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Análise ética - Filme As invasões bárbaras

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Análise ética do filme “As Invasões Bárbaras” 
Ao assistir ao filme “As Invasões Bárbaras” (2003), nos deparamos com diversos dilemas éticos. Dentre 
eles, identifica-se como problema ético central a eutanásia voluntária, ou suicídio assistido, do 
personagem principal. O protagonista, Rémy, é um professor de história canadense que é 
diagnosticado com câncer em estágio avançado e, como não há possibilidades terapêuticas de cura, 
ele opta por passar seus últimos dias ao lado de seus amigos intelectuais e de sua família. Perante à 
situação, ele decide abreviar seu processo de morrer. Como a eutanásia não era legalizada no Canadá 
na época, ele decide fazê-lo por meio de uma overdose de heroína, droga que já estava utilizando 
para amenizar a dor, tendo apoio de seus amigos e familiares, que o ajudam em todo o processo e o 
assistem morrer. Tal dilema ético não é percebido claramente nas falas dos personagens, porém, 
observamos sua intenção no trecho do filme em que Rémy conversa com o filho, já na casa de campo, 
dizendo que está com medo, e Sebastian responde “você que sabe, é você que decide”. E, para se 
despedir, Rémy declara “eu tive muito prazer em viver esta modesta vida em companhia de vocês, 
meus amigos, e são os seus sorrisos que eu vou levar comigo”. E então a filha de sua amiga, que o 
fornecia heroína, aplica as injeções com a droga. Analisando a situação a partir da perspectiva da 
bioética e o fim de vida, destacamos, a priori, o princípio da sacralidade da vida, amplamente 
defendido por muitos indivíduos, grupos e religiões como argumento contrário à eutanásia. De acordo 
com esse princípio, a vida é um bem sagrado, portanto, não pode ser interrompida sob nenhuma 
circunstância. Entretanto, deve-se considerar que existem doenças e condições que geram sofrimento 
para o portador durante seu processo de adoecimento até a sua morte. Dessa forma, a vida se torna 
insuportável, sem qualidade. Além disso, essa é uma questão de crença individual, portanto, não 
deveria ser imposta a todos. Outro princípio importante, que faz parte dos princípios da corrente 
principialista, é o respeito à autonomia do paciente. O indivíduo é autônomo quando decide 
livremente e segue o plano estabelecido por ele mesmo para sua própria vida. No caso do filme, 
caberia ao paciente decidir como proceder com o seu plano terapêutico, já que está consciente e 
lúcido. Assim, ele faz as sessões de radioterapia, mas, tendo em vista sua condição e a perspectiva de 
sofrimento e morte, ele decide pela eutanásia. Ainda na corrente principialista, destacamos os 
princípios da beneficência e maleficência. Contudo, é complexo definir o que seria benéfico e maléfico 
nesse caso. Como o paciente não possui possibilidades de cura e passaria por muito sofrimento até a 
morte, a eutanásia pode não ser um ato de maleficência. Como observamos nas discussões nas aulas 
de MED 193, a morte nem sempre é uma condenação. Se retiramos a autonomia do sujeito em relação 
à sua vida e seu processo de morrer, estamos retirando sua liberdade de escolha, o condenando a 
uma vida indigna, não planejada por ele, o que poderia ser considerado ato de maleficência. Como 
nessa situação o desejo do paciente (que está consciente e convicto da sua escolha) é a abreviação de 
sua vida, para ele, a eutanásia seria um ato de beneficência, que findaria seu sofrimento. No filme é 
destacado que Rémy era apaixonado pela vida, porém, em sua situação, já não podia viver como 
gostaria. Além disso, em condições de pacientes terminais e em sofrimento, a eutanásia, pela visão 
da ética do cuidado, pode ser considerada um ato de compaixão, respeito pelo paciente e apoio à sua 
decisão. Já uma justificativa contrária à prática da eutanásia se baseia no argumento da ladeira 
escorregadia, usado na tomada de decisão em bioética, afirmando que a “legalização” da eutanásia 
poderia gerar outras questões preocupantes, como situações em que a decisão não é tomada por 
motivos corretos, mas sim baseada em interesses pessoais; casos em que o paciente opte pela 
eutanásia por se encontrar em estado depressivo ou não querer ser um fardo para os familiares; entre 
outros. Porém, essa questão pode ser resolvida por meio da análise de cada caso de forma individual 
e do acompanhamento por especialistas que garantam a integridade do processo. Assim, conclui-se 
que a melhor decisão é sempre a que é tomada pelo paciente que, no filme, possui capacidade plena 
de exercer sua autonomia e decidir o que é melhor para si. Considerando que para ele não havia 
perspectiva de vida como ele gostaria, mas apenas uma vida de dores até o momento de sua morte, 
e que ele tinha convicção dos seus valores, e não haviam impedimentos ou consequências como 
descrito na análise do argumento da ladeira escorregadia, o protagonista tomou uma decisão ética. 
Podemos ressaltar aqui também as ações do filho para garantir o respeito à autonomia do pai. Apesar 
de praticar algumas atitudes questionáveis durante o filme, ele leva o pai ao local que ele escolheu 
para morrer, chama seus amigos e providencia a droga que alivia sua dor, como ato de beneficência, 
e posteriormente, respeita e apoia seu desejo de abreviar sua vida. No contexto brasileiro, a eutanásia 
não é permitida legalmente. De acordo com o artigo 41 do Código de Ética Médica, “é vedado ao 
médico: abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.” Além 
disso, o ato é considerado homicídio e se enquadra no artigo 121 do Código Penal: “Matar alguém. 
Pena - Reclusão, de seis a vinte anos”. Nas últimas décadas, algumas propostas de lei foram 
apresentadas, porém, é um debate que segue de forma lenta e sem desfechos. Atualmente, as 
discussões sobre a questão são complexas, principalmente por considerarmos diversos fatores, como 
as possibilidades de prolongamento de vida disponíveis, a regulamentação que vem sendo realizada 
em outros países, casos que ganham repercussão mundial e ocorrências ilegais. Além disso, a 
população brasileira está envelhecendo, e cada vez mais desenvolvendo problemas de saúde crônicos 
e cânceres, que levam a um processo de adoecimento e morte doloroso e sofrido. Tal fato também 
contribui para o aumento da utilização do sistema de saúde público, o que torna a questão não só 
individual, mas um problema de saúde coletiva (Siqueira-Batista & Schramm, 2004). 
REFERÊNCIAS 
BRASIL. Resolução CFM nº 2.217, de 1 de novembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário 
Oficial da União, Brasília, Seção 1, p. 179, 2018. 
REGO, Sergio; PALÁCIOS, Marisa; SIQUEIRA-BATISTA, Rodrigo. Bioética para profissionais da Saúde. 
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009. 160 p. 
SIQUEIRA-BATISTA, Rodrigo; SCHRAMM, Fermin Roland. Eutanásia: pelas veredas da morte e da 
autonomia. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2004, v. 9, n. 1, p. 31-41, 5 jun. 2007. Disponível em: . 
Acesso em: 27 out. 2021

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