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1. Reducionismo O Reducionismo é um sistema de pensamento bastante promissor e com potencial explicativo nascido entre os séculos XVII e XIX, juntamente com a concepção de que os homens seriam como máquinas, cuja natureza se comportava segundo critérios e padrões específicos, submetidos a “leis gerais” de funcionamento, subsidiando os primórdios do que mais tarde se reconheceria como conhecimento científico e seus desdobramentos metodológicos. Em um momento histórico de grandes descobertas e invenções humanas, o pensamento da época buscava explicar o homem e seus feitos a partir de uma compreensão que se afastasse do conhecimento religioso e se apropriasse do pensamento filosófico racional, prático e paradigmático, a fim de poder intervir e produzir efeitos de compreensão e previsão do comportamento e funcionamento humano. O Reducionismo constitui-se em um movimento filosófico específico e próprio desse tempo histórico, e se consolida como um método de pensamento, cujos conceitos podem ser formulados em termos cada vez mais “simples”, promovendo uma redução ao nível das propriedades e das relações entre suas partes. Foi através do reducionismo teórico conceitual que a visão mecânica do universo se constituiu em um modelo de compreensão do homem enquanto ser natural, distanciando-se do conhecimento religioso e predizendo as leis gerais que explicitavam o homem, suas estruturas orgânicas e biológicas, e sua relação com a vontade e o pensamento. Através desse modelo, o homem era comparado a uma máquina, e seu funcionamento podia ser então explicado em razão de causa, efeito e consequência. Clique abaixo para saber mais. Causa Efeito Consequência O universo mecânico era então explicitado aos olhos de quem quisesse ver, e as razões de causas e efeitos podiam ser harmonicamente remontadas na composição das engrenagens de uma das máquinas mais emblemáticas destse pensamento: o relógio. Como nos dizem Schultz e Schultz (1992, p. 34): “O relógio era a metáfora perfeita para o espírito mecanicista do século XVII, tendo sido, justamente, considerado uma das maiores invenções de todos os tempos”. Foi com esse conhecimento, cada vez mais sistematizado e difundido sobre o mundo e seu funcionamento, que o homem passou a considerar-se pertencente ao mundo natural; assim, deixava de ser uma criação divina para fazer parte das mesmas leis mecânicas que regiam e organizavam todo o universo. A concepção dos seres humanos “como máquinas” emprestou aos modelos filosóficos de explicação do mundo condições para a criação de um novo método de conhecimento, modo pelo qual seria possível entender e operar sobre a natureza humana, fomentando intensamente o recém “descoberto” método científico de investigação do mundo moderno. 1.1 Conceitos e Abordagens É inegável a contribuição e o avanço significativo que o reducionismo trouxe no bojo das transformações das relações do homem com o conhecimento e de sua base na produção do conhecimento científico, como ainda hoje se considera. A possibilidade de traduzir as leis gerais de um fenômeno em um único conceito ou apenas em uma lista diminuta de explicações que congregam, em essência, o jogo das partes envolvidas e sua dinâmica de interferências, produziu, no homem, uma racionalidade de controle e predição dos fenômenos enquanto acontecimentos naturais e, como tais, possíveis de serem “reduzidos” aos mesmos enquadres de explicações de causas e efeitos observados no universo físico do mundo. Segundo Hillix e Marx (1995, p. 57): As explicações reducionistas oferecem, pelo menos, uma economia potencial de conceitos, visto que um único conceito pode servir em mais de um nível de explicação. Essas economias podem servir como base para a escolha entre teorias em tudo o mais equivalente. Como também explicitam El-Hani e Pereira (1999), a base de toda produção científica na modernidade se consolida a medida em que os pensadores e cientistas das diversas áreas do conhecimento fazem uso do reducionismo como modelo a ser aplicado na construção do saber científico, contrapondo-se aos saberes filosóficos, religiosos e do senso comum. Através de um modelo reducionista, ao analisar um fenômeno qualquer em questão, o cientista seria capaz de “reduzir” a explicação do mesmo em termos condensados e essenciais, revelando os “segredos” das estruturas e de seus funcionamentos específicos, respeitando as condições externas e internas para a sua manifestação e expressão aparente. Continuam os autores acima citados: Nos últimos trezentos anos, o programa reducionista tem sido o modo de análise dominante dos mundos físico, biológico e até mesmo social. Em outras palavras, ele tem sido o paradigma na explicação científica (EL-HANI; PEREIRA, 1999, p. 77). Os autores acreditam que a assimilação do reducionismo ao pensamento científico da modernidade fez com que essa última estivesse intimamente associada a um modelo que, se tinha grande sucesso no plano das ciências naturais da física, química e biologia, o mesmo não se podia observar no planos dos conhecimentos científicos que não possuíam um objeto de investigação tão objetivo e passível de replicação de experimentos com controles de variáveis manejáveis ou até mesmo mensuráveis. E, apesar de demonstrar-se como um método limitado para lidar com sistemas causais complexos, dentre eles encontramos os estudos realizados pela psicologia científica. Esta fez uso de suas premissas em diversos momentos e em várias perspectivas teóricas tão distintas que, em certos momentos, chegou mesmo a produzir-se em contradições teóricas e metodológicas, sendo seus conflitos teóricos a base para a compreensão do que hoje se aceita como sendo a Psicologia, ciência e profissão. 1.2 Contribuições para a Psicologia Para retratarmos as contribuições do reducionismo para a Psicologia enquanto ciência moderna, vale destacar as premissas do que é científico contrapondo-se aos conhecimentos de naturezas distintas, de base especulativa, observacional e experimental, presentes nos conhecimentos da filosofia, das artes, religiões e do próprio senso comum. Clique abaixo para obter mais informações. A compreensão da expressão comportamental como efeito de um funcionamento psíquico constituiu-se na base do reducionismo fisicalista, explicando o fenômeno psíquico humano como um fenômeno comportamental, ou seja, reduzindo o que se entendia em termos subjetivos como vontades e motivações humanas a uma espécie de respostas comportamentais a estímulos que poderiam ser observados, categorizados e, consequentemente, manipulados (CASTAÑON, 2009). PreviousNext Esse exemplo de um reducionismo realizado pela ciência psicológica demonstra o difícil dilema enfrentado por essa área do conhecimento científico e, até mesmo, revela uma das tensões fundamentais da Psicologia apresentada em termos de disputa de, ora pertencimento, ora afastamento do paradigma da ciência moderna. que conhecer e compreender enquanto realidade teórico-metodológica, e muito mais ainda a formar enquanto campo semântico conceitual de inserção desse saber nas atuais bases das ciências humanas. Desse modo, as experiências que apresentamos a seguir são possibilidades de compreensão do campo da abordagem cultural em oposição à visão etnocêntrica em Psicologia, e nos permitem vislumbrar o caminho que ainda temos pela frente na consolidação desses conhecimentos. 2.2 Perspectivas culturais da Psicológica A abordagem etnocêntrica em psicologia perde força para uma proposta de integração:Entre os estudos culturais da antropologia. Das perspectivas coletivas dos agrupamentos humanos organizados da sociologia. Das constituições objetivas e subjetivas das linguagens e línguas da linguística. Das características psicológicas compartilhadas entre os indivíduos de uma tribo, aldeia, ou qualquer outro agrupamento humano que caracteriza ou denota uma compreensão específica de um modo de ser e estar no mundo de maneira única e singular da psicologia. Assim, é uma abordagem que se processa na tensão emergente dastentativas de interlocução interdisciplinar a respeito das relações entre os sujeitos, da mesma forma que acontece na composição da Psicologia Cultural, cujo método de investigação se processa na esteira da antropologia e sociologia. Segundo Guimarães (2016, p. 179): Ao trabalhar com a articulação de disciplinas, tais como a antropologia e a etnologia, a psicologia cultural tem se aproximado de questões que dizem respeito à relação de pessoas oriundas de povos autóctones da América (povos indígenas) com a sociedade envolvente (não-índios). Investigações recentes vêm demonstrando, por exemplo, que diversos fatores contribuem para a configuração de situações de risco e vulnerabilidades psicossociais intensas relacionadas às pessoas indígenas que habitam tanto nas aldeias quanto nas regiões metropolitanas de grandes cidades. Com essa aproximação entre a Psicologia Cultural, a abordagem etnocêntrica perde espaço para a compreensão da relação intersubjetiva do homem emergente de determinada cultura, estabelecendo os critérios de análise de sua psicodinâmica, extrapolando e, por vezes, ressignificando os conceitos tradicionalmente aceitos e aplicados pela Psicologia científica oriunda do campo cultural europeu ou norte americano. Esse esforço pode ser analisado nas recentes apropriações do campo teórico da psicologia na tentativa de explicar fenômenos culturais nos mais diversos espaços de ocupação do homem sobre a terra – primeiramente numa perspectiva puramente descritiva, na tentativa de identificação de o que fazem esses sujeitos, como vivem, como se organizam e como lidam com as adversidades desse modo de vida, etc. Tais esforços aprofundam-se na busca de compreender como se desenvolvem, quais aspectos de personalidade estão mais dispostos a aceitar e inclinados a valorizar, e como reagem diante do desconhecido e dos sentimentos que carregam e apresentam na relação consigo mesmos e com os demais integrantes do grupo. Vale destacar que uma das possíveis respostas a essa abordagem em Psicologia está na aproximação do plano teórico-metodológico da Psicologia Cultural às questões dos povos indígenas de nossa realidade nacional. Assim como nos lembra Guimarães (2016, p. 187): Ao entrarmos em contato com as tradições indígenas, dispostos a vivenciar o choque cultural e a estabelecer formas de relação mais equitativas, passamos a conhecer a alteridade das diferentes tradições indígenas, ao mesmo tempo em que, pelo processo de comparação, passamos a conhecer também a nossa própria tradição. Com essa abordagem, vislumbramos um plano teórico-metodológico ainda em processo de consolidação e com muito espaço de aberturas e composição interdisciplinar que capte o que há de melhor no plano das ciências que têm o homem como principal referência de suas dimensões individuais e culturais em análise. 3 Abordagem Transcultural Para apresentar a abordagem da Psicologia Transcultural no seu percurso científico, que se relaciona com a Psicologia Social Experimental, utilizaremos da Psicologia Cultural como substrato de compreensão dessas discussões associadas ao universo da produção brasileira na área. Desse modo, faz-se necessária uma atenção ao recorte epistemológico dos efeitos desse Sistema Transcultural, na composição do campo temático em Psicologia. O nascimento da Psicologia Cultural remonta ao século XVII, quando o filósofo Giambattista Vico (1668- 1774) – em pleno período em que imperava o pensamento de Descartes, cuja expressão da ciência e do saber eram a mola mestra do direcionamento humano – questionava a importância do senso comum e da necessidade de compreensão da vida prática como elementos fundamentais para a construção do pensamento e da linguagem (BONIN, 1998). Ele apontava a importância de Deus como conhecedor de todas as coisas, e o homem deveria apreender as questões a partir de seu viés particular, amplamente valorizado, incitando o estudo cultural, voltado especificamente para a análise de uma dada realidade ou de um dado contexto. É por isso que se atribui a ele as origens da Psicologia Cultural, uma vez que consubstancia a importância da apreensão particular de cada sujeito. De uma maneira ou de outra, a Psicologia como ciência trilhou um caminho de reconhecimento do campo cultural. Apesar de algumas escolas de pensamento centralizarem suas pesquisas, conceitos e conhecimentos na natureza intrapsíquica das questões psicológicas, há uma busca de compreensão do campo cultural e de como os sujeitos reagem e produzem tal realidade. 3.1 Leituras do Campo Cultural De modo geral, a cultura se apresenta como “um conjunto de hábitos, de instrumentos, objetos de arte, tipos de relações interpessoais, regras sociais e instituições em um dado grupo” (BONIN, 1998, p. 61). A partir desse recorte, o autor nos relata quatro perspectivas sobre a Psicologia Cultural, que são determinadas pela leitura específica do campo cultural. Clique nas abas abaixo e acompanhe as definições. Primeira leitura A primeira leitura toma a cultura como variável independente, ou seja, se caracteriza como uma grandeza que estava sendo manipulada em um experimento. Essa concepção foi aplicada aos estudos de cognição/testagem psicológica nos anos 1960/1970. A ideia observada era de que o corpo era separado da mente, dualismo mente/corpo. Nesse sentido, registra Bonin (1998), o mental era um aparelho interno que estabelecia o pensamento abstrato, o qual era marcado pela cultura, de fora, sem ter relação ou ser criado por esta. Segunda leitura A segunda leitura da concepção de cultura era de que a mente está inserida nas práticas culturais. Nesse entendimento, a cultura passa a ser considerada como elemento fundante das interações e práticas sociais, as quais constituem o sujeito. Há uma retroalimentação: o sujeito se constitui como humano a partir das produções culturais e, por sua vez, também é produtor dos elementos da cultura. Um importante expoente é Vygostsky, que estuda e apresenta a Psicologia Sócio-histórica e as funções mentais superiores com as indicações de como a criança aprende e apreende o mundo a partir das relações de mediação promovidas pelo adulto em seus universos linguísticos e também pela ajuda colaborativa com as demais crianças. Terceira leitura A terceira leitura acena para a cultura na mente, a ideia de se estudar as narrativas produzidas pelas pessoas em um dado contexto cultural. Dar visibilidade e luz pelo modo como relatam e organizam as suas experiências diárias, coletivas, a partir de elementos cotidianos, e não se limitar a estudar categorias ordenadas como pensamento, cognição, linguagem como a concepção anterior. A questão que se coloca aqui alude ao pensamento simbólico e aos registros possíveis de serem efetuados pela fala ou a partir de elementos situacionais que nos conduzem a criar e potencializar ações e estabelecer conexões, por exemplo: diante de uma situação de descobrimento/conflito para a criança, ela pode resolver isso a partir da interação com o adulto (que apresenta a cultura em seus gestos e ações) ou a partir de um conhecimento próprio (por ser sujeito emergente da mesma cultura). Quarta leitura A quarta leitura sobre a cultura implica um novo direcionamento para a Psicologia Cultural, diz respeito ao recorte que considera a cultura na pessoa, observando o sujeito como um agente intencional, capaz de criar elementos e recursos para a ação, considerando empaticamente a presença do outro. Estudos recentes apontam o bebê como um sujeito de intencionalidades e capacidade de empatia desde o nascimento, diferindo da concepção que aponta o bebê dotado apenas de instinto ou comportamento reflexo. Nesses estudos, se considera cada vez mais a importância do ambiente como elemento potencializador do desenvolvimento, bem como as relações que se estabelecem com o bebê, que viabilizam a ação deste, na convocação dos adultos que cuidam dele, reforçando a proposição de agente intencional que busca interativamente quem está por perto. 3.2 A Psicologia Transcultural: conceitose contribuições A Psicologia Transcultural se caracteriza como um sistema de investigação em Psicologia, que se coloca a estudar a relação do homem em seu contexto social, como ele interage, aprende, demonstra emoções e afetos sob certas circunstâncias de vida. De acordo com Gomes (2018), a busca para compreender e estudar as semelhanças e diferenças nos indivíduos e grupos em seus mais diferentes aspectos – sejam eles biológicos, ecológicos, sociais ou psicológicos – constitui-se como um dos principais objetivos de pesquisa e intervenção da Psicologia Transcultural. É claro que, ao ser estudado, enquanto objeto de conhecimento científico, conseguimos, por alguns breves momentos, compreendê-lo objetivamente e satisfazer nossa aguçada atenção curiosa definindo conceitos que justifiquem seus significados. Por outro lado, podemos também, sem muito esforço, ver tal estrutura teórico-conceitual se desmontar em função de um “novo” conceito, ou novo argumento, apresentado numa nova perspectiva que nos “obriga” a aceitarmos, senão em termos ideológicos, porém em termos lógico-racionais, que precisamos rever nossos velhos conceitos. PreviousNext O homem, apesar de sua liberdade de criação de modos de organização vital, individual e coletiva, não é desprovido de determinantes, que tanto podem ser internas (vontades, desejos e motivações individuais) quanto externas (suscetível à pressão do grupo, aos impeditivos jurídicos e convenções sociais), ou ainda, a um terceiro tipo de interferência cuja base se constitui na interseção dos determinismos anteriormente citados acrescidos aos de natureza ética e moral com seus tabus e tradição de qualquer sorte. Mesmo com o nível de compreensão alcançado pelas ciências naturais e humanas, ainda temos a tarefa de tentar explicitar, de maneira objetiva, a seguinte questão: o que determina o motivo do comportamento humano em suas mais diferentes nuances de intenções e efeitos sobre si e os demais sujeitos com os quais convive? Onde reside a liberdade ou o livre arbítrio? Pensemos um pouquinho e voltemos os olhos ao que é possível! 4.1 Conceitualização e consequências para a Psicologia Para nos ajudar nesta tarefa nada fácil de compreender, finalmente, o que está em jogo quando trabalhamos as questões humanas e os pressupostos da ciência psicológica na dualidade determinismo e livre arbítrio, nos aproximamos de Strapsson e Dittrich (2011). Esses autores se debruçaram sobre as questões teórico-conceituais acerca do determinismo e, por consequência, do livre arbítrio como elementos basilares para se decifrar o comportamento humano em suas dinâmicas conscientes e até mesmo inconsciente. Continuam os autores: O comportamento humano é um dos fenômenos mais complexos a serem estudados no mundo, e consequentemente um dos eventos de mais difícil explicação. A cultura em geral tende a assumir que ao menos parte do nosso comportamento é livre, e o tamanho dessa parte tem sido tema de discussão por muitos séculos, na filosofia, no direito, na psicologia e na religião (STRAPSSON; DITTRICH, 2011, p. 300). Preocupados em identificar as contribuições do determinismo para o desenvolvimento da Psicologia como Ciência e Profissão, analisam o quanto dessa compreensão se encontra nos diferentes postulados teóricos da Psicologia ao longo da sua história e reconhecem que existe uma tendência a aceitar o determinismo em campos de interpretação tão distintos como a psicanálise e o comportamentalismo. Essa compreensão se justifica pela argumentação que, se de um lado a psicanálise pauta-se nos estudos e análises do comportamento humano determinado em grande parte pela dinâmica do inconsciente, por outro, não deixa de ser um determinismo à base das relações funcionais entre organismo e ambiente no jogo de estímulos e respostas pesquisados pelos behavioristas radicais. Para repor a complexidade da análise, não nos esqueçamos também dos determinismos sócio-histórico-culturais presentes nas análises da psicologia social. O que de fato acontece na visão desses autores é uma certa confusão teórico-conceitual com a definição de determinismo quando utilizado para explicitar uma refutação de ideias e compreensão epistemológica distinta entre os diversos sistemas e teorias em Psicologia. Ou seja, a questão das críticas formuladas entre esses campos teóricos do conhecimento psicológico não se faria com base no problema do determinismo, compreendido como equivocada simplificação do fenômeno humano sobredeterminado em suas causas, mas sim numa errônea aproximação do conceito de fatalismo na base do que seria o determinismo. Ao contrário do determinismo, o fatalismo apontaria para a incapacidade humana de criação de novas formas de responder aos motivos de um comportamento e estaria à mercê de “forças” completamente alheias às expressões de suas vontades, mesmo que inconscientemente. Nessa perspectiva, além de estar preso às demandas externas ou internas da motivação, não conseguiria nem mesmo recusar-se ao movimento na anulação de si mesmo. E essa não é mais uma escolha plausível na justificativa dos comportamentos humanos, pois, de toda a complexa rede de interações e determinações existente na condição humana, há ainda uma possibilidade de criação que pode indeterminar o homem e as respostas apresentadas às mais diversas e variadas indagações da vida. Do mesmo modo, o livre arbítrio estaria colocado em um pressuposto epistemológico determinado pela concepção de autonomia humana, para poder pensar, refletir, racionalizar uma escolha diante de diferentes circunstâncias objetivas e subjetivas de vida, podendo até mesmo ser compreendida na relação entre as forças conscientes e inconscientes que determinam a realidade psíquica dos sujeitos, mas não completamente alheio às circunstâncias próprias da vida. 4.2 Entre a dualidade e a complexidade Dentre as diversas formas criadas pela Psicologia na tentativa de abarcar o homem e todo fenômeno psíquico a ele referendado, entendemos, assim como Figueiredo (2008), que nas questões explicitadas entre os determinismos e o livre arbítrio encontramos um rede de relações tão complexas que qualquer reducionismo é apenas uma possível forma, historicamente constituída e arbitrariamente eleita, como modelo que apenas se revela como efeito dos arranjos das forças presentes no fato observado. Nos lembra o referido autor que, historicamente, [...] as condições para a emergência de projetos de psicologia científica eram duas: a) um alto nível de elaboração da experiência subjetiva privatizada; e b) a crise dessa experiência, com o reconhecimento de que o sujeito não é tão livre como julga, nem tão único como crê. É isso que leva à necessidade de superar a experiência imediata para compreendê-la e explicá-la melhor (FIGUEIREDO, 2008, p. 71). Desse modo, a superação da experiência imediata acima apresentada pressupõe a ultrapassagem da compreensão dos fenômenos psíquicos colocados em termos antagônicos e maniqueístas da relação entre determinismo e livre arbítrio, para alcançar a compreensão da complexidade do fenômeno humano posto em sua heterogeneidade irredutível. O autor acima citado irá propor a construção dessa dualidade à necessidade que temos de criar, também historicamente, a ilusão de condições imutáveis e fixas que justifiquem a natureza humana em uma essência dada ao conhecimento que, pela emergência da evolução do método científico, seria capaz de definir, de uma vez por todas, quais as regras que sustentam as relações humanas. Assim, Figueiredo (2008) recorrerá às ideias nietzschianas para repor a natureza complexa do homem e da necessidade de também trabalharmos o pensamento nessa complexidade. Como Mangueira e Bonfim (2014, p. 627), o autor apresenta a intrínseca correlação entre vida e pensamento, e que este constitui-se “não mais uma atividade puramente contemplativa e rememorativa, mas um procedimento criativo por meio do qual um pensamento afirma a sua força-diferença e a própria vida”. Portanto, na afirmação da vida ao homem, mesmo querealize sua compreensão em termos dualistas e, não raras vezes, antagônicos, esta deve ser entendida como uma forma possível de expressar seus anseios e projeções condicionados a um determinado tempo histórico e lugar físico específico, pois sua verdade reside na certeza das ilusões da vida.