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APOSTILA DE PSICOTERAPIA INFANTIL

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ISSN 0101-4838
 � 299
tempo psicanalítico, Rio de Janeiro, v. 44.2, p. 299-319, 2012
 Sintoma da criança
Sintoma da criança, atualização do 
processo constitutivo parental?
Andrea Gabriela Ferrari*
RESUMO
A psicanálise com crianças discute, desde os seus primórdios, o estatuto dos pais 
no atendimento clínico do filho. A influência que exercem na constituição psíquica do 
filho é evidente e por muito tempo questionou-se, dentro das diferentes perspectivas 
da psicanálise, a necessidade de se escutar o que os pais têm a dizer a respeito da sinto-
matologia apresentada pelo filho. Neste artigo fazemos uma discussão teórica a respeito 
do que o sintoma do filho aciona e atualiza do processo constitutivo parental. Neste 
aspecto aborda a possibilidade de que alguns sintomas da criança funcionem como es-
truturante psíquico dos pais. Pretende-se, com isso, situar o sofrimento dos pais frente à 
demanda de atendimento do filho e frente à sintomatologia apresentada por ele. 
Palavras-chave: psicanálise com crianças; sintoma; demanda de tratamento; 
entrevistas preliminares.
ABSTRACT
Child’s symptom, an update on parental constitution?
Psychoanalysis with children, since the beginning, discusses the parent’s importance 
in their child’s treatment. The influence they exercise in the child’s psychic constitution is 
evident and for a long time it has been questioned, between psychoanalysis’ different pers-
pectives, about the need to study what the parents have to say regarding the symptomatolo-
gy the child presents. In this article we make a theoretical discussion about what the child’s 
symptom activates and updates in the parents’ constitutive process. In this sense, the article 
addresses the possibility that some of the child’s symptoms become a structuring aspect of 
the parents’ psyche. It intends, with this, to situate the parents’ suffering in the face of the 
demand for care of the child, and in the face of the child’s symptomatology.
Keywords: children psychoanalysis; symptom; demand for care; preliminary 
interviews.
* Psicóloga; Psicanalista; Professora do Departamento de Psicanálise e Psicopatologia do Instituto de Psico-
logia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
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A ESPECIFICIDADE DA PSICANÁLISE COM CRIANÇAS
A psicanálise com crianças discute, desde seus primórdios, o 
lugar e a importância que os pais ocupam no tratamento do filho já 
que, em geral, são eles que demandam atendimento. Desde o iní-
cio da clínica psicanalítica com crianças se destaca a preocupação a 
respeito do lugar dos pais nesses atendimentos. Freud (1909/1990), 
no caso Hans, afirma que a análise do menino somente foi possí-
vel pela associação entre a pessoa do médico e a do pai. Porém na 
“Conferência de 1933”, comentando os trabalhos iniciais de Anna 
Freud, refere que uma das especificidades da análise da criança diz 
respeito à transferência. Visto que os pais da realidade estão presen-
tes no cotidiano da criança e visto que a criança não dissolveu seu 
complexo de Édipo, a transferência na clínica com crianças cumpre 
outra função. 
A transferência desempenha outro papel já que os progenitores reais 
seguem presentes. As resistências internas que combatemos no adulto 
estão substituídas na criança, na maioria das vezes, por dificuldades 
externas. Quando os pais se colocam como portadores da resistência, 
frequentemente o objetivo da análise se encontra em perigo e por isso é 
necessário integrar à análise da criança alguma influência analítica sobre 
seus progenitores (Freud, 1932/1990: 137).
A relação entre transferência e resistência é recolocada, pois, no 
caso da escuta à criança; a resistência está relacionada aos pais, sendo 
reconhecida na época como algo externo ao trabalho analítico pro-
priamente dito. No intuito de dar conta dessa resistência, uma das 
adaptações annafreudianas sobre a técnica se refere à necessidade de 
reservar algum espaço próximo para trabalhar com os pais da criança. 
Além disso, já que não era a criança que demandava atendimento, 
Anna Freud (1971) propunha um atendimento prévio a partir do 
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qual seriam trabalhadas a demanda de atendimento e a consciência 
da doença, visto que a criança, para a autora, não a tem.
Anna Freud (1971) acreditava que as crianças tinham dificul-
dades em estabelecer uma relação transferencial com o analista visto 
que os pais da realidade tinham, ainda, uma influência muito forte, 
ou seja, o pequeno paciente não poderia reeditar seus vínculos amo-
rosos porque a primeira edição desses vínculos não estaria esgotada. 
Esta influência dos pais relacionava-se, então, a questões ambientais 
(dependência efetiva dos pais) e a questões intrapsíquicas (a não inter-
nalização completa das figuras parentais). Nesse sentido, a dificuldade 
em empreender uma análise com uma criança se refere ao fato de que 
as forças de enfrentamento de uma neurose são, para a criança, in-
ternas e externas pela fraqueza superegoica característica da infância. 
Zornig (2000) aponta que na corrente annafreudiana da psi-
canálise com crianças há um privilegio de uma vertente pedagógi-
ca através de orientações aos pais. Outra maneira encontrada para 
driblar esta incapacidade da criança é propor um trabalho prévio à 
entrada em análise, no qual se abordaria a consciência da doença, o 
desejo de cura e a confiança no analista, propiciando a criação de 
uma transferência positiva (única desejável para o trabalho com a 
criança). Anna Freud (1971) diz que o objetivo do tratamento tinha 
uma dupla vertente: uma psicanalítica propriamente dita, pela libe-
ração sintomática, e a outra pedagógica, que visava ensinar a criança 
a lidar com sua vida instintiva. Nesse aspecto, Anna Freud, segundo 
Zornig (2000), privilegiava o trabalho com os pais da realidade.
Melanie Klein (1964) apostava na capacidade transferencial da 
criança e prescindia da presença dos pais na análise com o pequeno 
paciente. Tendo feito modificações teórico-clínicas, considera que a 
criança passa por um Édipo precoce, o que possibilita o trabalho 
com os pais introjetados, da fantasia. Acreditava nos benefícios, para 
a criança, de empreender uma análise na tenra idade. Zornig (2000), 
analisando a obra kleiniana, afirma que na análise com a criança se 
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trabalhava com os pais da fantasia e, nesse sentido, não havia ques-
tionamentos em relação ao estabelecimento da relação transferen-
cial com o analista. Como o aparelho psíquico está, desde a origem 
da criança, constituído pelos mecanismos introjetivos e projetivos, 
trata-se de trabalhar analiticamente com as imagos parentais interna-
lizadas e as fantasias da criança. Nesta concepção, segundo a autora, 
não há motivo para o trabalho com os pais da realidade. Para Klein 
(1964), a análise de uma criança deveria prescindir de toda vincula-
ção com os pais, com sua história ou com qualquer obstáculo con-
creto que fosse alheio à situação analítica.
Poulain-Colombier (1998) lembra que em 1932 houve uma 
discordância entre Burlingham e Melanie Klein sobre a influência 
das fantasias parentais no tratamento dos filhos que abriria uma 
terceira possibilidade. Burlingham (1935: 71) passou a enfatizar a 
necessidade de análise simultânea, com diferentes analistas, para a 
criança e a mãe, pela dificuldade, para a mãe, de suportar a análise de 
seu filho, uma vez que “a inter-relação entre pais e criança está mar-
cadapor poderosas forças inconscientes”. Este trabalho foi iniciado 
porque se percebeu que, em muitos casos, o tratamento da criança 
não progride pela psicopatologia do(s) progenitor(es), que interfere 
no andamento da análise da criança. 
Para Anna Freud (1971), caso o sintoma e/ou o conflito apresen-
tado pela criança esteja ancorado não somente na sua personalidade, 
mas também sustentado pelas forças emocionais dos pais, a ação tera-
pêutica analítica pode se tornar lenta ou mesmo impossível. Para a au-
tora, nesses casos em que a interferência da psicopatologia parental na 
análise da criança é excessiva, a análise simultânea dos pais e da criança 
possibilita que as interpretações oferecidas à criança tornem-se mais 
eficazes, já que as posições libidinais regressivas são deixadas de lado 
na mesma proporção do abandono da posição psicopatológica paren-
tal. Entretanto, nos casos nos quais as fantasias maternas conduzem a 
determinada ação e a criança é utilizada na satisfação das necessidades 
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amorosas ou hostis da mãe, a análise dificilmente consegue libertar a 
criança do efeito dessa interferência materna (Burlingham, 1935).
O surgimento do movimento lacaniano com sua concepção de 
“sujeito” fez surgir uma nova polaridade no campo da psicanálise 
com crianças. Desta vez, segundo Rosemberg (2002), esta polaridade 
coloca-se entre a teoria da constituição subjetiva, sustentada por La-
can, e a teoria do sujeito constituído, sustentada por Klein. A partir 
dos questionamentos lacanianos a respeito da formação do sujeito, o 
lugar dos pais na clínica passa a ser privilegiado não como orientação 
pedagógica, mas como possibilidade de trabalho.
Bleichmar (1988), fazendo uma retrospectiva a respeito da psi-
canálise com criança, colocou que nos anos setenta, pelo mau enten-
dimento da concepção lacaniana sobre a constituição do sujeito, a 
criança, na cena analítica, ficava reduzida à figura de depositário das 
neuroses parentais. A possível sintomatologia neurótica ou psicótica da 
criança não lhe pertencia, era da rede relacional preexistente ao seu sur-
gimento. Este entendimento teve como consequência o oferecimento 
de longas entrevistas preliminares com os pais, objetivando, muitas 
vezes, uma psicoterapia de casal em detrimento do atendimento da 
criança. Nesse sentido, para a autora, a estrutura psíquica da criança 
reduziu-se a um interacionismo muito próximo das propostas terapêu-
ticas sistêmicas. Este movimento fez com que se perdesse a especifici-
dade clínica da psicanálise de crianças conquistada pelos kleinianos.
Nesta direção, Bleichmar (1988) lembra do escrito de Mannoni 
(1976: 7) no qual a autora inaugura a obra com a frase “a psica-
nálise de crianças é psicanálise” em uma tentativa de fazer retornar 
à psicanálise o trabalho com a criança. Zornig (2000) observa que 
uma leitura precipitada de Mannoni poderia nos levar a pensar que 
há uma valorização da dinâmica familiar em detrimento da questão 
individual da criança. Cabe lembrar que Mannoni (1976) se refere 
à necessidade de compreender a história da linhagem parental no 
sentido de se estabelecer o lugar que essa criança em especial ocupa 
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nessa cadeia geracional: “Quando escutamos o discurso parental, o 
fazemos porque isto explica aquilo que, na criança, não pode ser no-
meado” (Mannoni, 1976: 9). 
Zornig (2000) aponta que as implicações da teoria lacaniana e 
de autores como Manonni (1976) e Dolto (1985) para a clínica com 
crianças ocorrem numa
dupla vertente: o discurso parental é privilegiado não como possibilida-
de de informar (anamnese) e discorrer sobre a história da criança, mas 
sim como desvendamento da posição que a criança ocupa na fantasia 
parental, enquanto cabe ao analista suportar a transferência em sua du-
pla faceta: a dos pais e a da criança (Zornig, 2000: 127).
Lacan (1971) refere que seria função do analista se opor a que 
o corpo da criança responda como objeto a materno. Zornig (2000) 
aponta que para que a criança não seja tomada como objeto parcial na 
fantasia de um dos pais o analista deve se colocar como mediador entre 
a criança e o desejo da mãe. Bergès e Balbo (2010) discutem sobre a ne-
cessidade de escutar os pais das crianças que se encontram em psicote-
rapia ou em psicanálise. Em se tratando de atendimento psicanalítico, 
referem ser necessário escutar os pais no intuito de que a transferência 
que eles constituem com o psicanalista não seja ignorada. Além disso, 
colocam ser importante o alívio da preocupação dos pais colocados no 
lugar terceiro ao permitir instaurar uma relação transitivista entre os 
pais e a criança. A instauração desta relação objetiva que a criança seja 
liberada do engodo narcísico e possa vir a falar em nome próprio.
Para além das divergências espistemológicas a respeito da concep-
ção de sujeito, existe uma concordância clínica a respeito da dificulda-
de do trabalho com os pais e da alta taxa de abandono das psicoterapias 
com crianças. O estudo feito por Nunes, Silvares, Maturano e Oliveira 
(2009) aponta alta taxa de abandono de psicoterapia de crianças. As au-
toras ainda colocam a dificuldade de fazer levantamentos mais precisos 
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nesta área vista a dificuldade de acesso aos prontuários ou mesmo falha 
no preenchimento dos mesmos. Além disso, Deakin e Nunes (2008) 
apontam para a escassez de pesquisas em psicoterapia psicanalítica com 
crianças, o que dificulta pensar a respeito dos efeitos na constituição 
subjetiva das crianças que se submetem a esse tipo de tratamento. Mes-
mo no intuito de amenizar o abandono dos tratamentos organizando 
o acompanhamento a pais nas diferentes modalidades (individual, gru-
po, conjunta...), percebe-se que, apesar dessas tentativas, muitos aten-
dimentos fracassam. Desde os primeiros trabalhos psicanalíticos com 
crianças a questão dos pais é colocada em cena. Apesar de alguns pais 
conseguirem suportar a análise do filho, frequentemente o que ocorre 
é uma interrupção brusca no atendimento.
É evidente que as diferentes concepções teóricas entendem ser o 
lugar dos pais nos atendimentos dos filhos algo que precisa ser mais 
investigado, dadas a dependência da criança em relação aos pais e 
as inter-relações que se estabelecem entre os sintomas trazidos pelas 
crianças e o sofrimento psíquico que isso acarreta nos pais. Percebe-
mos em profissionais que trabalham com crianças a angústia desper-
tada quando uma criança em tratamento, cujo sofrimento está sendo 
amenizado, é retirada do atendimento por resistência dos pais frente 
à cura do filho. Assim, partindo da concepção lacaniana de constitui-
ção do sujeito, veremos como o infantil parental pode se atualizar no 
sintoma do filho. Para isto, abordaremos alguns conceitos que permi-
tam entender o lugar que a criança ocupa na fantasmática dos pais.
A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO
Uma das especificidades da psicanálise com a criança se refere à 
constituição de um infantil que possibilitará uma estruturação sub-
jetiva quando do processo de recalcamento. Zavaroni, Viana e Celes 
(2007) notam que, apesar da importância do conceito infantil para 
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a psicanálise, este verbete está ausente dos dicionários de psicanálise. 
A infância faz referênciaa uma realidade histórica, cronológica. O 
infantil, sendo atemporal, está relacionado com conceitos cruciais da 
psicanálise como o de recalque. 
Em relação ao recalque, Bernardino (2004) aponta que na obra 
freudiana o infantil encontra-se posicionado entre o recalque originá-
rio e o recalque propriamente dito, constitutivo do inconsciente e do 
fantasma fundamental. O infantil aponta para um movimento que 
parte dos agentes do Outro (cuidadores) para a criança, sinalizando-
-lhe o lugar que ocupa no desejo deles. Esta sinalização permite que 
a criança responda a partir de sua interpretação desses assinalamentos 
e construa a sua própria neurose infantil através do sinthoma e do 
fantasma. A autora coloca que nesta construção se situa a “gênese da 
responsabilidade subjetiva” por parte da criança (Bernardino, 2004: 
56). 
Cabe lembrar que o projeto de um filho se concretiza, na maio-
ria das vezes, quando falta alguma coisa ao casal. Assim, a aposta 
narcísica nesse projeto evidencia o renascimento da busca da comple-
tude perdida quando da constituição do seu próprio infantil. A ex-
pressão freudiana “sua majestade o bebê” nos lembra o renascimento 
narcísico quando da vinda de um filho. Porém, para a criança se 
constituir como sujeito diferenciado, a aposta narcísica precisa mini-
mamente fracassar para que as características da criança possam apa-
recer (Ferrari, Piccinini & Lopes, 2006; Ferrari & Piccinini, 2010). 
Isto ocorre em grande parte porque a criança não acata tudo o que 
lhe é reservado, esboçando pontos de resistência a aquilo que lhe foi 
destinado. Às vezes, esse movimento de resistência faz com que, nos 
pais, surja uma sensação de estranhamento (Freud, 1919/1999) fren-
te à criança, ressituando o filho no projeto para ele esboçado.
O fracasso necessário da aposta narcísica dos pais frente à crian-
ça a libera para constituir sua subjetividade a partir dos primeiros 
enunciados identificantes (Aulagnier, 1994) assinalados pelos pais 
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e encenados (Stern, 1997) na relação com a criança. Este fracasso 
da completude narcísica permite abrir um espaço a partir do qual 
a criança passa a se perguntar sobre o lugar que ela ocupa frente ao 
desejo dos pais, lugar este que, até então, não era questionado. Essas 
perguntas vão surgindo a partir do momento em que a criança se 
sente negligenciada nas atenções cotidianas. Essa sensação de não 
satisfação completa estabelece um espaço a ser preenchido. Esse pre-
enchimento começa a acontecer quando a criança passa a questionar 
sobre sua origem e, consequentemente, elaborar suas teorias sexuais 
infantis (Ferrari & Sordi, 2009). As teorias sexuais infantis tentam 
dar conta, em parte, do fracasso da aposta narcísica dos pais em rela-
ção à criança (Pommier, 1999).
Lévy (2008) sugere que as teorias sexuais infantis, acionadas a 
partir de algum acontecimento, se reportam a um primeiro conflito 
edípico da criança em relação às respostas evasivas dos pais, o que 
desencadeia o processo de recalcamento. As teorias sexuais infan-
tis permitem que a criança vá se tornando autônoma frente à fala 
e ao pensamento dos pais. A elaboração dessas teorias permite que 
a criança responda à incógnita sobre o desejo do Outro montando 
aquilo que se denominou de fantasma ou fantasia fundamental (Ber-
gès & Balbo, 2010). 
Para Jerusalinsky (2008), as operações formadoras do fantasma 
para a criança são a suposição de um sujeito pelo Outro materno; a 
alternância da presença e ausência; o estabelecimento da demanda, e 
a função paterna. A suposição de um sujeito diz respeito à possibili-
dade de a mãe antecipar, naquilo que a criança apresenta, uma inten-
cionalidade que supõe um sujeito. A alternância presença / ausência 
refere-se à necessidade de a mãe não estar sempre presente ou sem-
pre ausente, mas se alternar no intuito de instituir uma falta onde 
o desejo da criança vai se inscrever. O estabelecimento da demanda 
apoia-se na capacidade da mãe de interpretar as necessidades do bebê 
através das significações dadas aos seus comportamentos. A metáfora 
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paterna diz respeito à referência terceira com relação a seu laço com 
o bebê. Esta referência terceira permite que a mãe se coloque como 
não totalmente suficiente para seu bebê e não faça do seu filho obje-
to de satisfação narcísica. Segundo o autor, são esses elementos que 
constituirão, na criança, o seu fantasma fundamental a partir do qual 
seus desejos serão comandados. Os enigmas colocados pelo fantasma 
fundamental serão resolvidos através de formações de compromisso 
que caracterizam o sintoma.
Lacan (1975-1976/2007) redefiniu o conceito de sintoma di-
ferenciando dois termos: “sintoma” e “sinthome”. A noção de sin-
toma continua muito próxima daquela freudiana, caracterizada 
como formação de compromisso ou formação substitutiva (Freud, 
1920/1990). Para Simonney (2008: 297) sintoma seria a “expressão 
metafórica da verdade do recalque inconsciente que se interpreta gra-
ças ao equivoco significante. É um ‘nó de sentido’ que primeiro se 
apresenta ao sujeito como sem sentido, mas que convoca ao sentido 
[...] é substituível e passível de deslocamento”. Já o sinthome não 
apresenta as características do deslocamento e da substituição, mas 
remete à “resposta da falta do Outro [...]. O sinthome será a resposta 
de um sujeito confrontado à obrigação de assumir sua singularida-
de, consequentemente, sua solidão” (Simonney, 2008: 298). Neste 
sentido, o sinthome é aquilo que permite elaborar uma carência pró-
pria do período infantil, constituído a partir do momento no qual 
a criança, pela percepção da castração parental e em consequência 
disto, tenta suportar esse desamparo a partir da constituição de seu 
sinthoma e de seu fantasma. 
A constituição do sinthoma e do fantasma são possíveis pelos 
movimentos constitutivos de alienação – ao desejo do Outro – e 
separação – acionada pela introdução da metáfora paterna. A aliena-
ção se evidencia, originalmente, pela dependência absoluta do bebê 
à mãe. A mãe, ocupando o lugar primordial de introduzir, através 
dos cuidados cotidianos, seu desejo frente à criança, supõe e ante-
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cipa comportamentos que estão relacionados à sua história infantil 
e constitutiva. O que é encenado na relação com o bebê, de certa 
forma, é a reatualização do momento constitutivo do seu infantil 
(Ferrari & Piccinini, 2010). Nos momentos nos quais a mãe se co-
loca como não toda sabedora do seu bebê, ela convoca, mesmo que 
de forma indireta, a metáfora paterna que possibilitará a saída do 
bebê dessa alienação, permitindo que o bebê olhe para além do de-
sejo materno ou pelo menos que busque reencontrar em outro lugar 
aquilo que até então ele acreditava estar completando. Esse é um dos 
motivos pelo qual se sustenta que:
A neurose dos pais tem um papel fundamental na eclosão dos sintomas 
da criança, pois esta fixa sua existência num lugar determinado pelos 
pais em seu sistema de fantasias e desejos. A criança procura responder 
ao enigma dos significantes obscuros propostos pelos adultos, se identi-
ficando ao que julga ser objeto de desejo materno, tentando preencher 
a falta estrutural do Outro e evitar a angústia de castração (assunção da 
própria falta) (Zornig, 2000: 17).
O SINTOMA DA CRIANÇA
Lacan (1969/1986) considera que os sintomas da criança po-
dem ser entendidos de duas formas: como respostas à sintomatologia 
familiar ou como correlatode um fantasma da mãe que pretende 
obturar a falta materna, presentificando, assim, o objeto a na sua 
fantasia. Levando em conta o primeiro aspecto – sintoma da crian-
ça como uma resposta à sintomatologia familiar –, considera-se que 
existe certa distância entre a criança e a mãe operada pela função 
simbólica, constituindo o campo da neurose. Este aspecto da sinto-
matologia apresentada pela criança permite aos pais se perguntarem 
sobre o motivo do sintoma esboçando hipóteses que permitem os 
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deslocamentos necessários para que a criança possa ingressar em uma 
relação analítica (Flesler, 2008). Considerando o segundo aspecto 
do sintoma da criança – que ele venha obturar a falta materna –, 
estamos no campo estruturante de uma psicose. Neste caso, dificil-
mente os pais chegam à consulta com alguma angústia frente ao que 
o filho apresenta, mas porque foram encaminhados por alguma ins-
tituição que a criança frequenta. Flesler (2008) categoriza ainda uma 
terceira possibilidade de entendimento da sintomatologia da criança, 
quando o sintoma do filho fere a imagem narcísica parental projeta-
da nele. O pedido dos pais, quando da procura de atendimento, se 
circunscreve a uma restituição da adequação aos ideais sociais que a 
criança deveria cumprir. Neste aspecto, a autora observa que os pais, 
em lugar de se perguntar sobre o motivo do sintoma, pretendem que 
o analista restitua o narcisismo parental através da nova adequação da 
criança às demandas a que deixou de responder.
Flechet (1989) propõe, seguindo a proposta de Lacan 
(1969/1986), que o sintoma na infância seja pensado a partir de 
duas categorias. A primeira se refere aos sintomas articulados ao re-
calcamento originário da criança, organizador de uma estruturação 
psíquica. Estes sintomas, para Jerusalinsky (2008), seriam mani-
festações típicas da infância, constituintes da sua fantasmática, que 
denotam uma mudança na posição subjetiva como, por exemplo, 
desenhar, brincar, terrores noturnos transitórios, transgressões explo-
ratórias, entre outros. A segunda categoria está relacionada às mani-
festações sintomáticas da infância produzidas como resposta à neu-
rose parental. Esta sintomatologia cumpre uma função de laço entre 
o corpo da criança e os Outros reais que o analista deve liberar pelas 
entrevistas preliminares com os pais.
[...] a menos que se torne psicótica, a criança fracassa na realização do 
falo imaginário (é o que a constitui como sujeito), e na falta de vir dar 
consistência a um imaginário ideal que chame a reparação [...] reenvian-
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do cada um dos protagonistas a esse limite que é a sua própria castração 
(Flechet, 1989: 41).
Este tipo de apresentação sintomática expressaria impossibilida-
des de elaboração da problemática colocada pelo seu fantasma fun-
damental evidenciando um excesso paralisante de difícil elaboração 
(Jerusalinsky, 2008). Nesse sentido, o sintoma da criança tem uma 
dupla vertente, pois emerge como real no seu próprio corpo e como 
pertencente ao campo simbólico daqueles que dela se queixam. As 
manifestações sintomáticas da criança denunciam a relação dos pais 
com a própria castração. 
Para Rosemberg (2002) as crianças e os adolescentes costumam 
fazer sintomas naqueles lugares em que se tornam insuportáveis para 
seus pais, e isso os deixa em situação embaraçosa, de mal-estar, uma 
vez que denuncia algo que deveria ficar mascarado. Esse mal-estar se 
instala porque o sintoma clínico parece ter a propriedade de se fazer 
ouvir ao mesmo tempo que se apresenta como uma mensagem en-
dereçada ao Outro, uma mensagem cifrada que tem como endereço 
certo os pais. Melman (1995), sobre o embaraço provocado pelas 
crianças quando dizem algo por meio do sintoma que não era para 
aparecer, afirma que isso ocorre também porque elas teriam um ou-
vido que parece psicanalítico, pois conseguem escutar para além do 
que lhes é dito, e a grande dificuldade dos adultos estaria no fato de 
as crianças jogarem de volta o que escutam sem muitos pudores, ou 
seja, elas “devolvem para nós o nosso próprio inconsciente” (Mel-
man, 1995: 34). 
Lévy (2008) refere ser uma das especificidades do trabalho 
psicanalítico com crianças prestar atenção ao discurso trazido pelos 
outros para os quais a criança ou seu sintoma funciona como sintho-
me. Apesar dos riscos de empreender este trabalho, frequentemente 
longo, ele é necessário, pois pode levar à escuta de um dos pais, à 
continuação do trabalho com a criança ou, até mesmo, não dar se-
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quência à demanda de atendimento. Neste aspecto o analista precisa 
funcionar como “desejo de lugar vazio” (Lévy, 2008: 71) para a crian-
ça, em contraponto à enxurrada de desejos dos pais e cuidadores com 
que a criança tem que lidar. “O trabalho analítico com as crianças, 
contrariamente ao que se acredita, nos aproxima daquilo que ‘no 
desconforto do desmame humano é a fonte do desejo da morte’” 
(Lévy, 2008: 72).
Lévy (2008) sugere pensar a sintomatologia da criança desde a vi-
vência da castração materna, retomando a noção winnicottiana de que 
uma mãe suficientemente boa tem condições de decodificar as necessi-
dades de seus bebês porque parte dela se liga a ele. A partir desse raciocí-
nio podemos retomar a noção de equivalente simbólico, de desamparo 
e de angústia de castração (Freud, 1931/1990) para pensar o lugar que 
o bebê pode vir a ocupar na fantasmática materna. Neste aspecto, Lévy 
(2008) afirma que a sintomatologia apresentada pela criança é uma 
resposta à angústia despertada quando da constituição do infantil dos 
seus pais (ou de um deles). Isto porque, como aponta Melman (1987), 
os pais têm a expectativa de que a criança realize um ideal impossível 
de se alcançar, que se mantenha na posição de satisfazê-los de forma 
narcísica no intuito de driblar a castração à qual eles mesmos tiveram 
que se submeter. O sintoma da criança remeteria, então, à posição ideal 
infantil de um dos pais, considerando infantil (Bernardino, 2004) um 
momento entre o recalque originário e o recalque propriamente dito, 
constitutivo do inconsciente e da fantasia fundamental.
Hamad (2001) mostra que, nas entrevistas preliminares, quan-
do os pais falam sobre o filho, sobrevém um dizer que simboliza 
sua própria falta. O autor constata três momentos em relação ao 
pedido dos pais pelo atendimento do filho. O primeiro refere-se à 
inacessibilidade em relação à criança pelo surgimento do sintoma 
em que se evidencia uma sensação de desconhecimento frente àquela 
criança. O segundo momento se refere ao surgimento do conflito no 
casal, relacionado, em geral, às formas diferentes de educar o filho. A 
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esta discordância sucedem-se as confissões nas quais pelo menos um 
dos pais se reconhece nos comportamentos do filho, reatualizando, 
pela revivência de sua história constitutiva, o ressurgimento daquela 
criança que nunca cresceu. Bounes (2008) observa que os sintomas 
apresentados pelas crianças podem ter uma relação direta, inversa 
ou reacional com a história da família e tomam sentido para os pais 
pelas suas próprias histórias. Nessa reatualização há um engajamento 
das histórias passadas atualizadas na sintomatologia dada a ver pela 
criança. 
A sintomatologiaapresentada pela criança será uma resposta 
construída resultante da posição dos pais frente à castração quando 
da constituição do seu ideal infantil. Na clínica psicanalítica com 
crianças é necessário considerar que a criança é o “paraíso do engodo” 
(Lévy, 2008: 69) parental e, nesse sentido, abordar a criança implica 
em questionar o narcisismo dos pais. Tentar suprimir, sem trabalho 
prévio de deslocamentos discursivos, o sintoma da criança impõe 
aos pais um sofrimento difícil de suportar. Suprimir o sintoma da 
criança implica suprimir algo do gozo que isso traz aos pais. A partir 
desse aspecto, Lévy diz que a criança faz sinthome para os pais já 
que a criança funciona como círculo suplementar que repara uma 
falha de um dos pais ou mesmo de ambos. Segundo o autor, quando, 
por exemplo, um pai fracassa na introdução da metáfora paterna, o 
filho organiza um sintoma que tenta suprimir essa falha. Conside-
rando que, ao mesmo tempo, o sintoma apresentado pela criança 
revela essa falha, é evidente pensar nos movimentos resistenciais dos 
pais frente a esse desvelamento na frente de um terceiro, o analista, 
que, questionando o sintoma da criança, reconduz, muitas vezes, o 
questionamento daquelas manifestações a situações que remontam à 
época constitutiva do infantil dos próprios pais. Assim, tocar no sin-
toma do filho desestabiliza o sinthoma dos pais. Para o autor, mesmo 
aquelas manifestações sintomáticas típicas da infância, como enco-
prese, enurese, distúrbios da alimentação, do sono e hiperatividade, 
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podem ter valor de sinthoma para a criança em função do momento 
do recalcamento no qual ela se encontrar. Como no infantil o recal-
que ainda é parcial muitas dessas manifestações são frutos não do 
recalque, mas da falta dele. O analista deverá trabalhar, então, em 
favor do processo de recalcamento. Neste aspecto, nas consultas com 
a criança, os pais que, em geral, são os que demandam atendimento 
para o filho, se confrontam com a dificuldade no exercício da função 
paterna. 
Para poder dizer um NÃO a uma criança (um não do pai), é preciso 
poder correr o risco enquanto pai, não só de ser eventualmente desapro-
vado pela mãe da criança, como também aceitar perder momentanea-
mente o amor da criança. Essa operação leva inevitavelmente os pais à 
própria castração [...] (Lévy, 2008: 64).
A DEMANDA E A TRANSFERÊNCIA NA CLÍNICA COM CRIANÇAS
Uma das especificidades da clínica psicanalítica com crianças 
refere-se à demanda de atendimento. Dificilmente uma criança 
chega ao tratamento psicanalítico ou psicoterapêutico por vontade 
própria, ela é trazida porque se interpreta em determinado com-
portamento que algo não vai bem no seu desenvolvimento (Ber-
gès & Balbo, 2010; Costa, 2009). Balbo (1992), considerando que 
quem demanda atendimento para seus filhos são os pais, reconhece 
que, nesses pedidos, seja feito um trabalho de escuta a respeito da 
criança narcísica que os pais desejariam, ou gostariam de ser e de 
reconhecer em seus filhos. Quando a criança não consegue corres-
ponder a essa imagem idealizada não é ela quem está em fracasso, 
são os pais mesmos que fracassam. É frequente que as entrevistas 
preliminares permitam desvelar a função que a criança tem para 
seus pais (Lévy 2008). Assim, Bergès e Balbo (2010) colocam em 
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evidência a transitividade, sempre presente entre os pais e a criança, 
que precisa ser elaborada quando na chegada para um tratamento 
de uma criança. Nas entrevistas preliminares é necessário permitir 
que a criança se liberte de algo que não lhe pertence. Caso, nessas 
entrevistas, se evidencie que o sintoma da criança é relativo a uma 
patologia de quem a traz, não é a criança que precisa ser tomada em 
atendimento. 
A psicanálise com crianças tem como uma de suas especifici-
dades a não demanda de tratamento pela própria criança. Hamad 
(2001) lembra que a demanda está relacionada ao Sujeito Suposto 
Saber, mas, no caso da criança, esta relação está estabelecida ainda 
com seus pais, a criança supõe que são seus pais que sabem sobre 
ela. Neste sentido, a criança se deixa levar para tratamento porque os 
pais não conseguem dar conta daquilo que ela apresenta, coloca-os 
como testemunha de seu mal-estar e os reenvia àquilo que da sua 
história permanece vivo no seu infantil. Este testemunho impotente 
nos permite relacionar, conforme Ferrari, Piccinini e Lopes (2006) o 
que há de resto nos pais de sua própria história constitutiva quando 
da intervenção do recalque propriamente dito e a consequente cons-
tituição do infantil. 
Cabe ressaltar que os pais trazem a criança à consulta quan-
do eles não conseguem mais assumir a transferência deles com 
seus próprios filhos. Para Porge (1998) na análise com a criança 
está colocada uma transferência particular e indireta, visto que é 
contemporânea ao estabelecimento de uma transferência na rela-
ção com os pais. É função da clínica psicanalítica com crianças 
restabelecer a transferência em relação àquele que em determi-
nado momento foi inapto em sustentar essa relação. Por esta ra-
zão, Flesler (2007) diz que, no tempo constitutivo da infância, é 
necessário que ocorra uma operação que permita transformar os 
pais da infância nos pais da fantasia, questão colocada em toda a 
análise com crianças. 
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QUESTÕES FINAIS
Este trabalho pretendeu retomar, teoricamente, a importância 
de considerar as questões constitutivas parentais quando da chegada 
de uma criança para um atendimento psicanalítico. Queixar-se sobre 
o filho recoloca para os pais o abismo aberto no seu processo consti-
tutivo pela instalação da castração. Castração esta desencadeada pelo 
sentimento de negligência despertado quando a criança não pode 
mais ter a ilusão de satisfazer plenamente o desejo do Outro. Con-
siderando que o projeto de um filho permite retomar o momento 
de completude narcísica, pensamos que o sintoma apresentado pelo 
filho aciona, nos pais, o momento da castração em uma dupla iden-
tificação – eles no lugar de seus próprios pais que não conseguiram 
se manter na completude narcísica e eles como os próprios filhos 
que foram, que não conseguiram satisfazer o desejo parental. Ter isso 
em mente permite não tomar as queixas dos pais literalmente como 
algo a ser restituído, mas como algo passível de ser trabalhado nas 
entrevistas preliminares com os pais e a própria criança. O paradoxal 
na constituição de um sujeito refere-se a que ela não se constitui 
senão pela atualização do momento constitutivo parental, mas é jus-
tamente isso que em algumas situações faz com que a criança precise 
estruturar algum sintoma que dê conta daquilo de que os pais não 
conseguem dar. As questões aqui colocadas não significam que se 
deva escutar os pais em detrimento da criança visto que, como refere 
Rodulfo (2005), há algo dela que faz com que se situe dessa forma 
frente a aquilo que os pais lhe oferecem. 
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Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI 
ISSN 1809-1636 
 
 Vivências. Vol. 10, N.18: p. 15-24, Maio/2014 15 
A PSICOTERAPIA DE CRIANÇAS NA ABORDAGEM WINNICOTTIA NA: RELATO DE 
UM CASO 
 
The child psychotherapy in Winnicott's approach: a case report 
 
 
 
Flávia Angelo VERCEZE1 
Maíra Bonafé SEI2 
 
 
 
RESUMO 
A psicoterapia de crianças se apresenta como uma prática extensionista importante no âmbito dos 
serviços-escola de Psicologia, tendo em vista o público atendido e sua função na promoção de 
saúde. No contexto da psicanálise, trata-se de uma prática cujas raízes remontam a Freud, com 
desenvolvimento a partir de autores posteriores, como Anna Freud, Klein, Winnicott e Aberastury. 
A partir deste panorama, o presente trabalho almejou tecer considerações sobre a psicoterapia de 
crianças, enquanto uma atividade extensionista ofertada por um serviço escola de Psicologia, 
pautada no referencial winnicottiano. O artigo organiza-se como um relato de experiência que 
ilustra o caso de uma criança atendida em tal serviço, com a crença de que tal tipo de contribuição 
pode colaborar para um aprimoramento das práticas empreendidas por psicólogos ligados ao campo 
da psicoterapia psicanalítica de crianças. Ilustra-se o manejo clínico do caso em questão, que 
somado à compreensão teórica, favorece o desenvolvimento de modelos de atuação e das práticas 
empreendidas com o público infantil. Por meio da experiência clínica relatada, foi possível 
compreender que, mais importante que a interpretação verbal dos conteúdos trazidos pelo paciente 
na sessão, foi a presença e manejo do terapeuta que ofertou condições para o aparecimento do gesto 
criativo e espontâneo do paciente, promovendo a saúde do paciente rumo a uma retomada de seu 
desenvolvimento emocional. Neste sentido, considera-se que o terapeuta deve estar aberto para o 
brincar na terapia, entendido como forma de comunicação e de terapia em si próprio. 
 
Palavras-chaves: psicoterapia de crianças, Winnicott, brincar, serviço escola de Psicologia, prática 
extensionista. 
 
 
 
ABSTRACT 
Child psychotherapy is presented as an important extensionist practice within psychological 
university services, because of the public attended and its role in health promotion. In the context of 
psychoanalysis, it is a practice whose roots go back to Freud, with development from later authors 
such as Anna Freud, Klein, Winnicott and Aberastury. From this background, this paper aimed to 
make considerations about child psychotherapy, while an extensionist activity offered by a 
psychological university service, based on Winnicott's reference. The article is organized as an 
 
1 Psicóloga pela Universidade Estadual de Londrina. 
2 Docente do Departamento de Psicologia e Psicanálise da Universidade Estadual de Londrina, psicóloga (CRP 
06/69177 IS/PR 281), mestre e doutora em Psicologia Clínica pelo IP-USP. E-mail: mairabonafe@gmail.com. Endereço 
- Departamento de Psicologia e Psicanálise - UEL; Rodovia Celso Garcia Cid - PR-445 Km 380; Campus Universitário; 
CEP 86057970 - Londrina/PR; Caixa-postal: 10011; Telefone: (43) 33714397. 
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experience report illustrating the case of a child treated in such a service, with the belief that such 
contributions can collaborate to an improvement of the practices undertaken by psychologists linked 
to the field of child psychoanalytic psychotherapy. It is illustrated the clinical management of the 
case, which added to the theoretical understanding, favors the development of role models and 
practices undertaken with the children. By reported clinical experience, it was possible to 
understand that, more important than the verbal interpretation of the contents brought by the patient 
at the session, it was the presence and management of the therapist that offered conditions for the 
emergence of creative and spontaneous gesture of the patient, promoting patient's health towards a 
resumption of his emotional development. In this sense, it is considered that the therapist should be 
open for playing in the therapy, understood as a form of communication and therapy itself. 
 
Keywords: child psychotherapy, Winnicott, play, psychological university service, extensionist 
practice. 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
A psicoterapia de crianças se apresenta como uma prática extensionista importante no 
âmbito dos serviços-escola de Psicologia, tendo em vista o público atendido e sua função na 
promoção de saúde. No âmbito psicanalítico, pode-se indicar que a psicanálise de crianças teve 
início nos trabalhos de seu próprio fundador, Sigmund Freud. Embora este nunca tenha atendido de 
forma direta uma criança, seus estudos propiciaram que outros autores se dedicassem e 
inaugurassem a psicanálise infantil. Opta-se por destacar nomes de Anna Freud e Melanie Klein 
como fundadoras, além de Donald W. Winnicott e Arminda Aberastury como inovadores da técnica 
da análise de crianças, devido ao foco dado ao brincar como forma de comunicação e intervenção 
dentro do setting analítico (AVELLAR, 2004). 
Neste sentido, aponta-se, inicialmente, que a psicanálise aproxima-se da complexidade dos 
fenômenos da natureza humana admitindo que o bem estar comportamental, emocional e físico são 
influenciados pelo inconsciente. Os trabalhos de Freud surgiram durante a análise de adultos, mas 
seus achados o levaram a estudar os primeiros anos de vida do homem, a infância. 
Suas investigações apontavam que as primeiras causas das patologias mentais tinham suas 
fontes em fatores que atuavam nas primeiras fases do desenvolvimento. Partindo destes 
descobrimentos, muitos autores como Anna Freud e Melanie Klein começaram a buscar uma forma 
de aplicar a psicanálise ao tratamento de crianças. 
Anna Freud acreditava que a criança não tinha consciência de sua enfermidade e nem 
desejos de se curar e por essa razão era necessário um trabalho prévio, antes de colocá-la em 
análise. Utilizava a interpretação de sonhos, desenhos e fazia restrição à utilização do jogo como 
elemento para a análise. Porém a interpretação lúdica em Anna Freud não tinha o mesmo valor que 
associações verbais do tratamento de adultos. Sua técnica tinha caráter educativo, pois não 
acreditava que a criança pudesse efetivar uma transferência com o analista, como o adulto. Tendo 
em vista que as relações originais ainda não haviam sido desfeitas, não seria possível realizar uma 
segunda edição enquanto a primeira não tivesse esgotada (ABERASTURY, 1989). 
A técnica criada por Melanie Klein baseava-se na utilização do jogo, por acreditar que a 
criança, ao brincar, vence realidades dolorosas e projeta no exterior seus impulsos instintivos. 
Porém o uso do jogo aplicado ao tratamento e ao diagnóstico não exclui o emprego da 
interpretação. Klein propôs que esta fosse realizada principalmente a partir do jogo e da brincadeira 
da criança, levando em consideração a situaçãoanalítica global na qual é produzida. Assim, o jogo 
desenvolve-se no consultório, dentro de limites determinados de tempo e espaço (ABERASTURY, 
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1989). 
Aberastury e Winnicott, embora tenham começado seus estudos e trabalhos partindo da 
teoria kleiniana, trouxeram novas contribuições, que os diferenciam das propostas de Klein. Sobre a 
técnica desenvolvida por Aberastury (1989), esta autora indica que foram efetuadas adaptações 
concernentes à entrevista com os pais e ao valor dado à primeira hora de jogo. 
Quanto à entrevista com os pais, fazia uma anamnese, por meio da qual investigava a fundo 
o ambiente da criança. Questionava o motivo da consulta, a história da criança e de seu ambiente 
desde a consciência da mãe sobre a gravidez até o momento atual, investigava sobre a 
amamentação, a dentição, o caminhar e outros marcos importantes. Também pesquisava sobre o dia 
a dia da criança, ou seja, sua rotina e as suas relações familiares. 
No que concerne à primeira hora de jogo com a criança, valorizava-a por acreditar que neste 
encontro se pode perceber a fantasia inconsciente de enfermidade e de cura da criança. Na visão de 
Aberastury (1989), o surgimento tão imediato destas questões acontece, pois o processo de análise é 
vivido pela criança como um novo nascimento, a separação inicial dos pais e a entrada no 
consultório costumam acompanhar-se das ansiedades experimentadas ao nascer. 
Por fim, outro marco da adaptação técnica proposta por Aberastury (1989) centra-se na 
introdução da caixa lúdica individual, que consiste em uma caixa na qual são colocados brinquedos 
e materiais gráficos que satisfazem as necessidades de comunicação da criança, como lápis, papel, 
borracha, cola, paninhos, tesouras, barbantes, entre outros materiais. Esta caixa só é acessível ao 
terapeuta e ao paciente e, com isso, simboliza o contrato de sigilo necessário à análise. 
Por outro lado, tem-se o trabalho de Donald W. Winnicott, que foi um pediatra e psicanalista 
preocupado com o desenvolvimento humano, principalmente, com a fase inicial de vida 
(WINNICOTT, 1945/2000). Considerou o ambiente como fator primordial para o desenvolvimento 
saudável, referindo-se às condições tanto de ordem emocionais quanto aquelas relativas a aspectos 
físicos ou concretos, como a presença real de pessoas necessárias ao amadurecimento emocional do 
bebê (ARAÚJO, 2005). Este ambiente deve ser suficientemente bom para levar o indivíduo ao 
amadurecimento e, para tanto, deve ser dinâmico, adaptar-se às necessidades mutáveis da criança à 
medida que esta amadurece. Inicialmente esse ambiente é a mãe, que tem papel vital tanto para a 
sobrevivência do bebê quanto para seu amadurecimento emocional (WINNICOTT, 1952/2000). 
Segundo Winnicott (1960/1993), muita coisa acontece no primeiro ano de vida do ser 
humano, que dispõe de uma tendência ao desenvolvimento que é inata e que corresponde ao 
crescimento do corpo e de certas funções. Todavia, esse crescimento natural não se constata na 
ausência de condições suficientemente boas, que leve o indivíduo da dependência a independência. 
Assim, o processo de amadurecimento físico e emocional ocorre quando o indivíduo passa pelas 
fases de dependência absoluta, dependência relativa, rumo à independência (WINNICOTT, 
1960/1993), sendo três os processos acompanham estas etapas: integração, personalização e 
realização ou início das relações objetais. 
A primeira se refere à integração do ego, que antes imaturo necessita do apoio egoico que o 
meio deve ser capaz de fornecer, para que assim o bebê se torne capaz de permanecer, durante 
algum tempo, não integrado, sem ameaças a sua continuidade de ser. Esta experiência de não-
integração é muito importante, pois é precursora da capacidade de estar sozinho, um dos mais 
importantes sinais de maturidade do desenvolvimento emocional. A personalização se refere à 
trama psicossomática, isto é, a psique residindo no corpo e este como lugar de residência do eu. A 
realização relaciona-se ao momento no qual o indivíduo começa a perceber o objeto como separado 
dele mesmo. Porém isso só é possível se antes experimentou a onipotência, quando sente o mundo 
como uma criação própria e não como algo externo a si e, como tal, preenchido por objetos 
subjetivos, que passam, então, a ser objetos objetivamente percebidos (WINNICOTT, 1960/1993). 
Estas três realizações são interdependentes e só podem ser alcançadas com os cuidados de 
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um ambiente suficientemente bom, cujas funções Winnicott sintetiza em: holding, handling e 
apresentações de objetos (WINNICOTT, 1964/1994). O holding representa a continuação, após o 
nascimento, da provisão de cuidados proporcionados ao bebê no útero da mãe, ou seja, toda a 
capacidade da mãe de se identificar com o bebê e responder as suas necessidades, atuando como um 
ego auxiliar, fortalecendo o ego frágil do bebê (VALLER, 1990). O handling é definido como a 
capacidade da mãe de propiciar um manejo adequado do corpo do bebê e de suas funções, 
permitindo que ele alcance a personalização. A apresentação de objetos é quando a mãe traz um 
pedacinho do mundo ao lactante, de forma limitada e adequada, proporcionando uma experiência 
inicial de onipotência, denominada de período de ilusão. Se tal tarefa foi bem sucedida, o bebê 
estará preparado para aceitar os momentos de desilusão gradual, processo relacionado ao princípio 
da realidade. É neste momento que o bebê começa a se separar da mãe, enquanto esta diminui seu 
grau de adaptação às necessidades deste e se estabelece um self autônomo (VALLER, 1990). 
Assim, quando o cuidado materno é suficientemente bom, o bebê experimenta uma 
continuidade de ser. Porém quando ocorrem perturbações no ajuste da mãe e do ambiente ao 
indivíduo, como por exemplo, mudanças repetidas na técnica de maternagem, ruídos muito altos, 
falta de apoio, entre outras, a continuidade do ser é interrompida, resultando no enfraquecimento do 
ego. Tais perturbações, se ocorridas muito no início da vida, acarretam em experiências de 
ansiedade(s) intensa(s), sentidas como uma invasão do meio ambiente. Com isso, o bebê passa a 
reagir e como resultado pode ocorrer alguma distorção do desenvolvimento, levando a uma falha no 
estabelecimento da estrutura da personalidade e na organização do ego. Estas são observadas na 
clínica fazendo parte do quadro de várias síndromes psicóticas e autistas ou como um elemento 
esquizoide oculto em uma personalidade não-psicótica. Outra possibilidade é o bebê aceitar a 
invasão através da submissão, iniciando um estado de falso self, ou seja, reage às exigências do 
meio aceitando-as, perdendo a espontaneidade e a criatividade, características que segundo o 
Winnicott são representativas da saúde mental (WINNICOTT, 1960/1983). 
Diante da quebra ou falha no estabelecimento e continuidade do círculo benigno, devido à 
não sobrevivência da mãe ou do ambiente, pode ocorrer um desmoronamento das defesas do ego e a 
criança experimentar ansiedade(s) inimaginável(is). Porém, como a criança já experimentou o 
cuidado, com o tempo a esperança reaparece e a criança começa a realizar atos antissociais, como 
uma forma de pedir o retorno do cuidado já experimentado (WINNICOTT,1956/2000). 
Na perspectiva winnicottiana, para um bom manejo clínico, é importante a compreensão 
acerca dos possíveis fracassos ambientais vivenciados pela pessoa, tendo em vista que cada situação 
demanda um tipo de posicionamento do terapeuta. Neste sentido, é interessante pontuar que a falha 
ambiental não precisa ser necessariamente grosseira, podendo ser extremamente sutil e, muitas 
vezes, passar despercebida por um observador menos atento às sutilezas das relações mais 
primitivas. É preciso olhar de perto, verificar os detalhes darelação mãe-bebê e tentar captar aí uma 
quebra, uma transformação (GARCIA, 2005). 
Por meio deste panorama, é possível perceber que psicoterapia infantil não é tarefa fácil e o 
terapeuta deve estar propenso a se identificar com seu paciente, contendo seus conflitos e 
sobrevivendo as suas retaliações. Para Winnicott (1975), a relação analítica entre paciente e 
terapeuta deve se manifestar como um espaço potencial em que duas pessoas tenham a 
possibilidade de brincar juntas, de maneira que o paciente possa descobrir seu self e desenvolver sua 
criatividade. Portanto, na situação de análise infantil, o brincar mútuo entre paciente e analista 
constitui-se na principal realização da psicoterapia (FELICE, 2003). 
Compreende-se que a psicoterapia de crianças pautada no referencial winnicottiano 
relativiza a importância da interpretação verbal e acentua a relevância do brincar, considerado como 
dotado de valor terapêutico. O brincar carrega tanto um caráter de promoção de saúde quanto de 
fomentar a comunicação, com a psicanálise se constituindo como uma forma especializada de 
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brincar (WINNICOTT, 1975). 
Objetiva-se, então, a partir deste trabalho, tecer considerações sobre uma atividade 
extensionista ofertada por um serviço escola de Psicologia, a saber, a psicoterapia de crianças. Esta 
prática foi pautada no referencial winnicottiano e agora se opta por apresentá-la e discuti-la por 
meio de um relato de experiência que ilustra o caso de uma criança atendida em tal serviço. 
Compreende-se que tal tipo de contribuição pode colaborar para um aprimoramento das práticas 
empreendidas por psicólogos ligados ao campo da psicoterapia psicanalítica de crianças. Ilustra-se o 
manejo clínico do caso em questão, que somado à compreensão teórica, favorece o 
desenvolvimento de modelos de atuação e das práticas empreendidas com o público infantil. 
 
 
MÉTODO 
 
Trata-se de um relato de experiência, delineado a partir do estudo de um caso 
(RODRIGUES, SEI e ARRUDA, 2013; BOARATI, SEI e ARRUDA, 2009) de psicoterapia 
psicanalítica uma criança do sexo masculino, com aproximadamente 7 anos de idade, aqui 
denominada de Ricardo. Os dados apresentados foram obtidos em sessões de atendimento 
psicanalítico da criança, que teve duração de um ano letivo, com uma sessão semanal, de 50 
minutos, durante o primeiro semestre e duas sessões semanais no segundo semestre. 
Por se compreender, a partir da perspectiva winnicottiana, que a família tem grande 
influência na promoção da saúde mental da criança, o processo psicoterapêutico de Ricardo 
englobou tanto sessões com ele, como algumas entrevistas com sua mãe. Ao final do ano letivo, 
optou-se por encaminhá-la para um trabalho de orientação de pais semanal, de maneira a mais 
amplamente contemplar as questões dela concernentes à relação desta com o filho. 
Por meio da análise do caso, compreende-se que este exemplifica uma situação de falha 
ambiental e suas consequências evidenciadas na psicoterapia da criança. Ademais, configura-se 
como uma ilustração do uso e importância do brincar como forma de comunicação dentro do setting 
analítico, demonstrando estratégias de manejo empreendidas ao longo do atendimento, que podem 
colaborar para a prática profissional de psicólogos envolvidos na psicoterapia de crianças. 
 
 
RESULTADOS E DISCUSSÃO 
 
Ricardo iniciou seu processo psicoterapêutico em um serviço-escola de psicologia, com 
sessões semanais realizadas ao longo de um ano letivo. Tendo em vista o contexto institucional, que 
demanda uma vinculação do terapeuta com período de tempo limitado e dada a partir de projetos de 
extensão e estágios curriculares versus a necessidade de continuidade do atendimento, foi feita uma 
troca de terapeuta no ano seguinte, com a psicoterapia sendo novamente iniciada após as férias 
letivas. Para este início de processo com uma nova terapeuta, foi realizada uma entrevista com os 
pais e um contrato terapêutico de sessões individuais, com frequência semanal e duração de 50 
minutos. Passado alguns meses, avaliou-se a necessidade de ampliação da frequência de sessões, 
ampliando para duas sessões semanais com Ricardo até o final do ano letivo. 
Na entrevista, os pais relataram que haviam buscado o atendimento psicológico para o 
menino, pois, na visão deles, ele se mostrava muito nervoso e ficava constantemente irritado, 
principalmente quando desapontado, isto é, quando sua vontade não era satisfeita. Os pais ainda 
indicaram que ele chorava, gritava e xingava muito nestes momentos de nervosismo. 
Foi investigado o início da vida de Ricardo e quando tais episódios começaram a ocorrer. 
Segundo os pais, ele sempre foi um bebê chorão e passou por problemas de saúde por volta dos 6 
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meses de idade, quando foi diagnosticado com asma e chegou a ficar internado algumas vezes. 
Ainda segundo o relato dos pais, o filho se comportava bem na escola, mas manifestava em casa 
sentir muita raiva dos professores e dava muito trabalho para mãe na hora de fazer os deveres 
escolares. Para ela, ele não tinha paciência para aprender, o que o levou a ser inserido no reforço 
escolar. 
Ao investigar sua rotina, descobriu-se que Ricardo ficava em casa na parte da manhã sob os 
cuidados de seu irmão mais velho, que contava com apenas quatro anos a mais que ele. Frequentava 
a escola no período da tarde e ficava com os pais no período da noite. Outra informação relatada foi 
seu apreço pelos esportes, principalmente pelo skate. 
No primeiro encontro com Ricardo, a terapeuta deixou disponível em cima de uma mesa 
alguns materiais gráficos como papel, lápis de cor, canetinha, tinta, giz de cor, cola colorida, entre 
outros. Ricardo se mostrou muito agitado e espontâneo. Confeccionou sozinho alguns desenhos e 
outros em conjunto com a terapeuta. Relatou a esta seu gosto por esportes, principalmente pelo 
skate. Contou que gostava de caveiras, de bebida alcoólica e de drogas e que fazia uso destas 
substâncias, pois, segundo seu relato, ele "era muito louco". Tal tema foi recorrente em toda a 
psicoterapia de Ricardo, levando a terapeuta a uma preocupação verdadeira, devido à riqueza de 
detalhes em sua fala sobre tais assuntos. Ainda no primeiro encontro foi combinado com Ricardo 
que ele teria uma gaveta somente sua - em analogia com a proposta de caixa lúdica individual de 
Aberastury (1989) - e que apenas ele e a terapeuta teriam acesso. Nesta gaveta ele poderia deixar os 
trabalhos confeccionados nas sessões e materiais por ele escolhidos. 
No início do processo terapêutico, as sessões realizadas eram muito agitadas, nas quais 
Ricardo corria, pulava e gritava muito. Além de trazer muitas histórias de fundo fantasioso 
envolvendo caveiras, monstros e temas relacionados às drogas. Quando indagado pela terapeuta, 
relatava fazer uso de tais substâncias quando ficava muito nervoso com seus pais e com seu irmão. 
Tais comportamentos foram interpretados pela terapeuta como uma forma de testá-la, ou seja, uma 
tentativa de estabelecimento de vínculo e confiança na sobrevivência do ambiente. 
Transcorrido algum tempo da psicoterapia, Ricardo começou a ficar mais calmo dentro do 
setting e inventou uma brincadeira por ele nomeada de “brincar de escola”. Nesta brincadeira ele 
era irmão da terapeuta e ambos eram professores em uma escola. Tal brincadeira se repetiu durante 
toda sua psicoterapia, com algumas variações. Depois de algum tempo, na brincadeira, Ricardo e a 
terapeuta deixaram de ser professores e se tornaram espiões, que tinham como trabalho espionar a 
mãe de ambos, que os havia abandonado e fugido de casa com outro homem, denominado por 
Ricardo de "advogado". Durante tais sessões apareceram de forma recorrente os temas de morte, 
tortura e traição. 
Embora houvesse napsicoterapia de Ricardo uma repetição, que se manifestava na execução 
da mesma brincadeira, em algumas sessões intercaladas ele trazia outros conteúdos e de maneira 
diferente, como por exemplo, utilizando o desenho e a pintura. Um destes temas era o conflito 
existente entre Ricardo e o irmão mais velho, que segundo seu relato era chato e tentava imitá-lo. 
Outro se relacionava com uma urgência em crescer e se tornar adulto para poder fazer o que 
quisesse e ser quem ele quisesse. 
Ao longo dos atendimentos de Ricardo e por meio de contatos com a mãe foi percebida uma 
indisponibilidade materna, que se manifestava na não realização dos pagamentos simbólicos da 
psicoterapia - norma estabelecida pelo serviço-escola de Psicologia em questão, na falta de 
disponibilidade para levar Ricardo às sessões, chegando a deixá-lo ir sozinho, além da fantasia de 
abandono e traição da mãe comunicada por Ricardo à terapeuta nas brincadeiras desenvolvidas no 
setting terapêutico. Percebia-se, com isso, uma necessidade de afeto e uma falta de confiança no 
ambiente, que muitas vezes se transferia para a terapeuta que passava a ser constantemente testada. 
Diante disso, pôde-se observar o que Winnicott chama de falha ambiental. De acordo com 
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esta teoria, o ambiente suficientemente bom não é apenas aquele que supre as necessidades físicas 
de uma criança, mas aquele que se adapta às necessidades desta, sendo elas físicas e/ou emocionais, 
protegendo-o e permitindo seu movimento espontâneo sem a perda de seu ser. Caso contrário, a 
vivência é sentida como uma intrusão do ambiente sobre a criança, levando-a a reagir e perder a 
sensação do ser (BRAGA, 2012). 
O vazio e o sentimento de falta deixado pela ausência de uma relação com a mãe que 
atendesse às necessidades de Ricardo, como afeto, continência, investimento narcísico, olhar de 
reconhecimento de sua subjetividade, entre outras, apareciam nos seus sintomas de nervosismo, 
irritação e até em comportamentos antissociais dentro de casa. Assim, a falta das provisões 
ambientais necessárias para seu desenvolvimento exacerbou sua voracidade, isto é, Ricardo se 
mostrava extremamente ansioso, agitado, intenso e até mesmo com um ímpeto destrutivo. 
Para Winnicott, a voracidade é um sintoma antissocial muito comum, e relaciona-se com o 
complexo de privação. Na criança voraz existe algum grau de privação e certa compulsão ligada à 
busca de uma terapia no meio ambiente para esta privação. O sintoma da voracidade indica que 
houve uma falha de adaptação às necessidades da criança ou, como dizia Winnicott, houve um 
“fracasso do amor materno” (WINNICOTT, 1958/1982, p. 449). 
No caso de Ricardo, a falha ambiental não era representada apenas pela figura da mãe, mas 
também do pai. Devido a sua ausência na fala de Ricardo e em suas brincadeiras, bem como sua 
ausência real nas entrevistas agendadas pela terapeuta, tendo comparecido apenas na primeira 
entrevista, não se apresentava como uma figura que fornecia segurança e adaptção às necessidades 
do filho. 
Outra possibilidade de compreensão acerca dos conteúdos trazidos ao setting por Ricardo, 
por meio da linguagem lúdica, relaciona-se com a constante presença, nas brincadeiras, da figura de 
um outro externo, “advogado”, que rouba a mãe e os seus cuidados. Esta figura pode ser entendida 
como um representante daquele que disputa o cuidado maternal, como por exemplo, seu irmão mais 
velho. 
Quanto à urgência de crescimento demonstrada por Ricardo em suas fantasias e em suas 
falas, pode-se interpretá-la como uma defesa à pressão ambiental de que este crescimento ocorresse 
de forma rápida e fora do tempo. Tal urgência foi percebida na fala da mãe, em alguns contatos que 
a terapeuta teve com esta, quando dizia que o filho era muito independente, chegando a ir sozinho à 
psicoterapia. Segundo Winnicott, a imaturidade constitui uma propriedade que tem que ser perdida 
por cada indivíduo quando a maturidade é alcançada. Mas não se deve adiantar etapas levando à 
maturidade falsa através da transferência de responsabilidades que não são características da fase da 
criança. Winnicott nos mostra tal importância quando fala: “A partir do ser, vem o fazer, mas não 
pode haver o fazer antes do ser - eis a mensagem que os adolescentes nos ensinam” (WINNICOTT, 
1967/2005, p. 7). 
Diante deste contexto, pode-se apontar que a psicoterapia de Ricardo se apresentou como 
uma alternativa à falha ambiental. De tal modo, para que os processos envolvidos no 
desenvolvimento emocional pudessem ser revividos, era preciso que a terapeuta de Ricardo se 
apresentasse como um objeto essencialmente disponível a ele. Era necessário que ela entrasse com 
grande envolvimento nas brincadeiras, que desempenhasse os papéis por ele proposto e se 
apresentasse como um objeto para ser usado da maneira como ele necessitasse (WINNICOTT, 
1975). Neste sentido, é interessante observar a sensibilidade do menino à disponibilidade e 
indisponibilidade da terapeuta. Em sessões nas quais esta se encontrava mais cansada ou em sessões 
posteriores a alguma falta de Ricardo ou da terapeuta, ele a agredia muito e voltava a testar sua 
sobrevivência. Em acordo com esta percepção, compreende-se que o paciente faz uso das falhas do 
terapeuta para poder manifestar sua raiva e é a partir 
 
Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI 
ISSN 1809-1636 
 
 Vivências. Vol. 10, N.18: p. 15-24, Maio/2014 22 
dos limitados sucessos de adaptação do analista que o ego do paciente se tornará capaz de 
começar a recordar os fracassos originais – que tiveram um efeito disruptivo na época – e 
passar a sentir raiva deles. Somente nesse ponto pode ter início o teste de realidade (FELICE, 
2003, p. 3). 
 
Acredita-se, então, que nas situações nas quais o cuidado ambiental não se organizou de 
maneira suficientemente boa no início da vida da pessoa, não se estabelecerá um ego intacto. Nestes 
casos, mais do que uma atividade interpretativa por parte do terapeuta, compreende-se ser 
importante o manejo que este faz no settting terapêutico (WINNICOTT, 1962/1983). No caso aqui 
apresentado, verificou-se que a experiência de brincar empreendida em conjunto entre Ricardo e sua 
terapeuta constituiu-se como uma forma privilegiada de comunicação com o mundo interno da 
criança, mas também de intervenção frente aos sintomas apresentados. 
Segundo Avellar (2004), na análise com crianças existem elementos que não estão presentes 
na análise adulta. A criança como paciente é mais exigente e solicita mais do analista. Para a 
comunicação de seus conflitos e angústias utiliza-se de jogos, desenhos, movimentações na sala, 
verbalizações, construindo histórias e personagens. No caso de Ricardo tal exigência pôde ser 
observada e se registrou como crucial em sua psicoterapia, pois representou a esperança de que este 
novo ambiente satisfizesse suas necessidades anteriormente não atendidas, para que seu 
desenvolvimento emocional pudesse retomar seu curso inicial. Devido a este fato, a psicoterapia 
desempenhou um papel de grande importância, demandando um intenso envolvimento por parte da 
terapeuta, que passou a atendê-lo com frequência de duas vezes na semana e evitar ao máximo 
qualquer tipo de falta, pois esta seria sentida como uma nova falha e não sobrevivência do 
ambiente. 
De maneira geral, aponta-se que a intervenção do terapeuta na psicoterapia de crianças deve 
corresponder a um ato criativo, ou seja, assinalar o sentido da comunicação da criança e dar a 
possibilidade a este de vivenciar uma experiência que reorganize sua maneira de ver o mundo 
(AVELLAR, 2004). Outro aspecto que pode ser ressaltado como um cuidado a ser tomado por 
profissionais ligados à abordagem winnicottiana é o foco dado por alguns terapeutas ao conteúdo da 
brincadeira de seus pacientes em detrimento da valorização do próprio brincar, diferentemente

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