúrbios cognitivos. Assim, em 2010, a American College of Rheumatology se reuniu novamente e criou novos critérios diagnósticos, utilizando o índice de dor generalizada (IDG) e a escala de gravidade dos sintomas (EGS). ACR 2010 • Pontos sensíveis não obrigatórios, mas o paciente deve apresentar dor disseminada por ao menos 3 meses, excluindo-se outros distúrbios que possam explicar a dor • Índica de dor generalizada (IDG) o Paciente indica as áreas em que sentiu dor nos últimos sete dias o Máximo de 19 pontos • Escala de severidade dos sintomas (EGS) o Máximo 12 pontos • Classifica-se como fibromialgia se as 3 condições estiverem presentes: o IDG > 7 e EGS > 5 OU IDG 3 – 6 e EGS > 9 o Sintomas estáveis e presentes por pelo menos 3 meses o Não haver outra causa que explique os sintomas Principais diagnóstico diferenciais • Osteoartrite • Síndrome da hipermobilidade • Artrite reumatoide • Espondiloartrites • Hipotireoidismo • Deficiência de vitamina D / Osteomalácia • Polimialgia reumática o Dor e rigidez articular com localização bem definida ao nível das cinturas escapular e pélvica o VSH elevado o Boa resposta a corticodies o Faixa etária > 60 anos • Miopatias inflamatórias • Distrofias musculares • Parkinsonismo • Hipopotassemia • Doenças do tecido conjuntivo o LES o Síndrome de Sjogren • Doenças malignas • Tendinite / Tenossinovite o Região acometida determinada • Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho • Neuropatias periféricas o O padrão da eletroneuromiografia e velocidade de condução nervosa são normais em pacientes com fibromialgia • Neurose de compensação o Indivíduos com dor crônica relacionada ao trabalho, porém com sofrimento “exagerado” diante da lesão discernível ou duração maior do que o esperado Geovana Sanches, TXXIV • Uso de certos medicamentos (estatinas, bloqueadores de H2) ou drogas ilícitas (cocaína, cannabis) Exames complementares • Não há qualquer exame específico para a fibromialgia • Os exames complementares são utilizados para o diagnóstico diferencial • São comuns falso-positivos de FR e FAN • Exames importantes o Reagentes de fase aguda § VSH e PCR § Geralmente ausentes na fibromialgia e aumentados em condições inflamatórias o Função tireoideana § TSH e T4 livre o Avaliação do metabolismo ósseo § Cálcio, paratormônio e vitamina D o Potássio sérico § Uso de diuréticos o Dosagem sérica de enzimas musculares § CPK e aldolase § Normais na fibromialgia o Eletroforese de proteínas séricas o Sorologias § HCV, HBV, HIV, CMV, toxoplasmose, parvovirose TRATAMENTO Não farmacológico • Educação do paciente sobre sua doença o Informar o paciente sobre a doença, bem como prognóstico e tratamento o Informar que a remissão espontânea é improvável o Educar os familiares e colegas para que ajudem o paciente a restabelecer a vida social • Exercícios graduados o Exercícios aeróbicos e treinamento de força são benéficos o Devem ser adaptados e graduados de acordo com a capacidade funcional do paciente o Inicialmente, o exercício pode piorar a dor, mas há evidências de melhora na função física e na contagem dos pontos sensíveis o Não causa agravamento ou dano muscular o Pode-se associar fisioterapia e reabilitação • Terapia cognitivo-comportamental o Melhora na dor e na função o Benéfica sobretudo logo após o diagnóstico • Psicoterapia • Terapias complementares Farmacológico Antidepressivos tricíclicos (ADTs) • Amitriptilina 25mg • Inibem a recaptacao de NE e 5HT • Afetam a neurotransmissão glutaminérgica, agindo sobre a histamina, acetilcolina e canais de glutamato • Benefício na fibromialgia independente do efeito antidepressivo Inibidores recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSN) Milnacipran e duloxetina foram aprovados pelo FDA, demonstrando eficácia semelhante aos ADTs sem os efeitos colaterais colinérgicos (melhor tolerabilidade) • Milnacipran o Dose: início 25 mg/dia por 2 dias, prosseguindo com 50mg, 2 vezes ao dia o Redução da dor o Efeito colateral: náusea o Contraindicado para quem toma inibidor da MAO • Duloxetina o Dose: 30 a 60mg o Melhora da dor e função o Efeitos colaterais: náusea, boca seca, obstipação o Contraindicado para quem toma inibidor da MAO e pacientes com glaucoma de ângulo estreito Inibidores seletivos da recaptacao de serotonina (ISRS) • Fluoxetina o Altas doses (> 40mg/dia) o Reduz a dor o Melhora a funcionalidade Antiepilépticos • Pregabalina e Gabapentina o Neuromoduladores • Agonistas da subunidade α2δ do canal de cálcio voltagem dependente nos neurônios Geovana Sanches, TXXIV • Reduz o influxo de cálcio para dentro dos neurônios • Diminui a liberação de neutrotransmissores, como glutamato, norepinefrina e substância P • Efeitos colaterais: tontura, sonolência, aumento de peso, edema e boca seca Agonistas da dopamina • Pramipexole o Antiparkinsoniano • Afeta o sistema mesolímbico, particularmente no controle do sono Outros medicamentos • Ciclobenzaprina o Relaxante muscular o Reduz a dor o Melhora a funcionalidade • Analgésicos e opióides leves o Podem ser utilizados o Tramadol é o mais usado Medicamentos não recomendados • Opioides fortes • Corticosteroides • Anti-inflamatórios não esteroidais PROGNÓSTICO A fibromialgia é uma doença crônica. O prognóstico funcional costuma ser favorável para pacientes tratados com um programa abrangente e de suporte, mas algum grau dos sintomas tende a persistir. Há piora significativa no prognóstico caso haja algum transtorno de humor sobreposto não tratado.
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