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TEMA 3- Índios idealizados romantismo e as políticas de Rondon

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Índios idealizados: romantismo e as políticas de Rondon
Prof. Daniel Vainfas
Descrição
A questão indígena no Brasil do século XIX aos dias atuais e sua relação com as políticas de Rondon e a
antropologia nacional.
Propósito
Compreender a trajetória histórica das políticas indigenistas é fundamental para uma avaliação crítica da
participação dos povos indígenas na sociedade brasileira atual, demarcando a valorização da sua
contribuição para a formação da identidade nacional para além de teses clássicas assimilacionistas.
Objetivos
Módulo 1
A questão indígena no Brasil: disputa dos discursos
Reconhecer as bases históricas da política indigenista brasileira.
Módulo 2
As Forças Armadas e a questão do indigenismo
Relacionar a política indigenista com as questões associadas à segurança nacional e às Forças
Armadas.
Módulo 3
A decolonialidade do debate
Analisar as formas tradicionais de pensar a política indigenista a partir dos conceitos do debate
decolonial.
Introdução
– Professor, acho que você se enganou! Não são “índios”, essa era uma visão antiga... Hoje, falamos em
“povos originários”, ou “povos indígenas”, para dar uma pluralidade, não é isso?

– Muito bem observado! Mas o termo usado é o termo datado mesmo, para que você consiga ver como
eram tidos como uma entidade, algo único. A partir do momento que reconhecemos suas singularidades,
hoje, é que notamos que são etnias diversas, daí a valorização de termos plurais. Nosso olhar passa por
essa transformação. Vamos entender melhor?
Quando pensamos nos povos indígenas brasileiros, somos reféns de duas imagens: de um lado, o indígena
dizimado pelo contato com os povos europeus, reduzido a um refugiado na própria terra; de outro, o
indígena fossilizado, preso a formas de sociabilidade arcaicas e estagnado em sua cultura material.
A realidade, contudo, é muito mais complexa: os povos indígenas são um elemento vivo da sociedade
brasileira que atua no cenário nacional desde antes do início da ocupação portuguesa. Seus diversos papéis
ao longo da história, assim, se traduzem no complexo drama nacional.
1 - A questão indígena no Brasil: disputa dos discursos
Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer as bases históricas da política
indigenista brasileira.
A idealização do século XIX
Inicialmente relatada por Lévi-Strauss e recontada por Viveiros de Castro (2014), uma das anedotas mais
famosas acerca da relação entre os povos originários do continente americano e os exploradores europeus,
ainda no século XVI, servirá de ponto de partida para nossa jornada. Diante da descoberta de um continente
inteiramente novo, ausente de todos os mapas e desconhecido pela antiga civilização greco-romana, a
intelectualidade europeia do período ficou em choque.
Era preciso, afinal, encaixar aquela nova massa de terra não apenas nos mapas, mas também na
cosmovisão europeia da época. Isso significou um acalorado debate entre os jesuítas, vanguarda não
apenas da exploração desse mundo desbravado, como também da fronteira intelectual na Europa, acerca da
seguinte pergunta: seriam os habitantes do novo mundo dotados de alma?
Naturalmente, essa era a forma que um europeu do século XVI, imerso na religiosidade típica do período,
marcada pela Reforma Protestante, encontrava para indagar se os povos da América eram pessoas ou não,
dada inclusive a ausência de menções ao continente americano nos textos religiosos cristãos. Após anos
de discussão e argumentos extensos, os jesuítas se deram por satisfeitos e decretaram que tais povos
tinham alma e deviam, portanto, ser convertidos e salvos.
Retração da América, Jan Galle, por volta de 1615.
Enquanto conduziam esse debate nos círculos intelectuais europeus, os indígenas daqui estavam
igualmente estarrecidos com a presença dos europeus, pois se tratava de um povo que viera do mar, de uma
terra distante, e que precisava ser encaixado na cosmovisão dos povos americanos. Por isso, capturaram
alguns exploradores e iniciaram um debate próprio em torno da humanidade dos visitantes: seriam os
habitantes da Europa dotados de corpo?
Para os indígenas antropofágicos que fizeram esse contato inicial, essa era a pergunta-chave a ser
respondida, porque humano era aquele que tinha corpo e que, por isso, podia ser ritualisticamente devorado
e participar do universo religioso. Desse modo, após cozinharem os exploradores e realizarem o ritual
adequado, eles chegaram à conclusão de que os europeus eram dotados de corpo, sendo, portanto, gente.
O desembarque dos portugueses no Brasil em 1500, Roque Gameiro, por volta de 1900.
Essa história é muito ilustrativa não apenas da forma específica pela qual o debate toma corpo, mas
também pela simetria dos processos: de ambos os lados do Atlântico, havia um esforço para encaixar cada
um dos novos habitantes do mundo na sua cosmovisão vigente. Nos dois casos, o veredito alcançado foi o
da humanidade do outro, ainda que com os percalços da época. São justamente esses percalços que nos
interessam!
A condição humana é sempre idealizada, seja na forma da alma ou na forma do corpo.
Por isso, quando observamos o século XIX, vemos um tensionamento entre duas visões distintas sobre os
indígenas:
Busca pela assimilação dos indígenas por parte do Estado brasileiro
Pelo meio que o Estado julgasse conveniente, os indígenas deveriam ser convertidos em trabalhadores
disciplinados e produtivos.

Busca por justi�car-se como país por parte do Estado brasileiro
Como jovem nação, precisavam construir para si uma memória comum e uma unidade simbólica
capaz de converter todos os habitantes do território em brasileiros.
Para que isso acontecesse, a multiplicidade de nações indígenas mostrava ser um grande entrave: não é
possível que haja uma memória coletiva comum se existem tantos povos distintos e – mais grave – se a
institucionalidade herdada do antigo regime português reconhece tal multiplicidade. Os indígenas
brasileiros não eram simplesmente povos submetidos: muitos deles foram incorporados como súditos do
rei pelos mecanismos de vassalagem europeus adaptados aos trópicos.
O problema para a política brasileira da época era, portanto, o de contornar essa herança típica das
monarquias europeias e homogeneizar os súditos da nova Coroa brasileira. Para isso, deslocou-se o foco do
indígena real, que participava da vida política, tinha acordos com o imperador e era reconhecido como
vassalo, para um imaginado, idealizado e que, segundo os formuladores dessa ficção, existira no passado,
mas já não existia no presente.
ecanismos de vassalagem europeus adaptados aos trópicos
Um povo que atuasse como aliado da Coroa em uma guerra podia requisitar a mercê de ser reconhecido como
um vassalo parcialmente autônomo e dotado de um estatuto próprio que o tornava, diante da Coroa e dos
demais vassalos, um sujeito dono de direitos e deveres.
O último Tamoio, Rodolpho Amoêdo, 1883.
Um belo dia era o dia 7 de setembro de 1822, Ângelo Agostini, 1883.
Essa separação entre um suposto indígena do passado (heroico e digno, sendo convertido em símbolo
nacional) e aquele concreto e contemporâneo (mesmo violento e insubmisso) dialogava com a política
assimilacionista do Império.
O chamado “índio” simbólico do passado funcionava como um ideal que norteava a
política do presente e contribuía para o apagamento dos movimentos indígenas
problemáticos ao regime.
Iracema, José Maria de Medeiros, 1881.
A arte brasileira e os povos originários
Confira agora a questão dos povos originários na representação artística do século XIX e sua
ressignificação no século XX.

A República e a questão indígena
Esse processo de apagamento indígena continuou com a transformação do Império em República. Se antes
ele era formulado como um súdito do imperador, agora devia ser pensado como um cidadão nacional,
submetido, portanto, à égide do Estado brasileiro.
Assim como todos os demais cidadãos, o indígena deveria diluir-se na pátria como um
em muitose igual a todos.
Apesar disso, foi definido no Código Civil de 1928 que o indígena não era cidadão pleno, sendo sujeitado ao
chamado poder tutelar, de modo que a participação política dos povos originários foi, ao longo de quase
todo o século XX, mediada pelo próprio poder estatal. Essa mediação tomou forma institucional
primeiramente a partir do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e, posteriormente, da Fundação Nacional do
Índio (Funai).
Iracema, José Maria de Medeiros, 1881.
O SPI teve um papel importante na mediação do contato com os Ka’apor no Pará. Também conhecidos
como Urubus por conta dos seus adornos com plumas, os Ka’apor eram um povo habitante da Amazônia
que vivia em constante contato com os habitantes brasileiros do Pará.
Fotografia de Darcy Ribeiro de um membro do povo Ka’apor, de 1951.
Em 1911, o SPI fez um primeiro contato para iniciar os chamados “esforços de pacificação”, oferecendo
algumas ferramentas de aço aos Ka’apor. Entretanto, esse primeiro contato terminou com um integrante do
SPI ferido pela flechada de um dos indígenas.
Os anos subsequentes foram marcados por:
Expedições punitivas conduzidas pelo Estado às aldeias Ka’apor.
Incursões dos Ka’apor às cidades brasileiras, quase sempre em busca de ferramentas de
aço que eles convertiam em pontas de �echas.
Esse processo violento só terminou em 1928, quando os Ka’apor dirigiram-se pacificamente a um posto do
SPI para sinalizar que as hostilidades deveriam ter fim.
Ao mesmo tempo que essas relações do SPI eram marcadas pela violência estatal contra os indígenas, o
órgão, ainda na missão do século XIX de “civilizar” e “pacificar” os povos nativos a fim de incorporá-los ao
Estado, teve um papel relevante: estabelecer uma linha de contato entre os indígenas e uma nova
abordagem etnográfica que ganharia corpo no século seguinte.
Escola do Posto Indígena Rodolfo Miranda, Amazônia, 1922.
Uma das figuras que sintetiza esse movimento é Curt Nimuendajú, etnólogo alemão que dedicou sua vida
ao estudo dos indígenas brasileiros. Na segunda década do século XX, a serviço justamente do SPI, ele
esteve em contato com indígenas amazônicos – entre os quais, os Ka’apor.
Curt Nimuendajú.
Nimuendajú usou de sua posição com o SPI para denunciar crimes contra os indígenas da região, mesmo
no caso de seus perpetradores terem sido inocentados pela justiça da época. Sua postura trazia como norte
a preservação da cultura indígena, opondo-se à linha dominante de assimilação ao país.
Da mesma forma, os indígenas Ka’apor divergiam entre si quanto à forma de se aproximarem do Brasil que
se apresentava a eles. Por isso, seus membros alternavam-se entre incursões militares e negociações
pacíficas, o que gerou reflexos tanto nas tensões externas quanto nas divergências internas.
Esses tensionamentos também indicavam fraturas no projeto geral do Estado brasileiro. Seus objetivos,
afinal, já se tornavam menos monolíticos e os processos de idealização, diferentes.
Duas vertentes atuavam dentro do próprio Estado e tensionavam a política nacional:
De um lado, havia o campo estabelecido de que os indígenas devem ser assimilados à sociedade como
um em muitos e igual a todos.
De outro, um conjunto novo de etnógrafos pauta a autonomia do indígena e a defesa de uma política de
não contato.
O indígena na segunda metade do século XX

Em 1967, o SPI, como apontamos, foi convertido em Funai, embora sua missão institucional permanecesse
a mesma. Contudo, alguns novos tensionamentos surgiram.
Exemplo
Ganha destaque a política de demarcação de terras indígenas, cujo caráter inalienável passa a ser
estabelecido pela Constituição de 1967.
As décadas seguintes são marcadas por uma crescente transformação da linha dominante da política
indigenista brasileira. Se até então a tônica era sua incorporação na sociedade brasileira, começa a ganhar
destaque agora uma política de preservação cultural.
Essa transformação veio acompanhada de outros atores, que passaram a ocupar o palco da questão
indigenista. A resistência indígena aos processos de submissão ao Estado geraram frutos dentro da própria
sociedade brasileira.
Exemplo
Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que é vinculado à Igreja Católica. Criado em 1972, o Conselho
Indigenista Missionário (CIMI), ao longo da década de 1970, foi responsável pela organização de grandes
assembleias entre diversos povos indígenas diferentes. Isso contribuiu para a articulação de uma agenda
indígena mais ampla, desfazendo o caráter fragmentário das lutas locais e colocando as reivindicações dos
diversos povos como uma questão coesa a ser trabalhada pela institucionalidade brasileira.
É também na esteira dessa transformação que surge a União das Nações Indígenas (UNI), em 1981, cujos
coordenadores levaram uma proposta para a Constituinte de 1987 acerca da questão indigenista. No ano
seguinte, ela foi convertida no capítulo VIII (“Dos índios”) da Constituição de 1988.
Indígenas de diversas etnias fazendo vigília no Congresso Nacional para garantir seus direitos na Constituinte, em junho 1988.
Trata-se, portanto, da consolidação na lei da busca por autonomia frente ao próprio Estado brasileiro. A
partir de 1988, a noção de tutela do Estado sobre os indígenas torna-se uma figura do passado, sendo
reconhecido o direito de os indígenas pleitearem frente aos órgãos públicos sem a mediação de nenhum
órgão específico, por exemplo, a Funai.
Evidentemente, essa transformação não foi realizada sem obstáculos. A própria existência de um regime
ditatorial ao longo desse período já indica uma situação de tensão que transbordava em violência estatal.
Um indígena foi mostrado no pau-de-arara em Belo Horizonte, durante solenidade de formatura da primeira turna do reformatório Krenak, em
fevereiro de 1970. Esses centros de detenção arbitrária de indígenas tinham como objetivo liberar terras para posseiros.
Exemplo
Em 1982, a Funai assina um contrato com uma empresa de mineração permitindo a exploração econômica
das terras dos Waimiri-Atroari no estado do Amazonas. Anos antes, entre 1972 e 1974, uma incursão do
Exército brasileiro para a construção da BR-174, que liga Manaus a Boa Vista, causou a morte de mais de
2.000 membros dessa etnia por conta do uso de armas de fogo pelas tropas brasileiras contra as
populações indígenas locais.
Esses massacres e a relação dos órgãos estatais (tanto o SPI quanto a Funai) com o ocorrido ficaram
conhecidos por conta do trabalho de dois missionários do CIMI: Egydio Schwade e sua esposa, Doroty
Schwade.
Egydio Schwade em Roraima, na aldeia Yawara. ao lado dos Waimiri-Atroari, a quem ajudou a alfabetizar entre 1985 e 1986.
Ambos descobriram a tragédia após terem implementado um projeto de alfabetização na língua nativa entre
1985 e 1986, pois seus arquivos contavam com desenhos dos alunos da alfabetização retratando os
massacres, além de diversos recortes de fontes oficiais em que havia algum registro das violações de
direitos que vitimizaram os indígenas.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
O projeto indigenista nacional apresenta transformações e permanências ao longo do século XX. Com
base nisso, é correto afirmar que
Parabéns! A alternativa C está correta.
Em oposição à linha tradicional de incorporação do indígena ao Estado brasileiro, o reconhecimento da
inalienabilidade da terra indígena representa uma maior autonomia desses povos, já que eles podem
exercer suas formas de reprodução social sem a tutela do Estado. A forma atual dessa jurisdição é, em
si mesma, fruto das reivindicações dos anos 1980 e representa uma conquista frente às formas
tuteladas de existência anteriores.
A
o projeto de integração do indígena como trabalhador nacional é a tônica atual da
legislação indigenista presente na Constituição Federal.
B
a integração do indígena visava à sua transformação em trabalhador industrial,
contribuindo para o desenvolvimento econômico do país.
C
a garantia do direitoinalienável à terra foi uma conquista de autonomia indígena e
ampliou suas possibilidades de autodeterminação.
D
o reconhecimento pela Constituição Federal de 1967 do direito das comunidades
indígenas à inalienabilidade da terra representa uma continuidade da política do SPI de
incorporação do indígena à cidadania brasileira.
E
as transformações na política indigenista ocorreram sem sobressaltos, sendo fruto da
continuidade política vigente desde o fim do Império.
Questão 2
A idealização romântica do indígena no século XIX foi um fenômeno basilar da construção da
identidade nacional, porque
Parabéns! A alternativa C está correta.
O esforço de idealização do indígena heroico está associado à criação de um exemplo pacífico que
teria existido no passado, sendo distinto dos indígenas violentos com os quais o Império tinha contato.
Ao criar o exemplo de um indígena a ser seguido, tal figura mitológica não apenas permitia uma
referência comum de um passado brasileiro, como também norteava o projeto assimilacionista.
A
permitiu a unificação do povo brasileiro a partir das experiências concretas das relações
com os indígenas.
B
representou uma tendência jurídica herdada do antigo regime europeu, no qual a
identidade nacional era moldada pela relação de vassalagem ao rei.
C
transformou os indígenas reais em figuras conflituosas e justificou a política de
assimilação pela força.
D
permitiu substituir o indígena real dos conflitos armados por um indígena pacificado, o
qual, sendo imaginário, seria capaz de homogeneizar a população indígena e nortear a
política de assimilação.
E
representou os ideais de nacionalismo europeus adaptados para a figura do indígena
real em constante guerra com o antigo Estado português, sendo, portanto, um ícone de
rebeldia e insubordinação.
2 - As Forças Armadas e a questão do indigenismo
Ao �nal deste módulo, você será capaz de relacionar a política indigenista com as questões
associadas à segurança nacional e às Forças Armadas.
Questão nacional
No âmbito nacional, a questão fundamental para as políticas indigenistas é a relação com a terra e os
recursos naturais a elas associados. Tanto os recursos minerais quanto os hídricos, assim como a própria
utilização das terras para a agropecuária, são elementos de tensão entre as comunidades indígenas e a
economia nacional.
Um exemplo típico dessa tensão é a questão do garimpo em terras indígenas. Mesmo proibido, ele é
praticado em larga escala desde os anos 1970 com a corrida do ouro na região Norte do país. Estimativas
apontam a entrada e a atuação ilegal de cerca de 40 mil garimpeiros na região, o que teria aumentado o
conflito com os indígenas, além de expor populações isoladas a doenças infectocontagiosas.
Atividades de extração ilegal de ouro no Rio das Tropas, na Terra Indígena Munduruku, na região do Alto Rio Tapajós, no sudoeste do Pará.
Esse processo não acontece sem a anuência do Estado. Pelo contrário: ele costuma ser um agente
promotor da exploração econômica das terras indígenas, muitas vezes opondo-se às próprias
determinações legais elaboradas por outros agentes estatais. Um caso emblemático foi a exploração das
terras Yanomâmi pelo garimpo nos anos 1980 que contou com o apoio da Funai.
Essa fundação atuou para remover as organizações internacionais e religiosas que atuavam na região sob o
pretexto de que elas estariam incentivando a hostilidade contra os garimpeiros. Esse processo só foi
revertido com a demarcação definitiva das terras Yanomâmi em 1992. Porém, com a elevação da cotação
do ouro, o problema retornou na década de 2020.
Planet/MapBiomas / site-antigo.socioambiental.org
Planet/MapBiomas / site-antigo.socioambiental.org
A Terra Indígena Apyterewa em 2017 e 2020. A Terra Indígena Apyterewa foi uma das áreas que mais sofreu
com a interrupção das operações do Ibama em abril de 2020.
O recrudescimento dos problemas diante da elevação do valor monetário de determinado recurso
associado às terras indígenas se repete quando o assunto é a questão fundiária. Conforme o preço da terra
sobe e ela se valoriza como ativo, há também movimentos para incorporar as terras indígenas ao setor
dinâmico da agricultura, ou seja, o agronegócio.
Essa incorporação ocorre principalmente na fronteira agrícola do país. Trata-se, no caso atual, da Amazônia,
que também se destaca como um espaço de expansão da mineração associada ao garimpo, o que se
verifica no caso das terras Yanomâmi.
Uma das construções incendiadas nas terras Yanomâmi, Roraima, em maio de 2022.
Pensando no processo de ocupação territorial da Amazônia, existe uma sequência da exploração
econômica que cria desafios para a territorialidade indígena. A ponta de lança costuma ser a instalação de
uma empresa mineradora ou a descoberta de algum recurso mineral de alto valor que estimule o influxo de
garimpeiros.
Com a instalação da mineradora ou dos próprios garimpeiros, é construída uma
infraestrutura básica necessária para a circulação e o escoamento dessa matéria-
prima. Durante sua construção, o que se verifica predominantemente no caso das
estradas, iniciam-se os contatos com os territórios indígenas, já que as estradas
construídas, muitas vezes, passam pelo interior das suas terras.
Essa violação inicial é acompanhada pelo avanço de outras empresas extrativistas, como as madeireiras,
que usam a infraestrutura construída pela mineração e pelo garimpo para o transporte dos seus produtos.
Isso significa maior fluxo de carga e de pessoas pelas estradas que cortam as terras indígenas. Nesse
cenário, as tensões se acirram, aumentando os riscos de confronto entre indígenas e mineradores ou
madeireiros.
Garipeiros usando mercúrio, substância altamente poluente, para separar o metal dos dejetos, em Roraima, fevereiro de 2021.
Como a exploração de madeira reduz a densidade florestal, isso possibilita a chegada dos primeiros
fazendeiros. Eles não ocupam a terra inteira, mas se apossam de pequenos lotes das terras abertas,
eventualmente convertidas em propriedade privada própria por meio da chamada grilagem das terras.
A grilagem é o processo de conversão de um assentamento irregular em um título
legal de propriedade com a chancela do Estado. Trata-se de um processo típico da
ocupação de terras na fronteira dos assentamentos existentes, sendo muito
associada ao processo de expansão sobre a Amazônia.
Ela é uma grande fonte de conflito com os indígenas, já que, às vezes, o assentamento inicial ocorre em
terras indígenas em processo de demarcação. Isso cria uma dupla titularidade dessas terras, que passam a
ser disputadas por indígenas e grileiros.
Terra Indígena Piripikura após a invasão de grileiros, madeireiros e criadores de gado, Mato Grosso, em março de 2022.
Por fim, com as terras convertidas em propriedade de fato, os pequenos lotes são adquiridos por algum
empreendimento do agronegócio e convertidos em latifúndios, entrando de fato no mercado de terras mais
amplo. Esses latifúndios consolidam a ocupação do território e sedimentam a infraestrutura irregular inicial,
o que cristaliza um cenário de violação da integridade territorial indígena.
Atenção!
É importante notar que, por mais que o direito à terra inalienável seja garantido aos povos indígenas, boa
parte dessa operação descrita ocorre às margens da legalidade.
Muitas vezes, o Estado entra no fim do processo para chancelar as mudanças na paisagem e reconhecer o
direito à propriedade dos agentes privados que ocuparam aquele território. Isso cristaliza a divisão territorial
construída ao longo do assentamento dessas novas populações, fator que, às vezes, envolve alguma
violação das terras indígenas – mesmo daquelas previamente demarcadas. Resultado: a situação de
conflito original é perpetuada.
Questão internacional
Até agora vimos a política indigenista a partir de um prisma histórico nacional. No entanto, existe também
uma dimensão internacional nessa questão, já que a convivência entre as populações de origem coloniale
os indígenas não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, estando presente em diversas partes do globo.
A partir da década de 1970, a causa indígena dá início a um processo de internacionalização a partir de uma
série de conferências entre líderes regionais. O marco inicial desse processo é a Primeira Reunião de
Barbados (1971), seguida pela Segunda Reunião de Barbados (1977) e pela Reunião de São José na Costa
Rica (1981).
Vicente Kañas, o Kiwxi, membro do Conselho Indigenista Missionário, assassinado em 1987 a mando de fazendeiros interessados nas terras
do povo Enawenê-Nawê, com os quais atuava. .
Consolidadas na Declaração de São José (1981), essas reuniões internacionais pautaram dois temas gerais
da causa indígena americana que estão intimamente relacionados. Vamos conferi-los!
Etnocídio
Trata-se de um termo usado para descrever a destruição da cultura de um povo, em vez do povo em si
mesmo. Na leitura de tais conferências, o maior responsável pelo etnocídio era justamente a política de
crescimento econômico associada a uma visão de modernização e de exploração econômica do território
que via nas comunidades indígenas um entrave a esses processos.
Direito ao etnodesenvolvimento
O etnodesenvolvimento surge, portanto, como uma resposta. Ele propõe que as comunidades indígenas
sejam as protagonistas da própria trajetória de evolução, construindo um novo paradigma de
desenvolvimento no qual a preservação das características étnicas seja valorizada.
Tal protagonismo na trajetória de desenvolvimento significa algum grau de autonomia (administrativa e
política) sobre o próprio território para tomar as decisões que a comunidade julga necessárias, a fim de
concretizar esse ideal próprio de evolução. Isso, porém, abriu margem para alguns questionamentos por
parte dos Estados que convivem com a questão indígena, como o Brasil, porque essa previsão de
autonomia poderia dar margem a um processo de secessão do território no qual os movimentos indígenas
atuariam como movimentos separatistas.
Diante dessa ressalva sobre a integridade territorial, a qual constituiu uma preocupação de diversos Estados
signatários da ONU, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) organizou, em 1991, a Convenção nº 169.
Nessa convenção, a OIT explicitamente desfez a relação entre o termo “povo” e o direito internacional, o que,
em tal debate em particular, significa que: a autonomia indígena não se confunde com a soberania nacional.
Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Outro tema que surgiu a partir desse debate foi a questão das terras de fronteira, já que a noção de
autonomia político-administrativa representaria um problema ao patrulhamento nas fronteiras e poderia ser
instrumentalizada de modo a torná-las mais porosas. Esse fato seria agravado pela existência de
comunidades indígenas em mais de um Estado nacional cujas fronteiras cortassem as áreas de tais
comunidades.
Atenção!
Sobre alguns movimentos a esse respeito, a questão da fronteira é um falso problema, pois a soberania
territorial se estende sobre as áreas indígenas e necessariamente sobre o seu entorno. A questão nesse
âmbito diz mais respeito a disputas políticas internas do que propriamente a uma questão internacional do
indigenismo.
Lógica vinculada ao Exército
A questão da fronteira reaparece quando nos voltamos para a relação entre os indígenas e o Exército. Uma
das grandes preocupações dessa corporação é a integração territorial brasileira, com um apreço peculiar às
terras fronteiriças, onde seria mais necessário resguardar a soberania nacional.
Essa relação triangular entre exércitos, indígenas e fronteiras adquiriu diversos matizes ao longo da
história brasileira. Ainda na década de 1930, o SPI foi transferido para o Ministério da Guerra, e uma de suas
diretrizes passou a ser a incorporação dos indígenas como guardas de fronteiras.
Lideranças indígenas, em protesto, deixaram em frente ao Ministério de Minas e Energia (MME) um rastro de sujeira similar àquele que o
garimpo tem deixado para povos, como os Yanomami, os Munduruku e os Kayapó, em Brasília, em março de 2022.
Tal processo envolvia uma modalidade de “educação cívica” desenvolvida para fomentar o sentimento de:
A postura do Exército brasileiro com as regiões afastadas dos grandes centros populacionais (e, em
especial, a Amazônia) pode ser condensada nas palavras de ordem “Integrar para não entregar”, cunhadas
ainda na época da ditadura militar. A preocupação com a soberania nacional se traduz na ocupação e na
integração do território fronteiriço à economia nacional.
Isso ganha contornos mais visíveis quando setores do Exército se manifestam contra a demarcação dos
territórios Yanomâmi na parte norte de Roraima, levantando o fantasma do risco da porosidade das
fronteiras em função da autonomia das terras indígenas. Além disso, existe o risco aventado de uma
partição do território nacional à luz da soberania indígena, possibilidade trabalhada pelos militares
brasileiros como um risco real, mesmo nunca sendo concretizada.
Nacionalidade brasileira.
Rejeição a qualquer tentativa dos estrangeiros do outro lado da fronteira de
aproximação e de criação de vínculos.
Yanomamis, Mundurukus e Kayapós se cobrem de sangue e lama para protestar contra o Projeto de Lei nº 191/2020, que libera a mineração
e o garimpo em terras Indígenas, em Brasília, em março de 2022.
Além dos debates da intelectualidade militar ou as manifestações políticas de suas lideranças, houve casos
mais concretos, estando associados à construção da infraestrutura que atravessa as terras indígenas.
Exemplo
Temo o caso da BR-174 nos anos 1970, em que o Exército foi responsável pelo massacres de indígenas da
etnia Waimiri-Atroari. Outro caso é a mobilização das Forças Armadas contra o julgamento pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) acerca da demarcação das terras indígenas de Raposa/Serra do Sol, em Roraima, sob
a alegação de que ela representaria um risco à soberania territorial nacional, uma vez que eram terras de
fronteira.
Muito disso se deve ao fato de que, dentro da doutrina de segurança nacional, o indígena conceitualmente
deixa de ocupar a posição de aliado – prevista, por exemplo, na política do SPI de treinar guardas de
fronteira indígenas – e passa a ser categorizado como inimigo (real ou potencial). Trata-se de uma doutrina
do inimigo interno na qual o próprio povo do país pode entrar nessa categoria, já que ele se opõe a um
projeto político próprio das Forças Armadas.
Rondon
A despeito da relação conflituosa entre o Exército e os povos indígenas, houve também alguns momentos
de convivência positiva. Uma figura central que demonstra as possibilidades de um contato pacífico e
benéfico é a do Marechal Rondon.
Marechal Rondon.
Nascido ainda na época do Império, em 1865, na cidade de Mimoso, próximo a Cuiabá, hoje no estado do
Mato Grosso, Cândido Mariano da Silva Rondon entrou no Exército aos 16 anos, em 1881. Por meio dos
estudos nas academias militares, ele conseguiu galgar degraus na hierarquia e formou-se como oficial de
engenharia nove anos depois, capacitando-se para o trabalho que lhe abriria as portas do sertão brasileiro.
Bem situado no pensamento positivista que vigorava entre os militares brasileiros da época, Rondon
acreditava na missão civilizatória do Estado brasileiro que tomava muitas vezes a forma de uma expansão
tecnológica pelo interior do país. No contexto de então, isso significava a criação de linhas telegráficas entre
algumas cidades espalhadas pelo sertão.
Em 1890, Rondon participou de sua primeira missão, integrando a equipe que deveria construir a linha
telegráfica entre Cuiabá e Araguaia. Outras missões vieram em seguida: até 1910, Rondon liderou os
trabalhos para estabelecer linhas de comunicação do Rio de Janeiro ao Acre.
Foi no contexto dessas missões que o militar desenvolveu suas técnicas de contato com as populações
indígenas. Tais técnicas seriam adotadas pelo Serviço de Proteção aosÍndios (SPI), instituição fundada
pelo próprio Rondon em 1910.
Ao contrário das experiências de contato anteriores, profundamente marcadas pela violência, Rondon
buscava, antes de tudo, estabelecer uma relação de amizade com os indígenas com os quais tinha contato,
preconizando uma postura defensiva que minimizasse os conflitos.
Após o estabelecimento de um vínculo de confiança, ele fazia a mediação entre os
indígenas e o governo (local ou nacional) para garantir, de um lado, a
disponibilidade de terras para a sobrevivência daquela população e, de outro, o
espaço necessário para a passagem da linha telegráfica em construção.
Tal postura diplomática e apaziguadora foi encapsulada no princípio norteador das expedições rondonianas:
“Morrer, se preciso for; matar, nunca”. Essa posição era pautada pela percepção de Rondon de que havia
legitimidade na visão indígena de que aquelas terras eram deles, e não do Brasil. Assim, as expedições
eram, à sua maneira, uma forma de invasão!
Consciente, portanto, do seu caráter de invasor, Rondon buscava negociar com os indígenas o
reconhecimento da legitimidade do pleito brasileiro ao uso daquele espaço, sem, entretanto, impor isso a
eles.
Rondon explicando o funcionamento de um relógio aos indígenas Caianã.
Um jovem Tacuatépe e Marechal Rondon.
Rondon estava inserido na tradição positivista e civilizatória, uma vez que, nas missões de exploração e
instalação de linhas telegráficas, sua lógica militar e suas preocupações com a segurança nacional são
patentes. Mesmo assim, ele tinha características que o destacavam dos demais personagens de seu tempo
– em especial, por ter uma visão que se refinava com o passar dos anos.
Apesar de inicialmente pensar suas expedições como dotadas de um caráter civilizatório, esse militar foi
um dos primeiros a reconhecer o direito à diferença no sentido de uma proposição étnica, isto é, os povos
indígenas não deveriam ser necessariamente convertidos em brasileiros. A eles, portanto, deveria ser dada a
escolha sobre o próprio destino.
É sob a égide de Rondon que os irmãos Villas-Bôas – Leonardo, Cláudio e Orlando – e o SPI idealizaram o
Parque Nacional do Xingu (chamado, hoje, de Parque Indígena do Xingu).
Orlando, Leonardo e Cláudio Villas-Bôas, indigenistas e prosseguidores da obra de defesa das populações indígenas iniciada por Marechal
Rondon e fundadores do Parque do Xingu, primeira reserva indígena brasileira.
Isso não apenas marcou a garantia de sobrevivência material e cultural dos povos do alto Xingu, como
também inaugurou uma nova fase do projeto indigenista, que passa a ser pautado também pela
antropologia nacional.
A disputa pela demarcação de terras do Xingu
Confira agora um caso famoso e que nos ajuda a entender as relações entre política indigenista com
questões associadas à segurança nacional e às Forças Armadas.

Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Dois conceitos fundamentais para o indigenismo atual são o etnocídio e o etnodesenvolvimento. Qual
relação podemos estabelecer entre ambos?
A
Segundo a visão atual, a principal causa do etnocídio é a política de crescimento
econômico associada à exploração das terras indígenas. Nesse sentido, o
etnodesenvolvimento configura uma forma de frear o etnocídio, trazendo uma
alternativa ao programa desenvolvimentista tradicional.
B
Parabéns! A alternativa A está correta.
Sabendo que o etnocídio é a destruição de determinada etnia e de sua cultura, e que o
etnodesenvolvimento se refere a uma forma de desenvolvimento na qual a diversidade étnica é
valorizada e cada povo tem autonomia para traçar a própria trajetória de desenvolvimento, o
etnodesenvolvimento constitui uma forma de evitar o etnocídio.
Questão 2
Considerando a trajetória de vida de Rondon e a transformação de seu pensamento ao longo do tempo,
assinale a alternativa correta.
Atualmente, vigora a compreensão de que o etnocídio é causado pelo
etnodesenvolvimento, já que este envolve a exploração de terras indígenas por grandes
conglomerados econômicos.
C
Na concepção atual, o etnodesenvolvimento é a forma para atingir o etnocídio, isto é,
garantir a autonomia dos povos indígenas, para pautar a própria trajetória de
desenvolvimento, em oposição ao programa desenvolvimentista clássico.
D
De acordo com as interpretações contemporâneas, o etnodesenvolvimento é o caminho
para evitar o etnocídio, porque permite a assimilação das populações indígenas ao
corpo nacional, homogeneizando a diversidade étnica.
E
No século XXI, consolidou-se a ideia de que o etnocídio é um fator causativo do
etnodesenvolvimento, isto é, a destruição étnica dos indígenas é o caminho pelo qual é
possível realizar o programa de crescimento nacional.
A
O pensamento de Rondon começa muito vinculado ao positivismo, mas, no fim da vida,
ele adota posições similares ao assimilacionismo contemporâneo.
B
Rondon considera que os indígenas são os legítimos senhores do seu espaço; portanto,
as tropas brasileiras devem sempre proceder como se fossem os estrangeiros.
Parabéns! A alternativa B está correta.
Apesar de inserido na mentalidade do Exército brasileiro, que é profundamente marcada pelo
positivismo desde o século XIX, Rondon mostrava uma forte preocupação com o direito à diferença. No
fim da vida, preconizou projetos fundamentais, como a consolidação do Parque Indígena do Xingu, com
o intuito de garantir as condições para a reprodução cultural e material dos povos indígenas, com a
manutenção da sua autonomia e o direito à diferença.
C
A postura de Rondon pode ser bem entendida na constituição do Parque Indígena do
Xingu, espaço que ajudou a obter reconhecimento do Estado, pois nele se manifesta a
missão civilizatória do Estado brasileiro a partir do reconhecimento do direito à
diferença.
D
A tônica da abordagem rondoniana está na importância conferida às tecnologias de
comunicação. Se, no início da sua vida militar, o objetivo era instalar linhas telegráficas,
com o passar dos anos, sua preocupação se voltou para as linhas telefônicas e a
infraestrutura de transporte.
E
Rondon é um personagem multifacetado, porque, ao mesmo tempo que estava
vinculado ao Exército brasileiro, ele foi diretor do SPI quando da sua fundação. Esse
conflito de missões fez com que o militar saísse da visão positivista típica dos
antropólogos do SPI para uma postura civilizatória associada ao Exército brasileiro.
3 - A decolonialidade do debate
Ao �nal deste módulo, você será capaz de analisar as formas tradicionais de pensar a política
indigenista a partir dos conceitos do debate decolonial.
De Darcy a questões internacionais de crítica
Outro personagem importante no indigenismo nacional é Darcy Ribeiro. O autor nasceu em Minas Gerais, na
cidade de Montes Claros, em 1922.
No começo de sua trajetória, Darcy foi influenciado pelas ideias positivistas, assim como Marechal Rondon,
chegando mesmo a visitar brevemente a Igreja Positivista do Rio de Janeiro. Mas foi em São Paulo, na
Escola de Sociologia e Política, que consolidou sua formação, concluindo o bacharelado em 1945 e o
mestrado dois anos depois.
Darcy Ribeiro.
É nesse contexto intelectual que Darcy Ribeiro teve contato com os intérpretes do Brasil e começava a se
preocupar em trazer os grandes esquemas teóricos da intelectualidade da época para as questões
específicas da brasilidade, dentro da qual se destaca a relação com os povos indígenas.
Ao pensar a formação do povo brasileiro e de sua especificidade, ele enfatizava a matriz indígena (em
especial, a tupi) na configuração do país nascente, ênfase essa bastante original para a época, uma vez que
até mesmo as obras mais relevantes do período colocavam o enfoque sobre os colonos portugueses ou
sobre os africanos escravizados.
Para Darcy Ribeiro, o fenômeno de formação do povo brasileiro seria, antes de mais
nada, a criação de um rosto pelos povos descaracterizados pelo processo de
colonização. Por isso,apesar de não poder ser caracterizado como um pensador
decolonial, ele apresentava em sua obra características que permitem um diálogo
com a decolonialidade contemporânea.
Especialmente ao expandir o conceito de universal para além da experiência ocidental, associada ao norte
global, Darcy colocou o terceiro mundo no centro da questão. Não se trata apenas de formular uma lógica
local diferente, e sim de pensar que lógica gestada nesse terceiro mundo tem validade e importância gerais.
Darcy entre os Urubu-Ka’apor, Maranhão, 1949.
Darcy com pintura Kadiwéu, Mato Grosso do Sul, 1947.
Nessa nova proposta, a violência do projeto colonial, na forma de massacres e genocídios, tem de ceder
espaço a uma convivência positiva, que é regida pela diversidade oriunda da periferia do mesmo sistema.
Ao negar os conceitos de pureza e unidade, tal diversidade abre brechas para que se reconheça no outro
possibilidades de existência diferentes, o que aproxima o pensamento de Darcy Ribeiro das pautas
contemporâneas associadas, por exemplo, ao etnodesenvolvimento presente na Convenção nº 169 da
Organização internacional do Trabalho (OIT).
Esse pensamento indigenista (de valorização da perspectiva de outro agente que não está inserido no
campo semântico da modernidade colonial) também aproxima a visão de Darcy de tendências intelectuais
internacionais associadas ao pensamento crítico pelo olhar dos excluídos nos processos históricos de
colonização. Assim, embora seja anacrônico – no sentido mais literal – associar a antropologia brasileira do
século XX a um movimento intelectual pós-colonial ou decolonial, pois, quando Darcy nasceu, o Brasil já não
era colônia havia um século, existe ainda um sentido figurado desse rótulo colonial.
Dica
No sentido figurado, “colonial” refere-se ao pensamento orientado pela noção de modernidade com a qual
estão associados outros termos do mesmo campo semântico, como uniformidade, pureza e Ocidente.
Desse modo, o anticolonial, nos seus múltiplos rótulos, é o pensamento que se pauta pela valorização do
que é multifacetado e misturado, assim como das ideias do outro, que está subjugado ao sistema colonial
intelectual. Isso é justamente o que configura o cerne da contribuição de Darcy Ribeiro para a questão
indígena.
Darcy Ribeiro e um outro olhar sobre os povos
originários
Conheça agora a perspectiva de Darcy Ribeiro sobre a questão indígena.

A valorização dos grupos e suas ideias
Seguindo nessa toada da valorização da etnicidade própria dos povos indígenas, chegamos ao cenário
contemporâneo. Tal cenário é profundamente marcado pela Convenção nº 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e pela mobilização internacional de diversos grupos indígenas, como
verificamos no módulo anterior.
Se atualmente a tônica é dada pela garantia da autonomia indígena no uso de suas terras para que eles
busquem aquilo que coletivamente julgam fazer parte de sua trajetória de desenvolvimento, esse processo
não pode prescindir de uma reflexão intelectual própria que balize conceitualmente o seguinte ponto: em
que consiste essa autonomia?
Mulher com cinzas e lágrimas passadas no rosto – uma forma de luto dos Yanomami, Roraima, 1996.
Uma das vertentes que cria possibilidades interpretativas para isso é a ideia de valorização dos saberes
indígenas a partir de uma perspectiva decolonial. Isso significa recolocar os diferentes paradigmas
interpretativos formulados por diversas sociedades indígenas no centro da reflexão, substituindo a
homogeneidade das formulações coloniais pela diversidade oriunda desse giro decolonial.
O primeiro passo nessa trajetória intelectual é a recolocação da hierarquia do sistema-mundo colonial. Se a
modernidade colonial foi pautada pela sobrepujação do outro pelo colonizador, então as formulações
intelectuais da decolonialidade precisam traduzir-se em não hierarquias, fazendo com que o outro (sujeito
relegado aos aspectos secundários ou submissos do projeto colonial) torne-se um agente autônomo do
próprio destino.
Mulher Kaxinawá, Acre, 1994.
Caçadores Zo'é, Pará, 2009.
Isso, por sua vez, se traduz, em primeiro lugar, na diversidade de propostas. Se, no início do século XX, como
vimos, a tônica era a integração dos povos indígenas ao projeto desenvolvimentista nacional, que pode ser
entendido como crescimento econômico, modernidade e industrialização regidos pelo republicanismo
moderno, busca-se, no século XXI, reconhecer a multiplicidade de destinos elegida pelos diversos povos.
Atenção!
Não se trata de erigir uma nova hierarquia pautada pela autenticidade, isto é, determinado povo não é mais
importante ou digno por viver da mesma forma há 500 anos. Trata-se, na verdade, de reconhecer a
autonomia dos diversos povos para escolher como viver e fornecer os meios sem realizar qualquer
julgamento pelas escolhas tomadas.
Esse mundo novo pela diversidade ecoa ideias presentes nas diferentes cosmovisões indígenas, sobretudo
aquelas associadas aos lugares de enunciação (ou de fala). O que se identifica como pensamento colonial
envolve sempre a enunciação da verdade a partir de um não lugar, isto é, toma-se o valor do que é dito como
universal.
A guinada decolonial se propõe a enfatizar a raiz do enunciador e tratar do que é
dito como uma possibilidade entre muitas, sendo todas elas igualmente válidas.
Em oposição às dicotomias típicas do pensamento colonizado, essa multiplicidade serviria como vetor de
renovação intelectual geral não apenas dos povos indígenas de onde os saberes se originassem, mas
também de todos os outros, incluindo-se aí os povos coloniais.
Em essência, ela é a tradução epistemológica do que os pensamentos de Darcy Ribeiro e de Rondon (em
suas manifestações já no fim da vida) preconizavam, por exemplo, na concretização do Parque Indígena do
Xingu.
O Parque Indígena do Xingu vem registrando altas taxas de desmatamento nas últimas décadas.
O espaço preserva menos os modos fossilizados de reprodução material (análogos ao cativeiro de um
zoológico humano), e mais as possibilidades inerentes a qualquer modo de reprodução vivo.
A voz do pajé
Confira agora a luta e a sua importância para os povos indígenas, a partir da fala dos próprios.

Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Considerando o pensamento de Darcy Ribeiro, em que medida a valorização da matriz indígena
antecipa pontos do debate decolonial?
Parabéns! A alternativa E está correta.
A matriz indígena da formação do povo brasileiro, conforme Darcy Ribeiro propõe, envolve a valorização
da perspectiva de um agente histórico que se encontra excluído do campo semântico norteador do
pensamento colonial. Conferida a uma perspectiva tradicionalmente excluída, essa ênfase o coloca em
diálogo direto com o campo decolonial.
Questão 2
Considerando as propostas de autonomia indígena que preconizam o direito de cada povo de pautar o
próprio caminho, por que podemos dizer que o pensamento decolonial fundamenta esse tipo de
A
No pensamento de Darcy Ribeiro, o indígena possui caráter secundário ao ser situado
como um dos elementos constitutivos do povo brasileiro, o que está em sintonia com a
ideia decolonial de valorização da multiplicidade étnica.
B
Darcy Ribeiro se aproxima do debate decolonial ao tratar da matriz indígena como uma
unidade que se sobrepõe aos conceitos do pensamento colonial, por exemplo,
modernidade e pureza.
C
A obra de Darcy Ribeiro compartilha da preocupação do pensamento decolonial de
valorizar a multiplicidade como uma construção hierarquicamente superior à unidade
moderna colonial.
D
Para Darcy Ribeiro, a ênfase na matriz indígena é uma forma de contrarrestar os
processos coloniais de valorização de multiplicidade étnica.
E
Ao enfatizar a matriz indígena, Darcy Ribeiro propõe uma valorização da perspectiva dos
excluídos pelos processos de colonização, estando em sintonia com os debates
decoloniais do século XXI.
proposta?
Parabéns! A alternativaA está correta.
O principal conceito da decolonialidade a balizar a proposta de que cada povo deve pautar o próprio
caminho de desenvolvimento é o da multiplicidade, já que, a partir dela, é possível justificar a tese de
que os diferentes projetos de desenvolvimento são igualmente válidos e que a opção por um caminho
ou outro precisa ser tomada pelo próprio povo.
A
Ao substituir a homogeneidade do pensamento colonial pela multiplicidade de
formulações oriundas dos povos indígenas, o pensamento decolonial coloca em pé de
igualdade tanto os projetos gestados pela matriz de pensamento ocidental/colonial
quanto aqueles desenvolvidos pelos povos indígenas.
B
O pensamento decolonial inverte as hierarquias tradicionais e possibilita que os projetos
de desenvolvimento próprios dos povos indígenas sejam considerados melhores que o
projeto de desenvolvimento tradicional.
C
É a igualdade dentro da multiplicidade proposta pelo pensamento decolonial que
permite que os saberes indígenas sejam valorizados e, portanto, que cada povo
indígena possa formular a própria trajetória de crescimento econômico.
D
A substituição do conceito colonial de unidade pelo decolonial de multiplicidade confere
uma abertura para a consolidação de um desenvolvimento próprio para o povo indígena
associado a determinada pureza étnica própria em contraste com as vertentes
assimilacionistas coloniais.
E
Enquanto o pensamento moderno/colonial tratava do desenvolvimento como uma
possibilidade acessível a todos, a abordagem decolonial visa garantir que ele não atinja
as comunidades indígenas, de modo que elas continuem com os mesmos modos de
vida anteriores ao contato com os povos europeus.
Considerações �nais
Vimos neste conteúdo que a questão indígena brasileira é um fenômeno multifacetado. Desde os tempos
do Brasil Colônia, os povos indígenas possuem relações com a institucionalidade da Coroa portuguesa, já
que, nos moldes clássicos da vassalagem do antigo regime, eles eram possuidores de um estatuto próprio
como súditos da monarquia.
Com a independência, demonstramos que a preocupação com a formação de uma identidade nacional se
tornou a tônica da política do Império. Nesse contexto, a busca por uma unidade simbólica aos moldes do
nacionalismo europeu contribuiu para o apagamento da multiplicidade étnica dos povos originários,
utilizando-se de um ideal de indígena romantizado em consonância com a pauta política da época.
Destacamos ainda que, no século XX, a política indigenista ganhou contornos institucionais mais definidos
com a formação de órgãos específicos para a questão: em primeiro lugar, o SPI; e, em seguida, a Funai.
Ambos tiveram uma atuação-chave nesse processo, constituindo os vetores tanto das políticas
assimilacionistas associadas ao etnocídio quanto das políticas de defesa dos indígenas, como é o caso da
demarcação da terra indígena do Xingu.
Frisamos também que é nesse período que tal questão passa a ter um caráter internacional patente,
havendo a realização de grandes conferências mediadas por organismos internacionais. Isso vem
acompanhado de maior destaque da questão indígena dentro do debate de segurança nacional, sobretudo
no que diz respeito à segurança das fronteiras.
Por fim, no século XXI, destacamos a consolidação de uma perspectiva decolonial sobre os indígenas.
Segundo esse viés, a valorização dos saberes indígenas ganha centralidade no debate com a valorização da
multiplicidade étnica como riqueza coletiva.
Podcast
Ouça agora os principais aspectos da questão indígena no Brasil.

Referências
ALMEIDA, M. R. C. Os índios na história do Brasil no século XIX: da invisibilidade ao protagonismo. História
hoje, v. 1, n. 2, 2012, p. 21-39.
ALVES, D.; VIEIRA, M. V. A legislação indigenista no Brasil republicano do SPI à FUNAI: avanços e
continuidades. Albuquerque: revista de história, v. 9, n. 18, 2017.
CASTRO, E. V. de. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
CUNHA, M. C. da. O futuro da questão indígena. Estudos avançados, v. 8, 1994, p. 121-136.
ESCADA, M. I. S. et al. Processos de ocupação nas novas fronteiras da Amazônia: o interflúvio do Xingu/Iriri.
Estudos avançados, v. 19, 2005, p. 9-23.
FIGUEIREDO, A. M. de. O índio como metáfora: política, modernismo e historiografia na Amazônia nas
primeiras décadas do século XX. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de
História, v. 41, 2010.
MIGLIEVICH-RIBEIRO, A. Estudos em Darcy Ribeiro: um capítulo do pensamento crítico latino-americano e
decolonial. In: CALIXTRE, A. B.; ALMEIDA FILHO, N. (Orgs.). Cátedras para o desenvolvimento: patronos do
Brasil, 2014, p. 109-130.
RIBEIRO, M. I. F. da C. A. Mineração e garimpo em terras indígenas. Rio de Janeiro: CETEM/MCTIC, 2016.
Série Estudos e Documentos, 92.
VERDUM, R. Etnodesenvolvimento: nova/velha utopia de indigenismo. 2006. Tese (doutorado em Ciências
Sociais). Brasília: Universidade de Brasília, 2006.
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Confira as indicações que separamos para você!
Conheça mais sobre a diversidade étnica dos povos indígenas brasileiros com os recursos virtuais do
Museu do Índio.
Confira a trajetória dos irmãos Villas-Bôas e da criação do Parque Indígena do Xingu, que foi adaptada
para o cinema no filme Xingu, em 2012.
Recomendamos ainda a leitura destes três textos:
Povos indígenas, segurança nacional e a Assembleia Nacional Constituinte: as Forças Armadas e o
capítulo dos índios da Constituição brasileira de 1988, de Fernandes Pádua (2015).
Por que saberes indígenas no século XXI ? - uma guinada decolonial, de Morgan Ndlovu (2017).
Povos indígenas, fronteiras amazônicas e soberania nacional. Algumas reflexões a partir dos Ashaninka
do Acre, em Proceedings from the 61st Annual Meeting of the Brazilian Society for Scientific Progress:
Amazon Science and Culture, de José Pimenta.

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