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ArtesVisuaisdoPovo-Lima-2022

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES 
DEPARTAMENTO DE ARTES 
CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS 
 
 
 
 
 
 
LARISSA FREIRE DE LIMA 
 
 
 
Artes Visuais do Povo: possibilidades para o ensino da arte no RN 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Natal/RN 
2022 
 
 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES 
DEPARTAMENTO DE ARTES 
CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS 
 
 
 
 
LARISSA FREIRE DE LIMA 
 
 
 
Artes Visuais do Povo: possibilidades para o ensino da arte no RN 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 
visando a obtenção do título de licenciada em 
Artes Visuais, sob orientação da Profª Drª Arlete 
dos Santos Petry. 
 
 
 
 
 
Natal/RN 
2022 
 
 
 
 
 
 
 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART 
 
 Lima, Larissa Freire de. 
 Artes visuais do povo : possibilidades para o ensino da arte 
no RN / Larissa Freire de Lima. - 2022. 
 137 f.: il. 
 
 TCC (Licenciatura em Artes Visuais) - Departamento de Artes, 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2022. 
 Orientadora: Prof.ª Dr.ª Arlete dos Santos Petry. 
 
 
 1. Arte popular. 2. Arte - Estudo e ensino - Rio Grande do 
Norte. 3. Educação. 4. Cultura popular. I. Petry, Arlete dos 
Santos. II. Título. 
 
RN/UF/BS-DEART CDU 7.067.26 
 
 
 
 
 
Elaborado por Ively Barros Almeida - CRB-15/482 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LARISSA FREIRE DE LIMA 
 
 
 
Artes Visuais do Povo: possibilidades para o ensino da arte no RN 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 
visando a obtenção do título de licenciada em 
Artes Visuais, sob orientação da Profª Drª Arlete 
dos Santos Petry. 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
_______________________________________________ 
Prof.ªDr.ª Arlete dos Santos Petry 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
_______________________________________________ 
Prof.ªDr.ª Fabíola Cristina Alves 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
_______________________________________________ 
Prof.ªDr.ª Leda Maria de Barros Guimarães 
Universidade Federal de Goiás 
 
 
 
Natal-RN, 09 de Fevereiro de 2022 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
Uma das primeiras coisas que ouvi quando iniciei o curso de artes visuais foi que tinha 
coragem. Na sala do prédio antigo do DEART um dos professores à época disse que se nós 
estávamos ali era porque tínhamos coragem de assumir o nosso desejo frente à nossa família, 
pois, na maior parte delas, as artes não são bem vistas como profissão. E ele estava certo. 
Assumir a responsabilidade de cursar uma licenciatura em artes em meio a tanta precarização 
é, de fato, um ato de coragem. 
Portanto, agradeço a todos que estiveram ao meu lado durante esses anos e que 
acreditaram no meu potencial criador e intelectual. Em especial, agradeço a minha mãe por ter 
sempre me incentivado a estudar e ter me mostrado como a educação é o melhor caminho. 
Agradeço também a Daniel que me ouviu falar sobre esse TCC mais do que qualquer 
outra pessoa e me ajudou tanto, mas tanto que não conseguiria externalizar. Sua paciência, 
apoio e companheirismo são fundamentais em minha vida. 
Agradeço aos meus amigos que me acompanharam durante essa fase tão importante da 
minha trajetória e que fizeram com que o caminho fosse mais leve por estarem ao meu lado. 
Meus sinceros agradecimentos a professora Arlete Petry que aceitou ser minha 
orientadora e foi fundamental para a construção deste trabalho. Agradeço também aos demais 
professores que me acompanharam durante a graduação. Aprendi demais com todos vocês. 
Por fim, agradeço a UFRN pela oportunidade de ter estudado em uma universidade 
pública de qualidade, que me transformou tão positivamente por meio de todas as experiências 
que pude vivenciar. Saio da universidade com a sensação que aproveitei ao máximo tudo que 
ela tinha a me oferecer e com o desejo de que a universidade pública de qualidade seja ainda 
mais democratizada para o acesso de todos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
O presente trabalho discute a importância da inserção da arte do povo do RN no ensino 
de arte. Para tanto, utilizou-se da fundamentação teórica de Stuart Hall, Nestor García Canclini 
e Ana Mae Barbosa, os quais abordam, respectivamente, os conceitos de multiculturalidade e 
multiculturalismo, hibridização cultural e abordagem triangular. A partir da pesquisa 
exploratória, foram selecionados 5 artistas para que suas biografias fossem escritas e suas 
produções artísticas analisadas a partir da metodologia de leitura de imagem de Fernando 
Costella. Assim, os artistas Erick Lima, Luzia Dantas, Maria do Santíssimo, Santos e Zé de 
China tem uma arte bastante diversa entre si, mas que apresentam similaridades temáticas que 
reverberam a cultura na qual estão inseridos. As informações coletadas, fruto da pesquisa dos 
artistas, resultaram na realização de um curso de extensão e da construção de um guia didático 
do professor sobre ensino de arte e arte do povo no RN. 
Palavra- chave: Arte do povo. Arte Popular. Educação. Multiculturalidade. Abordagem 
Triangular. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES 
FIGURAS 
Figura 1- Obra Liberdade Negra ........................................................................................................... 31 
Figura 2- Obra sem título ...................................................................................................................... 31 
Figura 3- Obra sem título ...................................................................................................................... 32 
Figura 4- Obra “Coqueiro” (1966) ........................................................................................................ 34 
Figura 5- Obra “Vaquejada” (1970) ...................................................................................................... 34 
Figura 6- Obra “O Presépio” ................................................................................................................. 35 
Figura 7- Obra “O boi”, década de 60. .................................................................................................. 37 
Figura 8- “Os galos”, década de 60. ...................................................................................................... 38 
Figura 9- “2 casas e galos”, década de 60. ............................................................................................ 39 
Figura 10- Obra de Santos, título desconhecido. ................................................................................... 40 
Figura 11- Obra de Santos, título desconhecido. ................................................................................... 41 
Figura 12- Obra de Santos, título desconhecido. ................................................................................... 42 
Figura 13- Obra de Zé de China, título desconhecido. .......................................................................... 44 
Figura 14- Obra de Zé de China, título desconhecido. .......................................................................... 45 
Figura 15- Obra de Zé de China, título desconhecido. .......................................................................... 46 
Figura 16- Logotipo do segundo mandato do governo Lula ................................................................. 52 
Figura 17- Aula no IFRN, Atividades Pedagógicas. ............................................................................. 64 
Figura 18- Nuvem dePalavras, realizada dia 14/07/2021. .................................................................... 64 
Figura 19- Nuvem de Palavras, realizada dia 22/07/2021. .................................................................... 65 
Figura 20- Aula no IFRN, Atividades Pedagógicas. ............................................................................. 66 
Figura 21- Aula no IFRN, Atividades Pedagógicas. ............................................................................. 67 
Figura 22- Cartaz de divulgação do curso de extensão ......................................................................... 68 
Figura 23- Curso de extensão Arte do Povo.......................................................................................... 69 
Figura 24- Curso de extensão Arte do Povo.......................................................................................... 70 
Figura 25- Capa do Guia Didático do professor.................................................................................... 72 
 
QUADROS 
Quadro 1- Plano de Ensino.................................................................................................................... 65 
Quadro 2- Programa de Curso ............................................................................................................... 68 
 
 
 
Sumário 
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 12 
METODOLOGIA ............................................................................................................................... 16 
CAPÍTULO I - A ARTE DO POVO EM CONTEXTO .................................................................. 19 
1.1 Arte do Povo ou Arte popular? ............................................................................................. 19 
CAPÍTULO II - MULTICULTURALIDADE, MULTICULTURALISMO E HIBRIDIZAÇÃO
 ............................................................................................................................................................... 24 
2.1 - A cultura visual ......................................................................................................................... 24 
2.2 – Multiculturalidade .................................................................................................................... 25 
2.4 - Os processos de hibridização .................................................................................................... 28 
CAPÍTULO III - ARTISTAS DO POVO DO RN ............................................................................ 30 
3.2 - Luzia Dantas ....................................................................................................................... 33 
3.3 - Maria do Santíssimo ................................................................................................................. 36 
3.4 - Santos ........................................................................................................................................ 40 
3.5 - Zé de China ............................................................................................................................... 43 
CAPÍTULO IV - ENSINO DA ARTE E ARTE DO POVO ............................................................ 48 
4.1- Multiculturalidade e ensino de Arte ........................................................................................... 48 
CAPÍTULO V - DE APRENDIZ PARA APRENDIZ ..................................................................... 56 
5.1 - Propostas pedagógicas .............................................................................................................. 56 
5.2 - Ações pedagógicas (resultados) ................................................................................................ 63 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 74 
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 77 
APÊNDICES ........................................................................................................................................ 80 
APÊNDICES A - ENTREVISTAS .................................................................................................... 80 
APÊNDICE B – Guia Didático do Professor .................................................................................... 82 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 
 
INTRODUÇÃO 
O presente trabalho de conclusão de curso caracteriza-se como uma pesquisa reflexiva 
sobre arte do povo e o ensino de arte. A pesquisa é de caráter teórico-prático e visa estudar 
possibilidades de se ensinar artes visuais tendo como aporte teórico conceitos apresentados por 
alguns pesquisadores. Dentre esses, destacamos Stuart Hall, com o multiculturalismo e a 
multiculturalidade, Néstor Garcia Canclini com os processos de hibridização cultural e Ana 
Mae Barbosa com a abordagem triangular. Todos esses autores apresentam relações com a 
cultura visual em seus determinados contextos e contribuem para uma construção do saber mais 
democrático e crítico, levando em conta as diferenças, assim como as possibilidades de conexão 
entre elas. 
Partimos da arte do povo, como manifestação artística e cultural, para construir um Guia 
Didático para professores do ensino básico. A escolha da arte do povo se dá sobretudo por ser 
uma arte rica em vários aspectos, desde suas múltiplas formas e conteúdos até o fato de ser mais 
próxima das referências visuais de muitos educandos. A proximidade com as temáticas não 
necessariamente ocorre de modo literal, ou seja, quando os indivíduos vivenciam a realidade 
presente nas obras. Essa proximidade ocorre também a partir das referências visuais presentes 
no cotidiano, tanto por meio das imagens consumidas nas mídias sociais, na literatura, mas 
também pelas histórias passadas de geração em geração a partir da oralidade. Nesse último 
exemplo, essa proximidade se dá por meio da conexão afetiva dos indivíduos com seus 
contextos familiares. 
A arte do povo é múltipla e falar sobre ela, o que faremos com mais profundidade no 
capítulo I, envolve não apenas as artes visuais, foco deste trabalho, mas também a dança, o 
teatro, os cantos, a literatura, a poesia e muitos rituais tradicionais. Esta arte não se baseia em 
cânones estabelecidos historicamente, mas sim nas vivências cotidianas, muitas vezes 
relacionadas à religiosidade. Ou seja, a arte do povo reverbera as vivências de boa parte da 
sociedade, ora contribuindo para rememorar tempos de outrora, ora atividades ainda 
desenvolvidas no presente. Assim, o artista do povo também tem capacidade de trabalhar de 
modo espontâneo, a partir da sua memória e habilidades e "não está condenado a criar obras 
sem critérios ou regras, expressando a imaginação e a fantasia em detrimento de elementos 
como lógica, razão, proporção, geometria, detalhe e beleza" (RAMOS, 2013, p.153). A técnica 
pode não ter sido aprendida em academias de belas artes, mas é aprendida e aperfeiçoada por 
13 
 
cada artista durante a sua prática cotidiana e frente à sua vontade de criar. Ainda no capítulo I, 
justificaremos nossa opção pela nomenclatura "arte do povo" ao invés de "arte popular". 
Para além disso, a arte do povo, justamente por sua multiplicidade, pode incorrer sobre 
uma série de influências externas, como estereótipos a respeito do próprio povo. Partindo de 
uma perspectiva crítica, falar sobre essa possibilidade não anula as características positivas 
dessas produções artísticas, ao contrário, trata-se de uma oportunidade para ampliar a discussão 
a respeito de questões muitas vezes apagadas, pois não corroboram com as narrativas que são 
preferíveis politicamente por alguns grupos dominantes.A ideia de construção deste trabalho se deu a partir da minha trajetória acadêmica ao 
perceber que durante todo o meu ensino básico não tive referências de artistas do povo, muito 
menos artistas do povo norte-rio-grandenses. Nesse sentido, me instigou trazer para o cenário 
do ensino de arte no Rio Grande do Norte essas referências ausentes em minha trajetória e de 
tantos outros estudantes. Para além da lacuna no ensino sobre a arte do povo, constatei a partir 
das entrevistas com o Prof.º Dr.º Everardo Ramos e Prof.º Dr.º Vicente Vitoriano, que ainda 
não temos pesquisas sistematizadas suficientes a respeito da arte do povo norte-rio-grandense. 
Nesse ínterim, surpreendeu-me saber que os conteúdos regionais e locais em artes visuais são 
citados na Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2018) e nos Parâmetros 
Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 1997; 1998) há mais de duas décadas, no caso dos 
PCN. 
Como fundamentos teóricos e perspectiva reflexiva desta investigação, recorremos aos 
Estudos Culturais e, mais especificamente à Cultura Visual, trazendo no capítulo II os conceitos 
de multicultural e de multiculturalismo. A Cultura Visual nos permite construir uma articulação 
da arte com várias disciplinas como educação, história da arte, sociologia e antropologia, o que 
contribui para um trabalho mais contextualizado e localizado conceitualmente. Nesse sentido, 
a Cultura Visual não tem como intuito diminuir a importância de nenhuma dessas disciplinas, 
mas reconhecer que todas podem nos fornecer informações valiosas e, em conjunto, produzir 
análises mais completas. 
Neste trabalho, partiremos das produções de 5 artistas do povo do Rio Grande do Norte, 
sendo estes: Erick Lima, Luzia Dantas, Maria do Santíssimo, Santos e Zé de China. No capítulo 
III, falaremos sobre as biografias desses artistas e sobre as suas produções, de modo a, 
posteriormente, realizar leituras de obras de arte e exercícios de contextualização e produção, a 
14 
 
serem propostos em aulas de artes visuais. Assim, temos como objetivo não apenas falar sobre 
vida e obra de artistas do povo do RN, mas também dar a conhecer essas produções a pessoas 
que antes poderiam não as conhecer. 
O capítulo IV trata da arte do povo e o ensino, assim como possibilidades de ensiná-la. 
A leitura de imagem será uma ferramenta fundamental e nos auxiliará no processo de 
construção de um plano de ensino e de materiais educativos em artes visuais. A abordagem que 
utilizamos para a leitura de imagem conta com experiências relatadas por Barbosa (2019), bem 
como de Antonio F. Costella (2010). A partir disso, no capítulo V, abordamos a construção do 
plano de ensino e os resultados das ações pedagógicas que realizamos. 
O ensino de artes no Brasil ainda carece de implementar outros contextos relacionados 
à diversidade étnica e cultural, assim como outras formas de aprendizagem e demais 
características presentes nos inúmeros grupos culturais que constituem a sociedade brasileira 
(IOP, 2008). Geralmente, os conteúdos abordados nas aulas de artes visuais versam apenas por 
atividades práticas descontextualizadas ou, quando muito, se resumem a uma história da arte 
hegemônica apartada das realidades dos educandos. Sabendo disso, é urgente se pensar um 
ensino mais inclusivo que desperte o interesse dos estudantes e os incite a participar dos 
processos de construção do saber. 
Por isso, este trabalho tem como objetivo geral trazer a arte produzida pelo povo do RN 
para o contexto do ensino da arte. Partindo desse ponto, este trabalho não mais discutirá a já 
ultrapassada dicotomia entre “alta cultura” e “baixa cultura”. No entanto, é importante destacar 
que tanto a arte erudita quanto a arte do povo devem estar presentes nos conteúdos de artes 
visuais sem distinção de valor, mas com a devida criticidade. Nesse sentido, é importante que 
não se repita a tão recorrente situação de que os educandos pertencentes à elite tenham acesso 
a uma diversidade de conteúdos de arte e os discentes economicamente menos favorecidos 
recebam nenhum ou apenas um conhecimento muito limitado das artes visuais. É necessário 
que os educandos oriundos das classes trabalhadoras tenham uma educação ampla e de 
qualidade e possam acessar tanto a sua cultura quanto a das elites. E, dessa forma, desfrutem 
da possibilidade de exercer o senso crítico em relação a ambas. 
 No prefácio do livro A Imagem no Ensino da Arte (BARBOSA, 2019, p.18-19), 
Imanol Aguirre Arriaga, quando se refere a Ana Mae e sua prática, explicita que "as artes 
populares sempre tiveram lugar no pensamento e nas práticas educativas de Ana Mae, porque 
15 
 
nunca as considerou qualitativamente diferentes e muito menos inferiores às chamadas belas 
artes”. Seguindo Barbosa (2019), este trabalho não tem como intuito reconhecer a arte do povo 
como uma forma folclórica e exótica de expressão, mas sim como uma produção legítima em 
si e com qualidades estéticas e contribuições artístico-culturais importantes para a sociedade. 
 Para atingirmos esse objetivo principal, delineamos objetivos específicos, a saber: 1) 
Realizar um levantamento de artistas do povo do RN, o que teve início a partir do levantamento 
de artistas realizado no Projeto Vernáculo da UFRN, do Portal Cultura do IFRN e buscas por 
materiais em sites institucionais e informais na internet. Com base nesse levantamento, 
estabelecemos critérios de escolha desses artistas para selecionarmos 5 deles e estudarmos suas 
produções; 2) Criar um curso de extensão sobre arte do povo para professores da rede pública 
e docentes em formação; 3) Produzir um Guia Didático para professores a partir das conclusões 
apresentadas neste trabalho. 
 Pesquisar sobre a arte do povo do Rio Grande do Norte não é uma prática muito comum. 
Durante minha pesquisa exploratória, a fim de conhecer mais artistas do povo, encontrei pouco 
material sistematizado a respeito. Essa constatação empírica se confirmou quando realizamos 
entrevistas com professores pesquisadores tanto da área de História da Arte no RN quanto que 
estudam Arte Popular há alguns anos. Essa ausência é ainda maior quando a comparamos com 
os materiais disponíveis acerca da relação entre arte do povo e o ensino de artes no RN. 
 Assim, a importância de estudar, documentar e trabalhar esses conteúdos nas escolas se 
torna ainda mais relevante quando pensamos que muitos artistas estão falecendo sem deixar 
documentadas as suas produções. Vários desses artistas já são idosos e não possuem tanta 
familiaridade com as novas tecnologias, de modo que dependem de terceiros para se inserir nos 
meios digitais, de forma que esperamos contribuir para sua permanência por meio deste estudo. 
 
 
 
 
 
 
16 
 
METODOLOGIA 
 
 Este trabalho caracteriza-se dentro do campo de pesquisa aplicada, porque tem como 
motivação a produção de conhecimento para aplicação de seus resultados, ou seja, pretende 
“contribuir para fins práticos, visando à solução mais ou menos imediata do problema 
encontrado na realidade” (BARROS e LEHFELD apud VILAÇA, 2010). 
A metodologia utilizada neste trabalho é de cunho qualitativo, exploratório e está 
baseada em Barros e Lehfeld (2000) e Minayo (2017). A pesquisa qualitativa caracteriza-se 
por estar associada muito mais com aspectos relacionados à dimensão sociocultural, do que em 
relação aos aspectos que se repetem durante o percurso de pesquisa. Nesse sentido, os fatores 
relacionados à dimensão sociocultural são crenças, valores, opiniões, representações e formas 
de relação (MINAYO, 2017). 
O trabalho teve início com a apropriação dos conceitos relacionados a cultura visual e 
“arte popular” para entender quais conceitos e questões eram fundamentais para a discussão. 
Esse processo se deu a partir de leitura de artigos, dissertações e entrevistas realizadas com 
professores relacionados ao tema. As entrevistas foram fundamentais paraperceber a lacuna 
que existe em relação à pesquisa sobre a arte do povo no RN. 
Durante a pesquisa, foram realizadas três entrevistas via Google Meet com o professor 
Vicente Vitoriano, docente responsável por muitos anos pela disciplina de História da Arte no 
RN e Pesquisa em Artes. Também foi entrevistado o professor Everardo Ramos, docente 
responsável por muito tempo pelas disciplinas de História da Arte I, II e III. A terceira entrevista 
ocorreu de modo informal pelo WhatsApp com o artista Erick Lima, na qual foi discutida a 
biografia, as temáticas das obras e outras questões relacionadas a produção do artista. 
Destarte, foi realizada uma revisão narrativa a partir de buscas em sites acadêmicos, 
como o SciELO, o Google Acadêmico, o repositório de monografias da UFRN, o Projeto 
Vernáculo e o Portal Cultura para encontrar trabalhos realizados sobre o tema. A investigação 
partiu dos descritores: Arte popular; arte popular RN; Arte popular no RN; arte popular e 
ensino; arte popular ensino artes; arte popular ensino de artes RN; artes visuais do povo; Cultura 
visual; Estudos visuais; Estudos Culturais. A revisão narrativa não se utiliza de critérios 
explícitos e sistemáticos para a busca e análise da literatura, assim como não precisa esgotar as 
17 
 
fontes de informações, nem aplicar estratégias de busca sofisticadas e exaustivas (Instituto de 
Psicologia de São Paulo). 
 Depois disso, foi feito um levantamento bibliográfico a partir dos resultados obtidos 
com as pesquisas citadas acima. Após a leitura desse material, foi possível iniciar a pesquisa 
teórica e determinar alguns autores fundamentais para este trabalho, tais como Ana Mae 
Barbosa (2011; 2019), Fernando Hernandez (2011; 2019), Nestor García Canclini (1977; 1990) 
e Stuart Hall (2003). Esses autores são fontes importantes para se discutir a multiculturalidade, 
a cultura visual e sua relação com a educação e a cultura do povo. 
 Ademais, foi realizada uma pesquisa de artistas do povo do Rio Grande do Norte, que 
foram referências para análise e construção do plano de ensino e do material didático. Os 
critérios estabelecidos para a escolha de tais artistas são: 1) arte que se relacione com a estética 
do cotidiano do povo; 2) produções tridimensionais ou bidimensionais (pinturas e gravuras); 3) 
artistas que pudéssemos ter acesso às imagens de suas produções via internet ou publicações 
impressas cedidas, tendo em vista que estamos impossibilitados de realizar trabalho de campo 
por causa da pandemia do Covid-19; 4) amostra com uma diversidade de materiais utilizados 
como matéria prima, a exemplo artistas que trabalham com madeira, argila, pintura e metal. 
Assim, chegamos a 5 artistas, sendo eles: Erick Lima, Luzia Dantas, Maria do Santíssimo, 
Santos e Zé de China. 
Durante a pesquisa, tivemos dificuldades de encontrar imagens das produções dos 
artistas, principalmente da Maria do Santíssimo. Apenas após a abertura da Pinacoteca do 
estado pudemos acessar algumas das obras dela que estavam no acervo. Em relação ao Santos, 
por exemplo, encontramos quase nenhuma informação ou imagem disponível na internet, tudo 
o que conseguimos foi cedido pelo professor e pesquisador Everardo Ramos, o qual estudou 
suas produções e nos disponibilizou catálogos e artigos sobre tal artista. 
 O segundo momento do trabalho, ou seja, a prática que resultou no Guia Didático, foi 
desenvolvida durante o TCC II. Para a realização deste material, utilizamos os livros Para 
Apreciar a Arte de Antônio F. Costella, com foco na leitura de obras, e A Imagem no Ensino 
da Arte de Ana Mae Barbosa, com foco na abordagem triangular. 
 Por fim, foram realizadas ações pedagógicas no âmbito escolar e também um curso de 
extensão. As atividades realizadas consistiram na elaboração e execução de um plano de ensino 
a partir da arte do povo e dos questionamentos levantados pela cultura visual. Esse plano foi 
18 
 
posto em prática em turmas de ensino médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e 
Tecnologia (IFRN) Campus Natal Central. A atividade de extensão consistiu em um curso sobre 
arte visual do povo, tendo como aporte teórico os autores supracitados e a apresentação das 
produções de artistas do povo do RN selecionados nesse trabalho. Esse curso teve certificação 
e foi ministrado pela autora deste trabalho de conclusão de curso. O curso foi destinado, 
prioritariamente, aos professores da rede pública e licenciandos de artes visuais. 
 
19 
 
CAPÍTULO I - A ARTE DO POVO EM CONTEXTO 
 
1.1 Arte do Povo ou Arte popular? 
 Neste trabalho, optamos por utilizar o termo “Artes visuais do povo” em referência à 
Ana Mae Barbosa, que cunhou o termo “arte do povo” em relação às produções que são 
reconhecidas por críticos e pelos próprios produtores enquanto arte. Nesse sentido, para os 
críticos, a arte do povo é aquela produzida pela classe trabalhadora. Esse termo se encontra 
dentro do que Ana Mae chama de Cultura Visual do Povo, que é, por ela, dividida em três 
categorias: 1) Arte do Povo, explicitada acima; 2) Arte das Minorias, que se refere às produções 
com alto valor estético, mas que nem cultura dominante e nem mesmo os produtores, 
consideram arte; 3) Estética das Massas, que faz referência aos valores visuais dos grandes 
mitos, ritos e manifestações populares, a exemplo do carnaval e dos rituais de candomblé 
(GUIMARÃES, 2018). Essa escolha de nomenclaturas e categorias se deu porque Ana Mae 
Barbosa (2011) afirma que o termo "arte popular" foi criado por intelectuais hegemônicos para 
nomear o "outro". Assim, utilizar Cultura Visual do Povo, ou nesta pesquisa, arte visual do 
povo, faz parte da tentativa de ampliar esse campo de produção tão vasto em um movimento de 
valorização de produções que não fazem parte do circuito de arte hegemônico. 
 Sendo a Cultura Visual do Povo brasileiro bastante vasta, faz-se necessário justificar as 
escolhas realizadas neste trabalho. Apesar de ser um campo com apoio institucional, vide as 
instituições que estão associadas a cultura popular no RN, Museu de Cultura Popular Djalma 
Maranhão, Museu Câmara Cascudo e os centros comerciais destinados à arte popular potiguar, 
os artistas do povo ainda produzem sem políticas culturais duradouras, dependendo apenas das 
seleções públicas que variam de acordo com o governo vigente. Desse modo, os artistas 
produzem por gostar do que fazem, mas geralmente não tem sua principal fonte de renda na 
arte. 
 John Storey (2015) traz definições de cultura popular de alguns teóricos como Raymond 
Williams, Gramsci e Stuart Hall e afirma que falar sobre cultura popular é também falar sobre 
ideologia, pois são termos bastante próximos. Para ele, a ideologia como conceito traz para a 
discussão cultural o teor político. Assim, falar sobre cultura e, mais especificamente, cultura 
popular é também falar, na dinâmica social, sobre grupos hegemônicos e subalternizados. 
 Nesse sentido, é possível dizer que, como aponta Storey (2015, p. 21), uma das formas 
que se define cultura popular, ainda vigente na sociedade, é "sugerir que ela seja aquela que é 
20 
 
deixada de lado após termos decidido o que é alta cultura". Ou seja, esta é uma definição que 
inferioriza a cultura popular em detrimento do que se instituiu como "alta cultura". Por 
conseguinte, é uma conceituação excludente, tendo em vista que o que é proveniente de uma 
parcela da sociedade que teve acesso ao conhecimento rebuscado (belas artes, música erudita, 
literatura clássica) é considerado melhor do que as produções que não partem dessas 
referências. Destarte, Storey comenta que nesse viés que separa alta e baixa cultura, para ser 
cultura de verdade, precisa ser difícil e, sendo difícil, torna-se exclusiva apenas de uma pequena 
parcela da sociedade. É nesse contexto que o autor traz o conceito de gosto, do sociólogo 
Bourdieu, que está completamente associado à ideologia, pois o “gosto”é um marcador de 
classe. E, assim, é também um legitimador de diferenças sociais, sobretudo quando falamos em 
cultura. 
 Dentre as definições de cultura apresentadas por Storey (2015), está também a de Stuart 
Hall quando diz que a cultura popular é um espaço em que são criados entendimentos sociais 
coletivos, ou seja, é um lugar onde a significação é extremamente presente como tentativa de 
atrair pessoas para modos específicos de enxergar o mundo. Essa definição de Hall nos põe a 
pensar sobre como a cultura do povo se estabelece nesse contexto de coletividade. Essa 
coletividade se apresenta muitas vezes na forma como os artistas do povo aprendem seus 
ofícios, ou seja, geralmente esse aprendizado se dá pela observação de pessoas próximas. Assim 
como se acentua quando pensamos nos temas que geralmente estão completamente associados 
a vida dos trabalhadores das regiões em que esses artistas estão inseridos. E, nesse contexto de 
nossa pesquisa, temos encontrado que a vida se apresenta por meio da religião e dos trabalhos 
exercidos pelo povo. 
 Dito isso, este trabalho não se atém a uma ideia de cultura do povo ou arte do povo pura, 
que é produzida espontaneamente sem contato com outros modos de pensar, construir e fazer 
arte. É preciso pontuar que estamos construindo um trabalho no contexto do século XXI e que 
as novas mídias, que trazem conhecimentos de diferentes fontes, também fazem parte do 
cotidiano das pessoas que produzem arte do povo. Ou seja, essas produções não estão apartadas 
das interferências a que seus produtores estão expostos. 
 A partir do momento em que nos pusemos a pensar nas definições de arte do povo e arte 
erudita, levantamos alguns questionamentos a respeito das produções dos artistas do povo. Uma 
narrativa comum no meio acadêmico, como citado acima, é a de defender que as produções do 
povo são genuínas e que prescindem de qualquer influência, provenientes da alma do artista 
21 
 
sem instrução. Dessa forma, tais narrativas corroboram com a ideia do "gênio" por vezes ainda 
presente no campo da arte, pois supõe um talento nato, ao invés de pensar em construções 
simbólicas suscitadas pelas vivências, sejam diretas ou indiretas. Tal visão remonta ao século 
XIX, quando o romantismo pensava a arte popular como uma forma de produção que 
representava a tradição, em oposição à modernização. Para eles, se tratava de fazeres manuais 
que remontavam há muito tempo e, por isso, carregavam a ideia de ser algo puro e genuíno que 
não sofria com as imposições da modernidade. Sobre isso Canclini pontua: 
No fim das contas, os românticos se tornam cúmplices dos iluministas. Ao 
decidir que a especificidade da cultura popular reside em sua fidelidade ao 
passado rural, eles se cegaram para as mudanças que a estavam redefinindo 
nas sociedades industriais e urbanas. Ao atribuir-lhe uma autonomia 
imaginada, suprimem a possibilidade de explicar o popular pelas interações 
que tem com a nova cultura hegemônica. O povo é "resgatado", mas não é 
conhecido. (CANCLINI, 1990, p.196). 
 
 No entanto, os românticos beberam da fonte da cultura popular para produzir suas 
próprias obras. De modo que o povo que produzia não era agente participante, mas apenas 
produtores do que interessava. Consonante Canclini (1990, p.195) “[...] frente as exigências do 
positivismo que guiam os novos folcloristas, os trabalhos dos escritores românticos acabaram 
como utilizações líricas das tradições populares para promover seus interesses artísticos.” 
 Ainda assim, os românticos foram fundamentais para a construção dos estudos 
folclóricos e tiveram a intenção de conhecer os costumes, tradições e produções provenientes 
do povo, valorizando o popular em comparação ao pensamento clássico. Ainda nesse sentido, 
o romantismo orientou, segundo Brito e Silva (2016), como mencionado acima, a ideia de 
associar o popular com a tradição. E, portanto, conduziu as ações dos folcloristas fazendo com 
que se desenvolvesse um discurso de preservação dessas tradições de modo a resguardá-las 
tanto da massificação quanto do progresso, pois o que é tradicional está situado no passado. 
Assim sendo, é de suma importância pontuar que este trabalho apresenta uma ideia de cultura 
do povo mais fluida, pois pensamos que a tradição, assim como a cultura, não é imutável, ambas 
passam por transformações constantes. Essa visão se confirma ao pensarmos que o povo não 
está apartado das influências múltiplas que vem de muitos setores sociais. Além de que o povo 
também constrói essas influências e significações coletivas que movimentam as dinâmicas 
sociais. 
22 
 
 A arte do povo, assim como a arte hegemônica, possui uma amplitude de temas e 
vertentes. Por isso, podemos pensá-la a partir de várias perspectivas, justamente por sua 
complexidade. Por conseguinte, ela também é repleta de reiterações de estereótipos sociais 
impostos pelo outro que vem de fora, nesse contexto, a classe dominante. E pode contribuir 
com o discurso vigente de opressões a respeito de um povo, ou uma região geográfica. Ou seja, 
muitas vezes o povo internaliza as opressões que lhes são impostas e reproduzem em seus 
discursos e produções essas visões hierárquicas. No entanto, também podemos encará-la por 
meio da ótica do fortalecimento cultural e identitário. Apesar de parecer contraditório, ambas 
as visões podem coexistir, a depender dos contextos específicos. 
 Sendo assim, uma das formas possíveis de encarar a cultura popular é como um reflexo 
dos conceitos cunhados pela elite ao povo. Nesse viés, o povo introjetaria a ideia de que são 
diferentes da elite e produzem cultura a partir dos estereótipos impostos sobre eles mesmos para 
conseguir se inserir no mercado e poder obter um meio de subsistência a partir de suas 
produções. Nesse sentido, Ramos (2010), ao se referir à postura e às atitudes frente à imprensa 
adotada por J. Borges, reconhecido gravurista popular, pontua que ao invés de se orgulhar de 
sua ascensão social, ele procurava destacar suas origens humildes. Ora destacando que preferia 
inclusive deixar os erros gramaticais presentes nos folhetos para marcar quem ele de fato era. 
Para Ramos (2010), J. Borges entendeu que nos meios letrados era valorizada a imagem 
do artista ignorante, quase caricato, e se submeteu a esses estereótipos. Essa submissão ocorreu 
para que ele pudesse ser incluído no mercado de arte, caso contrário, não seria considerado um 
"autêntico artista do povo" (RAMOS, 2010). Esse fato pode nos esclarecer o motivo pelo qual 
até mesmo artistas que vivem no contexto urbano da capital, produzem arte representando 
situações rurais, geralmente mostrando retirantes ou a seca e a caatinga. É um fato que tais 
produções podem surgir também de memórias transmitidas de geração em geração, ou seja, de 
circunstâncias realmente vividas, mas não é a regra. 
 Sobre a arte popular como resistência, podemos citar os estudos de Hoggart, que na 
década de 60 do século passado pensou a cultura popular como fonte de narrativas próprias em 
contraponto à visão da classe dominante. Ou seja, que apesar de serem oprimidos, eram 
produtores de cultura diferente da tida como norma almejável. Assim, Hoggart encarava a 
cultura popular como um espaço de aprendizagem e formação de senso crítico (DALMONTE, 
2001). Sob esse viés, podemos orientar a abordagem da arte do povo nas aulas de artes visuais, 
mas não só, tendo em vista que o que objetivamos com este trabalho é incitar o pensamento 
23 
 
crítico e questionador nos educandos. Por isso, partimos da arte do povo como objeto de estudo 
possível, mas os questionamentos que as produções podem suscitar passam também pela crítica 
a elas mesmas. 
1.2 - Onde se encontra nas hierarquias sociais 
Se é a partir do iluminismo que se dá a separação entre belas artes e artesania, é a partir 
da primeira revolução industrial que se começa a pensar em cultura popular ecultura 
dominante. Justamente porque a industrialização favoreceu a criação de guetos culturais que 
demarcavam os proletários da aristocracia. Nesse contexto, iniciou-se um processo de 
valorização da produção manual em detrimento dos produtos massificados. Isto se deu porque, 
a partir do progresso ocasionado pela Revolução Industrial e das modificações sociais e 
culturais provenientes dela, nasce um sentimento de nostalgia, que instiga as produções da 
sociedade pré-industrial, que eram realizadas de modo mais manual/artesanal (RAMOS, 2011). 
Sobre as questões há muito abordadas pelo contexto da história da arte em relação à 
legitimação das obras de arte, podemos também trazer os conceitos de visão e visualidade. 
Segundo Sérvio (2014 apud FOSTER, 1988), a visão e visualidade não são fenômenos opostos. 
A visão se caracteriza enquanto um fenômeno físico, mas também está completamente 
associada ao social e histórico, assim como a visualidade. Já a visualidade se entende enquanto 
a percepção a partir do social e da experiência cultural (SÉRVIO, 2014). 
Ou seja, até mesmo algo objetivo como a visão tem associação com processos culturais 
subjetivos. No entanto, é preciso deixar claro que informações científicas do campo da biologia 
serão sempre insuficientes para justificar casos específicos, de modo que é necessário agregar 
a esses conhecimentos influências históricas que caracterizam a cultura em que se localiza o 
fenômeno que buscamos compreender (SÉRVIO, 2014). 
 Nesse sentido, podemos associar esses processos com a legitimação artística que não se 
dá de forma neutra, mas sim localizada histórica e contextualmente em relação à raça, gênero, 
classe e localização geográfica. Tal colocação nos remete a Canclini (1977), que destaca que o 
modo de se conceber a arte foi cunhado pela burguesia, que impôs sua concepção às culturas 
dependentes. 
 Sobre isso, ele pontua que responder à questão "o que é arte?" ou mesmo formulá-la 
passa pelo que era almejado como uma essência imutável, que ao separar as obras de seus 
24 
 
contextos de produção e recepção, poderia se pensar que elas eram sempre iguais e seu sentido 
não se alteraria ao mudar a classe social ou cultural. Canclini diz ainda que essa pretensa 
universalidade abstrata nunca existiu e apenas conseguiu se estabelecer nos últimos séculos 
devido à imposição de padrões europeus e norte-americanos aos países dependentes. Por fim, 
o autor pontua que, associada à dominação econômica, esses países sobrepuseram sua visão 
estética para grande parte das culturas contemporâneas e até estenderam essa concepção ao 
passado. 
CAPÍTULO II - MULTICULTURALIDADE, MULTICULTURALISMO E 
HIBRIDIZAÇÃO 
2.1 - A cultura visual 
Os Estudos Culturais têm início por volta da década de 60 do século XX com o intuito 
de estabelecer uma nova visão a respeito dos fenômenos da cultura, ao perceber a centralidade 
dela nas dinâmicas sociais. Os Estudos Visuais nascem em meados da década de 90, 
influenciados pelos Estudos Culturais e, no entanto, trazem como diferencial o foco nos 
aspectos visuais e da visualidade. Para tal, articulou diversos campos, como o das artes, da 
comunicação, da antropologia, da história e sociologia. É a partir deste último, com influências 
dos estudos culturais, que surge o que convencionou-se chamar por Cultura Visual. 
 Uma das versões difundidas a respeito da origem dos Estudos Culturais britânicos é a 
que eles surgem no contexto de origem do Centre for Contemporary Cultural Studies, no qual 
estão associados à sua fundação: Richard Hoggart; Raymond Williams; Edward P. Thompson; 
Stuart Hall, entre outros. Os estudos têm início em meados da década de 60 e tinham como 
referencial ideológico o marxismo. Estes pensadores acreditavam que "era necessário buscar o 
entendimento das relações entre pessoas e classes, levando em consideração os diversos grupos, 
que no entender dos founding fathers, todos, inclusive a classe operária, desprovida de "tudo", 
eram geradores de cultura" (DALMONTE, 2001). É preciso pontuar, no entanto, que essa é 
apenas uma das versões a respeito das origens dos Estudos Culturais, pois também afirmam que 
outros lugares em momentos históricos diferentes contribuíram para a sua formação sem ser no 
contexto da Inglaterra (ECOSTEGUY, 2008). Dito isso, concomitantemente, durante a década 
de 60, as universidades americanas foram tomadas por movimentos populares à época 
chamados Cultural Studies, que tinham como objetivo inserir no debate vários movimentos 
sociais, como o feminismo, movimento negro, movimento gay e lésbico dentro do contexto 
25 
 
acadêmico para ir contra o modelo binário vigente (HOBSBAWN, 2000; MACIEL, 1973 apud 
WARD, 2020). 
 Segundo Mitchell (2002), os Estudos Visuais são a área de estudo e a Cultura Visual o 
objeto de estudo. Ou seja, os estudos visuais são nada mais que o estudo da cultura visual. O 
autor ainda deixa claro que prefere o termo "cultura visual" por ser menos neutro que "estudos 
visuais" e opta por utilizar o termo "cultura visual" para referir-se tanto a área quanto ao seu 
conteúdo, de modo que o contexto deixe claro o significado. 
 No contexto de sua fundação, os estudos da Cultura Visual também objetivavam ser um 
campo inter ou transdisciplinar que contribuísse para uma história mais ampla das imagens e 
das experiências visuais, "onde os critérios "artístico" e "não artístico", ou "baixa" e "alta 
cultura", deixam de ser operantes em termos de delimitação de fronteiras" (CASTRO e 
MEDEIROS, 2017, p.2). Desse modo, a escolha de uma abordagem por meio da Cultura Visual 
no presente trabalho se deu pela possibilidade de apresentar de forma crítica as imagens e as 
visualidades. Falando não apenas pela história da arte e estética, como também a respeito de 
como os contextos sociais e políticos podem influenciar nossa leitura de obras de arte. Além 
disso, a Cultura Visual nos permite falar sobre as complexidades envolvidas nas produções 
visuais a partir de vários campos de saber, além de diluir fronteiras estabelecidas 
historicamente. 
2.2 – Multiculturalidade 
 Apesar de parecer uma discussão recente, as sociedades multiculturais existem há 
bastante tempo, “a migração e os deslocamentos dos povos têm constituído mais a regra que a 
exceção, produzindo sociedades étnica ou culturalmente "mistas"” (HALL, 2003, p. 55). São 
vários os fatores a serem considerados quando trazemos para a discussão o multiculturalismo. 
Dentre eles, os contextos de formação das nações, o fenômeno da globalização, as migrações 
internas e externas e os processos de hibridização ocasionados pelas trocas culturais. Para se 
discutir o contexto de formação do Brasil, é preciso destacar as violências contidas nessa 
conjuntura. O Brasil foi formado por três principais povos fundantes, indígenas, negros e 
europeus, cada um com suas particularidades, tradições e culturas. Os indígenas não eram e 
tampouco hoje são, um grupo homogêneo. Quando os europeus chegaram nas terras que hoje 
nomeamos Brasil, existiam inúmeros povos pertencentes a etnias e troncos linguísticos 
diferentes. Do mesmo modo, as pessoas negras que foram sequestradas do continente africano 
pertenciam a inúmeras nações, com línguas e costumes diferentes. É importante pontuar essa 
26 
 
diferença de povos indígenas e negros porque durante a história houve tentativas sucessivas de 
apagamento das suas histórias e origens. Registrar essa heterogeneidade é reconhecer a 
multiculturalidade presente na formação do Brasil, sem apagar os processos de opressão 
sofridos. Nessa conjuntura, soma-se a imposição da cultura europeia e surgem novas culturas 
emergentes que se fundam na mistura, no sincretismo e na permanência. 
Agora, na contemporaneidade, o Brasil continua sendo uma nação multicultural, com 
raízes nessa história plural, mas que inclui novos processos culturais, como a globalização. A 
globalização éum fenômeno que tem associação com a modificação e aceleração econômica, 
industrial, financeira e dos meios de comunicação, transporte e tecnologia, que não mais 
ocorrem de forma local ou regional, mas sim de forma global e interdependente (ZORZI, 2012). 
Esse fenômeno impôs uma nova forma de viver e se relacionar, justamente porque traz com ele 
uma série de elementos novos presentes em culturas que antes poderiam ser distantes 
geograficamente, mas que agora se aproximam via novas tecnologias ou imposições 
geopolíticas. 
A multiculturalidade não se faz presente apenas pelas condições de formação do povo 
brasileiro, ou seja, pelo processo forçado de colonização, mas também pelas migrações 
ocorridas na contemporaneidade. Em 2020, mesmo no contexto de pandemia do Covid-19, o 
número de refugiados fugindo de guerras, violências, perseguições e violações dos direitos 
humanos chegou a quase 82,4 milhões de pessoas. Número 4% maior que os 79,5 milhões 
registrados no fim de 2019 (ACNUR, 2021). Essas migrações têm consequências globais e 
influenciam diretamente nos modos de vida e, por conseguinte, nos processos culturais. Por 
isso, é fundamental que se pensem soluções para esses conflitos, mas também em como os 
migrantes possam ser integrados e acolhidos com suas próprias singularidades. Pensar em 
políticas públicas que levem em conta o multiculturalismo em um movimento de valorização 
em contraposição a postura de intolerância e austeridade frequentes. Essa postura se faz 
necessária justamente pelo contexto crescente de intolerância religiosa e também xenofobia. 
Este trabalho tratará do termo “multiculturalismo” a partir das contribuições de Stuart 
Hall, que fez parte do contexto de fundação do Centre for Contemporary Cultural Studies, que 
tem origem nos estudos culturais britânicos. Como o próprio Hall defende, existem inúmeros 
multiculturalismos, dentre eles, o multiculturalismo conservador, o liberal, o pluralista, o 
comercial, o corporativo e o crítico ou revolucionário. Nesse sentido, Hall (2003) questiona, 
dentre tantos multiculturalismos possíveis e que se contrapõe, será realmente possível que este 
27 
 
termo possa nos trazer considerações significativas de reflexão? Nesse viés, como comenta Hall 
(2003), um campo tão vasto de discussão pode suscitar questionamentos a respeito de sua 
validade. Entretanto, pode também mostrar como temos o que estudar e nos aprofundar nas 
possibilidades que encaramos coerentes no campo de estudo, como o multiculturalismo crítico. 
Hall contribuiu imensamente para o desenvolvimento dos estudos a respeito do 
"multiculturalismo" e para ampliação do debate a respeito de questões como raça, etnicidade, 
cultura de massa, cultura operária, juventude, diáspora e identidade (ZORZI, 2012). Trazer 
essas questões para a discussão da cultura do povo e seu ensino se mostra relevante justamente 
porque este campo necessita de levantamentos para além da estética. Falar sobre raça, classe e 
gênero amplia a discussão no campo da arte e nos faz pensar nos contextos de produção e nas 
possíveis modificações que a reflexão a respeito pode ocasionar. Nesse sentido, é importante 
destacar que o multiculturalismo "não representa um estado de coisas já alcançado", ao 
contrário, representa vários processos e estratégias políticas inacabadas (HALL, 2003). 
2.3 – Multiculturalismo 
Pode-se dizer que multicultural é um termo qualificativo, que detalha as diferenciações 
sociais e os entraves de governabilidade que surgem em sociedades com muitas diferenças 
culturais, e que convivem e buscam construir uma vida em comum, mas preservando algumas 
de suas particularidades originais1. Já o multiculturalismo seria substantivo e diz respeito a 
"estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e 
multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais" (HALL, 2003, p. 52). Destarte, neste 
capítulo partiremos de uma sociedade multicultural como o Brasil e suas implicações para 
pensar em possíveis soluções institucionais, ou seja, no sentido do multiculturalismo, para um 
ensino de artes visuais que contemple mais do que uma cultura. 
Essas soluções institucionais passam por esferas como educação, que é o caso deste 
trabalho, desse modo, são também sobre como o ensino de artes nas escolas, sobretudo as 
públicas, pode contribuir para a diminuição das opressões vigentes em uma sociedade 
multicultural como o Brasil. Apesar de ser um termo controverso, por seus diversos usos 
 
1 HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais, 2003. 434 p. 
 
 
28 
 
políticos, o multiculturalismo continua sendo uma fonte de discussão válida quando pensamos 
em ações que contribuem para o fim de inúmeros conflitos de sociedades multiculturais. 
Quando pensamos na arte do povo, podemos relacioná-la com o multiculturalismo, por ser 
bastante plural, apresentar inúmeras características que variam de acordo com os artistas. 
Apesar de as obras dos artistas do povo apresentarem possíveis similaridades temáticas 
provenientes de uma mesma cultura, suas obras se diferenciam a partir da poética de cada artista 
e se apresentam por diferentes traços, cores e materiais. Além disso, considerando os processos 
de hibridização cultural presentes à nível nacional e local, existes inúmeras discrepâncias até 
mesmo localmente, fato que se confirma na observação dos artistas abordados no presente 
trabalho. 
Essas diferenças não são estáticas, como mencionado anteriormente, a cultura está em 
constante movimento e, por isso, até mesmo no cenário local estão acontecendo essas 
modificações culturais. A arte de que tratamos hoje nesse trabalho não permanecerá a mesma 
daqui há poucos anos, ela se modificará assim como todas as outras. A mudança é parte 
integrante da história da arte e, por isso, devemos estar em constante atualização. 
2.4 - Os processos de hibridização 
A hibridização cultural se dá pelo incessante trânsito de culturas divergentes em contato 
umas com as outras. Tal fenômeno gera novas manifestações culturais que não se situam nem 
no culto, nem no popular, pois a interrelação entre ambas faz com que já não possa mais ser 
distinguida claramente.2 Muitos são os motivos para a quebra dessas dicotomias culto x popular, 
urbano x rural. Dentre eles, a migração interna e externa, a chegada e disseminação dos meios 
de comunicação para um maior público, seja nas capitais, periferias e meio rural. O que, em 
algum grau, modificou a questão do acesso à informação e ampliou o contato com várias 
culturas ao mesmo tempo. Desse modo, não se pode dizer, por exemplo, que um artista do 
interior do RN não conheça mestres da cultura europeia porque é provável que a arte chegue 
pela televisão, materiais impressos ou internet. Pode-se dizer que a internet hoje em dia é um 
grande meio formador de opiniões, gostos, sejam políticos ou estéticos. O que está 
completamente relacionado ao que comentamos sobre as sociedades multiculturais a partir de 
Stuart Hall. 
 
2 CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade. 
Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 1997. p.283-350: 
Culturas híbridas, poderes oblíquos. 
29 
 
Essa deve ser uma perspectiva para se ter em mente quando formos pesquisar temas 
sugeridos pelos documentos oficiais, como a BNCC, para as aulas. Essa postura crítica frente à 
cultura nos permite enxergar inúmeras possibilidades para além do que fomos ensinados 
durante nossa trajetória acadêmica. Trabalhar a multiculturalidade e o multiculturalismo, bem 
como os processos de hibridização cultural não é uma abordagem nova dentro das discussões 
educacionais. No entanto, ainda é muito necessária dada as ausências a nível local de materiais 
didáticos específicos com produções do povo disponíveis para os docentes. 
 
 
30 
 
CAPÍTULO III - ARTISTAS DO POVODO RN 
Para selecionar os 5 artistas foi realizado um levantamento a partir do projeto vernáculo, 
do portal cultura do IFRN e de buscas pela internet em redes sociais e sites jornalísticos. Em 
um primeiro momento, criamos uma lista com 14 nomes de artistas do povo do Rio Grande do 
Norte e fomos afunilando-a a partir da ausência de referências, principalmente visuais, das 
produções desses artistas. No entanto, notou-se que era necessário fechar em uma quantidade 
de nomes possível de se construir a pesquisa. Trabalhar com mais de 5 artistas seria inviável 
dadas as circunstâncias de construção desse trabalho. Principalmente levando em consideração 
o pouco tempo para se apropriar das histórias de vida e das obras de cada artista. 
3.1- Erick Lima 
 Erick Lima, 1985, nasceu e cresceu na cidade de Natal e enveredou no campo das artes 
por influência de seu pai, o poeta Abaeté. Desenhava quando menino, mas, segundo ele, não 
era “nada demais”. Cresceu rodeado de poesia e literatura de cordel, seu pai é o fundador da 
Casa do Cordel de Natal e, por isso, sua poética carrega muito desse universo. Quando pequeno, 
frequentava a feira de Caruaru, onde se localiza o Museu do Cordel, local que o inspirou 
bastante. Erick fazia muitas viagens para Pernambuco, pois parte de sua família reside lá, e 
durante as visitas à família conheceu também o ateliê de J. Borges, reconhecido xilogravurista 
brasileiro que o influenciou. Quando começou a fazer xilogravuras em 2007 não tinha o 
material adequado, no entanto, sentiu- se incentivado pelo seu pai, que publicou sua primeira 
xilogravura na capa de um cordel. Depois disso, não parou mais, se encantou com as 
possibilidades da técnica. 
 
 
 
 
 
 
 
 
31 
 
Figura 1- Obra Liberdade Negra 
 
Fonte: Instagram de Erick Lima, 2021. 
O processo de criação de Erick Lima é bastante variado. Muitas vezes, inicia a obra 
diretamente na matriz, porém em outras, quando a obra é encomenda, faz uma pesquisa, um 
projeto e só depois transfere para a matriz. O contexto de produção depende muito se a criação 
é livre ou construída a partir de uma demanda. O principal meio de divulgação de suas 
produções, além dos folhetos de cordel, é o Instagram. Nessa rede, ele compartilha um pouco 
do processo criativo, além das obras finalizadas. 
Figura 2- Obra sem título 
 
32 
 
Fonte: Instagram de Erick Lima, 2021. 
Quando perguntado sobre a valorização da xilogravura atualmente, o artista diz que 
houve avanços nos últimos anos em relação a técnica, mas que ainda não é algo tão difundido. 
Ele acredita que essa valorização se deu muito pela abordagem da mídia. Erick também trouxe 
à tona a questão da reprodutibilidade, ele acredita que por se tratar de uma técnica de 
reprodução, muitos compradores não enxergam como uma obra original. 
Figura 3- Obra sem título 
 
Fonte: Instagram de Erick Lima, 2021. 
Grande parte das obras de Erick Lima apresentam elementos pertencentes ao imaginário 
do nordeste. Elementos como o sol a pino, cactos, rachaduras e o trabalhador rural com o tão 
conhecido chapéu de couro. Além de muitas representações do cangaço, desde Lampião e Maria 
Bonita a outras figuras. Algumas apresentam ainda o burro ou cavalo sendo utilizado como 
meio de transporte. No entanto, ele vai além e representa também questões sociais atuais, como 
o dia da mulher negra e latino-americana, reivindicações políticas em defesa da sociologia, Karl 
Marx, por exemplo, e várias referências políticas negras brasileiras. Dentre elas, Marielle 
Franco, André Rebouças, Dandara e Zumbi. As obras, realizadas na técnica de xilogravura, 
apresentam traços bastante firmes e demonstram domínio ao nível do detalhe do artista. Desde 
as produções mais simples até as mais rebuscadas em termos de precisão, ele consegue abordar 
diversas temáticas, assim como diversos estilos, por meio de sua produção. O fato é que a arte 
33 
 
de Érick Lima carrega um teor bastante político, não à toa, o artista também é professor de 
sociologia.3 
As obras são realizadas sobre vários tipos de madeira, tais como umburana, louro, 
canela, entre outras. A matriz é gravada a partir das goivas, instrumentos específicos utilizados 
para a xilogravura. O papel utilizado para impressão é o filtro, as tintas são a offset, utilizadas 
no setor de impressão, geralmente na cor preta, às vezes introduzindo o vermelho e o amarelo. 
Sobre os estilos presentes nas produções do artista, conseguimos identificar uma produção mais 
realista quando ele representa Marielle Franco, Dandara e Zumbi e uma representação mais 
estilizada aos moldes da xilogravura tradicional quando representa as figuras reconhecidas 
como nordestinas. 
Muitas das obras de Erick são bastante solenes, as figuras humanas não esboçam 
sorrisos, geralmente apresentam uma postura séria e observam o espectador do mesmo modo 
que as observamos. No entanto, quando se tratam de retratos encomendados ou retratos de 
pessoas mais conhecidas, o sorriso aparece. 
Erick encontra reconhecimento local de sua arte não só a partir da procura por xilogravuras 
personalizadas, mas também a partir de seus trabalhos e palestras para instituições como o 
Museu Câmara Cascudo. Seu reconhecimento local na arte da xilogravura o fez produzir um 
doodle do Google em homenagem ao dia do nordestino. Apesar disso, o artista reconhece que 
ainda há um longo caminho para que a arte da xilogravura seja ainda mais valorizada. Não 
apenas a nível local e regional, mas que se expanda através das fronteiras com o devido respeito 
que merece. 
3.2 - Luzia Dantas 
Nascida em 1937, no município de São Vicente, mais especificamente no sítio Cachoeira, 
Luzia Dantas ainda criança começou a esculpir os próprios brinquedos. Dentre as figuras 
entalhadas estavam gatos, cachorros, coelhos e bonecas. É provável que a inspiração para a 
Luzia começar a produzir tenham sido os bonecos que sua mãe fazia com casca de melancia. 
Aos poucos os vizinhos de Luzia tomaram conhecimento de suas produções e começaram a 
encomendar peças personalizadas para os seus filhos. 
 
 
3 As informações contidas na Biografia de Erick Lima foram retiradas de uma entrevista realizada pela autora 
com o artista. 
34 
 
Figura 4- Obra “Coqueiro” (1966) 
 
Fonte: Agecom UFRN, 2021. 
O principal material utilizado por Luzia é a umburana (ou imburana). Luzia conta que 
assistia às vaquejadas, às corridas de boi e cavalo em Currais Novos e assim encontrava 
inspiração para produzir. Com o tempo recebia encomendas com pedidos personalizados e sua 
clientela se multiplicou. Ela considera o trabalho com a madeira difícil, sobre isso ela comenta 
A talha (ou entalhe) é mais fácil. Mas fazer a figura inteira é difícil.”4 
Figura 5- Obra “Vaquejada” (1970) 
 
 
4 Informações biográficas retiradas do site do projeto "Em nome do Autor: artistas e artesãos do Brasil". Acesso 
em: < http://www.artedobrasil.com.br/luzia_dantas.html> 
35 
 
Fonte: Agecom UFRN, 2021. 
As temáticas presentes nas obras de Luzia são diversas, trabalha com representação de 
arte sacra e cotidiana. Suas produções de arte sacra apresentam uma suntuosidade nas curvas 
presentes no panejamento. Segundo Iaperi Araújo, Luzia representa feições de familiares e 
conhecidos em suas esculturas, assim como grandes mestres da história da arte.5 
Figura 6- Obra “O Presépio” 
 
Fonte: Agecom UFRN, 2021. 
As obras de Luzia Dantas partem da observação do seu cotidiano, mas também a partir 
de suas memórias de infância. As temáticas representam o cotidiano de Currais Novos, local 
onde vive até hoje. Dentre as principais temáticas, estão as representações do cotidiano, como 
a construção de um açude, vaquejadas, carros de boi e também produções de arte sacra, na qual 
apresenta representações católicas bastante importantes, como nossa senhora e Jesus menino, 
nossa senhora das Mercês, Sant’Ana, São João, entre outros. Luzia utiliza a umburana, um tipode madeira macia encontrada no sertão nordestino que os escultores gostam bastante de 
trabalhar devido a sua maleabilidade. Suas obras não apresentam pintura, todas são em madeira 
 
5 Informação retirada do documento da Fundação José Augusto “A Mulher Potiguar – Cinco Séculos de Presença”. 
Natal-RN, Centro de Estudos e Pesquisas Juvenal Lamartine-CEPEJUL, Fundação José Augusto, 1999. Disponível 
em: <http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/secretaria_extraordinaria_de_cultura/DOC/DOC000000000106228.PDF> 
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crua, finalizadas com a lixa. Dentre os materiais utilizados para a feitura de sua produção se 
destacam a madeira, matéria prima de suas obras, o facão para extrair a madeira de forma mais 
grosseira e as trinchas e sovelas para o refinamento. 
A artista segue um estilo mais realista, geralmente adotando uma proporção naturalista 
das figuras humanas e dos animais. Suas esculturas se assemelham muito às representações do 
barroco brasileiro, porém não sabemos se ela teve contato com obras ou imagens das obras 
desse período. Geralmente as figuras humanas representadas por Luzia não apresentam 
expressões faciais pronunciadas. 
Luzia tem reconhecimento local de sua produção. Algumas de suas obras estão no 
acervo do Museu Câmara Cascudo e à venda em diversos leilões de arte. Conta com sua 
biografia publicada no site Em Nome do Autor, que compila artistas de todo o Brasil a partir 
de uma divisão regional. Luzia tem obras espalhadas por vários estados e países, tais como 
Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Estados Unidos e Portugal. 6Segundo os 
comentários locais, até mesmo o Papa tem uma de suas obras. 
3.3 - Maria do Santíssimo 
Nascida em São Vicente em 21 de dezembro de 1890, Maria Antônia do Santíssimo, 
mais conhecida apenas como Maria do Santíssimo, foi uma artista do interior do estado do Rio 
Grande do Norte. Começou a pintar ainda na infância, aos 9 anos, o que via ao seu redor, mais 
especificamente temas florais e animais. Maria depois de crescida pintou em baús antigos, 
oratórios e paredes das salas de visitas dos coronéis da região onde morava. Pintava com 
materiais simples encontrados facilmente em seu cotidiano. Utilizava anilina como tinta, como 
suporte o papel de embrulho ou almaço e como pincel utilizava pedacinhos de palha de 
coqueiro. Toda a sua arte tinha como temática o cotidiano, no entanto, diferentemente de outros 
artistas do povo, Santíssimo se detinha nos pormenores, nos detalhes, como florais de canto de 
muro, como diz Iaperi Araújo.7 Ela representava cravos, malvões, espirradeiras e boas-noites, 
assim como pavões, galos, cajueiros e outras plantas e frutos do sertão. 
 
6 Informações biográficas retiradas do Boletim da UFRN em Homenagem a Luzia Dantas. Acesso em: 
<https://ufrn.br/imprensa/materias-especiais/45042/a-obra-de-luzia-dantas> 
7 Informações biográficas retiradas do documento da Fundação José Augusto “A Mulher Potiguar – Cinco 
Séculos de Presença”. Natal-RN, Centro de Estudos e Pesquisas Juvenal Lamartine-CEPEJUL, Fundação José 
Augusto, 1999. Disponível em: 
<http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/secretaria_extraordinaria_de_cultura/DOC/DOC000000000109057.PDF> 
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Figura 7- Obra “O boi”, década de 60. 
 
Fonte: Fotografia de Daniel Corcino, 2021. Acervo da Pinacoteca do Estado. 
O responsável por vender as obras de Santíssimo era o seu marido João Inácio, que 
comercializava para pessoas da região. No entanto, sua obra nunca havia saído de São Vicente 
até o ano de 1962, quando Iaponi Araújo, também do Seridó potiguar, divulgou suas pinturas 
para vários centros de arte do país. Foi só com 72 anos de idade que Santíssimo passou a ser 
uma artista conhecida no cenário nacional da arte naif, ou da chamada "arte primitiva". 
 
 
 
 
 
 
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Figura 8- “Os galos”, década de 60. 
 
Fonte: Fotografia Daniel Corcino 2021. Acervo da Pinacoteca do Estado. 
Suas pinturas encantam pela simplicidade e ao mesmo tempo compreensão da 
composição. Santíssimo ocupava quase todo o espaço da folha, compunha com inúmeros 
ornamentos florais quase como arabescos e a fauna e flora se confundem com tamanha 
harmonia. Suas produções se assemelham a aquarelas com grande saturação ou pinturas em 
guache. Os fundos normalmente são brancos e acabam destacando todo o resto das formas numa 
relação figura e fundo que talvez tenha sido planejada. As cores são aparentemente limitadas 
pela cartela de cores da anilina que ela dispunha, então é possível destacar que utilizava em 
suas obras azuis, vermelho, amarelo e verde. 
 
 
 
 
 
 
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Figura 9- “2 casas e galos”, década de 60. 
 
Fonte: Fotografia Daniel Corcino 2021. Acervo da Pinacoteca do Estado. 
Suas obras já foram expostas em diversos museus brasileiros e integrou exposições 
relevantes, como a Trienal da Pintura Primitiva de Bratislava na Tchecoslováquia. Conta com 
obras no acervo da Pinacoteca Potiguar, no Museu de Cultura Popular de Natal, Museu de Arte 
Moderna do Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Museu do Folclore do Rio 
de Janeiro, Palácio do Itamaraty, Museu de Pintura Primitiva de Assis e na Galeria Goeldi. Essa 
presença significativa em acervos de museus de vários lugares do Brasil confere uma 
importância ainda maior sobre sua produção no campo da legitimação. É interessante perceber 
que as obras de Santíssimo se apresentam tanto em instituições voltadas para a arte “primitiva” 
ou “naif”, mas também em instituições de arte moderna e contemporânea. 8 
Hoje em dia, quando observamos as obras de Santíssimo já não a vemos como na época 
de sua produção. Muitas de suas obras ficaram esmaecidas com o tempo, não se sabe se por 
causa de má preservação ou se pela baixa durabilidade dos materiais utilizados. 
 
8 Informações retiradas do site do projeto Cubo de Luz. Disponível em: 
<https://cubodeluz.com.br/member/maria-do-santissimo/> 
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3.4 - Santos 
Nascido em 1945 no município de Serraria/PB, Francisco Evaristo dos Santos perdeu a 
mãe quando era um bebê e foi adotado por uma família de agricultores pobres. Veio para o RN 
ainda recém-nascido com seus pais para a região do Seridó. A princípio, se fixaram no distrito 
Madareia no sítio Timbaúba dos Cunhas, próximo aos municípios de Caicó e Ouro Branco. No 
ano de 1957, mudou-se para a cidade de Caicó onde exercia atividades rurais, assim como fazia 
no município anterior, e ajudava seu pai em uma olaria, onde construía tijolos e telhas.9 
Figura 10- Obra de Santos, título desconhecido. 
 
Fonte: Catálogo da exposição Santos: arte popular e prodigiosa. 
Quando criança, gostava de modelar com barro molhado seus brinquedos e desenhava 
com pedaços de carvão nas paredes de sua casa (RAMOS, 2013). No entanto, teve que começar 
a trabalhar precocemente e não levou adiante suas criações, sendo somente aos 18 anos, 
aproximadamente, que se sentiu inspirado a criar. Tendo em vista que o trabalho com seu pai 
envolvia o barro, criou sua primeira escultura com este material, que guardou em casa, mas que 
 
9 As informações biográficas foram retiradas do artigo “Santos, Escultor Popular: novas perspectivas sobre arte e 
criação vernacular” e do Coleção Patrimônio Potiguar: arte popular. 
 
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sua mãe acabou quebrando por acidente. Devido a esse incidente, desistiu de trabalhar com o 
barro e acabou se afastando da produção de esculturas. No entanto, tempos depois Santos teve 
um problema de saúde que o impossibilitou de trabalhar no campo: uma landra, algo como um 
linfonodo com tamanho aumentado que apareceu em sua perna e provocava dores sucessivas, 
o que o impossibilitou de realizar trabalhos pesados. Enxergando-se sem alternativas de 
trabalho dadas as circunstâncias, em 1964, Santos entrou em contato com a madeira, 
incentivado por seus amigos. 
Figura 11- Obra de Santos, título desconhecido. 
 
Fonte: Catálogo da exposição Santos: arte popular e prodigiosa. 
Em fins da década de 70, ele fixouresidência no bairro das quintas em Natal. Santos 
não trabalha apenas com madeira, embora este seja seu material favorito, mas também com 
pedras. A escultura não é a única prática de Santos, que também constrói móveis únicos em 
madeira. E além disso, constrói suas próprias ferramentas de trabalho para esculpir. Dentre as 
ferramentas que constrói estão: buris, goivas e formões para a madeira. E para a pedra: ponteiro 
e talhadeira. 
 
 
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Figura 12- Obra de Santos, título desconhecido. 
 
Fonte: Catálogo da exposição Santos: arte popular e prodigiosa. 
As obras de Santos são figurativas, têm caráter realista e seguem as proporções 
naturalistas. Os temas representados vão desde temas cotidianos, presentes na vivência rural, 
como também sagrados. Além disso, o artista tem toda uma produção na área do design de 
móveis, construídos a partir dos formatos diversos de madeira bruta. Santos é um escultor que 
trabalha de forma minuciosa os detalhes. Ele não apenas representa as figuras humanas ou 
santos, mas também pensa numa composição com cenário, o que é bastante diferente das 
esculturas sacras convencionais. Ademais, o artista ainda simula a partir da madeira, diversos 
materiais com maestria. Elementos como folhagens, rochas, panejamento e pêlos de animais 
são representados de modo bastante convincente. 
Apesar de sua madeira favorita ser a imburana, também trabalha com madeiras como 
cedro, pau-brasil e cumaru. A mais acessível dessas madeiras é a imburana que é encontrada na 
caatinga, mas segundo Queiroz (2009), o artista diz encontrar dificuldades, à época em que a 
entrevista foi realizada, de encontrar pedaços saudáveis, pois apenas estava encontrando 
pedaços pequenos. 
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Segundo Queiroz (2009), Santos não elabora um esboço antes de realizar as esculturas, 
todo o seu processo ocorre mentalmente, de modo que ele observa o alinhamento da madeira e 
cria a partir dela. Ou seja, o formato bruto da madeira pode influenciar na criação do artista. 
Apesar de não realizar esboços quando vai produzir uma escultura, o artista o faz quando 
pretende fazer uma talha em pedra. Segundo ele, pensa o motivo, desenha e só depois começa 
a talhar. Essa imagem mental se projeta quando ele entra em contato com os diversos formatos 
das madeiras. Ainda segundo Queiroz (2009), Santos não pinta suas esculturas porque não se 
considera bom pintor, suas produções são em madeira crua e não aplica nem mesmo o verniz, 
no entanto, algumas produções dele já foram pintadas por outros artistas. 
Ramos (2013) classificou a produção de Santos em quatro grupos de obras, sendo estes: 
peças decorativas e móveis autorais, obras feitas a partir do formato original dos pedaços de 
madeira que representam esculturas figurativas, esculturas figurativas de arte sacra e, por fim, 
esculturas de figuras cotidianas. Sua produção se destaca pela execução primorosa e atenta aos 
preceitos desta arte sacra ou cotidiana. As esculturas de Santos são bastante realistas e 
proporcionais e tem acabamentos extremamente detalhistas, chegando a esculpir até mesmo os 
espinhos dos cactos e, para tal, constrói também ferramentas que possibilitem esse tipo de 
execução. 
Mesmo sendo possuidor de uma produção de excelente qualidade, o artista não obteve 
muito reconhecimento nacional e internacional. Ramos (2013) pontua que Santos permaneceu 
basicamente desconhecido pelo grande público e apenas alguns poucos colecionadores locais 
conheciam e admiravam seu trabalho. Nesse contexto, o artista não sobrevivia apenas das 
esculturas, mas também de trabalhos de restauro em madeira e construção de móveis. 
3.5 - Zé de China 
José Daniel Filho, cujo nome artístico é Zé de China, nasceu em 5 de maio de 1956, em 
uma fazenda da zona rural chamada São Bernardo, pertencente à região do Alto Oeste do Rio 
Grande do Norte. A localidade hoje é conhecida como o município de Major Sales, onde o 
artista reside desde que nasceu. José Daniel da Silva, pai de Zé de China, morreu quando o 
artista ainda tinha 5 anos de idade e era o principal responsável pelo sustento da família. Após 
sua morte, o irmão mais velho de Zé de China, Calisto Daniel da Silva, ficou responsável pelas 
despesas da casa e não demorou muito para que Zé de China abandonasse os estudos devido às 
circunstâncias. O artista, em entrevista realizada em 2012 ao projeto Vernáculo, expressou sua 
vontade de ter estudado mecânica, o que não foi possível, pois teve que desde cedo ajudar seu 
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irmão na oficina que antes pertencia ao pai. Conta que não foi ensinado por ninguém, aprendeu 
por “curiosidade e necessidade” a mexer nas ferramentas. 
Figura 13- Obra de Zé de China, título desconhecido. 
 
Fonte: Tribuna do norte, 2014. 
Casou-se em 1979 com Ana Gomes e teve 4 filhos. Com o passar do tempo foi 
aperfeiçoando seu aprendizado na oficina e passou a tirar seu sustento da profissão de funileiro 
e marceneiro. Criava objetos utilitários, mas também já começava a experimentar criando 
brinquedos articulados para seus filhos. Além disso, tirava da agricultura um complemento para 
o sustento de sua família. As criações utilitárias realizadas na oficina o aproximavam da arte, 
pois se apropriava de materiais reutilizáveis para criar ou ajustar objetos mecânicos 
(MONTEIRO, 2017). 
Assim continuou durante muitos anos, até que em meados dos anos 2000, quando 
conseguiu um local de trabalho próprio, pôde ampliar sua produção, passando a criar até mesmo 
seus próprios materiais de trabalho. A partir desse momento, Zé de China passou a dar espaço 
ao seu lado lúdico e criativo, o que fomentou sua criação artística (MONTEIRO, 2017). Nesse 
momento, começou a criar suas produções tridimensionais que se movimentam de acordo com 
o vento. 
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Figura 14- Obra de Zé de China, título desconhecido. 
 
Fonte: página do artista no Facebook. 
 Segundo Monteiro (2017), Zé de China inicialmente não acreditava em seu trabalho e, 
por isso, não exibia suas obras. Apesar disso, o fato de ser bastante conhecido em Major Sales 
e a ampliação do seu ambiente de trabalho fez com que as pessoas começassem a dar-se conta 
de suas produções. Assim, surgiram os primeiros compradores, os donos de propriedades da 
região. A autora cita ainda que em 2012 o acervo do artista contava com apenas 6 moinhos e 
Zé de China ainda era um artista anônimo fora de Major Sales. Ainda em 2012, o artista foi 
entrevistado pelo Projeto Vernáculo e em 2013 participou do III Salão Nordeste de Arte Popular 
Xico Santeiro, sua primeira exposição coletiva. A exposição ocorreu no Palácio Potengi em 
Natal-RN e Zé de China alcançou o prêmio de primeiro lugar na categoria de Objeto de Arte 
Popular. Em 2014, o artista realizou sua primeira exposição individual na Pinacoteca Potiguar, 
em Natal/RN, intitulada "Zé de China- Mestre da Arte Popular em Movimento", na qual 
apresentou 15 de seus moinhos coloridos com várias temáticas. Em 2017, o artista construiu 
dois moinhos com a temática do cangaço que foram encomendadas pela prefeitura de Mossoró 
para o II Salão Dorian Gray de Artes Visuais. 
 
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Figura 15- Obra de Zé de China, título desconhecido. 
 
Fonte: página do artista no facebook. 
Monteiro (2017) pontua que o reconhecimento artístico movimenta a vida social e 
artística de Zé de China e faz com que ele chegue a novos lugares com exposições, além de 
proporcionar que ele conheça novos artistas e outras pessoas. Entretanto, em termos de 
mudança de suas condições sociais, pouco se alterou. O artista tem como principal fonte de 
renda a sua aposentadoria como trabalhador rural e a venda de suas produções serve apenas 
como complemento na renda da família. Sobre isso, Monteiro (2017) cita que “Das exposições 
que participa, o principal ganho é o reconhecimento e a satisfação de mostrar o seu trabalho. 
Esse cenário é um pouco do reflexo do que acontece com a maior parte dos grupos e mestres 
populares.

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