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SÍNDROME DO OVÁRIO POLICÍSCITICO (SOP)

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Geovana Sanches, TXXIV 
SÍNDROME DO OVÁRIO POLICÍSCITICO (SOP) 
 
INTRODUÇÃO 
A síndrome do ovário policístico (SOP), 
também denominada síndrome de Stein-
Leventhal, doença cística do ovário ou anovulação 
crônica hiperandrogênica, é uma doença 
endocrinológica complexa com repercussões em 
diversos aspectos na vida da mulher. 
 Apesar de ser uma doença frequente, ela é 
sobre-diagnosticada devido ao diagnóstico 
errôneo. A incidência real varia entre 6% e 16% das 
mulheres em idade fértil. 
 É importante ressaltar que a doença não 
tem início abrupto, ou seja, a alteração está 
presente na paciente desde o seu nascimento, 
manifestando-se durante toda a idade fértil. Não 
há uma cura para a doença, sendo o tratamento 
destinado aos sintomas. 
 
FISIOPATOLOGIA 
 A fisiopatologia da SOP é multifatorial e 
não muito bem definida; pode envolver alterações 
no eixo hipotálamo-hipófise-gônadas, insulínicas 
e/ou genéticas. Cada paciente apresenta ao 
menos um desses aspectos, podendo ou não ter 
todos. 
Alterações no eixo hipotálamo-hipófise-gônadas 
 O GnRH é secretado em pulsos para 
coordenar a secreção do LH e FSH durante o ciclo 
menstruais. Na SOP, esses pulsos sofrem alteração 
e há maior estímulo à secreção de LH do que FSH. 
 De acordo com a teoria das duas células, o 
LH atua sobre as células da teca e o FSH sobre as 
células da granulosa. O estímulo do LH promove 
conversão de colesterol em androgênio e o de 
FSH, a aromatização em estrógeno. 
 Quando há níveis muito altos de LH, há 
aumento do estímulo sobre as células da teca, 
resultando na produção de grandes quantidades 
de androgênio. Todavia, não há níveis suficientes 
de FSH para estímulo às células da granulosa e 
aromatização, o que leva a um acúmulo de 
androgênios. Esse acúmulo de androgênios causa 
atresia folicular e espessamento da cápsula. 
 Além disso, há ação do FSH, de forma que 
o recrutamento folicular continua. Todavia, por 
estar em quantidades diminuídas, não há 
crescimento adequado dos folículos, de forma que 
nenhum deles se torna dominante. Dessa forma, o 
ovário apresenta folículos acumulados, o que lhe 
confere o aspecto multifolicular característico da 
síndrome. 
 
Alterações insulínicas 
 As alterações insulínicas se dão na 
secreção e ação do hormônio, caracterizando 
hiperinsulinemia e resistência insulínica. Nem 
todas as mulheres com SOP apresentam essa 
alteração e não se sabe ao certo qual o mecanismo 
envolvido na fisiopatologia. 
 Essa hiperinsulinemia resulta na inibição da 
síntese de SHGB (globulina carregadora de 
hormônios sexuais), a qual, estando em menor 
quantidade, deixa níveis maiores de testosterona 
livre no organismo. 
 Outro resultado do hiperinsulinismo é a 
inibição da produção de proteína ligadora do fator 
de crescimento insulina like, responsável por 
carregar o IGF1. Assim, também há maiores níveis 
desse fator circulantes. 
 Essas quantidades exageradas de 
testosterona e IGF1 livres resulta no aumento da 
sensibilidade das células da teca ao LH, o que 
acaba gerando maior conversão de colesterol em 
androstenediona. 
 O resultado dessa alteração, assim como 
no mecanismo anterior, é um hiperandrogenismo 
e seus sintomas, tais como aumento nos pelos, 
acne e alopecia. Apesar desse final comum, a 
quantidade de androgênios produzidos nesse caso 
é muito maior do que no anterior, de forma que as 
mulheres portadoras de alteração insulínica na 
SOP sofrem muito mais com os sintomas 
androgênicos do que aquelas que apresentam 
alterações apenas no eixo. 
 
Fatores genéticos 
 Os fatores genéticos na SOP apresentam 
um padrão complexo de hereditariedade, tendo 
em vista que múltiplos genes estão associados ao 
desenvolvimento da síndrome. O componente 
hereditário é importante, mas possui penetrância 
genética incompleta, de forma que não é uma 
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condição obrigatória quando há história familiar 
positiva. 
Nesse sentido, há fatores ambientais que 
atuam sobre esses genes pré-dispositores, 
ativando-os, processo denominado de alterações 
epigenéticas. Alguns desses fatores são os 
agrotóxicos, bisfenol A (liberado por plástico 
quente), fármacos e a obesidade. 
Ao falarmos em obesidade, podemos 
diferenciar dois fenóticos. A SOP na mulher obesa 
tende a se manifestar com resistência insulínica, 
provavelmente pelo aumento da deposição de 
lipídeos nos receptores insulínicos. Já a SOP na 
mulher não obesa tende a expressar mais 
receptores para LH do que na obesa. 
 
FENÓTIPOS E QUADRO CLÍNICO 
 A síndrome é caracterizada por uma 
variedade de genótipos e, portanto, de fenótipos, 
o que influencia diferentemente sobre os 
sintomas que a mulher apresentará. 
 
 Para definir esses fenótipos utilizamos o 
protocolo de Rotterdam, o qual considera 
necessária a presença de pelo menos 2 dos 3 
critérios, porém sem que nenhum seja 
obrigatório. 
• Hiperandrogenismo clínico e/ou 
laboratorial 
• Oligomenorreia 
• Critérios ultrassonográficos 
A partir disso vemos, portanto, que não há 
obrigatoriedade de característica policística nos 
ovários, desde que os outros dois critérios estejam 
presentes. 
 Um problema desses critérios ocorre 
durante a adolescência, período em que a 
irregularidade menstrual e os cistos ovarianos são 
comuns. Com isso, muitas meninas acabam sendo 
diagnosticadas de forma errônea com SOP. 
Hiperandrogenismo 
Clínico 
 Durante a avaliação do hiperandrogenismo 
clínico é necessário que levemos em consideração 
a etnia da paciente e as alterações estéticas 
previamente realizadas. 
 Essa condição é caracterizada por pele 
oleosa e acneica (a testosterona aumenta a 
secreção das glândulas sebáceas no corpo, 
deixando a pele mais oleosa), alopecia e 
hirsutismo. 
 Para avaliação do hirsutismo, podemos 
utilizar a escala visual de Ferriman-Gallway 
modificada, a qual leva em consideração a análise 
das nove áreas corporais mais sensíveis ao 
androgênio. O diagnóstico pode ser fechado 
quando a soma dos valores encontramos em cada 
área é igual ou superior a 4 ou 6, a depender da 
queixa da paciente. 
 
Laboratorial 
 A pesquisa laboratorial de hiper-
androgenismo só é realizada nos casos em que a 
paciente apresenta manifestações clínicas e há 
dúvida no diagnóstico. 
 Para tal, utiliza-se o cálculo da testosterona 
livre, o qual normalmente é feito a partir da 
fórmula de Vermulen. A dosagem de testosterona 
livre não é indicada, tendo em vista que seus 
valores variam muito de acordo com a quantidade 
da proteína carregadora; pede-se, portanto, a 
dosagem da testosterona total e do SHBG. 
!"#$%#$"&%'(	*+,&" =
!$%$(*	('/0 )
2345	 6'/0 7 8	100
 
Irregularidade menstrual 
 Na ausência de folículo dominante, a 
paciente não tem a ovulação, o que pode gerar 
ciclos menstruais longos (amenorreia, quando não 
há menstruação por mais de 3 ciclos consecutivos, 
ou oligomenorreia, quando por menos tempo). 
 Para caracterizar as alterações como 
irregularidade menstrual, devemos considerar os 
parâmetros mencionados abaixo, com ocorrência 
em ao menos 3 ciclos. 
• Entre 1 e 3 anos após a menarca 
o Ciclos < 21 dias 
o Ciclos > 45 dias 
• Após 3 anos da menarca 
o Ciclos < 21 dias 
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o Ciclos > 35 dias 
o Menos do que 8 ciclos em 1 ano 
• Amenorreia primária: condição muito rara 
na síndrome do ovário policístico. 
o Paciente com 15 anos que nunca 
menstruou 
o Ausência de menstruação após 3 
anos da telarca 
Critérios ultrassonográficos 
 Os critérios ultrassonográficos consistem 
na avaliação de múltiplos cistos ovarianos à 
ultrassonografia. 
 
Esse exame não deve ser realizado com a 
finalidade diagnóstica de SOP para pacientes com 
menos de 5 a 8 anos após a menarca, tendo em 
vista que estas apresentam alta incidência de 
aspecto multifolicular sem relevância clínica. 
 
AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA 
 O diagnóstico da SOP será feito a partir da 
identificação de 2 entre os 3 critérios de 
Rotterdam, excluindo-se outras causas que 
cursem com os mesmos sintomas. Seu objetivoé 
iniciar o tratamento precocemente, melhorando a 
qualidade de vida e diminuindo as repercussões 
tardias da síndrome. 
1) Primeiro passo: identificação dos critérios 
clínicos de irregularidade menstrual e 
hiperandrogenismo; 
2) Segundo passo: na ausência de 
hiperandrogenismo clínico, mas com 
queixa da paciente, solicita-se a 
confirmação laboratorial; 
3) Terceiro passo: quando a paciente 
apresenta apenas irregularidade 
menstrual ou apenas o hiperandrogenismo 
(clínico ou laboratorial), a conduta difere 
de acordo com a idade da paciente: 
a. Pacientes adultas: está indicada a 
ultrassonografia 
b. Pacientes adolescentes: não está 
indicada a ultrassonografia, tendo 
em vista que elas podem 
apresentar ovário micropolicístico 
sem significado clínico. 
O diagnóstico da SOP é, portanto, clínico, 
sendo os exames complementares utilizados 
apenas para descartar outras causas. 
Exclusão de outras causas 
Hiperandrogenismo 
 Para exclusão de outras doenças que 
cursam com hiperandrogenismo, podemos 
solicitar exames complementares. Nos casos em 
que o cálculo da testosterona livre é alto, isso não 
é necessário, pois podemos inferir que a causa é a 
falta de SHBG. 
• Sulfato de desidroepiandrosterona 
(SDHEA): exclusão de tumor adrenal 
• 17-Hidroxiprogesterona (17OHP): 
exclusão de hiperplasia adrenal congênita 
• Testosterona: exclusão de tumor ovarino 
• TSH: exclusão de alterações na tireoide 
Amenorreia e anovulação 
 A pesquisa de amenorreia seguirá o 
raciocínio de causas secundárias. 
• FSH: exclusão de causas centrais 
• FSH e AMH (antimulleriano): exclusão de 
insuficiência ovariana 
• TSH: exclusão de alterações de tireoide 
• PRL: exclusão de hiperprolactinemia 
 
A síndrome não deve ser considerada para 
pacientes adultas que sempre tiveram ciclos 
menstruais regulares, cursando com 
irregularidade posteriormente, tendo em vista 
que a doença vem desde o nascimento. Um caso 
diferente é para aquelas que sempre tomaram 
anticoncepcional, pois estas não têm como saber 
seu padrão menstrual habitual. 
 
COMPLICAÇÕES 
Alterações físicas 
 A insulina é um fator inibitório das lipases, 
de forma que a resistência à insulina e a 
hiperinsulinemia favorecem o acúmulo de lipídeos 
nos adipócitos, auxiliando no ganho de peso. 
 Até 65% das mulheres com SOP chegam à 
obesidade, o que aumenta o risco cardiovascular, 
do desenvolvimento de diabetes tipo 2 (com 
acantose nigricans) e diabetes gestacional e 
dislipidemias. 
Todos esses fatores em conjunto, 
culminam com a síndrome metabólica (ou 
síndrome X, diagnosticada na presença de três dos 
cinco critérios mencionados abaixo), o que implica 
na importância do diagnóstico e tratamento da 
SOP, reduzindo esses riscos. 
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 Outro fator importante é uma 
predisposição ao câncer de endométrio quando 
não ocorre o diagnóstico e o tratamento. Isso pois, 
tendo em vista que o ciclo é muito longo, há 
proliferação inadequada desse tecido. 
Transtornos psicossociais 
 Os altos níveis de esteroides sexuais 
androgênicos apresentam ação neurológica, 
levando a transtornos de humor. 
Além disso, as mudanças físicas 
relacionadas à síndrome, tais como o aumento na 
quantidade de pelos, infertilidade e ganho de 
peso, a carga emocional sobre a mulher é muito 
grande, de forma que ela apresenta maiores 
chances de desenvolver depressão, transtorno de 
ansiedade e bipolaridade. 
 
TRATAMENTO 
 Para todas as pacientes com SOP, a 
primeira linha de tratamento consiste nas 
mudanças de hábitos de vida, incluindo dieta 
balanceada e realização de exercícios físicos. Esses 
fatores melhoram a sintomatologia da doença e 
reduzem os riscos de complicações. 
Tratamento para mulheres sem desejo 
reprodutivo 
 O tratamento medicamentoso para 
mulheres que não tem o desejo de engravidar 
consiste no uso de contraceptivos hormonais, com 
baixas doses de estrogênios (a melhor escolha são 
as que apresentam baixa androgenicidade, tais 
como drospirenona e citrato de ciproterona). 
Sempre devem ser consideradas as indicações e 
contraindicações antes da prescrição. 
 O uso da pílula tem como objetivo suprimir 
o LH, regular os ciclos e antagonizara a ação 
androgênica. Elas aumentam o SHBG, diminuindo 
a testosterona livre e melhorando os sintomas; 
todavia, cursa com diminuição da libido. 
 
 Algumas pacientes têm obesidade e 
resistência insulínica, sendo indicado nesse caso o 
uso de metformina para redução do risco 
metabólico. Devem ser controladas a HAS, DM, 
IMC e dislipidemias. 
 Podem ser indicados, ainda, tratamentos 
estéticos para reduzir os incômodos, tais como a 
acne e a alopecia. Para tal, pode ser indicado o uso 
de antiandrogênicos (tratamento de segunda 
linha). 
Metformina x inositol 
 A metformina é um ótimo medicamento 
para tratar a resistência insulínica, sendo a 
medicação de primeira escolha. Ela atua inibindo a 
gliconeogênese e aumentando a sensibilização 
periférico, tendo como efeitos a: diminuição de 
marcadores inflamatórios e estresse oxidativo, 
melhora da função endotelial, redução do peso 
corporal e melhora no perfil lipídico. 
 Apesar de todos esses benefícios, a 
medicação pode causar náusea, anorexia, diarreia 
e vômitos em alguns pacientes. Com isso, surgiu o 
inositol como segunda opção para tratamento de 
resistência insulínica em pacientes com SOP. 
 O inositol (mio-inositol ou di-chiro-inositol) 
é uma vitamina do complexo B. É base de 
inúmeros sinalizadores celulares e mensageiros 
secundários, interferindo na sinalização da 
insulina. Ainda não há muitos estudos sobre sua 
eficácia, mas o medicamento já vem sendo usado 
na prática clínica. 
Tratamento para mulheres com desejo 
reprodutivo 
 A mudança nos hábitos de vida pode 
auxiliar a volta da ovulação nessas mulheres, mas 
em geral é necessário fazer o tratamento para 
infertilidade. 
 Como opção, temos os indutores da 
ovulação, os quais consistem em gonadotrofinas 
(FSH – estimula o desenvolvimento folicular, de 
forma que a paciente passa a ter um folículo 
dominante e ovula). 
Dentre as medicações, está o anti-
estrogênico clomifeno. Esse tratamento não é 
simples, podendo ser utilizado quando a paciente 
não tem tempo de esperar o efeito da mudança 
dos hábitos de vida ou quando a primeira linha 
falha. Para sua realização, é necessário um 
controle com expertises, o que implica em alto 
custo; há risco de gemelaridade. 
 Para as anovuladoras resistentes, pode ser 
realizado o dreeling ovariano, procedimento em 
que é feita a cauterização dos folículos, 
aumentando a chance dessas mulheres serem 
responsivas aos demais tratamentos. Esse 
tratamento consiste na última linha, tendo em 
vista que são necessários expertises, resultando 
em alto custo e disponibilidade; há risco para a 
reserva ovariana.

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