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W BA 10 40 _V 1. 0 HISTÓRICOS E PRESSUPOSTOS DA TERAPIA COGNITIVO- COMPORTAMENTAL 2 Aline Monique Carniel São Paulo Platos Soluções Educacionais S.A 2022 HISTÓRICOS E PRESSUPOSTOS DA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL 1ª edição 3 2022 Platos Soluções Educacionais S.A Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César CEP: 01418-002— São Paulo — SP Homepage: https://www.platosedu.com.br/ Head de Platos Soluções Educacionais S.A Silvia Rodrigues Cima Bizatto Conselho Acadêmico Alessandra Cristina Fahl Camila Braga de Oliveira Higa Camila Turchetti Bacan Gabiatti Giani Vendramel de Oliveira Gislaine Denisale Ferreira Henrique Salustiano Silva Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Camila Turchetti Bacan Gabiatti Revisor Mariane Ricardo Acosta Lopez Molina Editorial Beatriz Meloni Montefusco Carolina Yaly Márcia Regina Silva Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)_____________________________________________________________________________ Carniel, Aline Monique Histórico e pressupostos da terapia cognitivo- comportamental / Aline Monique Carniel. – São Paulo: 32 p. ISBN 978-65-5356-146-5 1. Terapia cognitivo-comportamental. 2. Histórico. 3. Psicologia. I. Título. 3. Técnicas de speaking, listening e writing. I. Título. CDD 150 _____________________________________________________________________________ Evelyn Moraes – CRB: 010289/O C289h © 2022 por Platos Soluções Educacionais S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Platos Soluções Educacionais S.A. https://www.platosedu.com.br/ 4 SUMÁRIO Apresentação da disciplina __________________________________ 05 Bases filosóficas e históricas da Terapia Cognitivo- Comportamental _____________________________________________ 07 As características definidoras da Terapia Cognitivo- Comportamental _____________________________________________ 18 Pensamentos automáticos, crenças intermediárias e centrais disfuncionais _________________________________________________ 30 Esquemas e erros cognitivos _________________________________ 41 HISTÓRICOS E PRESSUPOSTOS DA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL 5 Apresentação da disciplina Nesta disciplina, você poderá conhecer mais sobre uma das abordagens da Psicologia, a Terapia Cognitivo-Comportamental, que abordagem apresenta uma forma de compreender o funcionamento cognitivo das pessoas, e como as cognições influenciam os pensamentos, sentimentos e comportamentos humanos. Suas ideias têm origem em correntes filosóficas sobre a percepção, que defendiam que as experiências alteravam a forma como os indivíduos interpretavam os acontecimentos. Além das bases filosóficas, também ganhou contribuições de diversas bases teóricas, que subsidiaram conhecimentos como a importância da consciência, das emoções, do comportamento e da relação terapêutica. As pesquisas iniciais de Aaron T. Beck sobre os transtornos depressivos, que proporcionaram o início da Terapia Cognitivo-Comportamental, serão apresentadas para maior compreensão dos dados científicos que fortaleceram essa abordagem. Serão explorados os princípios e conceitos defendidos pela Terapia Cognitivo-Comportamental, como o modelo cognitivo, a tríade cognitiva, as distorções cognitivas, os pensamentos automáticos, as crenças intermediárias e centrais. 6 Será possível compreender como esses conceitos contribuem para a compreensão do paciente em psicoterapia, e como podem ser aplicados, a fim de proporcionar melhora da saúde mental e qualidade de vida dos pacientes. Convidamos você a conhecer mais sobre como a Terapia Cognitivo-Comportamental pode contribuir para sua prática profissional. Bons estudos! 7 Bases filosóficas e históricas da Terapia Cognitivo- Comportamental Autoria: Aline Monique Carniel Leitura crítica: Mariane Lopez Molina Objetivos • Apresentar as bases filosóficas que influenciaram o desenvolvimento da Terapia Cognitivo- Comportamental. • Oferecer informações sobre as teorias que fundamentaram os conceitos da Terapia Cognitivo- Comportamental. • Proporcionar o conhecimento das diversas Terapias Cognitivo-Comportamentais da atualidade. 8 1. O desenvolvimento científico da Psicologia A história da construção do conhecimento ganhou uma nova perspectiva a partir do ano de 1637, quando René Descartes publicou seu discurso sobre o método científico. Esse discurso foi considerado como um marco para a ciência, pois a partir de sua elaboração começaram a ser construídos princípios que regiam o desenvolvimento das teorias. Essas premissas estenderam-se aos mais diversos saberes, incluindo a Psicologia, considerada a área de estudos sobre a psique, entendida como a alma ou a mente humana. Construída a partir dos princípios técnicos, éticos e científicos, essa ciência responsável por compreender fenômenos complexos pautou-se em diversas correntes filosóficas que iniciaram investigações sobre o pensamento humano. Diversos estudiosos e pesquisadores trabalharam na compreensão da mente humana. Essas investigações geraram uma multiplicidade de conceitos sobre a psique, que resultaram em diversas linhas teóricas sobre as possíveis formas de tratamentos de saúde mental. Entre essas abordagens teóricas está a Terapia Cognitivo-Comportamental, área que será apresentada e discutida ao longo desse texto. 2. Bases filosóficas e teóricas da Terapia Cognitivo-Comportamental A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é considerada uma abordagem teórica da Psicologia, que estuda como as percepções humanas são construídas e repercutem na elaboração dos pensamentos e comportamentos dos indivíduos. Investiga como essas relações influenciam a personalidade das pessoas, suas motivações, seus sonhos e suas atitudes, bem como o adoecimento emocional. 9 Atualmente, a Terapia Cognitivo-Comportamental é uma abordagem psicológica consolidada. Possui eficácia comprovada através de trabalhos científicos para o tratamento de diversos transtornos mentais. Além disso, seus métodos e suas técnicas estão apoiados em conteúdos teóricos sólidos, testados constantemente por pesquisas de atualização de sua aplicabilidade (OLIVEIRA, 2019; REYES; FERMANN, 2017). Wright, Basco e Thase (2008, p. 15) descreveram: “A prática clínica da terapia cognitivo-comportamental (TCC) baseia-se em um conjunto de teorias bem-desenvolvidas que são usadas para formular planos de tratamento e orientar as ações do terapeuta”. Essa definição não remete somente à observação das diversas técnicas desenvolvidas para o tratamento dos transtornos mentais mas também para as bases filosóficas e teóricas que fortaleceram a Terapia Cognitivo- Comportamental, desde sua criação até os dias atuais. O estoicismo, corrente filosófica desenvolvida na Grécia Antiga por filósofos que viveram antes de Cristo, traz importantes conceitos para a Terapia Cognitivo-Comportamental. Os estoicos acreditavam que a forma como as pessoas interpretavam as situações e se comportavam diante delas revelava mais do que suas próprias palavras. Assim, o desenvolvimento do autocontrole era considerado como uma habilidade necessária para superar as emoções destrutivas (EPICTETUS, 1991). Zenão de Cítio (333-263 a.C.) defendia que as emoções eram capazes de produzir julgamentos enganosos, que contradiziam a virtude da natureza humana. Epíteto (50-138 d.C.) discorreu sobre como as atitudes poderiam influenciar a felicidade do homem, por sua vez, as atitudes dependiam da percepção dos indivíduos sobre o mundo (EPICTETUS, 1991). A filosofia e a religião taoísta, em seus ensinamentos, enfatizavamque se voltar para a consciência proporcionava um encontro com o caminho da natureza, produzindo uma relação harmoniosa e serena com o 10 mundo. Dessa forma, agir de acordo com a natureza permitiria apreciar a vida, em vez de forçá-la a ser o que não é. O budismo também representou uma fonte importante desses princípios, pois a concepção de serenidade estava intrinsecamente relacionada às reações das pessoas diante da vida. Por isso, concentrar- se na vivência do momento atual e nas relações presentes possibilitaria exercer mudanças sobre o futuro (DALAI LAMA, 1999). As correntes teóricas sobre o papel da consciência, desenvolvidas por filósofos modernos durante os séculos XIX e XX, foram de suma importância para a compreensão da cognição humana. As premissas de Immanuel Kant contemplavam a influência da razão sobre as sensações, que formavam as percepções responsáveis por compor o conhecimento. Karl Jaspers pensava sobre os elos entre a existência e a razão, em que todo o conhecimento existente poderia ser compreendido como a verdade (KNAPP; BECK, 2008). Martin Heidegger concentrou-se em compreender a existência humana. Para ele, a forma do homem existir no mundo poderia ser alterada pelas pressões do ambiente, fazendo-o afastar-se de si mesmo. Por outro lado, a angústia existencial poderia aproximá-lo de seu próprio ser. Viktor Frankl ponderou que encontrar um propósito e assumir a responsabilidade sobre ele faz o ser humano atribuir sentido à sua vida (KNAPP; BECK, 2008). Todos esses filósofos demonstraram em suas teorias como a premissa de que a consciência rege as cognições e ações humanas é fundamental para a compreensão do comportamento e da existência humana, como representado na Figura 1. 11 Figura 1 - Correntes filosóficas sobre a consciência Fonte: elaborada pela autora. Assim como outras abordagens da Psicologia, a Terapia Cognitivo- Comportamental sofreu influência de diversas bases teóricas, que compõem a construção de seus conhecimentos. Assim, é possível compreender que essa abordagem está embasada no conhecimento científico desenvolvido ao longo dos anos. A evolução desse saber pautado em estudos sólidos e empiricamente testados possibilitou a oferta de práticas psicológicas seguras e eficazes, como apresentado na Tabela 1. Tabela 1 - Principais contribuições para o desenvolvimento da Terapia Cognitivo-Comportamental Teoria Teórico Fundamentos Contribuições para a TCC Terapia Centrada na Pessoa Carl Rogers Aceitação do cliente e no ques- tionamento amigável. Relacionamento terapêu- tico colaborativo. 12 Teoria do Apego John Bowlby Os laços estabelecidos na infância influenciam a autoper- cepção do indivíduo. O apego seguro, permite que a criança amplie sua capacidade emo- cional e cognitiva, baseada em modelos funcionais. Conceituação cognitiva, avaliação dos dados relevantes da infância e das relações de afeto e proteção. Teoria das Emoções Richard Lazarus Os acontecimentos desenca- deiam pensamentos que, por sua vez, acionam respostas fisiológicas e emocionais. Compreensão da relação entre situação, pensa- mentos, emoções e com- portamentos. Epistemologia Ge- nética Jean Piaget A representação do mundo é formada por esquemas que armazenam as experiências e auxiliam a interpretação e or- ganização das informações do ambiente. Construção dos conheci- mentos a partir de esque- mas. Alternativismo Construtivo George Kelly As pessoas constroem sua realidade de forma particular, avaliando as situações de ma- neira diferente umas das ou- tras. Dessa forma, criam suas próprias teorias para com- preender os eventos da vida. Diferença entre as esco- lhas de cada indivíduo. Psicologia do De- senvolvimento Indi- vidual Alfred Adler As principais necessidades hu- manas são identificadas como receber atenção e desejo de poder. Quando esses anseios não são atendidos, aparecem os complexos de inferioridade, que geram conflitos para as relações interpessoais. Necessidade de relacio- namentos funcionais para o desenvolvimento de crenças nucleares saudá- veis. Teoria de Aprendi- zagem Social Albert Bandura A aprendizagem acontece a partir da interação entre os sujeitos, seus comportamentos (determinados pelos aspectos cognitivos) e o ambiente social. Entendimento do senso de autoeficácia, motiva- ção, aprendizagem e ma- nutenção das relações. Fonte: elaborada pela autora. 13 3. Início e desenvolvimento da Terapia Cognitivo-Comportamental Aaron Temkin Beck é considerado o pai da Terapia Cognitivo- Comportamental. A partir de sua formação em Psiquiatria, utilizava técnicas da psicanálise para tratar seus pacientes com transtornos de humor. Iniciou, no final da década de 1950, sua dedicação às pesquisas científicas, com o intuito de comprovar a eficácia das técnicas psicanalíticas através do método científico (BECK, 2013). Ele desejava apresentar como os conteúdos dos sonhos de pacientes deprimidos estavam relacionados à hostilidade. Para tanto, dividiu os pacientes em dois grupos: (1) com diagnóstico de transtorno depressivo e (2) emocionalmente saudáveis. Ao iniciar a análise dos sonhos, percebeu que o grupo de pacientes com transtornos depressivos, ao invés de apresentarem hostilidade em seus sonhos, mencionavam conteúdos de fracasso, dificuldades e perdas. Ao atender esse grupo de pacientes em sessões de associação livre, percebeu que as associações sobre fracasso, dificuldade e perdas também estavam presentes em seus discursos. Além disso, conseguiu identificar que faziam rápidas definições negativas sobre si mesmo. Ao ajudar os pacientes a identificar essas definições e ressignificá-las, notou melhora significativa dos sintomas depressivos. Assim, conseguiu descrever o que chamou de pensamentos automáticos, que interferiam na forma como as pessoas se sentiam. Beck (2013) transmitiu esses conhecimentos aos seus residentes de Psiquiatria, os quais, ao aplicarem a mesma técnica, encontraram resultados semelhantes com seus pacientes. Após alguns anos, Beck iniciou, junto a John Rush, um estudo, com o objetivo de demonstrar a eficácia da Terapia Cognitivo-Comportamental. Compararam o tratamento para Transtorno Depressivo Maior utilizando a imiprimina (medicamento antidepressivo) em um grupo e a Terapia 14 Cognitivo-Comportamental em outro grupo, obtendo resultados eficazes em ambos os grupos. Esses resultados fortaleceram o desenvolvimento da Terapia Cognitivo-Comportamental e, dois anos após sua publicação, em 1977, escreveram o primeiro manual de Terapia Cognitivo- Comportamental. No entanto, muitos trabalhos ainda precisavam ser conduzidos para ampliar a compreensão dos tratamentos cognitivo- comportamentais a outros transtornos mentais. Ao analisar os transtornos ansiosos, Beck e colaboradores identificaram que as pessoas com ansiedade faziam avaliações catastróficas das situações, que ocasionavam comportamentos de fuga e esquiva diante dos eventos temidos. Por isso, ao reestruturarem os pensamentos de pacientes ansiosos para formas mais realistas e fortalecerem seus recursos internos para enfrentar as situações, verificaram melhora significativa dos sintomas ansiosos. Desde a criação da Terapia Cognitivo-Comportamental, suas técnicas são aprimoradas constantemente, adequando-se ao tratamento dos diversos transtornos mentais, ao fortalecimento de recursos de enfrentamento, às habilidades sociais e de solução de problemas. Atualmente, os conhecimentos desenvolvidos no campo cognitivo e comportamental são divididos em três ondas, ou seja, três períodos diferentes, que marcaram o surgimento das Terapias Cognitivo- Comportamentais (KNAPP; BECK, 2008). A década de 1950 marcou a primeira onda das Terapias Cognitivo- Comportamentais. Nesse período, destacava-se a utilização das técnicas desenvolvidas por Ivan Pavlov para modificar os comportamentos a partir do condicionamento clássico. Mais tarde, os conceitos de Burrhus Frederic Skinnertambém foram utilizados para alterar os comportamentos, sob a ótica do condicionamento operante (KNAPP; BECK, 2008). 15 A segunda onda iniciou-se a partir da década de 1960, com o desenvolvimento da Terapia Racional Emotiva Comportamental, de Albert Ellis, e da Terapia Cognitiva (atualmente denominada Terapia Cognitivo-Comportamental), proposta por Aaron Beck. A Terapia Racional Emotiva Comportamental defendia que os pensamentos ocorrem baseados em crenças racionais e irracionais. As crenças irracionais produziam reações emocionais prejudiciais à saúde mental e aos comportamentos. Enquanto isso, a Terapia Cognitivo- Comportamental está baseada no modelo cognitivo, cujo processamento cognitivo, realizado diante dos eventos cotidianos, está associado às reações emocionais e às ações do ser humano (KNAPP; BECK, 2008). Os anos de 1990 marcaram o surgimento da terceira onda das Terapias Cognitivo-Comportamentais, com terapias direcionadas ao tratamento de fenômenos específicos, enfatizando as abordagens contextuais e os modelos de intervenção. Alguns exemplos dessas teorias são descritos na Tabela 2. Tabela 2 - Terapias Cognitivo-Comportamentais da terceira onda Teoria Teórico Fundamentos Terapia de Solução de Problemas Thomas J. D’Zurilla e Marvin Goldfried Busca treinar competências para que as pessoas possam lidar com os problemas de forma mais saudável, enfrentando as adver- sidades da vida. Construtivismo Michael Mahoney Considera os indivíduos como agentes ativos na construção dos conceitos sobre o mundo, utilizando suas hipóteses para interpretá-lo. Terapia de Modificação Cognitivo-Comportamental Donald Meichenbaum Identifica o impacto das falas de uma pessoa para si mesma, sobre seus comportamentos. 16 Terapia de Processamento Cognitivo Patricia A. Resick e Monica K. Schnicke Auxilia a percepção dos sintomas e das inter- pretações provocadas por um trauma, para manejar esses efeitos a partir da conscienti- zação. Ativação Comportamental Peter Lewinsohn e co-laboradores Estimula a realização de atividades impor- tantes para a melhora cognitiva, desde ati- vidades prazerosas até o enfrentamento de situações aversivas. Terapia Comportamental Dialética Marsha Linehan Ensina o paciente a regular suas emoções e seus impulsos, reduzindo os comportamen- tos desadaptativos. Terapia de Aceitação e Compromisso Steven C. Hayes e co- laboradores Identifica as sensações emocionais desagra- dáveis e estimula a aceitação dessas rea- ções e como significá-las de forma saudável. Terapia Analítica Funcional Robert Kohlenberg e Mavis Tsai Trabalha a mudança dos comportamentos desadaptativos na relação terapêutica, a fim de estendê-la para a vida do paciente. Fonte: elaborada pela autora. Diante do exposto, conclui-se que a Terapia Cognitivo-Comportamental é uma abordagem da Psicologia fundamentada em conhecimentos filosóficos e teóricos, além de ser desenvolvida a partir de pesquisas científicas que testaram a aplicabilidade de sua prática. Esse rigor metodológico e científico mantém-se ao longo dos anos, caracterizado pelos diversos estudos de atualização e desenvolvimento de novas vertentes cognitivo-comportamentais. Referências BECK, J. S. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. 2. ed. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 2013. 348 p. DALAI LAMA. Ethics for the New Millennium. New York: Riverhead Books, 1999. EPICTETUS. Enchiridion. New York: Prometheus Books, 1991. 17 KNAPP, P.; BECK, A. T. Fundamentos, modelos conceituais, aplicações e pesquisa da terapia cognitiva. Braz. J. Psiquiatria, v. 30, p. s54-s64, 2008. OLIVEIRA, A. C. Eficácia da terapia cognitivo comportamental no tratamento da depressão: revisão integrativa. Rev. bras. ter. cogn., Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 29- 37, jun. 2019. REYES, A. N.; FERMANN, I. L. Eficácia da terapia cognitivo-comportamental no transtorno de ansiedade generalizada. Rev. bras. ter. cogn., Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, p. 49-54, jun. 2017. WRIGHT, J. J.; BASCO, M. R.; THASE, M. E. Aprendendo a Terapia Cognitivo- Comportamental. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 2008. 224 p. 18 As características definidoras da Terapia Cognitivo- Comportamental Autoria: Aline Monique Carniel Leitura crítica: Mariane Lopez Molina Objetivos • Apresentar os princípios utilizados pela Terapia Cognitivo-Comportamental para o tratamento de transtornos mentais. • Promover a compreensão do modelo cognitivo e sua influência para as ações humanas. • Capacitar os alunos para a construção da conceituação cognitiva e compreensão do paciente de acordo com a Terapia Cognitivo-Comportamental. 19 1. As características da Terapia Cognitivo- Comportamental A Terapia Cognitivo-Comportamental é uma abordagem da Psicologia, desenvolvida através de estudos científicos que comprovaram sua efetividade e aprimoraram seus princípios de tratamento para os mais diversos transtornos mentais. Os fundamentos observados pelos terapeutas cognitivo-comportamentais possibilitam a aplicação correta dos conceitos e das técnicas dessa abordagem. O modelo cognitivo é considerado um dos elementos centrais da Terapia Cognitivo-Comportamental, visto que é o responsável por explicar como e por que os comportamentos acontecem. A conceituação cognitiva atua como um guia para o terapeuta, pois permite o entendimento de como os pensamentos são formados e se mantêm ao longo do tempo, além de demonstrar suas relações com as ações humanas. Nesse texto, serão apresentados conceitos, como os fundamentos da Terapia Cognitivo-Comportamental, o modelo cognitivo e a conceituação cognitiva. O conhecimento desses temas é imprescindível para a aplicabilidade das técnicas cognitivo-comportamentais em psicoterapia. 2. Princípios da Terapia Cognitivo- Comportamental Durante o desenvolvimento da Terapia Cognitivo-Comportamental, foram desenvolvidos dez princípios fundamentais, que compõem as principais características desse modelo de psicoterapia. Ressalta-se que cada paciente é único e, por isso, deverá receber o tratamento adequado para suas questões pessoais. No entanto, esses princípios não alteram as particularidades dos tratamentos e podem ser aplicados de forma geral nos atendimentos cognitivo-comportamentais. A seguir, serão 20 apresentados os dez princípios da Terapia Cognitivo-Comportamental, segundo Judith Beck (2013): 1. Importância do vínculo terapêutico sólido entre o profissional e o paciente. A Terapia Cognitivo-Comportamental preza pelo relacionamento acolhedor, empático e ético entre terapeuta e paciente, a fim de que se estabeleça um espaço seguro e confiável para a elaboração dos conteúdos da psicoterapia. 2. Compreensão do paciente como agente ativo do processo terapêutico. Durante o tratamento, a Terapia Cognitivo-Comportamental visa estimular o paciente a assumir o compromisso com seu progresso, valorizando sua participação durante as sessões na escolha dos problemas que serão abordados. Com a evolução do paciente durante as sessões, ele também é encorajado a formular conclusões sobre os tópicos abordados durante os atendimentos, planejar de forma colaborativa os exercícios de casa, identificar e reestruturar suas distorções. 3. Prioridade das questões atuais do paciente. O foco principal da Terapia Cognitivo-Comportamental é trabalhar os problemas atuais e as situações do presente, a fim de produzir bons resultados no “aqui e agora”. Todavia, quando o enfoque atual provoca riscos à aliança terapêutica ou quando há dificuldades de reestruturação do presente, os momentos passados podem ser considerados sem que haja prejuízo para o tratamento. 4. Identificação de objetivos e metas a serem atingidos. Durante as primeiras sessões, os pacientes, junto ao terapeuta, elegem quais serão os tópicos trabalhados. Isso permite que o tratamento seja 21 direcionado para a solução de problemas e que seus benefícios sejam notados pelo paciente. 5. Capacitar o pacientepara compreender o modelo cognitivo. No início do tratamento, o terapeuta utilizará o modelo cognitivo para analisar as atitudes e o humor dos pacientes, elencando seus pensamentos automáticos e contribuindo para que sejam ressignificados. Com o avanço do tratamento, o terapeuta compartilha seus conhecimentos sobre os padrões de pensamentos do paciente, auxiliando a compreensão, a avaliação e a mudança de cognições. 6. Estruturação das sessões. Ao seguir um roteiro em suas consultas, a Terapia Cognitivo- Comportamental busca aumentar a eficiência e o aproveitamento das sessões. Essa estrutura, não tem como objetivo tornar o tratamento rígido e inflexível, mas, sim, manter os progressos terapêuticos. Essas etapas estão descritas na Figura 1. 22 Figura 1 - Estrutura das sessões na Terapia Cognitivo-Comportamental Fonte: adaptada de Rangé (2011). 7. Estimular a independência e a prevenção de recaídas A psicoeducação é uma técnica amplamente utilizada pela Terapia Cognitivo-Comportamental. Através dela, o paciente é esclarecido sobre suas cognições, seus sentimentos e seus comportamentos, aprende a identificá-los e reestruturá-los quando necessário. O conhecimento das cognições habilita o paciente a reconhecer suas fragilidades e procurar ajuda, prevenindo recaídas. 23 8. Duração por tempo determinado. A Terapia Cognitivo-Comportamental, ao priorizar a solução de problemas e a educação do paciente, para que ele mesmo aprenda a reestruturar seus pensamentos e suas crenças disfuncionais, permite limitar a duração da psicoterapia. Isto porque, quando o terapeuta contribui para a solução das questões do paciente e o ensina a lidar com futuros acontecimentos, alcança o principal objetivo da Terapia Cognitivo-Comportamental: capacitar o paciente para ser seu próprio terapeuta. Alguns manuais estipulam que a psicoterapia cognitivo- comportamental dure de 6 a 14 semanas. Entretanto, essa estimativa não deve limitar o terapeuta, visto que pacientes com transtornos mentais graves ou crenças muito rígidas necessitarão de mais sessões (BECK, 2013). 9. Utilização de diversas técnicas para reestruturação das crenças disfuncionais. Após compreender os comportamentos e os sentimentos do paciente sob a luz do modelo cognitivo, o terapeuta cognitivo-comportamental possui uma gama de técnicas que podem ser utilizadas para atuar na reestruturação dos pensamentos e na mudança de comportamentos. A seleção das técnicas a serem utilizadas dependerá da conceituação cognitiva, dos sintomas apresentados, da escolaridade, dos aspectos sociais e culturais e da formação técnica do terapeuta. 10. Formulação contínua da conceituação cognitiva. Em cada sessão, o terapeuta cognitivo-comportamental deve estar atento à elaboração da conceituação cognitiva do paciente. Uma vez estruturada, a conceituação torna-se um instrumento para o registro de informações, principalmente para o acréscimo de novos dados que surgirem ao longo do processo terapêutico. Ela deve observar as cognições atuais, os padrões de interpretação, os fatores 24 que desencadeiam os comportamentos problemáticos e as crenças disfuncionais. 3. O Modelo Cognitivo A Terapia Cognitivo-Comportamental considera o Modelo Cognitivo como um conceito central, que explica a ocorrência das emoções e dos comportamentos humanos. Propõe que, durante seu desenvolvimento, os indivíduos aprendem com o mundo ao seu redor, através de suas experiências. Por sua vez, as experiências compõem a compreensão que as pessoas têm sobre a vida e as relações. A construção das percepções de cada sujeito é considerada a explicação para a existência de diversas avaliações cognitivas frente a situações semelhantes. Por exemplo, ao ouvir a chuva batendo na janela, uma pessoa pode sentir calmaria, lembrando-se dos dias de chuva na casa de sua avó. Outra pessoa pode sentir medo, ao recordar um acidente familiar devido a raios em uma tempestade. As avaliações construídas a partir das vivências modulam a interpretação dos fatos, as emoções e os comportamentos. É importante ressaltar que as situações não são os únicos estímulos que desencadeiam as avaliações cognitivas, pois as próprias emoções e comportamentos estão sujeitos a essa avaliação, como ilustra a Figura 2. 25 Figura 2 - Modelo Cognitivo-Comportamental Básico Fonte: adaptada de Beck (2013). Relembrando o exemplo da pessoa que sente medo ao ouvir a chuva batendo na janela, a avaliação da chuva como algo perigoso gera o sentimento de medo. Essa emoção pode influenciá-la a emitir o comportamento de ligar para os amigos pedindo ajuda. Após o ocorrido, a pessoa pode avaliar seu comportamento como um sinal de fraqueza, por ter solicitado ajuda para lidar com um simples dia chuvoso. Essa nova avaliação pode gerar o sentimento de vergonha e o comportamento de afastar-se dos amigos por alguns dias, até que se esqueçam do evento. Apesar de parecer um instrumento simples, o modelo cognitivo visa destacar o papel da cognição na vida das pessoas. A partir do conhecimento das cognições de cada indivíduo, as técnicas cognitivo- comportamentais podem ser utilizadas para a reestruturação dos pensamentos disfuncionais, assim como para o desenvolvimento de 26 recursos de enfrentamento, quando estão baseadas em dados de realidade (CABALLO, 2011). Neste sentido: O processamento cognitivo recebe um papel central nesse modelo, porque o ser humano continuamente avalia a relevância dos acontecimentos internamente e no ambiente que o circunda (p. ex., eventos estressantes, comentários ou ausência de comentários dos outros, memórias de eventos do passado, tarefas a serem feitas, sensações corporais), e as cognições estão frequentemente associadas às reações emocionais. (WRIGHT; BASCO; THASE, 2008, p. 17) A Terapia Cognitivo-Comportamental dedica suas intervenções à modificação das cognições distorcidas. Isso não significa que ela desconsidere os fatores biológicos, neuronais, endócrinos, as influências ambientais e interpessoais na construção das cognições. Por isso, o terapeuta cognitivo-comportamental deve ter um olhar multifatorial para os indivíduos, compreendo-os como sujeitos biopsicossociais e espirituais. 4. Conceituação cognitiva A conceituação cognitiva é considerada uma ferramenta capaz de nortear o terapeuta cognitivo-comportamental na compreensão de seu paciente. Através dessa conceituação, é possível assimilar as queixas apresentadas na psicoterapia como parte da composição de um todo, representado pelos padrões cognitivos. Os eventos avaliados pelo modelo cognitivo são considerados uma parte da conceituação cognitiva. Inicialmente, o modelo cognitivo deve ser utilizado para entender os pensamentos automáticos verbalizados pelo paciente. Dessa forma, será possível obter informações sobre quais foram os pressupostos e as regras que suscitaram pensamentos automáticos (NEUFELD; CAVENAGE, 2010). 27 A conceituação cognitiva é iniciada no primeiro dia da psicoterapia, e sua formulação se estende durante todo o processo terapêutico. Com o progresso do paciente na identificação de suas cognições, os motivos mais profundos de seus pensamentos podem ser conhecidos. Chamados de crenças centrais, esses motivos explicam a forma como as interpretações foram construídas, permitindo a reestruturação das avaliações disfuncionais sobre o mundo. A estrutura desse diagrama está detalhada na Figura 3. O principal objetivo da conceituação cognitiva é oferecer ao terapeuta subsídios para verificar os sintomas do paciente, encontrar seu diagnóstico, conhecer como suas experiências da infância e da vida contribuíram para os seus problemas atuais, como ele entende aspectos situacionais e interpessoais, quais fatores biológicos, genéticos e médicos influenciaram sua formação, quais suas qualidades e fragilidades. Essas conclusões podem ser compartilhadas com o paciente durante a terapia, observando os princípios da ética, da aliançaterapêutica e o benefício do paciente. Por isso, cabe ao terapeuta tomar conhecimento de que: Em algum momento, você vai compartilhar as partes superior e inferior da conceituação, quando o seu objetivo para uma sessão for ajudar o paciente a ter uma visão mais ampla das suas dificuldades. Nesse momento, você irá examinar verbalmente a conceituação, compartilhar uma versão simplificada em uma folha de papel em branco ou (com aqueles pacientes que você julgar que irão se beneficiar) apresentar um diagrama de conceituação em branco e preenchê-lo com o paciente. Sempre que apresentar suas interpretações, você fará isso provisoriamente, denominando-as como hipóteses, perguntando ao paciente se lhe ‘soa verdadeiro’. As hipóteses corretas geralmente ecoam bem no paciente. (BECK, 2013, p. 225) 28 Figura 3 - Conceituação cognitiva Fonte: adaptada de Beck (2013). Por fim, a conceituação cognitiva, além de oferecer diversas informações importantes para a compreensão do paciente, contribui também para 29 a definição dos objetivos do tratamento, para a escolha das técnicas adequadas nas intervenções e para a avaliação da evolução do paciente. Portanto, nessa leitura, foram apresentados os princípios que fundamentam a Terapia Cognitivo-Comportamental, como a importância do vínculo terapêutico entre o profissional e o paciente, o papel ativo do paciente durante a terapia, a identificação de objetivos e das metas atuais, a utilização de técnicas para reestruturação das crenças disfuncionais e o estímulo à independência do paciente e a prevenção de recaídas. Conhecer a estrutura da conceituação cognitiva e as concepções de pensamentos automáticos, crenças intermediárias e crenças centrais é imprescindível para o exercício da Terapia Cognitivo-Comportamental, visto que garantem a aplicação correta da teoria e aumentam as chances de eficácia dos tratamentos. A educação continuada e a atualização constante do terapeuta cognitivo- comportamental aprimoram sua aptidão, para a utilização desses recursos na prática clínica. Referências BECK, J. S. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. 2. ed. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 2013. 348 p. CABALLO, V. E. Manual para o treinamento cognitivo-comportamental dos transtornos psicológicos: transtornos de ansiedade, sexuais, afetivos e psicóticos. São Paulo, SP: Santos, 2011. NEUFELD, C. B.; CAVENAGE, C. C. Conceitualização cognitiva de caso: uma proposta de sistematização a partir da prática clínica e da formação de terapeutas cognitivo- comportamentais. Revista Brasileira de Terapia Cognitiva, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 3-36, dez. 2010. RANGÉ, B. P. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 2011. WRIGHT, J. J.; BASCO, M. R.; THASE, M. E. Aprendendo a Terapia Cognitivo- Comportamental. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 2008. 224 p. 30 Pensamentos automáticos, crenças intermediárias e centrais disfuncionais Autoria: Aline Monique Carniel Leitura crítica: Mariane Lopez Molina Objetivos • Apresentar o conceito de pensamentos automáticos e técnicas para sua identificação. • Promover a compreensão das crenças intermediárias e sua função na conceituação cognitiva dos pacientes. • Capacitar os alunos para identificarem as crenças centrais e sua relação com as crenças intermediárias e os pensamentos automáticos. 31 1. Níveis de cognição A Terapia Cognitivo-Comportamental busca compreender o funcionamento cognitivo dos indivíduos. Para tanto, conceitua os níveis de cognição, suas características e como eles se relacionam. Os pensamentos automáticos são considerados o primeiro nível de cognição, influenciam as emoções e os comportamentos e têm origem nas crenças que foram desenvolvidas ao longo da vida. As crenças intermediárias constituem o segundo nível de cognição, refletem os pressupostos, as regras e as atitudes que permitem que as pessoas convivam de forma adaptativa e produtiva, apesar de suas crenças disfuncionais. O terceiro nível de cognição é formado pelas crenças centrais. Consideradas como as concepções mais profundas dos sujeitos, elas são construídas ao longo da vida e norteiam a ideia que as pessoas têm de si mesmas, do futuro e do mundo. Essa ótica sobre o próprio ser, o futuro e o ambiente ao seu redor é chamada de tríade cognitiva. Quando as crenças são disfuncionais, ou seja, não são baseadas em dados de realidade, as pessoas podem ter uma ideia distorcida sobre seu contexto. Esse texto abordará como o terapeuta cognitivo-comportamental pode utilizar esses conceitos para a compreensão de seus pacientes e traçar intervenções específicas para cada caso ao longo da sua prática clínica. 2. Pensamentos automáticos Os pensamentos automáticos podem ser definidos como pensamentos que acontecem sem a intencionalidade dos sujeitos. Eles ocorrem na maior parte do dia em diversas situações e podem coexistir com outros pensamentos. São breves, espontâneos e sem reflexão prévia, por isso, 32 tendem a passar despercebidos e não são identificados ou questionados (NEUFELD; CAVENAGE, 2010). Geralmente, as pessoas possuem facilidade para reconhecer as emoções associadas aos pensamentos automáticos. Assim, durante a psicoterapia cognitivo-comportamental, os pacientes podem ser orientados a atentar- se aos seus pensamentos, quando emoções desagradáveis acontecem. Os pensamentos automáticos tendem a ser considerados verdadeiros, mesmo que o indivíduo não faça uma avaliação de seus conteúdos (BECK, 2013). Os pensamentos automáticos podem ser subdivididos quanto à sua utilidade e validade: 1) distorcidos, ocorrem apesar de evidências reais do contrário; 2) precisos, mas com conclusões distorcidas; 3) precisos, mas sem funcionalidade. Durante a terapia cognitivo-comportamental, o paciente pode ser ensinado a identificar esses pensamentos e analisá- los, utilizando a pergunta: “O que está se passando pela minha cabeça nesse momento?”. Nas sessões de terapia, o psicólogo também pode utilizar essa pergunta quando perceber que o paciente se refere a uma mudança de afeto ou momento incômodo. Caso ele não consiga se lembrar do pensamento automático, pode ser solicitado que descreva o momento, que se lembre da imagem da cena ou mesmo a reproduza. Isso facilitará que ele recorde os pensamentos automáticos durante a sessão (NEUFELD; CAVENAGE, 2010). Algumas indagações podem ajudar o terapeuta a evocar os pensamentos automáticos do paciente. Seguem alguns exemplos: quando aconteceu? Onde você estava? Com que frequência você tem esse tipo de pensamento? Em que situações? Quanto este tipo de pensamento incomoda você? Mais alguma coisa passou por sua mente, como imagens ou figuras? Como você se sentiu? O que você fez após ter tido este pensamento? Conte-me sobre a situação. 33 O Registro de Pensamentos Disfuncionais (RPD) é considerado outra técnica importante para auxiliar os pacientes a identificarem seus pensamentos automáticos. Ele facilita o reconhecimento dos pensamentos, pois permite ao paciente fazer anotações quando seus pensamentos ocorreram. Nesse registro, os pacientes podem escrever informações sobre o modelo cognitivo: pensamentos, emoções e comportamentos diante de determinado evento. Essas anotações possibilitam ao terapeuta a compreensão dos padrões cognitivos do paciente e como eles repercutem em sua vida (BECK, 2013). Além disso, o RPD funciona como uma extensão da terapia, fortalecendo o aprendizado e a autonomia do paciente no discernimento de seus próprios pensamentos. Um modelo detalhado desse registro está descrito na Tabela 1. Tabela 1 - Exemplo de RPD Data/ Hora Situação Pensamento au-tomático Emoções Reposta adaptativa Resultado Segunda 8h Arrumar-se para trabalhar. “Será que vou dar conta?” Ansiedade Não posso me preo- cupar antecipadamen- te, preciso ir trabalhar e tentar fazer o me- lhor. Melhora do humor duran- te o trabalho. Terça 17h Trazertrabalho para casa. “Olha o tanto de coisas que ainda tenho que fazer, sou uma burra”. Tristeza Ter muitas coisas para fazer não significa que sou burra. Posso me esforçar e fazer o me- lhor possível. Aumento da produtivida- de. Quinta 10h Ver uma pes- soa do trabalho sendo elogiada. “Eu nunca vou receber um elogio assim, não consi- go ser boa como ela”. Frustração Não receber elogios não significa ser ruim. Posso me esforçar e, se alguém reconhe- cer, será prazeroso. Melhora do relaciona- mento com a colega de trabalho. Sexta 18h Olhar o Instagram. “Trabalho tanto e não tenho metade do que essas pes- soas têm, sou um fracasso mesmo”. Culpa Posso não ter o que os outros têm, mas já conquistei coisas im- portantes através do meu trabalho. Melhora do humor e pro- cura de outra atividade para distração. Fonte: adaptada de Beck (2013). 34 No início do processo terapêutico, o RPD contém informações sobre a situação, os pensamentos automáticos, as emoções e os comportamentos. À medida que o paciente avança na compreensão dos pensamentos automáticos e da importância de sua avaliação, podem ser inseridas colunas sobre as respostas adaptativas e seus resultados. Assim: Registrar os pensamentos automáticos no papel (ou em um computador) é uma das técnicas da TCC mais úteis e mais frequentemente usadas. O processo de registro chama a atenção do paciente para cognições importantes, dá um método sistemático para praticar a identificação de pensamentos automáticos e frequentemente estimula a indagação sobre a validade dos padrões de pensamento. Somente o fato de ver os pensamentos escritos no papel geralmente dá início ao empenho espontâneo de rever ou corrigir cognições desadaptativas. Além disso, o registro de pensamentos pode ser um trampolim para as intervenções específicas do terapeuta a fim de modificar os pensamentos automáticos. (WRIGHT; BASCO; THASE, 2008, p. 82) O psicólogo cognitivo-comportamental deve avaliar as anotações realizadas no RPD durante as sessões de terapia, verificando as possíveis dificuldades encontradas pelo paciente, reforçando seu empenho e progresso a cada cognição reformulada. Algumas pessoas podem não ser beneficiadas por esse registro devido a dificuldades intelectuais, resistência em escrever ou falta de ânimo. Nesses casos, o psicólogo pode propor formas mais simples de registrar os pensamentos automáticos. Dentre as técnicas utilizadas para a reestruturação dos pensamentos disfuncionais, destaca-se o questionamento socrático. Esta técnica consiste em uma sequência de perguntas que ajudam o paciente a examinar as evidências que apoiam ou contrariam seus pensamentos, os resultados mais realistas e os efeitos de acreditar no pensamento automático (BAHLS; NAVOLAR, 2004). 35 3. Crenças intermediárias As crenças intermediárias são consideradas o segundo nível de cognição. Sua função é permitir que os indivíduos convivam com as ideias desadaptativas de forma relativamente produtiva. Elas também protegem as pessoas dos afetos negativos gerados pelas cognições disfuncionais, intermediando as relações entre as crenças centrais e os pensamentos automáticos (NEUFELD; CAVENAGE, 2010). É possível compreender que todas as crenças, mesmo as desadaptativas, cumprem uma função. Dessa forma, todas as crenças expressas pelo paciente devem ser levadas em consideração, mesmo que pareça ao terapeuta simples, óbvia ou ilógica. As crenças intermediárias são subdivididas em pressupostos, regras e atitudes. Os pressupostos são premissas criadas pelos sujeitos para prever as consequências de suas ações. São condicionais e como característica contêm as expressões “se” e “então” (RANGÉ, 2011). Por exemplo: “Se eu mostrar como sou, então verão que sou incompetente”. As regras dizem respeito às normas que devem ser seguidas pelos sujeitos, para evitar que seus pressupostos aconteçam: “Aproximar-se das pessoas é perigoso”. Enquanto as atitudes são estratégias compensatórias e comportamentos utilizados para lidar com as crenças disfuncionais: “Não se aproximar das pessoas”. A Tabela 2 apresenta um exemplo de como as crenças intermediárias podem ser expressas na psicoterapia. Tabela 2 - Exemplo de crenças intermediárias Crença central Desvalor “Eu sou incompetente” Crença intermediária 1. Pressupostos 2. Regra 3. Atitude “Se eu falhar, serei humilhado por todos”. “Não posso falhar”. “Desistir, porque eu não vou con- seguir”. 36 Pensamento automático “Eu não posso fazer isso”. “Isso é difícil demais”. Fonte: adaptada de Rangé (2011). Dessa forma, as crenças intermediárias pressupõem que, se determinadas regras, normas e atitudes forem cumpridas, o indivíduo poderá manter-se relativamente estável e produtivo. Durante as sessões, não é recomendado ao psicólogo expor suas interpretações sobre quais são as crenças intermediárias do paciente, mas, sim, buscar questioná-lo sobre suas possíveis previsões, regras e estratégias compensatórias, embasando suas interpretações no discurso do próprio paciente (RANGÉ, 2011). Para identificar as crenças intermediárias, o psicólogo precisa estar atento aos pensamentos automáticos, pois, em alguns casos, as crenças intermediárias podem ser apresentadas em seus conteúdos. Examinar temas comuns, contidos nos pensamentos automáticos, pode ser particularmente útil para a compreensão das crenças intermediárias. Além disso, pode evocar diretamente regras e atitudes, ou apresentar a primeira parte de um pressuposto. 4. Crenças centrais Desde o nascimento, as pessoas estabelecem uma relação com o ambiente ao seu redor. Essas experiências com o meio compõem o conhecimento dos indivíduos sobre o mundo e, somadas aos fatores biológicos e sociais, formam a percepção. Assim, os sujeitos constituem as suas crenças, ou seja, seu conceito sobre si mesmo, as outras pessoas, os ambientes, os objetos, enfim, sobre o mundo (BAHLS; NAVOLAR, 2004). 37 As chamadas crenças centrais ou nucleares são formadas desde o início do desenvolvimento, por isso são conceitos arraigados, fortes, duradouros e expressam a forma como a pessoa aprendeu a ver a vida. Dessa forma: As suas crenças mais centrais, ou crenças nucleares, são compreensões duradouras tão fundamentais e profundas que frequentemente não são articuladas nem para si mesmo. A pessoa considera essas ideias como verdades absolutas – é como as coisas ‘são’. As crenças nucleares são o nível mais fundamental da crença; elas são globais, rígidas e supergeneralizadas. (BECK, 2013, p. 58) As crenças centrais podem ser baseadas em evidências, adaptativas e funcionais, assim como podem ser desadaptativas, trazendo consequências negativas à vida dos indivíduos. As crenças centrais disfuncionais foram classificadas em três categorias: crenças de desamor, desvalor e desamparo. Ao longo da vida, as percepções continuam sendo construídas, fortalecidas ou refutadas, por isso, é importante que o terapeuta cognitivo-comportamental entenda que as crenças centrais disfuncionais podem ser modificadas e reestruturadas em outras mais adaptativas a realidade (NEUFELD; CAVENAGE, 2010). No início do processo terapêutico, o psicólogo deve concentrar sua atenção nos pensamentos automáticos e no modelo cognitivo, pois eles são o nível de cognição mais aparente. Isso não significa que não atuará sobre as crenças centrais, pois cada pensamento automático disfuncional reestruturado impacta as crenças disfuncionais que o sustentam. Com a evolução das sessões de terapia, é possível construir hipóteses sobre qual categoria de crença nuclear influencia os pensamentos automáticos dos pacientes. Essas hipóteses devem ser confirmadas através dos dados da infância, da história de vida e das crenças 38 intermediárias. Após a construção das hipóteses, elas podem ser apresentadas ao paciente, para que ele confirme ou negue tais proposições (BECK, 2013). Em seguida, o paciente deve ser educado sobre ascrenças nucleares, seu conteúdo e seus impactos nos comportamentos. Através de técnicas cognitivas-comportamentais, ele também é conscientizado de que essas crenças são disfuncionais e que ele pode construir e fortalecer novas crenças. A planilha de crenças é uma técnica utilizada para que o paciente veja como as evidências que apoiam a crença disfuncional são fracas, enquanto desenvolve crenças adaptativas apoiadas em dados sólidos de realidade, como mostra a Figura 1. Figura 1 - Exemplo de planilha de crenças nucleares Fonte: adaptada de Beck (2013). Após a apresentação dos pensamentos automáticos, das crenças intermediárias e das crenças centrais, a Figura 2 traz um exemplo de como esses conceitos podem ser utilizados para a compreensão dos pacientes. 39 Figura 2 - Exemplo de conceituação cognitiva Fonte: adaptada de Beck (2013). 40 Diante do exposto, é possível afirmar que conhecer os níveis da cognição humana, pensamentos automáticos (primeiro nível de cognição), crenças intermediárias (segundo nível de cognição) e crenças centrais (terceiro nível de cognição) permite ao terapeuta cognitivo-comportamental compreender seus pacientes desde suas queixas superficiais até seus conceitos mais íntimos. Quando novas crenças são consolidadas, os pacientes tendem a interpretar situações ou problemas de maneira mais construtiva, alcançando uma vida mais saudável, feliz e produtiva. Referências BAHLS, S. C.; NAVOLAR, A. B. B. Terapia cognitivo-comportamentais: conceitos e pressupostos teóricos. Revista Psico UTP, Curitiba, n. 4, jul. 2004. BECK, J. S. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. 2. ed. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 2013. 348 p. NEUFELD, C. B.; CAVENAGE, C. C. Conceitualização cognitiva de caso: uma proposta de sistematização a partir da prática clínica e da formação de terapeutas cognitivo- comportamentais. Revista Brasileira de Terapia Cognitiva, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 3-36, dez. 2010. RANGÉ, B. P. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 2011. WRIGHT, J. J.; BASCO, M. R.; THASE, M. E. Aprendendo a Terapia Cognitivo- Comportamental. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 2008. 224 p. 41 Esquemas e erros cognitivos Autoria: Aline Monique Carniel Leitura crítica: Mariane Lopez Molina Objetivos • Apresentar como as cognições influenciam o desenvolvimento da percepção. • Explicar os conceitos sobre erros cognitivos e esquemas disfuncionais. • Contribuir para o conhecimento e a identificação dos diferentes erros cognitivos. 42 1. Percepção e cognições As cognições ocupam um papel central para a Terapia Cognitivo- Comportamental. Constituem o princípio de sua base teórica e são influenciadas por aspectos biológicos, psicológicos e sociais, assim como influenciam os sentimentos e os comportamentos humanos. Elas ditam a forma como os indivíduos compreendem o mundo e nele vivem. Os níveis de cognição possuem três classificações diferentes: pensamentos automáticos (primeiro nível de cognição), crenças intermediárias (segundo nível de cognição) e crenças centrais (terceiro nível de cognição). Todos os níveis de cognição são desenvolvidos durante a vida e incluem desde as experiências iniciais até as vivências atuais (BECK, 2013). Durante a formação dos níveis de cognição, os sujeitos vivem diversas circunstâncias, que nem sempre são favoráveis à saúde mental. Esses eventos podem ocasionar registros de conceitos disfuncionais ou desadaptativos sobre a realidade, que impactam na construção dos níveis de cognição e na percepção de si mesmo e do ambiente. Quando esses conceitos se tornam rígidos e enraizados, criam os chamados esquemas, padrões de funcionamento cognitivo que regem os níveis de cognição. Quando os esquemas são disfuncionais, geram transtornos mentais, dificuldades de relacionamento e de resolução de problemas reais (WRIGHT; BASCO; THASE, 2008). Os erros cognitivos podem ser gerados por esquemas desadaptativos, que impactam a interpretação das situações. Os erros cognitivos consistem em distorções lógicas dos pensamentos, provocando interferências na compreensão do contexto vivenciado. Existem diversas categorias de erros cognitivos, que podem ser identificadas e corrigidas, a fim de proporcionar melhora do humor e da qualidade de vida das pessoas, como ilustrado na Figura 1. 43 Figura 1 - Relação entre os esquemas e os erros cognitivos Fonte: adaptada de Beck (2013). Nesse texto, serão abordados como os esquemas interferem na percepção humana e repercutem sobre a cognição, ocasionando erros cognitivos. Além disso, serão destacados quais tipos de erros cognitivos podem ser encontrados durante a psicoterapia e quais são as principais técnicas para sua correção e reestruturação. 2. Erros cognitivos Os erros cognitivos, também chamados de distorções cognitivas, podem ser descritos como uma classe de pensamentos rígidos, excessivos e irracionais. Ocorrem sem fundamento lógico e geram premissas equivocadas sobre a realidade, influenciando o processamento dos eventos e as ações dos indivíduos (WRIGHT; BASCO; THASE, 2008). Apesar de os erros cognitivos não serem baseados em dados concretos, são considerados verdades absolutas pelos sujeitos. Isso porque 44 foram formulados com base nas experiências de vida e tornaram-se característicos da forma de agir daquela pessoa perante a sociedade. Dessa forma, os erros cognitivos podem gerar padrões de raciocínio com impacto negativo sobre a vida dos indivíduos, visto que ocasionam pensamentos desadaptativos sobre seu autoconceito, suas possibilidades e seu ambiente. Esses padrões estão na gênese dos transtornos mentais e perpetuam sua ocorrência. Dessa forma: A distorção cognitiva, conhecida também como erro lógico, é definida como um padrão rígido de processamento de informações, oriunda das interpretações que o sujeito faz sobre seu cotidiano, interferindo no modo de pensar e agir, sobre possíveis eventos ambientais como: visões negativas da vida e seus acontecimentos futuros. A partir de determinadas regras e padrões comportamentais adquiridos durante a vida da pessoa depressiva, essas crenças são acionadas em decorrência das suas fontes primárias, tais como: ansiedade, estresse e/ou pensamentos negativos. (CUNHA; BAPTISTA, 2019, p. 131) Autores consagrados da Terapia Cognitivo-Comportamental, como Knapp (2008), Wright, Basco e Thase (2008), Beck (2013) e Leahy (2018), definiram os diferentes tipos de erros cognitivos. Embora cada um deles identifique diferentes distorções, concordam sobre a classificação de vários erros cognitivos e estão em consenso sobre o impacto deles na saúde mental dos pacientes. Beck (2013) definiu doze distorções que podem influenciar o funcionamento cognitivo dos pacientes durante a psicoterapia: pensamentos tudo ou nada; catastrofização; desqualificar ou desconsiderar o positivo; raciocínio emocional; rotulação; magnificação e minimização; filtro mental; leitura mental; supergeneralização; personalização; afirmações com “deveria” e “tenho que”; visão em túnel. Esses erros cognitivos estão especificados a seguir: 45 1. Pensamentos tudo ou nada: visualizar as situações de forma polarizada ou extrema, não as compreendendo como parte de um processo. Exemplo: “Não tirei nota 10 na prova, sou a pior aluna da sala”. 2. Catastrofização: antecipar o futuro de forma trágica, sem interessar-se pelos desfechos mais prováveis. Exemplo: “Se eu errar um movimento na apresentação de dança, nunca mais serei feliz”. 3. Desqualificar ou desconsiderar o positivo: rejeitar as qualidades e experiências boas como se não fossem relevantes. Exemplo: “Consegui fazer novos amigos, mas foi porque eles não tinham ninguém para conversar”. 4. Raciocínio emocional: acreditar nos sentimentos como verdades absolutas, ignorando fatos que sejam contrários. Exemplo: “Minha vizinha me deu um presente, mas eu sei que ela me odeia, porqueeu sinto que ela não gosta de mim”. 5. Rotulação: definir para si mesmo um título desfavorável sem considerar as evidências. Exemplo: “Por mais que eu estude, sempre serei burro e limitado”. 6. Magnificação e minimização: avaliar os eventos valorizando os aspectos negativos e diminuindo os pontos positivos. Exemplo: “Essa noite foi horrível, meu carro quebrou a caminho de casa, consegui arrumar em dez minutos, mas isso acabou com toda a felicidade da minha noite”. 7. Filtro mental: interessar-se demasiadamente por um detalhe incômodo, sem avaliar o todo. Exemplo: “Fiquei extremamente aborrecida com a cor do notebook que ganhei de presente”. 8. Leitura mental: acreditar que pode saber o que as outras pessoas estão pensando. Exemplo: “O porteiro me olhou quando entrei na festa, tenho certeza de que achou minha roupa inadequada para o evento”. 9. Supergeneralização: generalizar as conclusões negativas para diversas situações, mesmo que não tenham relação. Exemplo: 46 “Não consigo conversar com o meu chefe, então também não conseguirei conversar com meus pais e minha namorada”. 10. Personalização: tornar pessoal a atitude das outras pessoas, considerar-se o motivo das ações de terceiros. Exemplo: “Seu irmão deixou a sala magoado porque eu cheguei”. 11. Afirmações “deveria” e “tenho que”: atribuir a si mesmo obrigações sobre a forma como deve agir e as consequências prejudiciais, caso essas obrigações não ocorram. Exemplo: “Tenho que ser simpático sempre para ser amado”. 12. Visão em túnel: observar somente as nuances negativas de um momento. Exemplo: “Estou de folga, sentindo-me muito infeliz, porque choveu e eu não pude sair de casa”. Knapp (2008) descreveu quatorze erros cognitivos: catastrofização, raciocínio emocional, polarização, abstração seletiva, adivinhação, rotulação, desqualificação do positivo, minimização e maximização, personalização, hipergeneralização, leitura mental, vitimização, imperativos e questionamento “e se?”. As definições de catastrofização, raciocínio emocional, polarização (pensamento tudo ou nada), abstração seletiva (filtro mental), rotulação, desqualificação do positivo, minimização e maximização, personalização, hipergeneralização (supergeneralização) e leitura mental coincidem com os conceitos apresentados anteriormente nas distorções cognitivas citadas por Beck (2013). Além delas, outros quatro erros cognitivos são apresentados: 1. Adivinhação: antecipar problemas que não estão acontecendo, adivinhar o futuro de forma negativa. Exemplo: “Tenho certeza de que vou ser expulsa do grupo de dança”. 2. Imperativos: avaliar as situações sobre a perspectiva de como elas deveriam ser, e não como realmente acontecem. Exemplo: “Essa aula deveria ser no laboratório de realidade virtual, será impossível aproveitá-la”. 47 3. Vitimização: sentir-se injustiçado e vítima de algo ou de alguém, recusando-se a assumir responsabilidade pelos seus atos. Exemplo: “O professor suspendeu minha prova após me ver copiando a resposta, isso é injusto, porque todo mundo cola as respostas, ele não poderia ter retirado minha prova”. 4. Questionamento “E se?”: atribuir culpa a si mesmo por ações que deveriam ter ocorrido. Exemplo: “E se eu tivesse ficado mais tempo no incêndio para salvá-lo?”. Wright, Basco e Thase (2008) também reuniram os principais erros cognitivos que podem influenciar o processamento das informações. Entre eles, estão abstração seletiva, inferência arbitrária, supergeneralização, maximização e minimização, personalização e pensamento absolutista. 1. Abstração seletiva: criar conclusões com base em fragmentos das informações, desconsiderando outras evidências que poderiam refutar tais ideias. Exemplo: uma jovem ansiosa recebe uma mensagem de sua amiga dizendo: “Quero muito falar com você, não vejo a hora de nos encontrarmos”, e pensa: “Para ela estar com tanta urgência, deve estar nervosa comigo, pode não ter gostado de algo que eu fiz”. 2. Interferência arbitrária: concluir a partir de dados incoerentes ou sem ter evidências. Exemplo: um homem que não possui nenhum sintoma de alterações na saúde pensa: “Acho que vou desmaiar hoje”. 3. Supergeneralização: estender uma experiência única a todas as áreas da vida. Exemplo: um estudante que não tirou boas notas em uma prova pensa: “Tirei nota abaixo da média em uma prova, serei sempre um fracassado em tudo, nada dá certo em minha vida”. 4. Maximização e minimização: enaltecer os aspectos negativos e desprezar os dados positivos. Exemplo: “A casa foi toda 48 reformada, mas estou muito triste e frustrada porque não colocaram luzes no painel da televisão”. 5. Personalização: acreditar que é a causa dos eventos negativos sem evidências para tal crenças. Exemplo: um homem que agendou uma viagem para a praia com os amigos e encontrou um clima nublado. “A culpa é toda minha, eu deveria saber que isso iria acontecer, ninguém vai se divertir por minha causa”. 6. Pensamento absolutista: avalia a si mesmo ou as pessoas entre o mínimo e o máximo possível. Exemplo: “A família de Ana é perfeita, já a minha família é a pior de todas, uma vergonha”. Leahy (2018) especificou dezessete distorções cognitivas. Assim como os demais autores, ele trouxe ideias consonantes às distorções cognitivas já conhecidas e acrescenta novos conceitos. Entre os erros de pensamento já explanados por outros autores, estão: leitura mental, adivinhação do futuro (adivinhação), catastrofização, rotulação, desqualificação dos aspectos positivos, filtro negativo (filtro mental), supergeneralização, pensamento dicotômico (pensamento tudo ou nada), afirmações do tipo “deveria”, “E se?”, personalização e raciocínio emocional. Além disso, ele descreveu novos erros cognitivos, como a atribuição de culpa, as comparações injustas, as orientações para o remorso, a incapacidade de refutar e o foco no julgamento. As distorções cognitivas propostas pelos diversos autores são apresentadas na Tabela 1. Tabela 1 - Comparativo das distorções cognitivas segundo alguns teóricos da Terapia Cognitivo Comportamental Knapp (2008) Wright, Basco e Thase (2008) Beck (2013) Leahy (2018) Polarização Pensamento abso-lutista Pensamentos tudo ou nada Pensamento dicotômico 49 Abstração seletiva Abstração seletiva Filtro Mental Filtro Negativo Hipergeneralização Supergeneralização Supergeneralização Supergeneralização Personalização Personalização Personalização Personalização Maximização e mini- mização Maximização e minimização Magnificação e minimização Inferência arbitrária Catastrofização Catastrofização Catastrofização Raciocínio emocional Raciocínio emocional Raciocínio emocional Leitura mental Leitura mental Leitura mental Desqualificação do positivo Desqualificar ou desconsi- derar o positivo Desqualificação dos aspectos positivos Rotulação Rotulação Rotulação Adivinhação Adivinhação do futuro Imperativos Afirmações “deveria” e “te-nho que” Afirmações do tipo “deveria” Questionamento (E se?) E se...? Vitimização Atribuição de culpa Visão em túnel Incapacidade de refutar Comparações injustas Orientação para o remorso Foco no julgamento Fonte: elaborada pela autora. Entre os erros cognitivos descritos por Leahy (2018), estão algumas classificações específicas, como a atribuição de culpa, as comparações injustas, a orientação para o remorso, a incapacidade de refutar e o foco no julgamento. 50 1. Atribuição de culpa: imputar a responsabilidade das ações para terceiros, sem assumir o compromisso por seus atos. Exemplo: “Minha vida não vai bem porque meus primos sempre receberam mais ajuda da família”. 2. Comparações injustas: analisar os fatos através de eventos irracionais, comparando-se injustamente a pessoas em outras condições e considerando-se inferior a elas. Exemplo: “Se uma blogueira consegue estar sempre bonita, por que eu não consigo? Sou um fracasso”. 3. Orientação para o remorso: recordar constantementeo passado, acreditando que poderia ter melhor desempenho anteriormente, ignorando as ações presentes. Exemplo: “Não fui jogador de futebol porque não quis, naquela época eu teria sido um bom atleta”. 4. Incapacidade de refutar: recusar ideias que refutam os pensamentos negativos, mantendo os padrões disfuncionais. Exemplo: “Não tenho amigos” (desconsiderando os amigos que possui). 5. Foco no julgamento: dificuldade de analisar as situações como um processo, visualizando sempre os pontos extremos das situações. Julga a si mesmo e aos outros segundo padrões arbitrários. Exemplo: “Ou ela me ama, ou ela me odeia”. 3. Esquemas Para a Terapia Cognitivo-Comportamental, os esquemas podem ser entendidos como as estruturas que norteiam as pessoas em sua maneira de ver o mundo e nele existir. Permitem a compreensão das situações a partir de sua experiência e são imprescindíveis para a tomada de decisão diante das demandas do cotidiano (LEAHY, 2018). Por isso: 51 Na teoria cognitivo-comportamental, os esquemas são definidos como matrizes ou regras fundamentais para o processamento de informações que estão abaixo da camada mais superficial dos pensamentos automáticos. Esquemas são princípios duradouros de pensamento que começam a tomar forma no início da infância e são influenciados por uma infinidade de experiências de vida, incluindo os ensinamentos e o modelo dos pais, as atividades educativas formais e informais, as experiências de seus pares, os traumas e os sucessos. (WRIGHT; BASCO; THASE, 2008, p. 21) Por serem baseados em vivências, os esquemas nem sempre podem ser considerados adaptativos, pois um momento equivocado pode repercutir de forma negativa durante toda a vida. Considere uma criança brincando pela primeira vez com um cachorro. Caso ela seja atacada por ele, esquematizará a figura dos cães como algo perigoso e ameaçador, evitando experiências com esses animais. No entanto, os dados de realidade apontam que os cachorros nem sempre são perigosos e ameaçadores, podem ser vistos como figuras dóceis, companheiras e afetivas. O conceito dessa criança sobre os cachorros será modificado se ela for exposta a experiências tranquilas envolvendo os cães, reestruturando seus esquemas. Dessa forma, é possível compreender que esquemas disfuncionais repercutem de forma deletéria sobre a cognição dos indivíduos. Eles impactam a visão das pessoas sobre si mesmas, sua capacidade de interagir, resolver problemas e desenvolver-se de forma saudável. O terapeuta cognitivo-comportamental deve atentar-se à presença de esquemas desadaptativos e auxiliar o paciente em sua reestruturação e modificação. Na Terapia Cognitivo-Comportamental, os erros cognitivos e os esquemas disfuncionais são conceitos fundamentais para a compreensão dos comportamentos humanos. Padrões disfuncionais de pensamento, como os erros cognitivos e os esquemas desadaptativos, provocam comportamentos disfuncionais que podem trazer danos ao indivíduo. 52 Reconhecer e modificar os pensamentos adaptativos possibilitam aos pacientes melhora da saúde mental e qualidade de vida. Referências BECK, J. S. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. 2. ed. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 2013. 348 p. KNAPP, P. Terapia cognitivo-comportamental na prática psiquiátrica. Porto Alegre, RS: Artmed, 2008. LEAHY, R. L. Técnicas de Terapia Cognitiva: Manual do Terapeuta. Porto Alegre, RS: Artmed, 2018. RANGÉ, B. P. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 2011. WRIGHT, J. J.; BASCO, M. R.; THASE, M. E. Aprendendo a Terapia Cognitivo- Comportamental. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 2008. 224 p. 53 BONS ESTUDOS! Sumário Apresentação da disciplina Bases filosóficas e históricas da Terapia Cognitivo-Comportamental Objetivos 1. O desenvolvimento científico da Psicologia 2. Bases filosóficas e teóricas da Terapia Cognitivo-Comportamental 3. Início e desenvolvimento da Terapia Cognitivo-Comportamental Referências As características definidoras da Terapia Cognitivo-Comportamental Objetivos 1. As características da Terapia Cognitivo-Comportamental 2. Princípios da Terapia Cognitivo-Comportamental 3. O Modelo Cognitivo 4. Conceituação cognitiva Referências Pensamentos automáticos, crenças intermediárias e centrais disfuncionais Objetivos 1. Níveis de cognição 2. Pensamentos automáticos 3. Crenças intermediárias 4. Crenças centrais Referências Esquemas e erros cognitivos Objetivos 1. Percepção e cognições 2. Erros cognitivos 3. Esquemas Referências
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