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PARTE III Tópicos Especiais 15 Emergências Psiquiátricas A idéia do suicídio é um grande consolo; com ela muitos conseguem atravessar mais de uma noite ruim. Friedrich Nietzsche S ituações violentas ou perigosas são relativamente freqüentes em prontos-socorros, unidades psiquiátricas e até em alas médicas gerais, e são conside- radas emergências psiquiátricas. Exemplos disso incluem pacientes que estão agitados ou fora de controle; que são suicidas; ou que são ameaçadores, agressi- vos ou destrutivos. Neste capítulo, examinamos situações potencialmente peri- gosas que os clínicos devem estar preparados para avaliar e manejar, incluindo o paciente combativo ou violento e o paciente suicida. COMPORTAMENTO AGRESSIVO E VIOLENTO A violência é uma ocorrência bastante comum. As histórias nos noticiários sobre assassinatos ou assaltos irracionais, tiroteios partindo de carros em movimento e disputas domésticas documentam esses eventos diários. Os cidadãos estão ame- drontados pela possibilidade de se tornarem vítimas de um crime violento, mes- 396 Nancy C. Andreasen & Donald W. Black mo que os índices de criminalidade tenham caído de forma considerável na última década nos Estados Unidos. Com muita freqüência, a mídia tem exagerado a ligação entre violência e doença mental, contribuindo para o medo sentido pelo público e para o estigma experienciado pelos pacientes psiquiátricos. Embora a maioria das pessoas mentalmente doentes cumpra a lei e não seja violenta, pacientes com esquizofrenia, mania, transtornos cognitivos (p. ex., de- mência, delirium), intoxicação por droga ou álcool ou retardo mental têm maior probabilidade de se tornarem violentos do que os portadores de outros diagnós- ticos ou pessoas que não apresentam problemas mentais. Pesquisas mostraram de modo específico que pacientes psicóticos têm probabilidade maior do que os não-psicóticos de cometer atos violentos. Os psiquiatras e outros profissionais da saúde mental não têm mais habilidade do que os leigos para prever a violência a longo prazo. Mas esses profissionais em geral estão em uma posição de prever a violência em ambientes clínicos. Alguns elementos da situação clínica, incluindo o diagnóstico do paciente e o comportamento passa- do, podem indicar seu potencial para violência iminente, permitindo, assim, a reali- zação de intervenções apropriadas. A história de comportamento violento de um paciente talvez seja o melhor prognosticador do perigo futuro. A precisão das predi- ções melhora em populações com altos índices de base para violência, como pacien- tes perturbados em uma unidade psiquiátrica fechada. O caso a seguir é de um paciente agressivo, com demência, visto em nosso hospital: Donald, um homem de 71 anos com doença de Alzheimer em estado avançado, foi admitido para avaliação de comportamento violento e imprevisível. Sua espo- sa e sua família cuidaram dele em casa durante sete anos após o início da doença. À medida que a doença foi progredindo, Donald foi se tornando mais confuso e fazia com freqüência interpretações equivocadas dos estímulos externos. Por exem- plo, sua esposa tinha a voz grave, o que o levava às vezes a concluir que um homem estranho estava na casa. Isso era especialmente assustador para ele, levando-o a ameaçá-la com uma faca. Foi observado que Donald estava desorientado e confuso. Não sabia a data, o local ou a situação em que estava. Requeria muita assistência para arrumar-se e vestir-se. Às vezes, sem provocação aparente, batia nas enfermeiras ou fazia gestos ameaçadores, como golpes de caratê. Esse comportamento era ameaçador devido à sua imprevisibilidade. Foi-lhe dado um antipsicótico de alta potência (haloperidol, 2 mg/dia) para reduzir a paranóia e a agitação. Ele foi colocado em uma unidade domiciliar, familiarizada com o cuidado de pacientes com doença de Alzheimer. Introdução à psiquiatria 397 Etiologia e fisiopatologia Muitos fatores podem contribuir para o comportamento violento. Um dos mais comuns no ambiente clínico é o abuso de substância. O álcool está fortemente associado a violência devido a sua tendência a causar desinibição, reduzir a pronti- dão perceptual e cognitiva e a prejudicar o julgamento. Outras substâncias de abuso, incluindo anfetaminas, cocaína, alucinógenos, fenciclidina (PCP) e sedativos-hip- nóticos, também têm sido associadas a comportamento violento. É claro que grande parte da violência na sociedade está relacionada de maneira indireta ao abuso de álcool e de outras drogas, sobretudo por meio das atividades envolvidas na ob- tenção das drogas. Outros fatores também estão envolvidos na violência. Um dos mais fortes prognosticadores de violência no adulto é a agressão na infância. O abuso na infância também conduz a uma maior probabilidade de o adulto se tornar fisica- mente abusivo. A idade e o nível de maturidade estão associados a atos violentos em pessoas com transtornos da conduta ou da personalidade, como transtorno da personalidade anti-social; com o avanço da idade e mais maturidade, as pes- soas com esses transtornos têm menor probabilidade de “atuar”. Pessoas de baixo status socioeconômico têm maior probabilidade de ser perpetradores e vítimas de violência, talvez devido a alienação, discriminação, ruptura da família e sensa- ção geral de frustração experimentada pelo pobre. A presença de armas de fogo prontamente disponíveis em nossa sociedade tem contribuído para o nível geral de violência, porque elas podem transformar o que seria um assalto em um assas- sinato. De ponto de vista neurofisiológico, o comportamento agressivo tem sido associado a perturbação da função serotonérgica no sistema nervoso central. Os níveis baixos do ácido 5-hidroxiindoleacético (5-HIAA) do líquido cerebrospi- nal estão correlacionados com a violência impulsiva, um dos achados mais bem replicados na psiquiatria biológica. (O 5-HIAA é um metabólito da serotonina.) A violência é às vezes responsabilizada por convulsões parciais complexas, embo- ra sejam raros atos agressivos por parte de pacientes com epilepsia. Avaliando o risco de violência A avaliação do risco de comportamento violento envolve um exame das variá- veis clínicas pertinentes e requer uma história psiquiátrica completa e um exa- me cuidadoso do estado mental do paciente. Mesmo nas avaliações de rotina, deve-se perguntar aos pacientes: 398 Nancy C. Andreasen & Donald W. Black 1. Se já pensaram em ferir outra pessoa; 2. Se já feriram seriamente outra pessoa; e 3. Qual a coisa mais violenta que já fizeram. Alguns pesquisadores têm usado um modelo de “previsão do tempo”, porque a avaliação do risco de violência, como a previsão do tempo, se torna progressivamente menos precisa a longo prazo (i.e., após 24 a 48 horas). A avaliação do risco, assim como as previsões do tempo, deve ser atualizada com freqüência. As variáveis clínicas associadas a violência estão apresenta- das na Tabela 15.1. Deve ser feito um diagnóstico diferencial cuidadoso, usando a história, o exame do estado mental e, em alguns casos, achados laboratoriais, porque as intervenções são em geral baseadas no diagnóstico. Um paciente esquizofrênico violento vai precisar de tratamento com medicamento antipsicótico. Um pa- ciente maníaco violento provavelmente vai requerer combinação de um estabi- lizador do humor e de um antipsicótico. Quando o clínico estiver entrevistando um paciente violento ou ameaça- dor, deve permanecer calmo e falar de maneira suave. Os comentários ou as perguntas não devem parecer julgadores, como “Você parece perturbado; talvez possa me dizer por que está se sentindo assim”. O entrevistador deve sempre ter uma rota de fuga fácil no caso de o paciente se tornar agressivo e deve evitar dominá-lo. Se possível, tanto o paciente quanto o clínico devem estar sentados, permitindo-se uma distância pessoal entre os dois. Deve ser evitado o contato direto do olhar, e o entrevistador deve tentar transmitir uma sensação de empatia e preocupação. Os familiares, os amigos, a polícia e outras pessoas quetenham informações pertinentes sobre o paciente de- vem ser entrevistados. TABELA 15.1 Variáveis clínicas associadas a violência História de atos violentos Incapacidade de controlar a raiva História de comportamento impulsivo (p. ex., inquietação) Ideação paranóide ou psicose clara Falta de insight em pacientes psicóticos Alucinações de comando em pacientes psicóticos O desejo declarado de ferir ou matar outra pessoa Presença de um transtorno da personalidade “acting-out” (p. ex., transtorno da personalidade anti-social ou borderline) Presença de demência, delirium ou intoxicação por álcool ou droga Introdução à psiquiatria 399 Manejo do paciente violento No hospital ou no ambiente clínico, o paciente violento constitui uma emergência. Para garantir a segurança dele e dos demais, é importante que a equipe seja em número suficiente e bem treinadas em técnicas de isolamento e contenção. Lembre- se de que o isolamento ou a contenção são considerados medidas de segurança de emergência para evitar danos ao paciente e a outros e jamais devem ser usadas para punição ou como uma conveniência para a equipe. Uma vez tomada a decisão de conter ou isolar o paciente, um membro da equipe, apoiado por pelo menos outros quatro, deve abordá-lo depois de retirar os demais pacientes da área. Deve-se dizer ao paciente que ele está sendo isolado ou contido devido ao seu comportamento descontrolado e deve ser solicitado que caminhe calmamente até a área de isolamento. Se ele não cooperar, os mem- bros da equipe devem segurar seus braços e suas pernas, conforme um plano combinado anteriormente. Nesse ponto, devem ser aplicadas as contenções; se o paciente for levado à sala de isolamento, os membros da equipe devem pegar suas pernas e seus braços contornando-os na altura do cotovelo, com apoio do antebraço. Estando isolado, o paciente deve ser submetido a uma busca completa. Cintos, grampos ou outros itens potencialmente perigosos devem ser removidos, e ele deve ser vestido com uma camisola do hospital. Se for necessário medicamento tranqüili- zante, este pode ser injetado ou administrado por via oral, se o paciente for coopera- tivo. Com pacientes agitados, a melhor estratégia é combinar um antipsicótico de alta potência com um benzodiazepínico (p. ex., haloperidol, 2 a 5 mg; lorazepam, 1 a 2 mg). A dose dos dois agentes deve ser repetida a cada 30 minutos até que o paciente tenha se acalmado. A observação individual direta pela equipe de enferma- gem é em geral obrigatória para pacientes isolados ou contidos. Embora as regras difiram de hospital para hospital, o clínico precisa docu- mentar com cuidado as razões do isolamento ou da contenção (p. ex., ferir-se ou ferir os outros, gestos ameaçadores), a condição do paciente, quaisquer investi- gações laboratoriais em andamento (p. ex., análises de substâncias na urina), o medicamento que está sendo administrado, o tipo de contenção a ser usado e os critérios para a interrupção das contenções. SUICÍDIO E COMPORTAMENTO SUICIDA O suicídio é a oitava causa mais freqüente de morte de adultos e a segunda principal causa de morte de pessoas entre 15 e 24 anos de idade. Nos Esta- 400 Nancy C. Andreasen & Donald W. Black dos Unidos, ocorrem aproximadamente 30.000 suicídios por ano – cerca de um a cada 18 minutos. Um suicídio afeta não apenas os amigos e os familia- res, mas também o médico da vítima, porque a maior parte das pessoas que comete suicídio comunica suas intenções suicidas aos médicos e vão vê-los antes de morrer. Por isso, os clínicos devem estar familiarizados com essa situação e preparados para educar os pacientes e seus familiares sobre o risco de suicídio, avaliar esse risco e intervir, quando for o caso, para evitar que aconteça. Pontos-chave a serem lembrados sobre pacientes violentos 1. Prever o comportamento violento é difícil, mesmo na melhor das circunstâncias, mas este está com freqüência associado a: • Intoxicação por álcool ou por outra droga. • Transtornos cognitivos, como doença de Alzheimer ou delirium. • Transtornos da personalidade (p. ex., transtorno da personalidade anti-social, da personalidade borderline) ou uma psicose. 2. O paciente deve ser abordado de maneira suave e cuidadosa. • O clínico não deve parecer ameaçador ou provocativo. • Deve usar uma voz suave, parecer passivo e manter uma distância interpes- soal. • Deve estar pronto para uma fuga rápida: nunca deixe o paciente ficar entre você e a porta. 3. O clínico deve perguntar ao paciente o que está errado ou por que ele está zangado. • A maioria dos pacientes está disposta a revelar seus sentimentos. 4. Os pacientes psiquiátricos violentos precisam estar no hospital, onde sua segurança e a segurança dos demais pode ser assegurada. 5. As ordens para precauções com relação à violência e as ordens para isolamento ou contenção, quando aplicáveis, devem ser dadas por escrito. • Deve ser monitorado o risco de violência e a presença de comportamentos agres- sivos. • O clínico deve documentar cuidadosamente a avaliação e o plano. 6. A condição subjacente deve ser tratada com energia. 7. No caso dos pacientes ambulatoriais, o risco de comportamentos violentos deve ser monitorado em cada contato; o paciente (ou a família) deve retirar todas as armas de fogo da casa. • Os membros da família devem ser instruídos a entrar em contato com a polícia local se ocorrer violência. Epidemiologia Quase 1% da população em geral dos Estados Unidos comete suicídio, um índice de quase 12,5 suicídios para cada 100.000 pessoas. Os índices de suicídio Introdução à psiquiatria 401 são específicos para idade, gênero e raça; os índices para os homens aumentam de modo consistente com a idade e atingem seu pico após os 75 anos; para as mulheres são curvilineares e atingem seu pico no fim da faixa dos 40 e início dos 50 anos. O número de homens que tiram suas vidas é o triplo do número de mulheres que o fazem, e os brancos têm uma probabilidade maior de se matar do que os negros. Uma tendência alarmante tem sido o aumento no índice de suicídio entre homens e mulheres jovens, possivelmente como resultado dos índices crescentes de abuso de drogas ou, talvez, do efeito de coorte, que é dis- cutido mais adiante neste capítulo. Cerca de dois terços das pessoas que cometem suicídio são homens; a maio- ria tende a ter mais de 45 anos, ser branco e separado, viúvo ou divorciado. O diagnóstico psiquiátrico varia de acordo com a idade. Aqueles que cometem suicídio com menos de 30 anos apresentam mais probabilidade de ter transtor- nos de abuso de substância ou transtorno da personalidade anti-social; aqueles que cometem suicídio com mais de 30 anos tendem a apresentar transtornos do humor. Os índices de suicídio diferem também por região geográfica. Nos Estados Unidos, os índices são mais altos no Oeste e mais baixos nos estados do Meio- Atlântico*. Na Europa, os índices são mais elevados nos países do ex-bloco oriental e na Escandinávia; por exemplo, na Hungria, o índice gira em torno de 40 suicídios por 100.000 pessoas. Os índices são baixos nos países do Mediter- râneo, em particular naqueles com grandes populações católicas ou muçulma- nas. Por razões religiosas, católicos e muçulmanos têm probabilidade menor que os protestantes de cometer suicídio. Os índices de suicídio tendem a atingir um pico no final da primavera e têm um pico secundário menor no outono. Os suicídios tendem a ser uniforme- mente distribuídos durante a semana, ao contrário dos homicídios, que têm um pico na noite de sexta-feira ou no início da manhã de sábado. Os índices são afetados por condições econômicas e foram muito altos durante a Grande De- pressão da década de 1930; costumam ser baixos durante os períodos de guerra. Algumas ocupações são associadas a um alto índice de suicídio. Profissionais liberais, em especial médicos, têm alto risco; em contraste com as estatísticas de suicídio em geral, as médicas têm risco de suicídio mais elevado do que os mé- dicos. As pessoas casadas têm probabilidade menor decometer suicídio do que as solteiras, viúvas ou divorciadas. Não está claro se a classe social afeta os índi- * N. de T. Região dos Estados Unidos que abrange os estados de Nova York, Nova Jersey e Pensilvânia. 402 Nancy C. Andreasen & Donald W. Black ces de suicídio, mas alguns estudos sugerem que são tão altos nas classes sociais mais elevadas quanto nas classes mais baixas. Etiologia e fisiopatologia Pesquisas têm mostrado que mais de 90% das pessoas que cometem suicídio tinham uma doença psiquiátrica importante e que metade estava clinicamente deprimida na ocasião do ato. Quase um terço dos suicídios ocorre em pessoas com alcoolismo crônico; esquizofrenia, transtornos de ansiedade e outros trans- tornos psiquiátricos são menos comuns entre aqueles que cometem suicídio. Um estudo encontrou abuso de drogas em 45% e alcoolismo em 54% dos sui- cidas. Esses achados podem refletir o problema crescente do abuso de drogas e álcool nos Estados Unidos. O risco de suicídio é muito mais elevado entre pacientes psiquiátricos do que na população em geral. Pesquisas mostram que alguns transtornos psi- quiátricos estão associados a altos índices de suicídio; por exemplo, 10 a 15% das pessoas hospitalizadas com transtornos do humor, 10% dos porta- dores de esquizofrenia e 2 a 4% dos pacientes com alcoolismo crônico co- meterão suicídio. Portanto, embora doenças psiquiátricas e/ou médicas em geral sejam necessárias para a ocorrência de suicídio, sua presença não é uma explicação suficiente, pois a maioria das pessoas mentalmente doentes não se mata. Cerca de 5% das pessoas que cometem suicídio têm doenças físicas gra- ves na ocasião do suicídio. Os índices de suicídio são elevados em pessoas que têm lesões cerebrais traumáticas, epilepsia, esclerose múltipla, doença de Huntington, doença de Parkinson, câncer e AIDS. Esse índice em pa- cientes com AIDS nos Estados Unidos é quase sete vezes maior do que na população em geral. Um pequeno número das pessoas que cometem suicídio parece não ter evidência de doença mental ou física. Muitos propuseram que esses suicí- dios são racionais – ou seja, com base em uma avaliação lógica da necessida- de de morrer. Um exemplo é um viúvo idoso com câncer terminal que não está clinicamente deprimido, mas não tem esperança no futuro e deseja pôr fim à sua dor física. Muitos desses suicídios que parecem racionais podem ser irracionais, mas apenas não havia informações disponíveis para confir- mar a presença de uma doença mental porque a pessoa que morreu era so- cialmente isolada e não havia informantes disponíveis para serem entrevis- tados. Introdução à psiquiatria 403 O suicídio percorre as famílias. O exame de grandes famílias, como as da Velha Ordem Amish da Pensilvânia, mostrou que o suicídio tende a concentrar-se em determinadas linhagens – linhagens estas que estão também repletas de trans- tornos do humor. Estudos de gêmeos têm registrado uma concordância maior para o suicídio entre gêmeos idênticos do que entre os não-idênticos, sugerindo que ele pode ser tanto genético quanto familiar. Um grande estudo de adoção encontrou prevalência mais elevada de suicídio entre parentes biológicos de pro- bandos que se mataram do que entre os parentes de probandos-controle, o que proporciona evidência adicional de uma contribuição da hereditariedade para o suicídio. Em um nível fisiológico, assim como a violência impulsiva, o suicídio tem sido associado a baixos níveis de 5-ácido hidroxiindoleacético (5-HIAA) do líquido cerebrospinal (LCS), e a diminuição dos níveis de ligação da imipramina foi encontrada em amostras post-mortem de tecido do córtex frontal. (A ligação da imipramina tende a exibir uma alta correlação com os níveis de serotonina plasmática.) Estudos de acompanhamento têm mostra- do que muitos indivíduos que cometeram suicídio exibiram resultados anor- mais nos testes de supressão de dexametasona, sugerindo a presença de hi- peratividade do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal. Também foi desco- berto que pessoas que cometeram suicídio tinham níveis elevados de meta- bólitos urinários do cortisol e glândulas adrenais aumentadas. Todas essas medidas são anormais na depressão grave; portanto, podem indicar depres- são em vez de risco de suicídio. Métodos de suicídio Armas de fogo são o método mais comum utilizado para cometer suicídio nos Estados Unidos, talvez por serem fáceis de adquirir e imediatamente letais. As armas de fogo são seguidas em freqüência por envenenamento (i. e., overdose de droga), enforcamento, corte dos punhos, salto de lugares al- tos e outros métodos. Os homens têm uma probabilidade maior do que as mulheres de usar métodos violentos, como armas de fogo ou enforcamento, uma tendência que pode explicar por que eles têm mais sucesso na prática do suicídio. As mulheres tendem a usar meios menos violentos, como o envenenamento por overdose, mas estão começando a escolher métodos mais letais, uma tendência que pode acabar levando a índices de suicídio mais elevados. 404 Nancy C. Andreasen & Donald W. Black Achados clínicos O suicídio é um ato de desespero. Indivíduos suicidas com freqüência comunicam sua angústia a outras pessoas, e quase dois terços comunicam a terceiros suas inten- ções suicidas. Sua comunicação pode ser absolutamente direta, a ponto de relatarem seu plano e a data em que pretendem colocá-lo em prática. Outras comunicações são menos óbvias; por exemplo, o paciente pode dizer a seus parentes: “Vocês não vão ter de me suportar muito tempo mais!”. O suicídio pode ocorrer durante todas as fases de um episódio depressivo. Em geral se acredita que o risco de suicídio é mais elevado durante a fase de recuperação, quando o paciente já readquiriu energia suficiente para cometê-lo. Visto que os ímpetos suicidas aumentam e diminuem no decorrer de um episó- dio depressivo, o clínico não deve se iludir com uma falsa sensação de segurança baseada na fase da doença de um paciente. Suicidas tendem a ser socialmente isolados. Quase 30% deles têm história de tentativas de suicídio, e cerca de 1 em 6 deixa um bilhete de suicídio. Os clínicos devem ficar alertas para comportamentos que sugiram intenção suicida: preparar um testamento, desfazer-se de seus pertences ou comprar um túmulo. Um dos cor- relatos mais fortes do comportamento suicida é a desesperança, um achado indepen- dente do diagnóstico psiquiátrico. Quase 40% dos suicidas têm nível significativo de álcool no sangue no mo- mento da morte, sugerindo que o álcool pode tê-los desinibido e encorajado a realizar o ato. Quase 90% dos suicidas alcoolistas têm álcool no sangue no mo- mento da morte. Os pacientes permanecem em alto risco de suicídio após a alta hospitalar. Embora os indivíduos deprimidos possam parecer bem melhor por ocasião da alta, pouco tempo depois pode ocorrer recaída. Em um acompanhamen- to de pacientes deprimidos unipolares e bipolares, quase 42% dos 36 suicí- dios ocorreram antes de seis meses da alta hospitalar, 58% antes de um ano e 70% antes de dois anos. Portanto, aqueles que recebem alta precisam ser acompanhados de perto. Eventos que parecem desencadear o suicídio diferem dependendo da faixa etária e do grupo diagnóstico. Os eventos desencadeantes em adolescentes ou adultos jovens freqüentemente incluem problemas acadêmicos ou relacionamen- tos problemáticos com os pais. Em pessoas mais velhas, o evento pode ser pro- blemas financeiros ou de saúde. Mais de 50% dos alcoolistas que cometem sui- cídio tinham história de perda de relacionamento (em geral de um relaciona- mento íntimo) no período de um ano antes do suicídio. Esse não é o caso entre pessoas com transtorno depressivo maior. Introdução à psiquiatria 405 Suicídio em jovens Os índices de suicídio têm aumentado tanto em homens quanto em mulhe- res entre os 15 e os 24 anos de idade. Na verdade, os estudos têm mostrado que coortes mais jovens (i. e., grupos de pessoas na população com caracte- rísticas similares, como nascer na mesma década) têm índices de suicídio mais elevadosdo que coortes mais velhas. A razão pela qual os índices estão aumentando nas faixas etárias mais jovens é um mistério, mas outros dados parecem mostrar que a prevalência de depressão também está aumentando em cada coorte sucessiva. O abuso de drogas tornou-se um problema sério para a sociedade, em especial para pessoas jovens, e pode estar contribuindo para os índices mais elevados de suicídio. Os adolescentes são mais propensos do que os adultos a sofrer os efeitos da pressão dos pares, e isso pode estar refletido nos suicídios em grupo. Tem sido sugerido que as aparições de suicídios na mídia, como aquelas apresen- tadas em filmes ou documentários, são seguidas de um aumento tanto no índice de tentativas de suicídio quanto no de suicídios, freqüentemente pelo método descrito. Pessoas que tentam suicídio versus pessoas que cometem suicídio Tentativas de suicídio são atos intencionais de auto-ofensa que não resultam em morte. São de 5 a 20 vezes mais freqüentes do que os suicídios – talvez porque a maioria das tentativas de suicídio não é relatada e muitas pessoas que o tentam não buscam cuidado médico. Embora pessoas que cometem suicídio em geral tenham um diagnóstico de depressão maior ou alcoolismo, aquelas que o ten- tam têm uma menor probabilidade de apresentar esses transtornos e com fre- qüência têm outras condições, incluindo transtorno de somatização e transtor- no da personalidade anti-social. Estima-se que mais de 40% das pessoas que tentam suicídio tenham um transtorno da personalidade. Pessoas que cometem suicídio planejam cuidadosamente seu ato, usam meios eficazes (p. ex., armas de fogo, enforcamento) e o realizam na privacidade ou tomam providências para evitar serem descobertas. Falam sério quanto a pôr fim às suas vidas. Em contraste, aqueles que tentam suicídio, que têm uma probabilidade três vezes maior de serem mulheres e em geral com menos de 35 anos, agem de maneira impulsiva, tomam providências para serem resgatadas e usam meios ineficazes, como overdoses de droga. Estes correm o risco de tentati- 406 Nancy C. Andreasen & Donald W. Black vas futuras, e a cada ano após a tentativa, cerca de 1 a 2% daqueles que tentaram vão completar o ato – um total de cerca de 10%. As diferenças entre aqueles que tentam suicídio e os que o completam são apresentadas na Tabela 15.2. TABELA 15.2 Diferenças entre aqueles que cometem suicídio e aqueles que o tentam Pessoas que Pessoas que Variável cometem suicídio tentam o suicídio Gênero Masculino Feminino Idade Mais velhos Mais jovens Diagnóstico Depressão, alcoolismo, Depressão, alcoolismo, esquizofrenia transtorno da personalidade Planejamento Cuidadoso Impulsivo Letalidade Alta (p. ex., armas de fogo) Baixa (p. ex., envenenamento) Disponibilidade de ajuda Baixa Alta Avaliando o paciente suicida A avaliação do risco de suicídio envolve obter uma história psiquiátrica meticulosa e o exame do estado mental, assim como um entendimento dos fatores de risco co- muns. O clínico deve estar alerta à possibilidade de suicídio em qualquer paciente psiquiátrico, especialmente um indivíduo que está deprimido ou tem um afeto de- primido. Nesses pacientes, a avaliação vai se concentrar nos sinais vegetativos e nos sintomas cognitivos de depressão, desejos de morte, ideação e planos suicidas. Os fatores de risco comuns associados a suicídio são apresentados na Tabela 15.3. Pacientes suicidas em geral estão dispostos a discutir seus pensamentos com um médico, se solicitados, mas pesquisas mostram que apenas um entre seis clínicos pergunta a seus pacientes sobre suicídio. Um mito comum é que per- guntar sobre suicídio vai suscitar idéias que ainda não tinham surgido. Mas como pensamentos suicidas são comuns na depressão, a maior parte dos pacien- tes deprimidos já terá tido tais pensamentos. Os pacientes com freqüência têm medo e até se sentem culpados por ter pensamentos suicidas. Dar ao paciente uma oportunidade de discuti-los pode, por si só, proporcionar alívio. Perguntas específicas que devem ser feitas incluem as seguintes: • Você tem pensado que a vida não vale a pena? • Você tem pensado sobre ferir-se? • Você tem pensado sobre tirar sua vida? • Já desenvolveu algum plano para cometer suicídio? Se já, qual é o seu plano? Introdução à psiquiatria 407 O médico também deve avaliar a história de comportamento suicida do paciente fazendo-lhe as seguintes perguntas: • Você já pensou em se matar? • Já tentou suicídio? Se já, poderia falar sobre essa tentativa? O médico deve abordar o tópico do suicídio de uma maneira cautelosa e delicada, após ter estabelecido um rapport com o paciente. Como os pensa- mentos suicidas podem flutuar, os médicos devem reavaliar o risco de suicí- dio a cada contato com o paciente. Os indivíduos que desenvolveram planos bem delineados e têm os meios para realizá-los requerem proteção, em geral em um hospital, em uma unidade psiquiátrica fechada. Quando o paciente suicida recusa a admissão, pode ser necessário obter uma ordem judicial solicitando hospitalização. Pacientes suicidas podem suplicar ao médico, à família ou aos amigos para ficar fora do hospital, mas os membros da família e os amigos não estão nem preparados nem instruídos o suficiente para lidar com uma pessoa suicida. A hospitalização é a melhor maneira de um médico garantir a segurança do paciente. Manejo do paciente suicida No hospital, a equipe de enfermagem vai tirar do paciente objetos pontiagudos, cintos e outros itens potencialmente letais. Os pacientes com risco de fuga são observados de maneira cuidadosa. O médico deve documentar os sinais e sinto- TABELA 15.3 Variáveis clínicas associadas ao suicídio Ser um paciente psiquiátrico Ser homem, embora a distinção de gênero seja menos importante entre os pacientes psiquiátricos do que na população em geral Idade: o risco aumenta quando os homens envelhecem, mas nas mulheres atinge seu pico na meia-idade Ser divorciado, viúvo ou solteiro Raça: os brancos tem um risco mais elevado do que os não-brancos Diagnóstico: depressão, alcoolismo, esquizofrenia História de tentativas de suicídio Expressão de pensamentos suicidas ou o desenvolvimento de planos para suicídio Perda interpessoal recente (especialmente entre pacientes alcoolistas) Sentimentos de desesperança e de baixa auto-estima Momento: no início do período de alta após a internação Adolescentes: história de abuso de drogas e problemas de comportamento 408 Nancy C. Andreasen & Donald W. Black mas de depressão do paciente, junto com a avaliação do risco de suicídio e as medidas de proteção tomadas. Pontos-chave a serem lembrados sobre pacientes suicidas 1. Deve-se sempre perguntar a pacientes deprimidos sobre pensamentos e planos sui- cidas. O clínico não vai incutir idéias que não estavam ali pelo simples fato de per- guntar. • A possibilidade de suicídio deve ser reavaliada e documentada em toda visita a pacientes deprimidos. 2. Alguns pacientes suicidas devem ser hospitalizados, mesmo contra a sua vontade. Os pacientes sem planos suicidas, se tiverem famílias suportivas que possam moni- torá-los, provavelmente podem ser tratados em casa. 3. No hospital, as “precauções contra suicídio” devem ser escritas nas prescrições dos médicos; se necessário, deve ser prescrita uma proteção individualizada. • Os sinais e sintomas devem ser documentados de maneira cuidadosa. 4. A possibilidade de suicídio deve ser monitorada com freqüência no atendimento am- bulatorial, e devem ser prescritos antidepressivos com um alto índice terapêutico, como um dos ISRSs (p. ex., fluoxetina, sertralina, citalopram), bupropiona, mirtazapi- na, duloxetina ou venlafaxina. • A família deve ser alertada para retirar de casa todas as armas de fogo. 5. Mesmo que os fatores de risco sejam conhecidos, não é possível prever quem come- terá suicídio. • Deve-se usar um bom julgamento clínico, proporcionar um acompanhamento de perto e prescrever tratamentos eficazes. Uma vez que a segurança do paciente tenha sido garantida, pode-se iniciar o tratamentoda doença de base, que vai depender do diagnóstico. Medicamentos antidepressivos ou eletroconvulsoterapia (ECT) podem ser necessários para o tratamento da depressão; estabilizadores do humor e antipsicóticos são adições apropriadas ao tratamento de transtorno bipolar e depressão psicótica, respecti- vamente. Os medicamentos antipsicóticos são úteis no paciente esquizofrênico suicida. A ECT costuma ser recomendada de forma específica para o tratamento da depressão no paciente suicida porque ela tende a ter um início de ação mais rápido do que o medicamento antidepressivo. Quando o paciente recebe tratamento ambulatorial, é obrigatório um acom- panhamento de perto. Este deve incluir freqüentes visitas ao médico (ou conta- tos telefônicos com ele) para avaliação do humor e do risco de suicídio e para apoio psicoterapêutico. O médico deve considerar prescrever antidepressivos com um índice terapêutico alto que sejam improváveis de ser fatais em caso de overdose (p. ex., bupropiona, venlafaxina, mirtazapina, duloxetina ou um dos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs). Os membros da famí- Introdução à psiquiatria 409 lia podem ajudar a monitorar o uso de medicamentos do paciente. Eles também devem ser instruídos a retirar de casa todas as armas de fogo. QUESTÕES DE AUTO-AVALIAÇÃO 1. Quais são os fatores de risco para o comportamento violento? Qual é a fisio- patologia subjacente a esse comportamento? 2. Como o paciente violento ou potencialmente violento é avaliado e manejado? 3. Quais são as indicações para isolamento e contenção? Como são implemen- tadas as prescrições de isolamento e contenção? 4. Por que o suicídio é um problema de saúde importante? 5. O que é uma ajuda mnemônica útil para os fatores de risco comuns para o suicídio? 6. Como os suicídios reais diferem das tentativas de suicídio? 7. O que é um suicídio racional? 8. Há fatores de risco diferentes para suicídio entre jovens? 9. Como o paciente suicida deve ser tratado no hospital? E em um atendimen- to ambulatorial? PARTE III - Tópicos Especiais 15 Emergências Psiquiátricas
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