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›› Crise e reestruturação nas Organizações Globo A estrutura organizacional do Grupo Globo As Organizações Globo são um conglomerado de empresas que atuam em diferentes setores, mas, principalmente, no ramo da mídia e comunicação. A instituição cresceu e se desenvolveu sob o comando de Roberto Marinho, que herdou de seu pai, Irineu Marinho, em 1925, os jornais A Noite e O Globo. Na gestão de Roberto Marinho, o grupo diversificou suas atividades, expandindo seus negócios, primeiro, para outras mídias além da impressa e, depois, para outros setores empresariais. O grande salto da empre- sa aconteceu com a inauguração da TV Globo, criada em 1964, com a qual a organização se tornou líder no segmento de mídia. Atualmente, são o maior grupo de mídia da América Latina e um dos maiores do mundo, exercendo uma forte influência na sociedade brasileira. A organização tem suas atividades separadas em divisões independentes, cada uma delas composta por várias empresas. A adoção desse modelo estrutural vi- sou à melhor departamentalização e coordenação das atividades. As principais divisões do grupo são: MIRA: Mídia Impressa e Rádio; Globopar: Globo Participações e Comunicações S.A; Fundação Roberto Marinho. A MIRA é subdividida em duas unidades de ne- gócio: a Infoglobo, que reúne jornais (O Globo, Extra, Expresso, Diário de São Paulo e Valor Econômico) e portais de notícias do grupo na Internet; e o Sistema Globo de Rádio, que engloba todas as emissoras de rádio do grupo. A Globopar, por sua vez, é subdividida em seis uni- dades de negócio: a Rede Globo de Televisão, respon- sável pela produção e veiculação em televisão aberta da programação da emissora; a Globosat, que concentra os canais por assinatura da Globopar; a Distel, que é res- ponsável pela veiculação, por TV a cabo e via satélite, da programação por assinatura e pelos serviços de Internet banda larga; a Editora Globo; a Som Livre, gravadora do conglomerado empresarial; e a Globo Filmes. Por fim, a Fundação Roberto Marinho respon- de pelos serviços de responsabilidade social do gru- po. É uma associação filantrópica que, em nome das Organizações Globo, financia projetos educacionais, culturais e esportivos que contribuem para o desenvol- vimento da sociedade brasileira. Além dessas subdivisões, as Organizações Globo ain- da possuem outras empresas não relacionadas ao ramo das comunicações: a Indústria Brasileira de Alimentos (Inbasa) e o banco, a imobiliária e a seguradora RoMa. Cada um desses subgrupos, por sua vez, também está dividido em outros departamentos e unidades de negócio. Modelo de gestão O tamanho organizacional, ao mesmo tempo em que demonstra o poder do conglomerado, também pode ser considerado seu “calcanhar de aquiles”. O controle de uma estrutura tão grande é difícil e, mui- tas vezes, os processos decisórios são emperrados por causa da hierarquização e do inchaço do corpo administrativo. O modelo apresentado de departamentalização visa reduzir a lentidão dos procedimentos organiza- cionais e facilitar a coordenação por parte da alta ad- ministração. Caso o controle de todas as atividades e decisões ficasse nas mãos de uma única pessoa, os processos na organização seriam altamente buro- cratizados. Isso faria com que os procedimentos e as respostas às pressões ambientais fossem lentos, atra- palhando o rumo dos negócios organizacionais. Para evitar isso, cada empresa pode adotar uma estrutura independente do modelo de gestão da holding, desde que os objetivos organizacionais definidos no plane- jamento corporativo sejam atingidos. O grupo preza pela produtividade e eficiência empresariais; logo, se o modelo adotado por uma das empresas não garantir essa boa gestão dos problemas e das tarefas, reestru- turações são efetuadas. Estudo de caso ›››››› R a y m o n d R e u t e r / S y g m a / C o r b i s / L a t i n s t o c k 292 Administração: teoria e prática no contexto brasileiro ›››››› ›››››› Também com esse objetivo, buscou-se descentra- lizar a direção das empresas, por meio de transferên- cias de poder. As decisões não são centralizadas nas mãos da alta gerência do conglomerado, apesar de ela concentrar a maior parcela de poder. Os presidentes e diretores das empresas afiliadas reportam-se aos di- retores gerais das divisões que, por sua vez, recebem do presidente da organização ordens e recomenda- ções para a gestão dos negócios. Cada alto gestor tem considerável autonomia para efetuar as modificações necessárias, desde que estas atendam aos objetivos de crescimento e melhoria dos serviços prestados pelasempresas. Crise nas Organizações Globo Os grupos brasileiros de comunicação apostaram no crescimento e na estabilidade nacional na segunda metade da década de 1990. Com o objetivo de cres- cer, eles se endividaram em moeda estrangeira para investir maciçamente em modernas tecnologias de produção e veiculação. As mudanças que ocorreram no setor de mídia e comunicações, no entanto, não foram benéficas para as organizações desse mercado. Graças ao desen- volvimento de novos meios de acesso à informação e, principalmente, à difusão da Internet, as empresas brasileiras do ramo enfrentaram uma grave crise. Em 2002, segundo especialistas, as organizações passaram por sua pior fase. A circulação de revistas caiu de 17,1 milhões para 16,2 milhões de exemplares/ano entre 2000 e 2002. Simultaneamente, a venda diária de jor- nais passou de 7,9 milhões para 7 milhões no mesmo período. Ao todo, a receita publicitária caiu de R$ 9,8 bilhões para R$ 9,6 bilhões. Nesse contexto, as Organizações Globo foram altamente afetadas. A dívida da companhia atingiu cerca de 6 bilhões de reais e deixou de ser paga em outubro de 2002. Nesse mesmo ano, em março, foi posto em prática pela alta cúpula das Organizações Globo um extenso plano de reestruturação do grupo. O conglomerado não via outra solução para resolver seus graves proble- mas que não fosse a renegociação da dívida e a refor- mulação de seu modelo organizacional. A maioria das empresas do grupo passou por mudanças, principal- mente aquelas ligadas à Globopar. Entre elas, as prin- cipais modificações ocorreram na Globo Cabo (atual Distel), na Editora Globo e na Rede Globo de Televisão. O primeiro passo para a reestruturação foi a con- tratação de Henri Philippe Reichstul, ex-presidente da Petrobras e ex-banqueiro, para o cargo de diretor-geral da Globopar. O executivo teria amplos poderes para modificar estruturas arcaicas na organização e coman- dar as mudanças nas empresas com problemas. Suamissão era resolver os problemas financeiros, societá- rios e administrativos do grupo e, para isso, mudanças no modelo de organização eram necessárias. Reestruturação da Globo Cabo e da Editora Globo Sua primeira investida foi na Globo Cabo, que reu- nia os serviços de TV por assinatura (cabo e satélite) e Internet banda larga, comercializados pelas empresas Net e Sky. A subdivisão havia sido criada na década de 1990 para atender à demanda crescente por ser- viços de TV a cabo. No entanto, o mercado foi supe- restimado e a empresa apresentou seguidos prejuízos. Reichstul reuniu-se com os principais credores e procu- rou alongar os prazos de vencimento e oferecer partici- pação no capital da empresa. O melhor exemplo desse processo foi a renegociação com o BNDES. O banco estatal não apenas renegociou a dívida que lhe era de- vida pela Globo Cabo, como também aumentou suaparticipação minoritária no capital da empresa como forma de capitalizá-la. A injeção de capitais chegou a R$ 800 milhões e foi o primeiro passo para a reestru- turação dessa unidade de negócio da Globopar. Essa divisão, contudo, enfrentava problemas não apenas por seu endividamento, mas também por er- ros estratégicos e administrativos. Em 2002, quando se esperava que o mercado total de assinantes de TV por assinatura estivesse em torno de 7 a 8 milhões de con- sumidores, ele não passava de 3,6 milhões de pessoas.Falhas como esta foram as culpadas pelos insucessos e prejuízos da organização. Além disso, as atitudes per- dulárias do comando da empresa teriam sido respon- sáveis pela crise em que ela se encontrava. Reichstul comandou, então, uma reorganização da estrutura empresarial. Ele implantou uma política de redução de gastos com o objetivo de “enxugar” a organização e torná-la mais preparada para enfrentar os desafios dos mercados em que atua. Em uma tentativa de sanear financeira e mercado-logicamente o negócio, em 2004, a Globo inicia um processo de fusão da Sky com sua principal concorren- te, a DirecTV, e vende parte do capital da Net ao gru- po América Móvil, do bilionário mexicano Carlos Slim, que detém também a Embratel e a Claro. Entre 2009 e 2012, consolidando uma estratégia de abandono do B e r n a r d o G u t i é r r e z / F o l h a p r e s s 293Capítulo 6 ›› Organização ›››››› setor de distribuição de TV por assinatura e de Internet banda larga, a Globo vende suas participações res- tantes na Sky e na Net aos grupos DirecTV e América Móvil, ficando apenas com uma participação simbólica em ambas as empresas (em torno de 7%). Dessa for- ma, a Globo não só se “livrou” de duas unidades que vinham acumulando prejuízos, como encaixou um cai- xa considerável e ainda fortaleceu sua atuação no seu core business , a produção e venda de conteúdo, atra- vés da Globosat, atualmente a maior programadora de TV paga do país. Entretanto, não foi só na Globo Cabo que o exe- cutivo teve de intervir para corrigir falhas estruturais. A Editora Globo, outra empresa afiliada à Globopar, passa- va por semelhante situação. A organização publica exten- so portfólio de revistas, além de editar livros e fascículos. No entanto, desde sua criação, em 1986, a empresa nun- ca havia fechado no lucro. Esse fato nunca pareceu ser um grande problema para as Organizações Globo, já que a lucratividade de outras divisões cegava a alta gerên- cia, que acreditava ser desnecessária uma reformulação da editora. Mas em 2002 o contexto era outro. Grandes empresas e divisões do conglomerado apresentavam problemas, e a Globopar tinha uma dívida monumental. Reichstul sabia que era preciso cortar gastos e não pou- paria esforços para fazê-lo nem que, para isso, tivesse de decretar a venda de organizações do grupo. Nesse projeto de reestruturação, chegou a ser co- gitada a venda da editora, mas o negócio continuou nas mãos da família Marinho. Em 2002, toda a cúpula foi modificada, e se estudou a redução do número de revistas publicadas, com o corte daquelas que não se autossustentavam. Ocorreram demissões com o objeti- vo de reduzir as despesas para que a editora buscasse seu primeiro lucro. A resistência da Rede Globo A toda-poderosa Rede Globo de Televisão, princi- pal empresa do grupo e a maior rede de TV do Brasil, também enfrentava semelhantes problemas. Além do endividamento, outros desajustes assolavam a rede. Um número exagerado de funcionários, mordomias excessivas, salários irreais e alguns departamentos in- chados e desnecessários eram defeitos de ordem ge- rencial que precisavam de solução. O executivo, mais uma vez, sabia que precisaria corrigir essas falhas, fruto de práticas ultrapassadas de gestão. Nesse caso, enfrentaria um problema ainda maior, visto que a alta administração da Rede Globo resistiria às mudanças por enxergar a empresa como a principal do conglomerado. Reichstul teve de apresen- tar dados e conscientizá-los da urgência do processo de reestruturação. Foi promovida uma automatizaçãode processos, por meio do uso da tecnologia de in- formação, que propiciou ganhos de produtividade e facilitou o controle e a coordenação. O gestor tentou reduzir ainda mais os custos, mas foi barrado pela resistência dos administradores de topo. Diferentemente do que ocorreu na Globo Cabo e na Editora Globo, Reichstul não obteve o apoio ne- cessário na rede de TV para pôr em prática as mudan- ças estruturais. Um de seus principais projetos para reduzir custos era a diminuição das despesas com novelas, um dos principais produtos da Rede Globo. A cúpula da emis- sora discordou do executivo contratado e, na “queda de braço”, ele saiu enfraquecido. Depois dessa derrota, Reichstul ainda perdeu ou-tro embate importante. Ele tentou reduzir benefícios do alto escalão das Organizações Globo, como forma de diminuir os gastos excessivos. A situação entre ele e o conglomerado deteriorou-se, o que acabou le- vando a seu afastamento da presidência da Globopar. Roberto Irineu Marinho, filho de Roberto Marinho, as- sumiu a presidência executiva da divisão e do Conselho Administrativo. Reichstul continuou como membro do conselho, tendo continuado a participar do processo de reestruturação da empresa. No período em que comandou a Globopar, o exe- cutivo conseguiu cortar gastos e promover reformas na gestão e na estrutura corporativa da divisão e de em- presas ligadas a ela. Foi o início de um processo de al- terações que objetivava, primeiro, diminuir os prejuízos para, posteriormente, gerar lucros para a holding, ob- jetivo esse que foi plenamente alcançado. Assim, após fechar o ano de 2002 com prejuízo de R$ 5 bilhões, a divisão voltou ao azul em 2003 com lucro de R$ 47,5 milhões. No anos seguintes, a Globopar consolida lu- cros líquidos anuais superiores a R$ 500 milhões (só em 2009, a Globopar teve lucros de R$ 2 bilhões) e reduz progressivamente a dívida total que passa de mais de R$ 8 bilhões em 2002 para aproximadamente R$ 1 bi- lhão no final de 2011. De fato, a reorganização promoveu alterações drásticas no modelo estrutural da Globopar, melhoran-do sua saúde financeira e dando novo fôlego para os desafios do futuro, mas também deu fortes indícios da resistência a maiores mudanças organizacionais.53 R a h e l P a t r a s s o / F u t u r a P r e s s 294 Administração: teoria e prática no contexto brasileiro
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