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AULA 2 NEUROCIÊNCIA E COMPORTAMENTO HUMANO Prof. Reginaldo Daniel da Silveira 2 CONVERSA INICIAL Sistema nervoso e cérebro: organização anatômica e funcional Ao longo da história da espécie humana, dissecar cadáveres, estudar cérebros de animais e relacionar lesões localizadas com funções específicas foram alguns dos registros que impulsionaram discussões sobre o funcionamento do sistema nervoso e do cérebro. Esta área, que alguns chamam de “computador central do corpo humano”, com um hemisfério intuitivo e outro racional, faz uso de uma vasta rede de comunicação conhecida como sistema nervoso, cuja função é nos fazer produzir pensamentos, ações e emoções. Ao ler conteúdos sobre neurociência, é usual nos depararmos com termos como sistema nervoso central, sistema nervoso periférico, neurônios, entre outros, nomes esses que, ao estudarmos mais aprofundadamente, nos chamam a atenção sobre onde se localizam e, sobretudo, quais suas funções. Decisões simples, como escolher a cor de uma camisa, e decisões mais complexas, como decidir entre trocar de emprego ou ficar na zona de conforto, envolvem percepções e sensações, das quais não nos damos conta. Isso ocorre porque, enquanto nos expomos ao ambiente, processamentos neurofisiológicos antecipam a interpretação de nossos sentidos. Ao estudar o sistema nervoso, a fim de conhecer melhor as células nervosas (que transportam estímulos e geram respostas em nosso organismo), avançamos não só no entendimento do que é cérebro, sistema nervoso e neurociência, mas também no entendimento dos processos do sistema nervoso, os quais nos fazem interpretar o mundo, e sermos quem somos. É o que veremos nesta etapa. TEMA 1 – BREVE HISTÓRIA DO SISTEMA NERVOSO Célia e Helena, a ruiva e a morena, do nosso conteúdo anterior, conversam em uma salinha da biblioteca universitária. “Tem muito material. Separei cinco livros e li dez páginas. E você?” “Separei quatro. Uma coisa que li aqui me lembrou de quando você me atirou a bolinha de papel na escada para o setor de ciências aplicadas.” “Como assim?” 3 “Quando meus olhos viram a bolinha no ar, jogaram informações para o sistema nervoso, e ele mandou impulsos nervosos para a medula espinhal, que mexeu meus músculos para pegar o papelzinho amassado. A bolinha, foi o estímulo; a visão, o receptor; e, meus músculos, o efeito.” “Helena é isso que dá estudar neurociência e ter um pai neurologista. Você está usando seu hemisfério cerebral esquerdo! Eu, hein?” Helena falou em impulsos nervosos e sistema nervoso (SN), os quais, ligados às células nervosas, conduzem os impulsos pelo corpo. Diante de estímulos, os neurônios transmitem dados entre si – as sinapses – que consistem, justamente, na troca de informações. Para isso acontecer, é preciso um lugar que abrigue mais de 80 bilhões de células: o SN. Por ser um centro de controle, ele se vale dos sentidos para detectar a bolinha de papel que Helena jogou, o carro que buzina na esquina e, enfim, o meio que nos rodeia e que nos leva a prestar atenção, admirar, lembrar e formar opiniões. A complexidade do SN revela-se desse modo: um órgão “opaco ao que está no seu interior, convoluto e cheio de saliências e reentrâncias que escondem umas às outras” (Lent, 2016, p. 20). O SN é um conjunto complexo de nervos e células nervosas que transmitem sinais para diferentes setores do corpo. Dizer que ele é uma espécie de “fiação elétrica” do corpo, não é nenhum exagero. Com o sistema endócrino (SE), ele controla todos os sistemas orgânicos do corpo. Cabe ao SN, contudo, comunicar sinais por meio de células e de espaços entre elas, diferentemente do SE, que faz isso pelas vias circulatórias. Outra diferença entre eles é que o SN usa sinais eletroquímicos, e não apenas químicos. A trajetória histórica dos estudos sobre o cérebro passou por reflexões sobre a trepanação e, depois, pela distribuição da mente para diferentes partes do corpo. Dois pensamentos vieram à tona: um colocou a mente no coração, e o outro, no cérebro. O encéfalo, como estrutura central, todavia, não era relacionado aos nervos. Após Aristóteles, Herófilo de Calcedônia (335-280 a.C.) e Erasístrato de Dhio (310-250 a.C.), respectivamente, são considerados pais da anatomia e da fisiologia; dissecaram cadáveres humanos e apresentaram o sistema nervoso (Tieppo, 2021). Ao reparar fibras do crânio e espinha saindo para o corpo, eles distinguiram os nervos motores dos sensitivos, e revelaram os ventrículos, figurativamente definidos como “buracos” no cérebro. Para os dois médicos gregos, espíritos fluíam dos ventrículos para os nervos (ocos) e músculos que 4 faziam o corpo se mover. Não obstante, a visão equivocada sobre o ar, ou espíritos, a percepção dos ventrículos e o pensamento de que o corpo humano funcionava em um processo integrado complexo, representou um avanço para a neurociência. Após um período de proibição da dissecação de cadáveres estimulada pelo Cristianismo, passaram-se 400 anos até que Galeno de Pérgamo juntou, à concepção dos líquidos presentes na teoria humoral de Hipócrates, a teoria dos ventrículos, segundo a qual seria onde as funções mentais estariam localizadas. A partir de então, receberam impulso observações como a de que o cérebro se divide em substância branca e cinzenta. A revelação de que a parte esbranquiçada continuava nos nervos ao longo do corpo, informando à substância cinzenta (Lima et al., 2006), favoreceu a ideia de que o SN se compunha de duas partes, o que viria a ser comprovado cientificamente. Entre 1780 e 1790, o médico italiano Luigi Galvani defendeu existir uma forma intrínseca de eletricidade na condução nervosa e na contração muscular. Meio século depois, o cientista suíço-alemão Bois-Reymond, afirmou ser o encéfalo gerador de eletricidade ao demonstrar a movimentação dos músculos quando os nervos eram estimulados eletricamente. Essa nova perspectiva deixaria para trás a ideia do refrigerador mental (Tieppo, 2021). No tempo das discussões entre localizacionistas e holistas, ainda não havia um conceito acabada sobre os neurônios. Na década de 1870, entretanto, uma invenção do médico italiano Camilo Golgi, conhecida como coloração de Golgi, permitiu examinar neurônios isolados (Gazzaniga; Heatherton, 2010). Desse modo, no final do século XVIII, a anatomia do SN já era conhecida grosseiramente por meio das dissecações. Um mesmo padrão de saliências (giros) e sulcos (fissuras) estava presente na superfície cerebral de cada indivíduo, e um olhar ao cérebro dissecado possibilitou reconhecer as duas divisões que viriam a ser padronizadas: a central e a periférica. O encéfalo então passou a ser pensado como uma estrutura que funcionava por duas divisões do SN. Bear, Connors e Paradiso (2017), com relação a esse momento, chamam a atenção para os seguintes pontos: • Lesões no encéfalo podiam causar desorganização das sensações, movimentos e pensamentos, e levar o indivíduo à morte; • O encéfalo se comunicava com o corpo por meio dos nervos; 5 • O encéfalo apresentava partes diferentes identificáveis e que, provavelmente, executavam diferentes funções; • O encéfalo operava como uma máquina, seguindo as leis da natureza. Esses dados nos indicam que o cérebro controla o que pensamos, sentimos, lembramos, falamos e nos movemos, além de também ser responsável por ações inconscientes, como os batimentos cardíacos e a digestão de alimentos. Fazemos tudo isso pelo SN, que, embora tenha subdivisões que mantêm, cada uma, suas características estruturais e funcionais, pertencem a um sistema único e altamente integrado. A seguir, conheceremos melhor as divisões central e periférica. TEMA 2 – CÉREBRO “O nosso cérebro é o melhor brinquedo já criado: nele se encontram todos os segredos, inclusive, o da felicidade”. Essa frase de CharlesChaplin pode ser, para alguns, ingênua; para outros, revela o grande poder dessa estrutura. Centro de controle do corpo humano, o cérebro administra o que fazemos. Se pensamos sobre uma decisão na empresa, se sonhamos com coisas que aconteceram no dia a dia, se corremos no parque, ou, se simplesmente tiramos uma soneca, ele está envolvido. Isso acontece porque ele recebe e envia informações, e nos mantém em comunicação constante com o mundo. Constituindo-se na maior parte do encéfalo – 80% de sua massa total –, o cérebro se divide em dois hemisférios: o esquerdo, considerado responsável pelo lado racional, ligado à linguagem; e, o direito, responsável pela porção intuitiva, criativa e emocional. Lesões no hemisfério esquerdo podem ocasionar perda da linguagem e, no lado direito, déficits de produção e reconhecimento emocional (Tieppo, 2021). A análise que Célia, uma de nossas personagens, fez sobre o ato de pegar a bolinha de papel relacionada à chamada de um livro na biblioteca, mereceu de Helena a afirmação de que ela estava usando o hemisfério esquerdo do cérebro, ou seja, sua porção racional. Mais tarde, Helena faria diversos elogios a quadros pintados por Candido Portinari e a um recital de música de câmara. Não seria errado se sua amiga dissesse que ela estaria usando o hemisfério direito do cérebro – responsável pelo lado artístico. O fato é que, dentro de nós, há um gerenciador de ações, escolhas e emoções. 6 Eagleman (2017) explica que, normalmente, os dois hemisférios se conectam pelo corpo caloso (feixe de substância branca), que permite que as metades direita e esquerda se coordenem e trabalhem de modo harmônico. O autor traz um exemplo acerca da sensação de frio, no qual as duas mãos cooperam: a bainha do casaco é segurada por uma delas, e o zíper é puxado pela outra. Quando o corpo caloso é seccionado, pode ocorrer a síndrome da mão alheia, ou síndrome da mão alienígena, uma desordem neurológica na qual a mão, por exemplo, passa a agir de modo involuntário, como puxar o zíper para cima com uma mão e, para baixo, com a outra. O cérebro comumente é descrito como a “massa cinzenta”, apesar de, em funcionamento, mostrar-se esbranquiçado e brilhante. Podemos dizer que essa estrutura é, de certo modo, sede do SN, pois por ela passam sensações, percepções, pensamentos, a consciência e o gerenciamento das emoções; de forma mais categórica, pelo cérebro passa a nossa vida, ou a interpretação que temos dela. Figura 1 – Hemisférios cerebrais esquerdo e direito Créditos: JIR Moronta/Shutterstock. 7 Psicólogos cognitivos costumam citar a frase de Epiteto, filósofo grego estoico que viveu como escravo em Roma: “as pessoas ficam perturbadas não pelas coisas, mas pela imagem que formam delas”. Para além de uma reflexão cognitivo-comportamental, o cérebro nos mostra que somos influenciados por luzes, sons, sabores, cheiros e sensações táteis e, ao fazer isso, ele aciona uma quantidade impressionante de conexões entre células nervosas. Se perguntássemos a Célia, Helena e a outras pessoas que estudam neurociência, ouviríamos dizer que o cérebro é a “glória suprema” do SN, afirmação feita por Weiten (2010) ao salientar que esse órgão, com cerca de 1,5 quilo, que pode ser carregado em uma das mãos, contém bilhões de células interagindo e integrando informações do exterior e interior do corpo. Tal complexidade cria um potencial surpreendente de ações e reações. Se alguém lhe pedir a senha de sua conta bancária, é claro que você não a fornecerá, pois seu cérebro acionaria o estado de prontidão: Por que entregar sua senha a terceiros? O cérebro, que ajuda a guardar a senha na memória, possibilita também falar, pensar, planejar, criar e sonhar. A parte que compõe os dois hemisférios é denominada grande cérebro; o cerebelo é o pequeno cérebro, dividido em dois hemisférios cerebelares, com uma região denominada vérmis, e outra superficial, chamada córtex cerebelar. Em uma porção mais interna, está a substância branca, onde se encontram núcleos do cerebelo (núcleos centrais). Do ponto de vista funcional, o cerebelo é receptor de informações sobre a posição de articulações, comprimento dos músculos, estímulos auditivos e visuais. Lent (2016) destaca que, atualmente, há evidências de que o cerebelo oferece funções mais complexas do que apenas o controle da motricidade, incluindo funções sensoriais, emocionais e cognitivas. Diferentemente dos hemisférios cerebrais, seu lado esquerdo é relacionado ao lado esquerdo do corpo, e o lado direito é ligado aos movimentos do lado direito. Outras áreas do cérebro abrangem os lobos, que respondem por funções como cognição, movimentos voluntários e linguagem (nos frontais), processos visuais (nos occipitais), informações sensoriais (nos parietais), e audição, interpretação de sons e memória (nos temporais) (Cherry, 2022). Conhecemos também: os gânglios de base – estruturas subcorticais ligadas à iniciação de movimentos planejados; a área de Broca – envolvida com a fala; a medula oblonga – a região de comunicação entre cérebro e medula; o hipotálamo – o setor de regulação da temperatura, emoções, comportamento sexual e motivação; o 8 tálamo – que recebe as informações sensoriais antes de chegarem ao córtex; e, a área que processa informações emocionais e associa fatos a emoções: a amígdala (Gazzaniga; Heatherton, 2005). TEMA 3 – ASPECTOS ANATÔMICOS DO SISTEMA NERVOSO Célia e Helena, frequentam há pouco tempo a biblioteca da universidade. Para localizar setores como o acervo de empréstimos especiais, o setor cartográfico, o setor multimeios, ou setor de periódicos, elas não precisam saber onde o sol nasce, ou se põe, mas se valem de pontos de referência que operam de modo similar ao dos pontos cardeais: na entrada são feitas a devolução e retirada de livros; no fundo, fica a sala de eventos; à direita está o acervo para empréstimo e, à esquerda, o acervo para consulta local. Procurar setores do SN não é como procurar setores de uma biblioteca, mas o modo de procura é equivalente. Bear, Connors e Paradiso (2017) relatam que as partes do SN de um rato, cujos dados estruturais são típicos dos mamíferos: na parte superior está o encéfalo; apontada para baixo, em direção à cauda, segue a medula espinhal; na direção de um dos lados (costas), está a parte dorsal e, na direção oposta (barriga), está a parte ventral. Assim como a biblioteca frequentada por Célia e Helena, há, no SN, duas áreas grandes e iguais em suas dimensões: o lado direito do encéfalo e da medula espinha é a imagem especular; o lado esquerdo dessas estruturas é a chamada simetria bilateral. Figura 2 – Cortes no cérebro Crédito: Olga Bolbot/Shutterstock. 9 Para visualizar o interior do encéfalo, é necessário seccioná-lo em duas metades; a direita e a esquerda correspondem ao plano mediano, e os cortes paralelos a ele são o plano sagital. Outros dois planos anatômicos são o horizontal, paralelo ao solo, entre os olhos e as orelhas (correspondente aos planos dorsal e ventral); e, o plano coronal, que é a divisão perpendicular ao solo e ao plano sagital. Estruturalmente, o SN é constituído por duas partes: o sistema nervoso central (SNC) e o sistema nervoso periférico (SNP). Figura 3 – Sistema nervoso Créditos: Pikovit/Shutterstock. 10 3.1 Anatomia do sistema nervoso central O SNC é formado por encéfalo (cérebro, cerebelo) e tronco encefálico. Ele possui meninges que são como envoltórios, que protegem de impactos e levam nutrientes, além de distribuírem células de defesa – são chamadas de pia-máter, aracnoide-máter e dura-máter. A dura-máter – a mais externa – apresenta-se como um tecido conjuntivo denso, com duas porções, uma externa, em contato com os ossos, e outra interna. A aracnoide é uma membrana serosa, mediante as outras meninges;sua estrutura parece a de uma teia de aranha. Entre ela e a pia- máter existe um líquido denominado cefalorraquidiano, ou cerebrospinal. A pia- máter é mais interna, e é vascularizada. Seu contato com o SNC é direto, acompanhando as ondulações do cérebro. Localizado dentro do crânio e da coluna espinhal, o cérebro é um dos órgãos do encéfalo que compõem o sistema nervoso central. Está localizado no interior do esqueleto axial (cavidade craniana e canal vertebral). O cérebro é composto pelo telencéfalo, com seus dois hemisférios cerebrais unidos pelo corpo caloso, e o diencéfalo, a parte caudal que ocupa a região central do cérebro. Sobre o diencéfalo estão as seguintes partes: o tálamo, localizado na porção mais central do encéfalo; e, o hipotálamo, localizado abaixo do tálamo. O tronco encefálico situa-se na parte mais caudal do encéfalo, e é composto de: • Mesencéfalo – Segmento mais curto do tronco encefálico localizado na face posterior do crânio; • Ponte – Localiza-se entre o mesencéfalo e o bulbo; • Bulbo – Porção mais inferior do tronco cerebral, apresenta-se em forma de um tronco de cone. A medula espinhal, por sua vez, localiza-se ao longo do canal vertebral, estendendo-se desde o bulbo, até a vértebra lombar. 3.2 Anatomia do sistema nervoso periférico (SNP) O SNP distribui-se em nervos e gânglios responsáveis por interligar partes do corpo ao SNC. Ele se divide em dois tipos: somático e autônomo. Os nervos do sistema nervoso somático (SNS) partem da medula espinhal, de onde se formam gânglios nervosos paralelos à medula, distante dos órgãos por eles inervados. 11 O sistema nervoso autônomo (SNA) é formado por nervos que se ligam ao coração, aos vasos sanguíneos, aos músculos lisos e às glândulas (Weiten, 2010). Ele se subdivide em sistema nervoso autônomo simpático (SNAs) e sistema nervoso autônomo parassimpático (SNAp). O SNAs se localiza na região torácica e lombar da medula; o SNAp, por sua vez, ocupa a região do tronco encefálico e a região sacral da medula. TEMA 4 – ASPECTOS FUNCIONAIS DO SISTEMA NERVOSO Quando nossas personagens Célia e Helena caminharam até a biblioteca, refletiram sobre o que deveriam pesquisar, riram ao falar de situações envolvendo colegas da faculdade e falaram sobre coisas que gostariam de fazer no final de semana. Anatomistas e fisiologistas nos mostram que o SNC controla pensamentos, movimentos, emoções e desejos, além de trabalhar sobre nossa respiração, frequência cardíaca, temperatura, entre outros. No setor de ciências aplicadas, Célia foi abraçada por Nestor, um rapaz por quem está interessada, e sentiu um calor lhe percorrer o corpo, além de seu coração ter se acelerado. Ela não parou para pensar sobre isso, mas no jantar em que precisou retirar rapidamente a mão da sopeira quente para não se queimar, seu coração também bateu mais forte por instantes. Nessas duas ocasiões, não era ela quem controlava o batimento cardíaco. Os responsáveis por essa reação são os neurônios, que se movem pelo seu corpo pelo SNP. Sabemos que um único neurônio em contato com outro neurônio dá passagem a sinais elétricos, e usamos isso para estender nossa compreensão de modelos que explicam o funcionamento do sistema nervoso. Ainda estamos longe de decifrar como tudo acontece, no entanto. Do que está ao nosso alcance, podemos afirmar que o cérebro é o órgão mais importante do SN, pois ele controla movimentos, recebe e interpreta estímulos sensitivos, além de coordenar ações que exigem raciocínio, memória e imaginação. 4.1 Funções do sistema nervoso central Ler, escrever, falar, calcular, escrever poesia, criar, lembrar o que passou e projetar o futuro são funções do telencéfalo. Para Lent (2016), a parte mais importante do telencéfalo é o córtex cerebral, não apenas pelo seu volume, mas pela complexidade de suas funções. É ele que interpreta as informações 12 sensoriais, gerando percepções de que somos capazes, além de planejar, de programar e enviar à medula comandos para a motricidade. O diencéfalo, por meio do tálamo, tem funções relacionadas à motricidade, ao comportamento emocional, à ativação cortical e à sensibilidade. No hipotálamo, a função relaciona-se ao controle do SNA e do sistema endócrino, fome, sede, temperatura, sono e vigília (Oliveira; Campos Neto, 2015). O cerebelo está funcionalmente relacionado ao tônus muscular. Eagleman (2017) postula que, no ato de aprender uma nova habilidade, o cerebelo ordena o fluxo necessário de movimentos para precisão e controle do tempo. Nos primeiros dias de aprendizagem de uma nova habilidade motora, o cerebelo tem um papel particularmente importante, ordenando o fluxo necessário de movimentos para a precisão e o controle perfeito do tempo. O tronco encefálico é um receptor de informações sensitivas de estruturas cranianas e um controlador dos músculos da cabeça, dispondo de circuitos nervosos que transmitem informações da medula para outras regiões do encéfalo (Oliveira; Campos Neto, 2015). Para esses autores, elementos do tronco encefálico, como o mesencéfalo, respondem por estímulos da visão, audição e movimentos dos olhos e do corpo; a ponte, tem a função de transmitir informações da medula e do bulbo ao córtex, e o bulbo conduz os impulsos nervosos do cérebro para a medula, e vice-versa. Outro componente do SNC, a medula espinhal tem como função transmitir os impulsos nervosos do cérebro para todo o corpo. 4.2 Funções do sistema nervoso periférico O SNP está funcionalmente comprometido com a condução de estímulos detectados em outras estruturas, ou externamente, para processá-los no SNC. Gazzaniga e Heatherton (2005, p. 111) postulam que, depois que o SNC recebe as informações, ele as organiza, avalia e “orienta o SNP para realizar comportamentos ou fazer ajustes corporais específicos”. Para entendermos o funcionamento do SNP, atentemos para o abraço que Célia recebeu do rapaz com quem pensa em namorar: (1) os nervos sensitivos da pele enviaram a informação ao encéfalo pela medula espinhal; (2) os neurônios a transmitiram pelos gânglios basais; por meio dos gânglios basais, os neurônios disparam uma quantidade de dopamina em direção ao lóbulo frontal; (3) o lóbulo frontal recebe a sensação agradável em forma de motivação e, com a dopamina 13 ativada, Célia sente-se recompensada, e o lóbulo frontal executa uma resposta; e, (4) os músculos fazem Célia abraçar carinhosamente o rapaz. O SNA inerva todo o corpo humano, agindo sobre sistemas fisiológicos em função de demandas energéticas de atividade conforme a situação em que o indivíduo se encontra. Entre as alterações fisiológicas em situações de perigo estão o aumento das frequências cardíaca e respiratória, e sudorese (Loureiro, 2018). No SNS, axônios motores somáticos se originam de neurônios motores para comandar a contração muscular; no SNA, axônios sensoriais autônomos carreiam informação sobre funções viscerais fora do controle voluntário do indivíduo (Bear; Connors; Paradiso, 2017). O SNAs pode ser considerado como um sistema de excitação diante de determinadas situações, e está relacionado à produção de adrenalina e noradrenalina. Já o SNAp atua em oposição ao SNAs, levando o organismo ao estado de calma e relaxamento; para isso, ele se vale do neurotransmissor acetilcolina. Voltando ao encontro de Célia com o rapaz por quem se sentia atraída, podemos crer que seu coração tenha aumentado os batimentos, assim como sua respiração; deve ter havido transpiração, e é até possível que suas pupilas tenham se dilatado, o que denota sinais de excitação provocados pela adrenalina ligada à divisão simpática. TEMA 5 – ELEMENTOS CELULARES DO SISTEMA NERVOSO Assim que as duas amigas saíram do setor de ciências aplicadas da biblioteca, Célia deu um pequeno safanão no ombro esquerdo. “O que houve, amiga?” “Umamosca varejeira!” “Célia, você é uma pessoa nervosa.” “Só por isso, Helena? Você é tão nervosa quanto eu.” “Não entendi, você é uma das pessoas mais calmas que conheço.” “Não estou mentindo, Helena. Somos nervosas não por nosso estado emocional, mas por que, da cabeça aos pés, somos constituídas de nervos. Se fôssemos pintar nossos nervos de amarelo, seriamos criaturas amarelas!” “Legal! Calmas ou não, somos nervosas, e isso penso que são os nervos, as fibras e um montão de células nervosas. Vamos dar uma passadinha na sala 14 de eventos? Tem duas coisas que eu queria ver: o Guerra e Paz, aquele painel famoso do Candido Portinari, e um recital na Mostra de Música de Câmara. Se a gente for agora, dá tempo de ver as duas coisas. Estou louca pra saber quem é o músico que vai se apresentar hoje.” Por que temos tantos elementos celulares no sistema nervoso? Essa seria uma boa pergunta. Se você decidisse respondê-la, talvez se aventurasse a dizer que é para poder transportar uma quantidade imensa de informações para todas as partes do corpo. Mas se existem tantos nervos e fibras assim, o que lhe dá suporte para funcionar é o SN, com uma tropa volumosa de células nervosas que se relacionam com os nervos; os nervos são projeções reais do neurônios, constituindo-se de feixes fechados, como se fossem uma cabo de axônios e fibras nervosas presentes no SN. Os neurônios, por sua vez, são células envolvidas na transmissão de informação por meio de sinais elétricos e químicos. Se nos atentarmos para a substância branca, veremos que ela é composta de fibras e, a cinzenta, é formada por células. Fibra e célula são partes do mesmo elemento: o neurônio, que transmite impulsos eletroquímicos. 5.1 Neurônios Weiten (2010, p. 63) define de modo objetivo os neurônios como “células individuais do sistema nervoso, que recebem, integram e transmitem informação”. Se essas pequenas células esféricas, estreladas ou piramidais nos ajudam a pensar, rir, ou chorar, então, como brinca Tieppo (2021), estudar os nervos e não conhecer o neurônio é algo pior do que ir a Paris e não conhecer a Torre Eiffel. Desse modo, não podemos entender o cérebro e o sistema nervoso sem saber como os neurônios funcionam. O que sabemos é que eles são os elos básicos que possibilitam a comunicação no SN. Weiten (2010) explica que a maior parte dos neurônios se comunica entre si, mas uma minoria recebe sinais diretamente do estímulo, ou seja, os sinais que vêm de fora e que são captados pelos órgãos sensoriais. Outra parte deles transmite mensagens do sistema nervoso diretamente aos músculos, tornando possível o movimento corporal 15 Figura 4 – Neurônio Créditos: ranjith ravindran/Shutterstock. 5.1.2 Estrutura do neurônio São três as estruturas essenciais do neurônio: dendrito, axônio e corpo celular. De acordo com Weiten (2010, p. 63-64), dendrito é a parte do neurônio especializada em receber informação; axônio é uma fibra longa e fina, que transmite sinais do corpo celular a outros neurônios, ou a músculos ou glândulas; quanto ao corpo celular, essa é a parte do neurônio na qual estão o núcleo e o citoplasma que cobre o núcleo. 5.1.3 Tipos de neurônio Há três tipos básicos de neurônios: sensoriais, motores e interneurônios. De acordo com Gazzaniga e Heatherton (2005), neurônios sensoriais são os que recebem a informação do mundo físico e a repassam ao cérebro, quase sempre pela medula espinal; os neurônios motores agem na musculatura na contração ou relaxamento, produzindo movimento; e, os interneurônios, comunicam-se em circuitos locais, ou de curta distância. Além de serem tipificados por suas funções, os neurônios podem ser classificados de acordo com a morfologia em neurônios multipolares, bipolares ou 16 pseudounipolares. Os neurônios multipolares estão localizados no encéfalo, possuindo um ou mais prolongamentos, e ocorrem com maior frequência; os neurônios bipolares possuem apenas um axônio e um dendrito, e são encontrados na mucosa olfatória, na retina e nos gânglios coclear e vestibular; e, os neurônios pseudounipolares possuem um corpo celular e somente um prolongamento, que se divide em dois. Eles podem ser encontrados nos gânglios espinais. 5.2 Células da glia Ao assistirem à execução da Quinta Sinfonia, de Beethoven, por um quarteto de cordas no salão de eventos da biblioteca, Helena sentiu os olhos molhados de emoção; Célia também ficou tocada pela música, que lhe lembrou do filme Fantasia, de Walt Disney, que vira na infância. Encantadas, as duas estudantes olharam bem para os músicos – dois rapazes e duas moças –, e seus instrumentos musicais, e refletiram sobre talento, magia e êxtase. Aquele talvez não fosse o momento para pensar nos neurônios que antes estiveram a pesquisar, mas se misturassem os dois hemisférios cerebrais, unindo razão e emoção, notariam que, assim como os músicos, os neurônios, personagens principais de nossos enlevos mentais, precisam de alguém na retaguarda. O quarteto musical era a grande atração do recital; foi por eles que a Quinta Sinfonia de Beethoven, naquela apresentação na biblioteca, ganhou mais relevância. Todavia, havia ali um suporte nos bastidores: técnicos e operadores de som, luz e montagem, equipe de limpeza, seguranças, assessores de imprensa, enfim, uma grande equipe para garantir que tudo funcionasse bem. Com os neurônios, o show também é assim. Quando começaram a ser estudadas, há cerca de 150 anos, as células da glia não tinham a importância que hoje lhes é dada. De figurantes e passivas, elas passaram a ser vistas de uma nova forma. Notadamente, há duas décadas, com as mudanças havidas na neurociência, elas passaram por uma mudança de paradigma relacionada a sua função e ao seu papel na fisiologia e patologia neural (Gomes; Tortelli; Diniz, 2013). Sem a equipe de apoio, ou os músicos do recital, a apresentação não aconteceria; da mesma forma que, sem as células da glia, o SN não funcionaria. Durante sua viagem, os neurônios são alimentados e guiados por células gliais que, agindo como suas zeladoras, formam um envoltório ao longo do qual os neurônios migram – uma treliça de apoio, direção, proteção e nutrição. Depois que os neurônios chegam ao seu lugar de destino, as 17 células gliais são mantidas, embora mudem de formato e propriedades moleculares a fim de desempenharem funções diferentes (Ratey, 2002) De modo objetivo, podemos dizer que as células gliais “são células especializadas do cérebro que protegem os neurônios, fornecendo-lhes nutrientes e oxigênio, removendo dejetos e, de modo geral, sustentando-os” (Eagleman, 2017). Em função da dimensão celular, classificam-se em: macroglia, que são os numerosos prolongamentos no espaço interneural (astrócitos), e prolongamentos que emergem do soma, mas não tão numerosos (oligodendrócitos); e, micróglia, que são os corpos celulares pequenos e com poucos prolongamentos. Para complementar, é oportuno destacar que outros corpos celulares dão apoio ao sistema nervoso, como as artérias, formadas por fibras musculares, que conduzem o sangue do coração a diversos órgãos; as veias, que são vasos condutores de sangue de forma centrípeta, em relação ao coração; e, os capilares, que são vasos nos quais ocorre a troca de substâncias entre o sangue e os tecidos adjacentes. 18 REFERÊNCIAS ALVAREZ, A.; LEMOS, I. de C. Os neurobiomecanismos do aprender: a aplicação de novos conceitos no dia a dia escolar e terapêutico. Rev. psicopedag., São Paulo, v. 23, n. 71, p. 181-190, 2006. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103- 84862006000200011>. Acesso em: 20 jul. 2022. BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. Porto Alegre: Artmed, 2017. CHERRY, K. The Central Nervous System inYour Body. Very Well Mind, 2022. 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