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MELHORAMENTO DE PLANTAS Natália Santos de Santana Biotecnologia e biossegurança Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Apontar os princípios da biotecnologia e suas técnicas. � Discutir a biossegurança ambiental e seus riscos. � Analisar a transgenia, sua definição e suas técnicas. Introdução A biotecnologia emprega técnicas modernas e inovadoras em diversos segmentos da indústria, inclusive na agricultura, e seus avanços concla- mam um avanço similar em biossegurança. A biotecnologia tem como objetivo estudar a manipulação dos seres vivos e os produtos obtidos a partir disso. Sua revolução ocorreu após a descoberta da molécula de ácido desoxirribonucleico (DNA), dos genes e dos cromossomos, pois, assim, foi possível a manipulação e a produção de características em diversos organismos. Com isso, foram necessários o surgimento e o san- cionamento de diversas leis relacionadas a práticas biotecnológicas, sendo o marco principal, a criação da transgenia, que possibilitou a inserção de genes de uma espécie em outra. Neste capítulo, você se aprofundará sobre esse período revolucionário na ciência. 1 Biotecnologia A biotecnologia é uma área ampla, de cunho aplicado, que utiliza conheci- mentos de diferentes segmentos, tendo como resultado a combinação entre ciência e tecnologia. Portanto, a definimos como um conjunto de atividades baseadas em conhecimentos multidisciplinares, com a utilização de materiais biológicos para o desenvolvimento de produtos. De acordo com Pisano (2006), a biotecnologia é uma “constelação” de revoluções científicas, fundamentada em diversas áreas de conhecimento, como a genética, a biologia molecular, a bioquímica, a ciência da computação, a biofísica e diferentes especialidades da medicina. Por sua amplitude, a biotecnologia abrange os seguintes processos: � obtenção e modificações de produtos em detrimento do benefício humano; � melhoramento de plantas, a partir da inserção de genes de outros organismos; � modificação ou desenvolvimento de processos industriais. Dessa maneira, você pode compreender que a biotecnologia está intrínseca a processos que promovem a inovação. Apesar de sua existência datar de cerca de 10 mil anos, com a utilização dos processos de fermentação, a partir dos quais eram obtidos produtos como vinhos e pães, o primeiro conceito para a biotecnologia surgiu em 1919, com Karoly Ekery, um engenheiro agrônomo Húngaro. Em 1928, a descoberta da penicilina, produto biotecnológico identificado por Alexander Flaming, revolucionou a medicina no século XX. O médico observou ao microscópio uma cultura de bactérias, o Staphylococcus aureus, e percebeu que nela havia fungos e que ela não crescia. Após isolar o fungo, descobriu que eles continham uma substância capaz de matar as bactérias que infectavam o ser humano (VICTORINO, 2000). No desenvolvimento da biotecnologia, diversos pesquisadores merecem destaque por suas contribuições, como Louis Pasteur, com a descoberta dos microrganismos, em 1891; Gregor Mendel, pioneiro nos estudos associados à genética; e Oswaldo Cruz, com a produção de vacinas no Brasil. Após a descoberta da molécula de DNA, em 1953, por Watson e Crick, os estudos associados à biotecnologia mudaram e, nesse momento, deu-se o início da biotecnologia moderna (MALAJOVICH, 2016). No início da década de 1970, outro momento marcou a biotecnologia: o desenvolvimento da tecnologia do DNA recombinante. Essa técnica, de- senvolvida por uma empresa norte-americana chamada Genentech, permite a transferência de materiais genéticos entre os organismos vivos. Biotecnologia e biossegurança2 Conhecendo as técnicas A biotecnologia apresenta soluções para a sociedade em diversos domínios. Suas contribuições vão desde construção de ferramentas até soluções médicas, como chips e tecnologias para o diagnóstico instantâneo. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, 2005) preconiza uma lista de técnicas biotecnológicas como um guia interpre- tativo para suas definições. Destacamos algumas delas a seguir. � Utilização do DNA e ácido ribonucleico (RNA) — a descoberta das moléculas de ácidos nucléicos foi imprescindível para o início da cons- trução de tecnologias modernas. � Proteínas e outras biomoléculas — por intermédio dessas técnicas foi possível a geração de produtos biológicos e o surgimento da proteômica. � Engenharia celular e cultura de células — possibilitou manter as células em condições controladas, propiciando seu cultivo. � Vetores (terapia gênica) — introdução de genes sadios a partir da tec- nologia do DNA recombinante, utilizada para fabricação de vacinas e medicamentos. � Bioinformática — construção de banco de dados de genomas, sequências proteicas e modelagem. � Nanobiotecnologia — aplicação de ferramentas para construção de dispositivos em escala nanométrica. Diversos setores da sociedade são beneficiados com o desenvolvimento de produtos a partir da utilização de ferramentas biotecnológicas. Por exemplo, na indústria, a criação de plásticos, outros polímeros e detergentes para o segmento têxtil; na saúde, a fabricação de medicamentos, antibióticos, vacinas e testes de diagnóstico; e na agricultura, a fabricação de pesticidas, adubos, biofertilizantes e produção de plantas transgênicas (com maior valor nutritivo e resistência a pragas). A atividade agrícola, conforme documentado na história, tem sido indis- sociável da evolução e das ações antrópicas que a permeiam. A invenção da agricultura, importante para o aumento na demanda de produções de alimen- tos, não foi suficiente para resolver essa problemática. Com isso, estratégias biotecnológicas relacionadas à agricultura foram desenvolvidas no decorrer dos anos, a fim de aumentar a produtividade de plantas e animais e torná-los mais resistentes a fatores ambientais. 3Biotecnologia e biossegurança Podemos destacar, nesse âmbito, o melhoramento genético, criado com a finalidade de desenvolver novas variedades de culturas, a partir da utilização de ferramentas como marcadores moleculares e engenharia genética, que possibilitam a redução de tempo para obtenção de novas variedades. De acordo com Ferreira e Faleiro (2008), do ponto de vista comercial, a indústria da transgenia tem sido marcada pelo emprego de dois tipos de genes: resistentes a herbicidas e a insetos. Há diversas aplicações biotecnológicas que oferecem soluções para os principais desafios da agricultura (p. ex., geração de alimentos com o uso sustentável da biodiversidade). Destacamos, entre elas, as mais relevantes: � controle biológico baseado na utilização de materiais genéticos micro- bianos para o combate de insetos e pregas que atingem os sistemas de produção agrícola; � cultura de tecidos utilizadas em programas de melhoramento genético como estratégia para aumentar a variabilidade das espécies para fins de seleção; � inseminação artificial, transferência de embriões e clonagem animal na agropecuária. No Brasil, o setor da agricultura é responsável pela disponibilização de matérias-primas ou materiais para consumo e/ou exportação (IMF, 2013). A Argentina, em 2019, iniciou estudos relacionados à produção de sementes de trigo tolerantes à seca, e se tornou pioneira nesse segmento. Essa pesquisa, desenvolvida pela empresa Bioceres, está sendo realizada em regiões com baixos índices de pluviosidade. O desenvolvimento de sementes tolerantes poderá possibilitar um aumento de 20% no volume desse grão. Entretanto, a pesquisa tem provocado muita polêmica por parte do governo argen- tino, pois esse produto poderia fechar mercados, devido à rejeição dos consumidores, como ocorrido com a empresa Monsanto. Contudo, esse estudo começou a ser desenvolvido em razão de uma situação crítica vivenciada pelo país em 2018, em que uma grave seca provocou a perda de 40% na colheita. Biotecnologia e biossegurança4 2 Biossegurançaambiental De acordo com Teixeira e Valle (2010), a biossegurança é um conjunto de ações voltadas para eliminação ou minimização de riscos à saúde humana, dos animais ou do meio ambiente, além da garantia da qualidade dos pro- dutos desenvolvidos durante a pesquisa. O laboratório, principal área para desenvolvimento de estudos científicos, deve ser compreendido como uma área complexa e perigosa, bem como passível de ocorrência de acidentes (MOLINARO; CAPUTO; AMENDOEIRA, 2013). Muitas vezes, esses riscos não são visíveis, como a contaminação por microrganismos, reagentes presentes em uma bancada ou aerossóis, por isso, é importante que o pesquisador, antes de iniciar qualquer trabalho laboratorial, esteja ciente sobre eles. Em um laboratório, o pesquisador deve estar atento aos agentes de risco aos quais pode estar suscetível, como: � riscos químicos — referem-se à exposição a produtos químicos na forma líquida ou gasosa, as quais estão presentes no ambiente e podem ser absorvidas pelo organismo; � riscos físicos — relacionados a fatores como temperatura, radiações, ruídos, iluminação e umidade; � riscos biológicos — relacionados à presença de microrganismos que podem provocar graves doenças em seres humanos. Além de ter ciência sobre os riscos de exposição, é importante também avaliá-los, principalmente os biológicos. Por isso, há uma classificação para os grupos de risco dos agentes biológicos, utilizando os seguintes fatores: � patogenicidade do agente e dose infecciosa; � resultado potencial da exposição; � via de infecção; � estabilidade do agente no ambiente; � concentração do agente; � presença de um hospedeiro. 5Biotecnologia e biossegurança As análises de risco são compostas por duas etapas: a primeira se refere à avaliação e a segunda está atrelada ao seu gerenciamento e à comunicação. Essa análise é baseada em metodologias científicas, que buscam sistematizar as informações a respeito de um determinado perigo e auxiliam no processo de avaliação de risco (CRAIG et al., 2008). Os agentes biológicos são classificados em uma escala de 1 a 4, conside- rando os riscos que representam à saúde, sua capacidade de propagação e a existência ou não de tratamento. Nas condições relacionadas à saúde, avaliam-se os efeitos alergênicos, tóxicos e o risco de câncer. Existe uma lei que define as práticas a serem adotadas para a manipulação de organismos vivos, expressa na Lei nº. 11.105, de 24 de março de 2005, cujo foco são os riscos relativos às técnicas de manipulação de organismos geneticamente modificados (OGM). Essa lei foi regulamentada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, integrada por profissionais de diversos ministérios e indústrias biotecnológicas, e indica que há proibição de descartes na natureza dos OGM, engenharia genética em células humanas germinais, zigotos ou embriões e clonagem humana. Cada laboratório deve apresentar um manual de biossegurança próprio, e todos os usuários devem ser informados sobre os procedimentos necessários para a realização de quaisquer práticas. Entre esses cuidados estão os hábitos pessoais de higiene, a utilização de luvas, as práticas de assepsia de materiais e instrumentais e o uso do jaleco. Ao realizar procedimentos biotecnológicos em organismos, há manipulação genética e, nesse processo, existem riscos, mas que são controláveis, princi- palmente nas fases prévias à sua liberação para utilização pública. Portanto, os riscos iminentes estão relacionados ao manejo inadequado dos produtos. Todas as etapas associadas à obtenção de organismos em que foram realiza- das práticas biotecnológicas, são regulamentadas por lei, e os riscos envolvidos nesse processo vão desde a fase laboratorial até o destino do produto. No caso de transgênicos, existe um arcabouço legal com mais de 13 leis associadas à lei de biossegurança. Veja, no Quadro 1, as principais legislações relacionadas à biossegurança. Biotecnologia e biossegurança6 Legislação Regimento Lei nº. 8.974/1995 Estabelece normas de segurança relacionadas às aplicações da biotecnologia na manipulação de organismos vivos. Lei nº. 7.802/1989 Dispõe sobre os parâmetros legais desde a pesquisa até a fiscalização de agrotóxicos. Medida Provisória nº. 2.191/2001 Dispõe sobre as atualizações e implementações da política nacional de biossegurança, relativa aos OGM, bem como sobre o estabelecimento de normas técnicas de segurança e pareceres referentes à proteção da saúde humana. Resolução Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) nº. 305/2002 Dispõe sobre o licenciamento ambiental, estudos de impactos ambientais e relatórios de impactos ao meio ambiente a partir das atividades com OGM. Lei nº. 10.688/2003 Estabelece normas para a comercialização da produção de soja transgênica, solicitando informações sobre sua origem e a presença de OGM. Lei nº. 10.165/2000 Dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, relata o papel da fiscalização ambiental do IBAMA. Decreto nº. 4.680/2003 Relata sobre o direito à informação quanto aos alimen- tos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano e que são produzidos a partir de OGM. Lei nº. 638/1981 Dispõe sobre a política nacional de meio ambiente, com objetivo de prevenir, melhorar e recuperar a qualidade ambiental. Decreto nº. 1.752/1995 Estabelece informações sobre a comissão técnica nacional de biossegurança. Instrução Normativa Ins- tituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur- sos Naturais Renováveis (IBAMA) nº. 8 /2003 Estabelece a apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Lei nº. 10.814/2003 Estabelece normas para plantio e comercialização de soja geneticamente modificada. Quadro 1. Legislações atreladas a práticas biotecnológicas 7Biotecnologia e biossegurança A preocupação em manter o risco ambiental dentro de um grau de segurança aceitável levou a comunidade internacional a adotar um princípio de precaução, como orientador para as práticas humanas. Nesse contexto, os países devem, para prevenir e evitar danos, determinar um nível de risco aceitável com base em avaliações científicas e políticas (FERREIRA; FALEIRO, 2008). A engenharia genética, o desenvolvimento de OGM e o cultivo comercial desses produtos geram preocupações a respeito da biossegurança ambiental, com isso, as ações de pesquisa e o desenvolvimento assumem importância estratégica, uma vez que têm sido muito relevantes na tomada de decisões sobre os assuntos relacionados à biotecnologia. Em 2005, a fim de garantir a segurança nos processos de desenvolvimento de transgênicos, desde a produção, passando pela comercialização e até o consumidor, foi lançada e aprovada uma nova regulamentação sobre as leis de biossegurança no Brasil (SILVA, 2015). 3 Transgenia A agricultura foi responsável pela evolução humana e surgimento das primeiras civilizações, principalmente em relação à fixação em territórios, em que o ser humano passou a produzir seu próprio alimento, iniciando a domesticação de animais e o cultivo de plantas (VEASEY et al., 2011). Com o tempo, as práticas agrícolas foram sendo aperfeiçoadas, por exemplo, por meio da seleção de sementes das plantas mais produtivas, as quais eram guardadas e semeadas no próximo ano (MACHADO; MACHADO FILHO, 2014). Após a segunda guerra mundial, a produção agrícola passou por di- versas transformações, muitas delas associadas à produção modernizada a partir da utilização de máquinas, a conhecida revolução verde; esses avanços foram associados a estratégias que pudessem promover ganhos ou geração de variedades produtivas e resistentes (CÉLERES, 2017). Conforme citado anteriormente, a biotecnologia é a utilização de conhe- cimentos sobre processos biológicos e sobre as propriedades dos organismos vivos com a finalidade de obter de produtos ou resolver problemáticas. Dessa forma, o melhoramento de plantasse constituí como uma estratégia mais curta, econômica e segura para a sustentabilidade na agricultura. Biotecnologia e biossegurança8 A metodologia habitual de cruzamento e seleção de linhagens de organismos para obter uma variedade com determinada característica de interesse, é longa, demorada e apresenta algumas limitações. Entre elas, a impossibilidade de gerar híbridos no cruzamento entre duas espécies que estejam em condição de isolamento reprodutivo. Ao serem obtidas características de interesse por meio de cruzamentos, são recombinados genomas inteiros, o que, muitas vezes, implica carregar com os genes de interesse, outros que podem se tor- nar deletérios quando em homozigose. Para tentar sanar essa problemática, a técnica de transgenia foi desenvolvida, pois, a partir de uma transferência direta dos genes de interesse para os organismos vegetais ou animais, eles passam a apresentar apenas as características de interesse, sem nenhum dos inconvenientes do melhoramento genético. As técnicas utilizadas no melhoramento precisam ser refinadas, a fim de que se tornem mais diretas e menos aleatórias na obtenção de indivíduos com as características desejadas. Com as descobertas atreladas a moléculas de DNA e o desenvolvimento da biotecnologia moderna, houve a possibilidade de manipulação do DNA e o estabelecimento da engenharia genética. Assim, surgiram as plantas que carregam em seu genoma trechos de DNA de uma fonte diferente da paternal, as chamadas de transgênicas. Esses genótipos foram melhorados a partir da confecção de metodologias, como a utilização de Agrobacterium para a inserção de genes, a biobalística e a eletroprospecção. Essas metodologias foram utilizadas em cultivares de espécies com características relacionadas ao controle de pragas e doenças, como mamão, algodão, tomate, milho, soja, batata e arroz. A produção de transgênicos pela introdução de genes de Agrobacterium se baseia na capacidade que essas bactérias têm de transferir sequências específicas do seu genoma para o vegetal. Os tecidos que são transformados utilizando essa técnica, muitas vezes, precisam passar por uma etapa de cul- tura in vitro, a fim de regenerar uma planta transgênica. Na biobalística, há utilização de micropartículas aceleradas para inserção de genes em células ou tecidos (CHENG; VAIDYA; TZFIRA, 2006). Em 2019, o Brasil foi classificado com a terceira posição em produção de transgênicos no mundo, assegurando, assim, 15,8 milhões de hectares plantados com transgênicos; o primeiro e o segundo lugar, são assumidos por Estados Unidos e Argentina, respectivamente. A produção de transgênicos sempre foi permeada por dúvidas e críticas, principalmente relacionadas a possíveis malefícios para saúde humana. 9Biotecnologia e biossegurança As variedades transgênicas mais cultivadas no Brasil são as que com- binam genes que conferem resistência a insetos e tolerância a herbicidas. Essas lavouras representam 66,5% da produção agrícola do país, com mais de 70 variedades de espécies (CELERES, 2017). Em 2003, foi sancionada a chamada lei da rotulagem, que tornou obrigatória a utilização do símbolo de transgênico em todos os rótulos de alimentos com destino ao consumo humano ou de outros animais, conforme demonstrado na Figura 1. Entretanto, em 2018, essa lei foi cancelada e, atualmente, não há mais essa obrigatoriedade. Figura 1. Símbolo de transgênico. Fonte: Vanessa Volk\Schutterstock.com. Nos sistemas agrícolas, várias estratégias têm sido propostas para obtenção de re- sistência a insetos, que são considerados pragas agrícolas. Essas estratégias estão relacionadas à obtenção de genes de proteínas que alteram o ciclo de vida ou que são letais para os insetos, por exemplo, inibidores de amilases, proteinases e lectinas. A utilização do gene Bt é uma estratégia bem eficiente, utilizada a nível comercial. Esse gene é isolado de uma bactéria da espécie Bacillus thurigiensis, da qual muitos genes isolados produzem substâncias similares a inseticidas, como a toxina cristal (Cry). Milho, algodão e batata doce são comercializados com a utilização do gene Bt. Biotecnologia e biossegurança10 Técnicas para fazer um transgênico Em 1983, foi anunciada a produção de transgênicos vegetais. A descoberta e o desenvolvimento dessa metodologia foram realizados por uma equipe de pesquisadores americanos, liderada pela bióloga molecular Patrícia Zambryski, que desenvolveu uma técnica para transgenia de vegetais, amplamente utilizada nos dias de hoje (MALAJOVICH, 2016). Observe, na Figura 2, como ela foi desenvolvida. Figura 2. Transformação bacteriana por Agrobacterium. Sítio de restrição Inserção do gene no plasmídeo usando a enzima de restrição e a DNA ligase Introdu- ção nas células da cultura de plantas TDNA carregando novo gene com o cromossomo da planta Célula da planta Rege- neração da planta planta com novo traço DNA contendo gene com o traço desejado Agrobacterium tumefaciens T DNA Plasmídeo Ti Plasmídeo Ti recombinante Nesse método, a Agrobacterium tumefaciens é utilizada com a função de inserir genes em plantas que estimulem a formação de galhas, uma espécie de tumor vegetal. A equipe da pesquisadora imaginou utilizar essa propriedade na infecção de células vegetais com genes de interesse, como aqueles que condicionam a resistência a pragas. 11Biotecnologia e biossegurança Além disso, outros métodos foram desenvolvidos para a produção de plantas transgênicas, como a eletroporação de protoplastos, a qual pode ser observada na Figura 3. Figura 3. Transformação genética por eletroporação. Fonte: Lencastre (2017, documento on-line). DNA (ou proteína) Pulso Voltagem Células transformadasCélulas Nessa técnica, são produzidos protoplastos (células vegetais sem mem- brana), cujos genes de interesse são constituídos por plasmídeos junto a um gene repórter, que confere, por exemplo, resistência a antibióticos. Em se- guida, é feita a seleção dos protoplastos e a liberação de descargas elétricas, aumentando a permeabilidade da membrana aos plasmídeos, promovendo o mesmo efeito de sua absorção na transformação bacteriana. Aos protoplastos sobreviventes são fornecidas condições de sobrevivência (SINGH et al., 2013). Outra técnica, a biobalística, consiste no bombardeamento de células com microesferas metálicas, nas quais estão aderidos os segmentos de DNA que se deseja transferir. Assim, algumas células irão receber mecanicamente esses segmentos, que, por sua vez, podem ser expressos quando incorporados ao genoma das células (PICELLI, 2010). Observe o esquema dessa técnica na Figura 4. Biotecnologia e biossegurança12 Figura 4. Transformação genética por biobalística. Partículas contendo DNA com os genes de codi�cação desejada Partículas bombardeadas Bombardeamento de plantas com partículas Cromossomos com DNA integrado com os genes de codi�cação desejada Célula da planta Multiplicação celular Regeneração bombardeada seguida de regeneração radicular Planta com o novo traço Núcleo Nos vegetais, o processo de transgenia pode ser classificado em três ge- rações, as quais estão relacionadas à ordem cronológica de aparecimento das culturas, conforme a seguir. � 1ª geração: aparecimento de plantas com características agronômicas resistentes a vírus, herbicidas e pestes. Formam o primeiro grupo de plantas modificadas. � 2ª geração: inclui as plantas cujas características nutricionais foram melhoradas, tanto quantitativa como qualitativamente. 13Biotecnologia e biossegurança � 3ª geração: plantas destinadas à síntese de produtos, como vacinas, hormônios, plásticos ou anticorpos. Uma questão que tem sido amplamente estudada em relação à produção de transgênicos em cultivares, além da resistência a pragas, é a promoção de espécies tolerantes a déficits hídricos, baixa temperatura ou aumento na concentração salina. Um dos genes estudados é o DRE, que apresentou um papel importante na regulação daexpressão de genes em estresse hídrico e a baixa temperatura. O gene DREB1A, foi introduzido em culturas de trigo, no México, demonstrando capacidade de tolerar até 15 dias a mais sem irrigação (FLORIGENE FLOWERS, 2007). Apesar do Brasil ser representativo na produção de transgênicos, em relação a outros países no mundo, a população ainda apresenta receios quanto ao seu consumo. Entretanto, de acordo com Nodari e Guerra (2001), os riscos ligados a variedades transgênicas dependem de associações muito complexas, referentes a modificações genéticas, história dos organismos envolvidos e características do ecossistema no qual o transgênico é disseminado. Outro ponto relevante se refere à lei de biossegurança, a qual regula todos os processos de produção dos OGM, com ações que envolvem desde a pesquisa até a sua comercialização (BRASIL, 2005). BRASIL. Lei nº. 11.105, de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestru- tura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória nº 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10 e 16 da Lei nº 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm. Acesso em: 14 maio 2020. CÉLERES. 3º levantamento de adoção da biotecnologia agrícola no Brasil, Safra 2016/2017. Uberlândia: Céleres, 2017. CHENG, S. M.; VAIDYA, M.; TZFIRA, T. Agrobacterium is not alone: gene transfer to plants by viruses and other bacteria. 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