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Geovana Sanches, TXXIV SANGRAMENTO UTERINO DE CAUSA ORGÂNICA INTRODUÇÃO Os sangramentos que se exteriorizam através da vagina podem ter origem tanto uterina, quanto vaginal. Quando proveniente do útero, denominamos sangramento uterino. Sempre que uma paciente chega ao pronto atendimento com sangramento e relata atraso menstrual, a primeira hipótese diagnóstica será a gravidez. Assim, devem ser excluídas as causas obstétricas, tais como abortamento, doença trofoblástica gestacional e gravidez ectópica. Caso a gravidez não seja constatada, consideram-se a idade da paciente e demais fatores de risco para hipótese de outras causas de sangramento uterino anormal. As principais causas ginecológicas são os miomas (causa mais comum), pólipos (segunda causa mais comum), adenomiose, hiperplasia endometrial (alteração pré-maligna), doença inflamatória pélvica (DIPA), tumores ovarianos produtores de hormônios, neoplasias uterinas e lesões do colo de útero. Quando a causa é orgânica, o sangramento tende a ser crônico, facilitando a identificação da etiologia. Classificação Doenças do miométrio Doenças do endométrio Ø Miomas uterinos (tumor das fibras musculares lisas) Ø Adenomiose (invasão do miométrio pelo endométrio) Ø Pólipos uterinos Ø Hiperplasia endometrial Ø Carcinoma de endométrio As causas miometriais e os pólipos uterinos, em geral, são mais comuns em pacientes mais jovens. Já a hiperplasia endometrial e o carcinoma de endométrio acometem mulheres mais velhas. MIOMAS UTERINOS (LEIOMIOMA) Os miomas uterinos são tumores benignos das fibras musculares lisas em meio a quantidade variável de tecido conjunto. A incidência varia de 5 a 80% de acordo com o método diagnosticado utilizado, com maior acometimento de mulheres com mais de 35 anos devido ao seu crescimento indolente. Etiologia e patogênese Não se sabe ao certo qual a patogênese do mioma, mas acredita-se que ele surja através da interação de fatores genéticos, hormonais e de crescimento. Até 40% dos miomas apresentam anomalias cromossômicas detectáveis, tais como translocações, deleções e trissomias. Todavia, cada tumor apresenta mutações diferentes, inclusive os pertencentes a uma mesma mulher – origem monoclonal. Quanto aos fatores hormonais, as evidências sugerem que estrogênios e progesterona (endógenos ou exógenos) promovem o seu desenvolvimento. Isso pois, as células do mioma apresentam muitos receptores para esses hormônios, mas não se sabe ao certo o motivo dessa expressão. Os fatores de crescimento, por sua vez, são produzidos pelas células musculares lisas e fibroblastos, promovendo o crescimento dos miomas. Histopatologia A estrutura microscópica do mioma demonstra tecido fibroso e margem bem circunscrita, arranjada em feixes nítidos que crescem em várias direções e se intercruzam. A boa delimitação do tumor, apesar da ausência de capsula, a não invasão de tecidos adjacentes e a ausência de necrose e atipias sugerem sua benignidade. Fatores de risco • Idade: maior incidência entre 30 e 50 anos o O aparecimento do tumor é mais comum no menacme devido a Geovana Sanches, TXXIV maior produção hormonal. Além disso, os casos se concentram em mulheres acima de 35 anos pela exposição aos mesmos ao longo da vida. • Anticoncepcional hormonal • História familiar (1º grau) • Raça negra: mulheres negras possuem 9x mais chances de desenvolver miomas do que as demais • Obesidade: condição em que há aumento da produção de estrógenos devido ao excesso de aromatase nos adipócitos • Hipertensão arterial • Dieta (carne vermelha, álcool, cafeína) • Nuliparidade/paridade o A nuliparidade provavelmente está mais relacionada a dificuldade de engravidar do que como um fator de risco em si, porém é uma condição epidemiologicamente constatada. Quadro clínico O principal sintoma do mioma é o sangramento vaginal cíclico, ou seja, aumento do fluxo menstrual, normalmente acompanhado de dismenorreia (dor durante a menstruação) – a dismenorreia está relacionada a contração uterina de maneira irregular e mais vigorosa; é como se o útero não reconhecesse o mioma e tentasse o expulsar através das contrações. Além disso, com o crescimento do mioma, podemos identificar um tumor pélvico de consistência firme ao exame físico. Dependendo do local em que esse crescimento ocorre, pode haver comprimento de outras estruturas, com sintomas progressivos, tais como: • polaciúria (devido a compressão da bexiga) • oligúria ou bexigoma (devido a compressão da base da bexiga) • hidronefrose (devido a compressão dos rins e ureteres), • infertilidade (por oclusão das tubas uterinas) • constipação e dor à evacuação (devido a compressão do reto). O mioma pode, ainda, prejudicar a superfície endometrial e dificultar a nidação ou a formação placentária, levando a infertilidade ou ao abortamento. Classificação Os miomas são classificados de acordo com o local em que se desenvolvem. Eles podem ser corporais (no corpo do útero) ou cervicais (no colo do útero), sendo que os corporais recebem subclassificações. A depender do crescimento do mioma, alguns deles atingem mais do que um local, juntando-se assim as classificações. • Corporais o Intramural: localizam-se no interior da parede uterina, ou seja, dentro da camada miometrial. o Submucoso: projetam-se para o interior da cavidade uterina; eles crescem e empurram a cavidade endometrial. o Subseroso: projetam-se para a cavidade abdominal logo abaixo da serosa uterina. Eles podem ser sésseis ou pediculados. • Cervicais O sangramento exacerbado se relaciona com o aumento da superfície endometrial resultante do crescimento do tumor. Por isso, os miomas intramurais, seguidos pelos submucosos, são os que mais causam sangramento (pois alongam a superfície endometrial). Por outro lado, os subserosos são os que menos geram sangramento, tendo em vista que dificilmente crescem a ponte de alterar o endométrio. Outro ponto importante é que o tumor é pobre em vasos, sendo a vascularização externa (os vasos margeiam o tumor). Diagnóstico A partir da anamnese e exame físico com suspeita de mioma uterino, a confirmação será feita a partir de um exame de imagem, sendo a ultrassonografia (transvaginal ou pélvica) o método mais utilizado. Geovana Sanches, TXXIV A ressonância nuclear magnética é útil para tumores muito grandes ou se houver necessidade de cirurgia, pois permite melhor avaliação das estruturas adjacentes. Trata-se de um exame feito em situações mais específicas, não sendo utilizado apenas para firmar o diagnóstico. Por último, temos a histeroscopia que consiste na inserção do histeroscópio através do canal vaginal e do orifício cervical para visualizar o útero. Ao exame, verifica-se o mioma como uma estrutura mais esbranquiçada, tendo em vista a pobre vascularização. Tratamento O tratamento do mioma está indicado quando ele gera importunos na vida da paciente. Aquelas que apresentam sangramento muito aumentado e consequente anemia, são candidatas a ressecção cirúrgica. Faz-se miomectomia nos casos em que a paciente ainda pretende engravidar, ou histerectomia para aquelas com mais de 40 anos ou com prole constituída. Se o mioma for submucoso, a remoção pode ser realizada por histeroscopia. Se for intramural ou subseroso, indica-se laparoscopia ou laparotomia. Quando o mioma é muito grande e a paciente deseja ter filhos, é possível realizar um tratamento medicamentoso antes da cirurgia, a fim de possibilitar uma miomectomia. Para tal, utilizam-se análogos do GnRh por 3 meses, os quais bloqueiam os receptores hipofisários, impedindo a ação desse hormônio. Com isso, a paciente deixa de produzir FSH e LH e, consequentemente, os hormônios ovarianos, resultando em uma diminuição do tumor. Outra alternativa pararedução do tamanho é a embolização das artérias uterinas, procedimento no qual elas são obstruídas por um cirurgião vascular, diminuindo o fluxo sanguíneo para o tumor – regressão por hipóxia. O tratamento medicamentoso é realizado para o controle de sintomas ou nos casos de contraindicação cirúrgica. Podem ser utilizados anti-inflamatórios não hormonais para amenizar as dores; além de contraceptivos hormonais de progesterona ou DIU hormonal (Mirena® ou Kyleena®), os quais atrofiam o endométrio. ADENOMIOSE A adenomiose consiste na invasão do miométrio pelo endométrio. Há prevalência de até 80% em pacientes com úteros histerectomizados. Etiologia As principais causas são as traumáticas ou iatrogênicas e a metaplásica. As causas traumáticas (ou iatrogênicas) relacionam-se com a rotura da zona juncional, Geovana Sanches, TXXIV permitindo que o endométrio penetre e se prolifere no miométrio. Ocorre em condições como cirurgia, manipulação, curetagem ou remoção de mioma. As causas metaplásicas consistem nas situações em que fibras musculares se transformam em células endometriais, o que pode ocorrer por algum tipo de disfunção na membrana basal que separa o endométrio do miométrio (as células basais são células tronco que participam do processo de renovação celular da mucosa uterina). Para pacientes nuligestas, há a teoria dos resquícios dos ductos de Muller. Quadro clínico O quadro clínico da adenomiose não apresenta sintomas patognomônicos, sendo o aumento do fluxo menstrual o principal entre eles. No caso de adenomiose, o sangramento exacerbado é ocasionado pelo aumento na quantidade de endométrio descamando. Além disso, também há contrações irregulares e dolorosas, em geral mais intensas do que no mioma. Essa desregulação na contração dificulta a oclusão dos vasos abertos, o que auxilia para o aumento do fluxo menstrual. Diagnóstico A partir da suspeita clínica, um dos exames que pode ser solicitado é o CA-125, um marcador tumoral de células superficiais que também estará presente nos quadros de endometriose, mioma e gravidez; a dosagem, portanto, sempre deve ser associada ao quadro clínico. A confirmação diagnóstica será feita através de exames de imagem, tais como a ultrassonografia, ressonância magnética e histeroscopia. A ultrassonografia, quando realizada com doppler, permite identificar o aumento da vascularização característico da doença, o que ocorre devido ao processo inflamatório gerado pela presença do tecido endometrial em local inadequado. A ressonância nuclear magnética (RNM) permite um diagnóstico mais acurado, porém pode ocorrer confusão entre adenomiose e o mioma. A histeroscopia, por fim, permite a identificação de pontos violáceos, os quais correspondem a áreas de rotura da zona juncional. Tratamento O tratamento consiste na remoção do endométrio por histeroscopia em todas as áreas suspeitas. Não é indicado para pacientes jovens, tendo em vista que a manipulação da cavidade uterina pode gerar síndrome de Asherman. Nas mesmas condições mencionadas para os miomas, pode ser realizada histerectomia, sendo esse o tratamento definitivo. O tratamento medicamentoso é sintomático e não curativo. Podem ser utilizados DIUs hormonais, AINH, ACHO e progestagênios – a progesterona de uso contínuo age no endométrio como uma gravidez, atrofiando-o. PÓLIPOS ENDOMETRIAIS Os pólipos se caracterizam pelo crescimento do endométrio com projeção para a cavidade uterina de forma pediculada. Cerca de 80% deles são endometriais, enquanto 20% são cervicais. Esse crescimento ocorre em focos endometriais hipersensíveis à estimulação Geovana Sanches, TXXIV estrogênica (hormônio proliferativo) ou que não respondem à progesterona (hormônio atrófico). Fatores de risco Os fatores de risco para o desenvolvimento dos pólipos são os mesmos relacionados ao mioma, relacionando-se a maior exposição do endométrio ao estrógeno. • Obesidade • Diabetes mellitus • Hipertensão arterial • Terapia com estrogênio • SOP • Idade: devido ao maior tempo de exposição hormonal, a formação de pólipos é mais comum no período perimenopausa Quadro clínico A maioria das pacientes com pólipos endometriais não tem sintomas, exceto por um sangramento anormal (o pólipo fica envolto por tecido endometrial, o qual descama durante o ciclo, aumentando o fluxo sanguíneo). Eles não afetam as contrações do miométrio, sendo incomum a ocorrência de cólicas. Uma queixa comum é a infertilidade, que quando investigada pode diagnosticar um pólipo endometrial (prejudica a nidação e a formação da placenta). Diagnóstico O diagnóstico é auxiliado por exames de imagem, tais como a ultrassonografia e a histeroscopia. Na ultrassonografia, é possível identificar um pedículo na linha branca endometrial, principalmente no exame com doppler. Na histeroscopia, vemos uma massa de característica pediculada, como um dedo de luva (não é arredondado e de consistência endurecida como o mioma). O endométrio visto não é diferente do restante do útero, permitindo a diferenciação com um câncer. Tratamento O tratamento de primeira linha é a histeroscopia cirúrgica com polipectomia, a qual trata a paciente em 99 a 100% das vezes. É necessário que todo o pólipo seja removido, inclusive a base; há risco de que o miométrio exposto leve a uma adenomiose. Como segunda opção, pode-se realizar a curetagem uterina. Deve ser feita apenas na falta de histeroscópio ou no caso de inabilidade do cirurgião para realização da histeroscopia, tendo em vista que é um procedimento falho em 60% dos casos (a base do pólipo pode não ser removida, permitindo que ele volte a crescer). Há baixa taxa de malignização (3 a 4%), mas indica-se a polipectomia mesmo para pacientes oligossintomáticos.
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