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Teorias Histórico-Críticas em Psicologia Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Dr.ª Beatriz Borges Brambilla Revisão Textual: Aline Gonçalves Psicologia Histórico-Cultural Psicologia Histórico-Cultural • Conhecer a gênese da produção teórica em Psicologia Histórico-Cultural; • Refletir sobre a superação de concepções desenvolvimentistas biologizantes e a formação social da mente; • Debater as diferentes influências do pensamento de Vigotski, Luria e Leontiev nas diferentes áreas da Psicologia; • Apresentar conceitos centrais para o desenvolvimento da Psicologia Histórico-Cultural. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Introdução; • A Proposta Teórico-Metodológica da Psicologia Histórico-Cultural; • Principais Conceitos da Psicologia Histórico-Cultural. UNIDADE Psicologia Histórico-Cultural Introdução As teorias histórico-críticas em Psicologia possuem sua base no marxismo (como vimos na Unidade anterior), no entanto, com delineamentos múltiplos no campo da ciên- cia psicológica e da atuação profissional. A abordagem histórico-cultural em Psicologia caracteriza uma dessas facetas. Tendo surgido na antiga União Soviética, após a Revo- lução de Outubro de 1917, emergiram diversas formas de produção de conhecimento inscritas na realidade e na demanda do momento histórico, fomentando um caminho para o surgimento de uma abordagem que atendesse às novas configurações sociais. As primeiras tarefas apresentadas pelo governo socialista soviético, liderado por Lenin , estavam intimamente relacionadas às demandas urgentes da nova sociedade a ser cons- truída, com base nos princípios filosóficos e programáticos do pensamento social russo. Além disso, defendia-se terra, pão e paz como um horizonte: a terra para os campone- ses, o pão para os famintos e a paz para o povo. Segundo Prestes e Tunes (2017), dentre as inúmeras tarefas, estava na ordem do dia a criação de uma nova escola que precisaria, por sua vez, de uma nova pedagogia. Tendo em vista a plurinacionalidade existente na Rússia, que se ampliou com a adesão de ou- tros países (Ucrânia, Bielorrússia, entre outros) ao processo revolucionário, o objetivo era pensar uma escola pública, popular, gratuita e laica. Muitos psicólogos receberam com entusiasmo a Revolução e aderiram ao trabalho que se apresentava – estruturação do sistema de educação – e se dedicaram a buscas de novas formas e novos métodos para o trabalho pedagógico. Na União Soviética, a Psicologia começava a fazer parte do rol de campos de conhecimento que fundamentavam a pedagogia. A Psicologia soviéti- ca esteve, assim, desde o início de sua trajetória, internamente ligada às novas condições econômico-sociais e político-ideológicas da União Soviética. A tarefa que se apresentava não era fácil, pois, para criar uma nova escola, seria preciso pensar uma nova pedagogia e uma nova Psicologia fundamentadas nas ideias do materialismo histórico-dialético. Além disso, era necessário um olhar crítico para as teorias burguesas hegemônicas e uma forte resistência às suas influências, já que a Psicologia soviética destacava a escola, a formação e a educação do novo homem como objetivos principais de suas pesquisas. Três principais pesquisadores psicólogos se destacaram nesse processo: Vigotski, Luria e Leontiev. Lev Semyonovich Vigotski Nascido em 17 de novembro de 1896, filho de uma família judaica da Bielorrússia, Vigotski, com 17 anos, terminou o ginásio com distinção, o que lhe deu o direito a par- ticipar do sorteio de vagas para a Faculdade de Medicina, de acordo com o sistema de cotas para judeus vigente na Rússia tzarista. Além de passar no sorteio, o rapaz prestou exames e foi admitido como estudante da Universidade Imperial de Moscou e, em se- tembro de 1913, iniciou o curso. Um mês depois, Vigotski se transferiu para a Faculdade 8 9 de Direito na mesma Universidade e se matriculou no Curso de História e Filosofia da Universidade Popular Chaniavski. Figura 1 – Lev Semyonovich Vygotsky (1896-1934) Fonte: Wikimedia Commons O nome do autor possui diferentes grafias em diferentes línguas, especialmente, pois em russo seu nome é Лев Семёнович Выгоóтский. Encontra-se em livros e artigos varia- ções do nome, como Vigotski, Vygotski, Vigotsky ou Vygotsky. Muitas formas são aceitas. Vigotski (abrasileirada), Vygotski (alguns tradutores de língua espanhola e francesa) e Vygotsky (traduções de língua inglesa). Aqui, por coerência, faremos a opção pela forma abrasileirada (DUARTE, 1996). Segundo o próprio Vigotski, seus estudos em Psicologia começaram ainda na Uni- versidade: seu trabalho monográfico de final de curso na Universidade Chaniavski, sobre a tragédia Hamlet, de Shakespeare, anunciava o nascimento de um pensador original, preocupado em fazer uma análise psicológica da obra de arte. Era o ano de 1917, Vigotski estava com 21 anos. As palavras que usa para se referir à vivência pela alma da hora trágica ao ler ou refletir sobre a tragédia de Shakespeare po- dem também refletir o contexto em que a Rússia estava mergulhada: tempo de ruptura, tempo em que o velho regime vivia seus últimos dias, mas o novo ainda não havia assu- mido plenamente seu posto. Vigotski volta para Gomel no final de 1917, mas o regime dos Sovietes se instala na cidade apenas um ano depois, quando ele assumiu diferentes postos de trabalho, lecionando Literatura Russa em escolas, Psicologia Geral, Infantil e Pedagógica nos cursos técnicos de pedagogia e dedicando-se a atividades culturais. É no âmbito desses cursos que organiza o Gabinete de Psicologia, espaço em que germinam ideias que serão sistematizadas em relatório que deixará impressionados os presentes 9 UNIDADE Psicologia Histórico-Cultural no II Congresso Russo de Psiconeurologia, em Petrogrado, no início de 1924. Alguns meses depois, ao aceitar o convite para integrar um grupo de pesquisadores no recém- -inaugurado Instituto de Psicologia da primeira Universidade de Moscou, em resposta à pergunta “em que área se considera mais útil?”, ao preencher o formulário, Vigotski escreve: “no campo de educação das crianças cegas, surdas e mudas”. A esses estudos Vigotski estará ligado até sua morte. Quando volta para Moscou, já com 27 anos de idade e na qualidade de pesquisador, traz na bagagem dois de seus três livros que tratavam de assuntos que perpassam toda sua produção intelectual: arte, educação e desenvolvimento humano. Ao livro Psirrologuia iskusstva (Psicologia da Arte), finalizado em 1925 e que nasceu com base em seu traba- lho monográfico, o destino reservava um longo período de espera, onde seria publicado pela primeira vez apenas em 1965. Felizmente, não foi o que ocorreu com o Pedago- guitcheskaia psirrologuia (Psicologia Pedagógica). Lançado em 1926, foi o único livro que Vigotski viu publicado e no qual defende a criação de um novo campo científico – a Psicologia Pedagógica. Não demorou muito para Vigotski assumir o papel de líder intelectual na “troika” for- mada com Luria e Leontiev no novo local de trabalho – o Instituto de Psicologia. Mais tarde, a “troika” se transformou em “vosmiorka”, com a integração de alguns alunos ao grupo. No entanto, antes de isso tudo acontecer, no início dos anos 1930, Vigotski já havia realizado muitos estudos, escrito muitos artigos e relatórios científicos. A Revolução pôs como tarefa primordial a formação do homem novo e de uma escola nova que iria educar esse homem que viveria na nova sociedade socialista. Entre os que pertenciam à intelectualidade russa, houve os que “aceitaram” e os que “não aceitaram” a Revolução. Vigotski estava no primeiro grupo e mergulhou de corpo e alma no fluxo das transforma- ções vertiginosas trazidas pela Revolução de Outubro e, entre 1925 e 1930, os estudos da “troika” provocam também uma espécie de revolução na interpretação da consciência. Em janeiro de 1924, em Petrogrado, Vigotski já defendia que a Psicologia deveria estudar os problemas da consciência na organização do comportamentodo homem, mas não como faziam os naturalistas e os fenomenólogos que, ao final das contas, selavam um acordo silencioso, de que as funções psicológicas complexas – as que nos diferenciam dos animais – não se submetem às investigações científicas. O desafio era criar uma nova abordagem dos processos psicológicos estritamente humanos e pôr a Psicologia em bases materialistas. E, nessa tarefa, os estudos de Marx, Engels e Pavlov foram fundamentais, mas não excluíam a importância das contribuições de autores ocidentais contemporâneos como Kurt Lewin, Heinz Werner, William Stern, Karl e Charlotte Buhler e Wolfgang Koller. As discussões são sistematizadas por Vigotski no trabalho Istoritcheski smisl psirrologuitcheskogo krizissa (O Sentido Histórico da Crise na Psicologia), que, ainda hoje, guarda uma atualidade, porém também carrega traços característicos da trajetória de vida e obra do pensado. Alexander Romanovich Luria Luria nasceu em 1902, em Kazan, uma pequena cidade universitária próxima a Moscou, e faleceu em 1977, em Moscou, de insuficiência cardíaca. Filho de um médico de destaque e professor da escola de medicina de Kazan, especializado em doenças do 10 11 estômago e interessado em medicina psicossomática, Luria teve acesso, desde cedo, às produções mais importantes na Psicologia de sua época (como trabalhos no campo da psicologia experimental, as teses de Freud e de Jung). Dominava o idioma alemão e frequentava, juntamente a sua família, círculos intelectuais cujos membros estudavam fora da Rússia, o que deu a ele a oportunidade de não se restringir às traduções russas. Luria passou sua infância em Kazan, convivendo com as opressivas restrições do czarismo. Estava com 15 anos quando ocorreu a Revolução de 1917. Nessa época, a atmosfera era de entusiasmo com as profundas e promissoras transformações que ocor- riam na sociedade soviética. As novas condições sociais alteraram também o rumo de sua formação. Em 1917, havia completado seis anos de um curso ginasial de oito. Em vez de completar o curso regular, conseguiu seu diploma no ano seguinte, fazendo, assim como muitos de seus colegas, um curso reduzido. Logo depois de se formar, portanto, com aproximadamente 17 anos, ingressou na Universidade de Kazan, na Faculdade de Ciências Sociais. Nessa época, as universidades viviam uma situação caótica, pois passaram a receber, sem nenhum tipo de preparo, milhares de estudantes originários de diferentes escolas secundárias, com níveis de preparação muito distintos. Havia uma escassez generaliza- da; no entanto, com a grande demanda de se qualificar a educação para as novas condi- ções sociais, era urgente a capacitação de professores para um novo rumo organizativo educacional. As discussões sobre as necessidades de reformulação e atualização do cur- rículo e das dinâmicas adotadas nas aulas se mesclavam a outros temas como política e rumos da “nova sociedade” em construção e envolviam não somente os professores, mas também os alunos. Luria começa, então, a participar ativamente de debates e encontros de associações científicas, demonstrando interesse pelo socialismo, com a intenção de compreender o momento histórico em que vivia e particularmente as questões relativas ao papel do sujeito na conformação da sociedade. Começa aí, também, a se delinear seu interesse pelo campo da Psicologia, e a se definir, ainda que de modo embrionário, seu projeto de desenvolver uma abordagem psicológica concreta dos eventos da vida social. Esse interesse aumentava na medida em que entrava em contato com as formulações da Psi- cologia acadêmica que prevalecia nas universidades. Luria obteve seu diploma em 1921, em Ciências Sociais, aos 19 anos. Embora já estivesse bastante atraído pelos temas relacionados à Psicologia, no mesmo ano em que se formou, começou a cursar Medicina, incentivado por seu pai, e a fazer uma formação num instituto pedagógico. Os estudos de Luria no campo da Medicina foram retomados somente em 1936, tendo ele se graduado em 1937. Ao mesmo tempo, fez um doutorado no Instituto de Psicologia de Tbilisi, sendo sua tese uma reescrita do texto “A Natureza Humana”, do final da década de 1920, trabalhando no Instituto de Psicologia de Moscou. Nessa época, a Rússia estava passando por mudanças profundas. Essa circunstância histórica impulsionou e marcou profundamente todas as suas investidas científicas. Mais tarde, a partir de 1924, simultaneamente parceiro e discípulo de Vigotski (1896-1934), integrou, com Alexei Nikolaevich Leontiev (1904-1979), um grupo de intelectuais envol- vido com a criação de “uma nova psicologia”, uma teoria do funcionamento intelectual 11 UNIDADE Psicologia Histórico-Cultural humano fundamentada no materialismo histórico-dialético. O programa de pesquisa do grupo, que anos depois deu origem à chamada Psicologia Histórico-Cultural, traduzia, como avaliou Luria, as aspirações, o idealismo e a efervescência cultural de uma socie- dade pós-revolucionária. Seus primeiros trabalhos foram, assim, elaborados nos primeiros anos da Revolução Russa. Depois, já mais maduro, coerentemente com o clima de entusiasmo de uma so- ciedade pós-revolucionária, dedicou-se mais intensamente ao projeto de construir uma nova Psicologia que, incorporando os princípios do materialismo histórico-dialético, fos- se capaz de integrar, numa mesma perspectiva, o ser humano como corpo e mente, como ser biológico e cultural, membro de uma espécie animal e participante de um processo histórico. Entre os anos 1930 e 1950, durante três décadas, portanto, teve que conviver com o obscurantismo, a censura e a perseguição política decorrentes do acirramento do regi- me ditatorial stalinista. Nas últimas décadas de sua vida, produziu intensamente já num clima de abertura política graças à dissolução do regime stalinista, e teve seu trabalho difundido no ocidente especialmente pelas mãos de pesquisadores norte-americanos que haviam tido a oportunidade de tê-lo como professor em situações de formação pro- fissional realizadas na União Soviética. Alexei Nikolaevich Leontiev Psicólogo soviético, nascido em 1903, na cidade de Moscou. Iniciou seus estudos no campo da Psicologia na Faculdade Histórica-Filológica, quando estudava na Facul- dade de Ciências Sociais. Leontiev colaborou, juntamente, a Luria e Vigotski, com o desenvolvimento da Psicologia Histórico-Cultural. Ao longo de sua vida, mesmo com mudanças para Cracóvia, seguiu contribuindo com os estudos de maneira correlata aos colegas. Ao retornar a Moscou, em 1959, tornou-se Diretor do Departamento de Psico- logia na Faculdade de Filosofia da Universidade de Moscou. Suas contribuições tiveram reconhecimento público, tornando o departamento em uma Faculdade independente na segunda metade da década de 1960. Leontiev dedicou-se ao estudo da atenção e da memória voluntária, tendo desenvolvi- do a Teoria da Atividade, que ganhou grande relevância no que concerne ao brincar e à aprendizagem. O conceito de atividade, segundo Leontiev, tem uma formação sistêmica e é uma unidade de análise nas Ciências Humanas. Segundo Duarte (2004), boa parte dos estudos e das pesquisas realizadas por Leon- tiev buscava responder a uma pergunta central: Quais as consequências, para a consci- ência humana, desse caráter necessariamente social de nossas atividades? Para responder a essa indagação, Leontiev escreveu duas obras fundamentais: “O De- senvolvimento do Psiquismo” e “Atividade, Consciência e Personalidade”. 12 13 A Proposta Teórico-Metodológica da Psicologia Histórico-Cultural Não há como compreender o projeto de Psicologia desenvolvido por Vigotski, Luria e Leontiev sem debruçar-se à crítica das bases conceituais da Psicologia hegemônica da época (experimental, abstrata, idealista, mentalista e acrítica), e ao tempo, ao momento e à conjuntura histórica que os autores vivenciavam na construção de um povo socialista. O materialismo histórico-dialético (o método proposto por K. Marx,como vimos no módulo anterior) é a grande fundamentação para a produção teórico-prática da Psicologia Soviética, que desnaturaliza as inúmeras esferas da vida social, e a própria produção de ciência. Trata-se, portanto, da superação da lógica formal, a partir do aprofundamento dialético dos estudos em Psicologia, emergindo caminhos para a superação de dicotomias clássicas, como indivíduo-social, objetividade-subjetividade, sujeito-objeto, entre outras. Segundo Martins (2016), as contribuições da troika (Vigotski, Luria e Leontiev) leva- ram a uma análise radical dos fenômenos psíquicos e sobre o desenvolvimento humano. Buscando superar os enfoques organicistas (naturalizantes), a-históricos e idealistas acer- ca da formação humana, de sorte a apreendê-la sem desgarrá-la das condições concretas de vida que lhe conferem sustentação. Desde então, atravessando todo o século XX e adentrando o século XXI, a psicologia histórico-cultural teve seu corpus teórico enrique- cido, firmando-se com solidez e atualidade na área da Psicologia. Entretanto, em face de circunstâncias da “era stalinista”, esse acervo tardou a ser internacionalmente socializa- do, dado que teve seu início na década de 60 do século XX, com a tradução do referido acervo para as línguas espanhola e inglesa. Foi apenas no final da década de 1980 e, sobretudo, na década de 1990, que tais obras chegaram ao Brasil, descortinando um novo tempo para a ciência psicológica brasileira. Vale destacar que, no Brasil, a Psicologia Histórico-Cultural influenciou o surgimento da Psicologia Sócio-Histórica (Escola de São Paulo de Psicologia Social) e a pedagogia histórico-crítica, sendo reflexo das tensões sociais e políticas que vivenciamos no país – em nossa próxima Unidade, estudaremos mais sobre a Psicologia Sócio-Histórica. Já no campo da educação, a principal marca das contribuições da Psicologia Histórico-Cul- tural versam sobre o compromisso com a socialização das máximas conquistas culturais da humanidade. Numa sociedade de classes, nada é distribuído de modo equânime, e a consciência deste fato demanda a defesa intransigente da escola como instituição responsável por disponibilizar a todos, especialmente a filhos e filhas da classe traba- lhadora, o que há de historicamente mais desenvolvido no âmbito dos conhecimentos filosóficos, artísticos e científicos. Para Martins (2016), a grande contribuição da abordagem está no cerne da noção histórico-cultural do desenvolvimento humano, que não nega a realidade e suas con- tradições sociais, evidenciando o papel estratégico da interação social como modo de humanização e singularização dos sujeitos; ou seja, compreendendo a possibilidade de desenvolver em si as propriedades de alcances incomensuráveis que já se fazem conso- lidadas no gênero humano. 13 UNIDADE Psicologia Histórico-Cultural Uma Psicologia comprometida com a compreensão do sujeito na/a partir da realida- de e das tensões histórico-culturais da sociedade de classes. Principais Conceitos da Psicologia Histórico-Cultural Psiquismo Humano O psiquismo é unidade material/ideal que se desenvolve socialmente, à base da qual se forma a imagem subjetiva da realidade objetiva – o reflexo consciente da realidade, por ação de um sistema interfuncional. Ou seja, o psiquismo condensa os mecanismos e pro- cessos orgânicos, próprios ao sistema nervoso central, e os conteúdos ideativos, que outra coisa não são, senão, a imagem, a representação consciente do real (LEONTIEV, 1978). Trata-se de uma relação de interpenetração e interdependência, sendo que a base orgânica, ponto de partida na existência de todos os seres vivos, fornece apenas os ele- mentos primários requeridos ao desenvolvimento do psiquismo e da consciência. Destaque-se, ainda, que, segundo Martins (2016), nem mesmo a ideia pode ser consi- derada uma abstração pura, uma vez que ela corresponde sempre a algo extra subjetivo, sendo uma imagem do real. Precisamente nisso reside a dupla face da materialidade do psiquismo humano; ou seja, sua base material orgânica (cerebral) e a materialidade do objeto, da realidade concreta contida na ideia. Destarte, são as formas de existência social que criam as formas de funcionamento psíquico e o próprio psiquismo. Atividade A teoria marxista tem sua centralidade na noção de trabalho, como ação humana de transformação da realidade. Duarte (2000) aponta que a atividade é a possibilidade de distinção do ser social e do ser natural, em especial, ao compreender o humano como ser social, histórico e cultural. Para o autor, há três características fundamentais: (1) ser uma atividade conscientemente dirigida por uma finalidade pre- viamente estabelecida na consciência, (2) ser uma atividade mediatizada pelos instrumentos, e (3) ser uma atividade que se materializa em um pro- duto social, um produto que não é mais um objeto inteiramente natural, um produto que é uma objetivação da atividade e do pensamento do ser humano. (DUARTE, 2000, p. 208) Nessa perspectiva, Zanella (2004) indica que devemos compreender a atividade humana orientada por um objetivo, podendo fazer uso dos instrumentos de mediação e produzindo algo que podemos caracterizar como elemento da cultura, seja por sua existência física, seja por sua existência simbólica, e que consiste na objetivação do ser humano. 14 15 Isso significa que uma atividade orientada por um objetivo é uma atividade consciente. Zanella (2004) aponta que mesmo uma questão inconsciente, assim, é consciente. Essa questão do consciente/inconsciente é complexa, na medida em que apresenta a atividade como consciente ou não consciente, mediada ou imediata , sendo que o fator que as distingue é a utilização de instrumentos mediadores. Toda a atividade humana produz cultura, e, no processo dessa produção, objetiva o ser humano e ao mesmo tempo subjetiva. O resultado da atividade é, desta feita, tanto a produção de uma realidade humanizada quanto a humanização do sujeito que a empre- ende, em face da relação inexorável entre sujeito e sociedade. Consciência A noção de consciência apresentada pela Psicologia Histórico-Cultural remete à aná- lise do processo histórico de desenvolvimento da consciência humana, em que Duarte (2004) reafirma a concepção de Leontiev sobre a formação da consciência como um fenômeno alicerçado na divisão social do trabalho e na propriedade privada, que pro- duziram historicamente determinada forma de estruturação da consciência humana, forma essa que se caracteriza pela dissociação entre o significado e o sentido da ação. Tal dissociação é reconhecidamente nomeada como alienação. Martins (2016) conceitua consciência a partir da relação ativa do ser às circunstân- cias, provocando transformações no próprio organismo. Desta forma, é impossível se estabelecer uma mera relação de correspondência indireta entre matéria e ideia, uma vez que todo fato psíquico é, ao mesmo tempo, uma parte autêntica da realidade obje- tiva, material, e uma imagem dela, não em separado, mas indissociavelmente unidas na atividade que põe o psiquismo em ação. A formação da consciência é de onde resultam os comportamentos complexos cul- turalmente instituídos, a exemplo de todos os atos voluntários, do raciocínio lógico, da inteligência complexa. E, para que a imagem subjetiva da realidade objetiva se constitua, há que haver a ação de inúmeros processos psicofísicos, a saber: sensação, percepção, atenção, memória, linguagem, pensamento, imaginação, emoção e sentimentos. Cons- ciência, portanto, não se trata de um lugar, ou um processo isolado. É por isso que Dos Santos e Aquino (2014) sintetizam a noção de consciência como um produto das rela- ções sociais que são estabelecidas através da vida social. E, ao mesmo tempo, é mediada pelas significações elaboradas pela própria sociedade, através das tensões históricas. Linguagem Luria (1987) define linguagem humana como um complexo sistema de códigos que designam objetos, características, açõesou relações; códigos que possuem a função de codificar e transmitir a informação, introduzi-la em determinados sistemas. O autor pro- põe a diferenciação entre a linguagem dos animais e a linguagem humana, consideran- do a última como um sistema de códigos suficiente para transmitir qualquer informação, inclusive fora do contexto de uma ação prática. 15 UNIDADE Psicologia Histórico-Cultural Sob essa perspectiva, linguagem configura-se como instrumento semiótico estru- turante das funções psicológicas superiores (do desenvolvimento humano). Bernardes (2011) aponta que é a necessidade de comunicação entre os sujeitos e sua efetivação por meio do sistema de códigos utilizados intencionalmente que criam condições objetivas para a constituição do psiquismo humano. Vale considerar que é graças ao desenvolvimento da linguagem que os seres huma- nos foram muito além dessa forma de representação, instituindo a palavra como, ao mesmo tempo, representação material do objeto – isto é, possibilidade da palavra “ocu- par” mentalmente um lugar físico – e como conceito, como ideia geral identitária que o caracteriza. Ou seja, a palavra como “signo dos signos”, e a linguagem como um sistema de signos apto a operar tanto na comunicação entre os homens quanto na construção do conhecimento acerca do real. Mediação Uma das categorias fundamentais para compreender o processo de desenvolvimen- to humano, de mediação refere-se à dimensão relacional, em especial, no que se refere aos signos enquanto instrumentos psicológicos produzidos socialmente e utilizados pelos seres humanos na comunicação com os outros, com os quais se relacionam e consigo mesmos. Os signos são produto da ação do próprio ser humano e decorrem, portanto, da his- tória da humanidade, enfatizando o caráter social do psiquismo humano. O signo é um elemento que representa algo para alguém. Bernardes (2010) afirma que os signos e os instrumentos são como uma construção historicamente elaborada pelos sujeitos, têm como finalidade mediar o processo de apropriação da realidade, e paralelamente criar condições para a transformação da natureza. Os signos existem como significado social e sentido pessoal. O significado social é resultado das apropriações efetivadas pelo homem, historicamente. O sentido pes- soal, ou subjetivo, é resultado da interação real existente entre o sujeito e o mundo. Ou seja, a atividade humana é mediada “externamente” pelos instrumentos técnicos, que têm a função de regular as ações sobre os objetos, e pelo sistema de signos, que tem a função de regular as ações sobre o psiquismo dos outros e de si mesmo. Pensamento A Psicologia Histórico-Cultural estabelece estreitas relações que ligam o pensamento humano à linguagem, já que o significado das palavras constituído socialmente cumpre uma dupla função: de representação e generalização, o que permite a reconstrução do real ao nível do simbólico. Segundo Leontiev (1978), o pensamento refere-se à função humana de construção da imagem do objeto em suas vinculações internas abstratas, a partir de operações lógi- cas que, ao pensamento, se impõem como exigências da atividade que vincula sujeito e 16 17 objeto, e tais operações se instituem primeiramente como operações práticas e, apenas ao longo do desenvolvimento, se convertem em operações teóricas. Por decorrência desse processo, o objeto, em sua condição de representação sensível, se institui como ideia. A atividade se revela como gênese do pensamento por sintetizar tanto a atividade prática – a atuação concreta sobre o objeto – quanto a atividade teórica (abstrata), que se desdobra dessa atuação. Por isso, Leontiev postulou que as operações de trabalho, ao modificarem radicalmente a estrutura geral da atividade, evidenciaram as possibilidades para a ampla complexificação do psiquismo humano. O pensamento, para Vigotski, se desenvolve em várias etapas, no que o autor cha- mou de periodização do desenvolvimento do pensamento. Tais etapas compreendem: pensamento sincrético, pensamento por complexos e pensamento abstrato. Pensamento Sincrético O pensamento e a ação se identificam às suas percepções e impressões sensíveis ime- diatas. Nessa etapa do desenvolvimento do pensamento, a imagem psíquica da realidade mostra-se de maneira indiferenciada, inexistindo conexões objetivas entre os fenômenos que a constituem, combinando elementos que não mantêm entre si nenhuma correspondência objetiva. Ao longo dos anos iniciais de vida, a criança vai adquirindo domínios sobre a fala, e isso possibilita a superação gradual do sincretismo e o ingresso na etapa subsequente. Pensamento por Complexos O pensamento por complexos possui um longo percurso, caracterizando a formação de conceitos desde o término da primeira infância até o início da adolescência, com- preendendo, portanto, muitas variações funcionais e estruturais. O pensamento nessa etapa, da mesma forma que nas demais, visa ao estabelecimento de conexões entre diferentes impressões concretas, ao estabelecimento de relações e generalizações de objetos distintos, implicando o ordenamento e a sistematização da experiência individual consubstanciados na imagem psíquica dela resultante. O pensamento nessa nova etapa adquire um grau superior de coerência e objetividade em relação ao pensamento sincré- tico, que começa a ceder lugar a vínculos reais estabelecidos entre as coisas por meio da experiência sensível. Os complexos abarcam, então, o estabelecimento de relações, ou generalizações, entre objetos diferentes, baseando-se em uma multiplicidade de vínculos possíveis entre eles, que refletem conexões práticas e casuais resultantes da relação ativa da criança em seu ambiente físico e social. Pensamento Abstrato O pensamento abstrato, ou lógico-discursivo, representa o pensamento na exata acepção do termo, uma vez que, ao ultrapassar a esfera das ações práticas e das ima- gens sensoriais, torna possível a apreensão dos fenômenos para além das aparências; isso é, em sua essencialidade concreta, como síntese de múltiplas relações. Todavia, o percurso que avança do pensamento sincrético ao pensamento abstrato não resulta de determinantes naturalmente disponibilizados pela herança biológica ou por critérios cronológicos, mas da qualidade das mediações que ancoram a relação sujeito-objeto. Por conseguinte, tais etapas e fases ultrapassam as especificidades da infância e adolescên- cia, podendo caracterizar, inclusive, as maneiras de pensar de pessoas cuja formação 17 UNIDADE Psicologia Histórico-Cultural cultural não otimizou o desenvolvimento do pensamento. Destaque-se, pois, que o pen- samento abstrato é uma conquista resultante das apropriações das objetivações simbóli- cas, que carecem de transmissão por outrem, que demandam ensino. Zona de Desenvolvimento Proximal A Zona de Desenvolvimento Proximal (Z.D.P.) é caracterizada pela distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução in- dependente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto. O desenvolvimento real, para o autor, é aquilo que a criança já aprendeu. O nível de desenvolvimento potencial é aquele que equivale àquilo que ela atingiu a partir da intera- ção com o Outro, como uma pessoa adulta ou o professor. O conceito de Z.D.P. insere, assim, o elemento da interação como fundamento para a aprendizagem da criança. Ao afirmar que a criança aprende com o adulto, reforça-se a tese marxista de que é neces- sário um processo de mediação social para haver aprendizagem (VIGOTSKI, 2000). A Z.D.P. modifica, de maneira específica, o pensamento sobre determinados con- ceitos, pois a aprendizagem equivale à aquisição de muitas capacidades especializadas para pensar sobre várias coisas. A especialidade da aprendizagem torna o processo qua- litativamente mais interessante. Segundo Barra (2014), a concepção de Z.D.P. permite verdadeirodesenvolvimento das crianças e sujeitos, enfatizando que a assistência que as pessoas recebem hoje, a partir da Z.D.P., transforma-se na possibilidade de o sujeito realizar, com autonomia, a mesma ação. Em Síntese A Psicologia Histórico-cultural... Vigotski, Luria e Leontiev abriram caminhos para a produção de um conhecimento críti- co e rigoroso em Psicologia, fundamentado na realidade e em seu movimento dialético. Os autores inauguraram uma forma de se pensar o desenvolvimento humano, descre- vendo, a partir da empiria, funções psicológicas superiores e a subjetividade. Segundo Rego (2011), existem cinco pontos essenciais a serem considerados: 1) as fun- ções psicológicas superiores são resultado da interação dialética do sujeito com o seu meio sociocultural; 2) as funções psicológicas superiores se originam nas relações do indivíduo e seu contexto social; 3) o cérebro é dotado de plasticidade; 4) as atividades humanas são mediadas por instrumentos e símbolos; 5) os processos psicológicos não podem ser resumidos a simples reflexos condicionados. No Brasil, vale reconhecer a ênfase da Psicologia Histórico-Cultural como fundamento para prática no campo da Psicologia da Educação, da Psicologia Social, da Neuropsico- logia e dos estudos sobre desenvolvimento humano. Um saber crítico e compromissado sobre o humano como social, ativo e histórico. 18 19 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Ontocast Episódio 24, com Gisele Toassa – Psicologia Histórico-Cultural Ontocast é um podcast marxista ortodoxo com o objetivo de divulgar ciência e filosofia à luz do materialismo histórico de Marx, da concepção ontológica do ser social de György Lukács e da contribuição do realismo crítico, entre outros autores da tradição ontológica marxista. Em seu episódio 24, recebeu a Prof.ª Gisele Toas- sa para falar sobre Psicologia Histórico-Cultural. https://youtu.be/ANuUiiwX5l0 Vigotski: a construção de uma Psicologia marxista (Silvana Tuleski) Aula ministrada pela Prof.ª Dr.ª Silvana Calvo Tuleski. https://youtu.be/gvi7b3aWcZw Leitura Manuscrito de 1929 Esse trabalho não apenas permite espiar o laboratório criativo do famoso pensador, com clareza ver o processo de cristalização de algumas teses da teoria histórico-cul- tural, bem conhecidas pelos trabalhos clássicos de L. S. Vigotski do início dos anos 30, mas contém também uma série inteira de ideias originais e desenvolvimentos de pensamentos, os quais não tiveram elaboração em trabalhos posteriores. Em re- lação a isso, as anotações publicadas de L. S. Vigotski jogam nova luz em algumas teses fundamentais de sua concepção, apresentando-as de ângulo tal que as torna extremamente atuais também para a psicologia moderna. https://bit.ly/31cTCLL O jogo como atividade: contribuições da teoria histórico-cultural Nesse artigo, analisamos o jogo protagonizado (jogo de papéis), buscando compre- ender o seu papel no desenvolvimento da criança e a sua relação com a organização do ensino na infância. Tendo a teoria histórico-cultural como a que fundamenta esse trabalho, assumimos uma concepção de desenvolvimento eminentemente histórica, na qual o desenvolvimento do psiquismo é determinado por relações socioculturais mediadas. Nessa perspectiva, o jogo é entendido como uma atividade na qual o homem reconstrói as relações sociais e, nesse processo, formam-se novas funções psíquicas. Desse modo, o jogo protagonizado surge como uma forma peculiar e específica da atividade humana pela qual as crianças se apropriam da experiência social da humanidade e se desenvolvem como personalidade. Na organização do ensino, o educador não deve apenas utilizar o jogo como instrumento, mas ter por objetivo revelar as relações humanas presentes nele, para que as crianças possam delas se apropriar. https://bit.ly/3f4pevn 19 UNIDADE Psicologia Histórico-Cultural Referências BARRA, A. S. B. Uma análise do conceito de zona de desenvolvimento proximal. Re- vista da Universidade Vale do Rio Verde, v. 12, n. 1, p. 765-774, 2014. BERNARDES, M. E. M. Atividade educativa, pensamento e linguagem: contribuições da psicologia histórico-cultural. Psicologia Escolar e Educacional, v. 15, n. 2, p. 323- 332, 2011. DOS SANTOS, G. R; AQUINO, O. F. A psicologia histórico-cultural: conceitos princi- pais e metodologia de pesquisa. Perspectivas em Psicologia, v. 18, n. 2, 2014. DUARTE, N. A. 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