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Título original: The Lost Tools of Learning Por Dorothy Sayers. Traduzido por Cipriana Leme com permissão da gbt@gbt.org Revisado por Marili Gomes ©Old School Editora | Todos os direitos reservados www.oldschooleditora.lemeinc.com mailto:gbt@gbt.org http://www.oldschooleditora.lemeinc.com/ Título original: The Lost Tools of Learning Por Dorothy Sayers. Traduzido por Cipriana Leme com permissão da gbt@gbt.org Revisado por Marili Gomes Old School Editora www.oldschooleditora.lemeinc.com Todos os direitos reservados. Conteúdo Nota da Tradutora Introdução Por que a educação clássica? Sobre a educação clássica Como aplicar a educação clássica Estados de desenvolvimento e o Trivium Palavras Finais Sobre a autora Nota da Tradutora Esta é uma tradução livre do discurso da Dorothy Sayers na Universidade de Oxford, em 1947, sobre os benefícios da educação clássica. A primeira vez que li este discurso, senti que todas as dúvidas que tinha sobre a educação clássica e seus benefícios haviam sido respondidas e que não poderia seguir outro caminho dali em diante. Como mãe educadora naturalizada brasileira e tradutora há mais de 25 anos, confesso que este foi um dos textos mais difíceis de traduzir, considerando que meu idioma nativo não é o português. Mesmo assim, estou convencida de que muitos pais poderão se beneficiar desta maravilhosa introdução à educação clássica e como este método pode ser aplicado nos dias de hoje. Espero que sirva de inspiração para todos os educadores e, para que, finalmente, possamos melhorar a educação de todas as crianças e resgatar as ferramentas tão valiosas e elementares que se perderam ao longo do caminho. Cipriana Leme Introdução Para que alguém como eu, cuja experiência em lecionar é extremamente limitada, possa discutir a educação é algo que certamente merece uma apologia. É uma conduta para a qual, o atual clima de opinião é inteiramente favorável. Os bispos dão as suas opiniões sobre a economia; os biólogos sobre metafísica; químicos inorgânicos sobre teologia; as pessoas mais irrelevantes são designadas para ministérios altamente técnicos; e homens toscos e comuns escrevem para os jornais para dizer que Epstein e Picasso não sabem desenhar. Até certo ponto, e, contanto que as críticas sejam feitas com modéstia razoável, estas atividades são louváveis. Especialização demais não é uma coisa boa. Também existe um motivo excelente para o qual um total amador possa sentir que tem o direito de opinar sobre a educação. Pois se não somos todos professores profissionais, todos fomos, em algum momento ou outro, educados. Mesmo que não tenhamos aprendido nada—talvez em especial se não tivermos aprendido nada—nossa contribuição à discussão ainda pode ter um valor potencial. Não obstante, é altamente improvável que as reformas que proponho sejam de fato postas em prática. Nem os pais, nem as faculdades qualificadoras, nem as bancas examinadoras, nem os conselhos de governantes, nem os ministérios de educação as tolerariam por um segundo sequer. Pois elas se resumem assim: se formos produzir uma sociedade de pessoas educadas, aptas a preservar sua liberdade intelectual em meio às complexas pressões da sociedade moderna, devemos retroceder no ciclo do progresso uns quatrocentos ou quinhentos anos, até o ponto onde a educação começa a perder de vista seu verdadeiro objetivo, perto do final da Idade Média. Antes de rejeitar-me com a frase apropriada—reacionária, romântica, medievalista, laudator temporis acti (aclamadora de tempos passados), ou qualquer rótulo que vier à cabeça—eu peço que considere uma ou duas perguntas miscelâneas que perduram nas mentes, talvez de todos nós, e que ocasionalmente surgem para nos preocupar. Por que a educação clássica? Quando pensamos na idade incrivelmente precoce na qual os jovens ingressavam na universidade, vamos dizer, nos tempos dos Tudor, e logo após considerados aptos para assumir a responsabilidade por seus próprios atos e negócios, estamos inteiramente confortáveis com aquela prolongação artificial da infância e adolescência intelectual para os anos de maturidade física que é tão marcada em nosso tempo? Adiar a aceitação da responsabilidade para uma idade mais avançada traz uma série de complicações psicológicas que, embora possam interessar aos psiquiatras, são pouco benéficas para o indivíduo ou para a sociedade. Um robusto argumento a favor do adiamento da idade de deixar a escola e a prolongação do período de educação, costume ser que, agora temos muito mais a aprender do que na Idade Média. Isto é verdadeiro em parte, mas não inteiramente. O menino ou a menina moderna certamente devem estudar mais matérias—mas isso sempre significa que eles realmente aprendem mais? Nunca achou estranho ou desafortunado que hoje, quando a proporção de alfabetização na Europa Ocidental é maior do que jamais foi, as pessoas tenham se tornado tão susceptíveis à influência da propaganda e publicidade em massa do que jamais imaginamos ou pensamos? Você atribui este fenômeno ao fato meramente mecânico de que a imprensa e a rádio e outros meios tenham facilitado a divulgação da publicidade por uma área tão extensa? Ou as vezes tem a desconfortável suspeita de que o produto dos métodos modernos de educação é pior do que ela ou, ele possa ser em desembaraçar os fatos das opiniões ou o comprovado do plausível? Alguma vez, ao ouvir um debate entre pessoas presumidamente adultas e responsáveis, se incomodou com a extraordinária incapacidade de um argumentador comum em falar sobre o assunto ou ir ao encontro ou, refutar os argumentos dos oradores contrários? Ou alguma vez pensou sobre a extrema alta incidência de matérias irrelevantes que surgem em reuniões de comitê, ou sobre a assombrosa raridade de pessoas capazes de atuar como presidentes dos comitês? E ao pensar sobre isto e sobre o fato de que muitos dos nossos assuntos públicos são resolvidos em debates e comitês, já sentiu um certo desapontamento? Você alguma vez seguiu uma discussão no jornal ou em outro meio e percebeu a frequência com que o autor falha em definir os termos utilizados? Ou a frequência, quando um escritor consegue definir os termos, em que outro possa assumir em sua resposta que estava usando os termos no sentido oposto ao sentido em que já foram definidos? Já se sentiu levemente incomodado com a quantidade de sintaxe descuidada que tem por aí? E se esse for o caso, sente-se incomodado porque é deselegante ou porque possa levar a mal-entendidos perigosos? Já sentiu que os jovens, após terem deixado a escola, não somente esquecem quase tudo que aprenderam (o que é esperado), mas também esquecem ou evidenciam que nunca realmente souberam como aprender um assunto novo por conta própria? Se incomoda ao conhecer homens e mulheres adultas que parecem incapazes de distinguir entre um livro que é extensamente, academicamente e corretamente documentado e, um outro que não é, para qualquer olho treinado, visivelmente qualquer uma destas coisas? Ou que possa lidar com um catálogo de biblioteca? Ou que, quando confrontados com um livro de referência, demonstram a curiosa incapacidade de extrair dele as passagens relevantes a uma determinada questão que interessa a eles? Já se deparou com pessoas para as quais, durante todas as suas vidas, o “sujeito” permanece como “sujeito”, dividido por anteparos impenetráveis de todos os outros “sujeitos”, fazendo com que tenham grande dificuldade em fazer qualquer conexão mental imediata entre, vamos dizer, álgebra e ficção policial, eliminação de esgoto, e o preço do salmão—ou, de forma mais geral, entre as esferas de conhecimento como filosofia e economia ou química e arte? Sente-se ocasionalmente perturbado pelas coisas escritas por homens e mulheres adultas para a leitura? Nos deparamos com um biólogo renomado escrevendo um artigo semanal no sentido de que: "É um argumento contra a existência deum Criador (acredito que tenha sido mais enfático; mas já que, desafortunadamente, perdi a referência, colocará sua afirmação no nível mínimo) “um argumento contra a existência de um Criador de que o mesmo tipo de variação produzida por seleção natural pode ser produzida sem restrições por criadores de gado”. Podemos ser tentados a dizer que é, de fato, um argumento a favor da existência de um Criador. Evidentemente, não é nem uma coisa nem outra; simplesmente prova que as mesmas causas materiais (recombinação de cromossomos, por meio do cruzamento de raças, e assim por diante) são suficientes para justificar todas as variações observadas – assim como a variação de combinações da mesma dezena de tons é materialmente suficiente para justificar a sonata do luar de Beethoven e o ruído que o gato faz ao andar sobre as teclas do piano. Mas o desempenho do gato não prova nem desaprova a existência de Beethoven; e a única coisa que o argumento do biólogo consegue provar é que ele é incapaz de distinguir entre uma causa material e uma causa final. Vemos aqui uma frase de uma fonte não menos acadêmica do que um artigo de primeira página do suplemento literário do Times: “O Francês, Alfred Epinas, apontou que uma certa espécie (por ex. formigas ou vespas) só pode enfrentar os horrores da vida e da morte por meio da associação. ” Eu não sei o que o Francês realmente disse; o que o Inglês disse que ele disse é evidentemente sem sentido. Nunca saberemos se a vida é considerada um horror pela formiga ou, de qual forma a vespa isolada que você esmaga na janela, pode “enfrentar” ou não, os horrores da morte. O tema do artigo é o comportamento em massa dos homens; e as motivações humanas têm sido inoportunamente transferidas da proposição principal para a instância de suporte. Assim, o argumento, de fato, assume o que procura provar – um fato que seria imediatamente aparente se fosse apresentado em um silogismo formal. Isto é só um exemplo pequeno e aleatório de um vício que permeia livros inteiros – principalmente livros escritos por homens da ciência sobre assuntos metafísicos. Outra citação da mesma questão do TLS se encaixa perfeitamente aqui para resumir esta coleção aleatória de pensamentos inquietantes— desta vez da avaliação do Sir Richard Livingstone “Some Tasks for Education”: “Mais que uma vez o leitor é relembrado do valor de um estudo intensivo de, pelo menos, uma matéria para aprender o significado do conhecimento e quanta precisão e persistência são necessárias para alcançá- lo. Porém, há o reconhecimento pleno do fato desesperador de que o homem pode ter o domínio de um campo e não mostrar melhor juízo do que seu vizinho em qualquer outro lugar; ele lembra o que aprendeu, mas esquece completamente como o aprendeu”. Eu gostaria de chamar a atenção particularmente para a última frase, a qual oferece uma explicação daquilo que o escritor corretamente chama de “fato desesperador” que as habilidades intelectuais concedidas a nós através da educação não são prontamente transferíveis para outras matérias além daquelas para as quais adquirimos estas habilidades: "...ele lembra o que aprendeu, mas esquece completamente como o aprendeu". Não seria o grande defeito da nossa educação hoje—um defeito passível de rastreamento todos os sintomas inquietantes de perigo que tenho mencionado—que, embora consigamos ensinar aos alunos “matérias”, falhamos lamentavelmente no todo ao ensinar a eles como pensar: eles aprendem tudo menos a arte de aprender. É como se ensinássemos uma criança mecanicamente e por princípio básico, a tocar “The Harmonious Blacksmith” no piano, mas nunca tivéssemos ensinado a escala ou como ler música; para que, após ter memorizado "The Harmonious Blacksmith," ele ainda não tivesse a menor noção de como proceder para aprender “The Last Rose of Summer”. Por que digo, "como se"? Em algumas artes, às vezes fazemos exatamente isto—pedimos à criança que “se expresse” na pintura antes de ensiná-la a lidar com as cores e o pincel. Há uma escola de pensamento que acredita que esta é a forma correta de iniciar o trabalho. Mas observe: não é a forma que um artesão treinado aprenderá sobre um novo meio. Ele, tendo aprendido por experiência a melhor forma de economizar mão de obra e assumir o assunto da forma correta, começará por rabiscar e brincar com uma peça velha de material para “aprender a manusear a ferramenta”. Sobre a educação clássica Vamos olhar agora para o esquema medieval de educação—a grade curricular das Escolas. Não importa, por enquanto, se foi criado para crianças pequenas ou alunos mais velhos ou por quanto tempo as pessoas deveriam concluí-la. O que importa é o entendimento sobre as coisas que os homens da Idade Média acreditavam ser o objeto e a ordem correta do processo de aprendizagem. A grade era dividida em duas partes: o Trivium e o Quadrivium. A segunda parte—o Quadrivium--consistia em “matérias” e, não precisa ser discutido por enquanto. O mais interessante para nós é a composição do Trivium, que precede o Quadrivium e era a preliminar disciplina para ele. Consistia em três partes: Gramática, Dialética e Retórica, nesta ordem. Agora, a primeira coisa que notamos é que duas destas “matérias” não são de fato o que devemos chamar de “matérias”: são meramente métodos para lidar com matérias. A Gramática é, de fato, uma “matéria” no sentido de que definitivamente significa aprender um idioma—nesse período significava aprender Latim. Mas o idioma em si é meramente um meio pelo qual expressamos o pensamento. O propósito total do Trivium era, de fato, ensinar ao aluno o uso correto das ferramentas do aprender antes mesmo que começasse a aplicá-las às “matérias”. Primeiramente, ele aprendia um idioma; não só como pedir uma refeição em um idioma estrangeiro, mas a estrutura do idioma em si—o que era, como era estruturado e como funcionava. Segundo, ele aprendia como usar o idioma; como definir os termos e montar frases corretamente; como construir um argumento e como detectar falácias no argumento. Dialética, por assim dizer, abraçava a Lógica e o Debate. Terceiro, ele aprendia a expressar-se no idioma-- como dizer o que precisava dizer de forma elegante e persuasiva. Ao final do curso, ele precisava compor uma tese sobre algum assunto definido por seus mestres ou escolhido por ele, e logo defender essa tese contra a crítica de uma mesa ou corpo docente. Até este momento, ele teria aprendido—ou estaria em sérios apuros-- não somente a escrever um ensaio sobre papel, mas a falar de forma audível e inteligível de uma plataforma e usar sua inteligência com agilidade quando interrogado. Haveria também perguntas, coerentes e perspicazes, daqueles que já tivessem enfrentado o desfio do Debate. É, evidentemente, verdade que partes e traços de uma tradição medieval ainda perduram, ou têm sido ressuscitadas, no currículo da escola comum de hoje. Algum conhecimento da gramática ainda é necessário quando ao aprender um idioma estrangeiro—talvez até diria, “é novamente necessária”, já que durante minha vida, passamos por fases onde o ensino de declinação e conjugações foi considerada bastante repreensível, e é considerado melhor adquirir este conhecimento quando surgir a necessidade. As sociedades que discutem a escola, florescem; ensaios são escritos; a necessidade de “autoexpressão” é enfatizada e talvez até exageradamente. Mas estas atividades são cultivadas mais ou menos em separado, como pertencentes a matérias especiais onde são estereotipadas em vez de formar um esquema coerente de treinamento mental para o qual todas as “matérias” têm uma relação subordinada. “Gramática” pertence especialmente à “matéria” de idiomas estrangeiros e a composição de ensaios à “matéria” chamada “Inglês”; enquanto que a Dialética ficou quase que totalmente divorciada do restante do currículo e é frequentemente praticada não-sistematicamente e fora do horário escolar como um exercícioseparado, vagamente relacionada ao negócio principal de aprender. Em geral, a grande diferença de ênfase entre os dois conceitos mantém a vigência: a educação moderna se concentra em “ensinar matérias” deixando o método de pensar, argumentar, expressar conclusões para ser adquirido pelo estudioso no decorrer do tempo, enquanto que a educação medieval se concentrava primeiramente em forjar e aprender a usar as ferramentas do aprender, utilizando a matéria que fosse útil como material para realizar os desenhos necessários até que o uso da ferramenta fosse quase instintivo. “Matérias” de alguma forma devem existir, evidentemente. Não podemos aprender a teoria da gramática sem aprender o idioma, ou aprender a argumentar e discursar sem falar sobre algo em particular. As matérias de discussão da Idade Média foram em grande parte extraídas da teologia, da ética ou da história da antiguidade. De um modo geral, elas foram estereotipadas, especialmente perto do final de uma época, e as absurdidades exageradas dos argumentos escolásticos afligiram Milton e oferecem motivos de alegria até os dias de hoje. Se realmente forem algo mais banalizados e triviais do que as matérias usuais de hoje para a “composição de ensaios”, eu não gostaria de dizer: podemos ficar fartos de “Um Dia das Minhas Férias” e todo o resto. Mas a maior parte da alegria é inapropriada porque a meta e o objeto de debater a tese já foram perdidos de vista. Um orador volúvel, no Brains Trust certa vez, entreteve seu público (e levou o falecido Charles Williams a um ataque de raiva ao assegurar que na Idade Média era uma questão de fé saber quantos arcanjos poderiam dançar na ponta de uma agulha. Nem preciso dizer, espero, que nunca foi uma questão de fé"; era simplesmente um exercício de debate, cujo tema estabelecido era a natureza da substância angelical: se os anjos eram matéria, e se sim, ocupavam espaço? A resposta geralmente julgada correta é, acredito que os anjos são puras inteligências; não matéria, mas limitados, de modo que possam ter lugar no espaço, mas não extensão. Uma analogia pode ser traçada a partir do pensamento humano, que é da mesma forma não-material e limitada. Assim, se o seu pensamento concentra-se em uma só coisa—como ponta de uma agulha—está focada lá no sentido de que não está em outro lugar; embora esteja “lá”, não ocupa nenhum espaço lá, e não há nada que impeça que um número infinito de diferentes pensamentos de pessoas esteja concentrado sobre a mesma ponta de agulha ao mesmo tempo. O assunto apropriado do argumento é assim visto como a distinção entre a localidade e a extensão no espaço; a matéria sobre a qual o argumento é exercido passa a ser a natureza dos anjos (embora, como vimos, pode igualmente ter sido outra coisa; a lição prática a ser tirada do argumento é não utilizar palavras como “ali” no sentido literal e não- científico, sem especificar se queremos dizer “localizado ali” ou “ocupando espaço ali”. Muito desprezo tem sido derramado sobre a paixão medieval pela crítica minuciosa; mas quando observamos o abusivo descaso que tem sido praticado, em publicações e na plataforma, de expressões polêmicas com conotações ambíguas e mutáveis, podemos sentir em nossos corações o desejo de que todo leitor e ouvinte possa ser tão defensivamente blindado com sua educação para assim ser capaz de dizer: “Distingo”. Pois permitimos que nossos jovens saiam desarmados num dia onde a armadura nunca foi tão necessária. Ensinando-os a ler, os deixamos à mercê da palavra impressa. Com a invenção do cinema e do rádio, nos asseguramos de que nenhuma aversão à leitura possa protegê-los da incessante bateria de palavras, palavras, palavras. Eles não sabem o que as palavras significam; eles não sabem como evitá-las ou minimizar seu impacto ou lançá-las de volta; eles são reféns das palavras em suas emoções, em vez de serem os mestres delas em seu intelecto. Nós, que fomos escandalizados em 1940, quando os homens foram enviados para lutar contra tanques blindados com rifles, não ficamos escandalizados quando jovens, homens e mulheres, são lançados ao mundo para lutar contra a propaganda em massa com um punhado de “matérias”; e quando classes inteiras e nações inteiras ficam hipnotizadas pelas artes do orador cativante, temos o atrevimento de nos surpreender. Falamos muito sobre a importância da educação—falamos em agir e, apenas ocasionalmente, concedemos um pequeno investimento; adiamos a idade de conclusão dos estudos e planejamos escolas maiores e melhores; os professores conscientemente trabalham como escravos dentro e fora do horário escolar; e mesmo assim, acredito, todo este esforço dedicado é, em grande parte, frustrado porque perdemos as ferramentas da aprendizagem e, na sua ausência, somente conseguimos fazer um trabalho remendado e fragmentado. Como aplicar a educação clássica O que, então, devemos fazer? Não podemos voltar à Idade Média. É um pedido para o qual estamos acostumados. Não podemos voltar—ou podemos? Explico. Eu gostaria que cada termo nessa preposição fosse definido. “Voltar” significa um retrocesso no tempo ou a revisão de um erro? O primeiro é claramente impossível por si só; o segundo é algo que os sábios fazem todos os dias. “Não é possível”-- não significa que o nosso comportamento é determinado de forma irreversível ou, simplesmente que tal ação seria muito difícil, tendo em vista a oposição que provocaria? Obviamente, o século XX não é e não pode ser o décimo quarto; mas se a “Idade Média” é, neste contexto, simplesmente uma frase pitoresca que denota uma certa teoria educacional, parece não haver uma razão a priori pela qual não devemos “voltar” a ela—com modificações—considerando que já “voltamos” com modificações, para, por assim dizer, a ideia de encenar peças do Shakespeare como ele as escreveu, e não as versões “modernizadas” do Cibber e Garrick, que certa vez pareciam ser a última moda em progresso teatral. Vamos, só por um momento, imaginar que tal retrocesso progressivo fosse possível. Vamos fazer uma varredura de todas as autoridades educacionais e usar escolares a quem possamos experimentalmente equipar para o conflito intelectual segundo as regras escolhidas por nós mesmos. Daremos a eles pais excepcionalmente dóceis; equiparemos nossa escola com professores que estão perfeitamente familiarizados com os objetivos e métodos do Trivium; teremos um edifício e um quadro grande o suficiente para permitir um número pequeno e gerenciável de alunos; e vamos postular uma Mesa de Examinadores disposta e qualificada para testar e avaliar os produtos que formamos. Assim preparados, vamos tentar esboçar um plano de estudos—um Trivium moderno “com modificações” e veremos onde conseguimos chegar. Mas primeiro: qual deve ser a idade das crianças? Bem, se devemos educá-los com métodos novos, seria melhor que não tivessem nada que precise ser desaprendido; não se pode começar uma coisa boa cedo demais, e, por sua natureza, o Trivium não é aprendizagem, mas uma preparação para a aprendizagem. Vamos, portanto, “capturá-los quando jovens”, e exigir do nosso aluno que seja somente capaz de ler, escrever, e fazer contas. Estados de desenvolvimento e o Trivium Minhas opiniões sobre psicologia infantil não são, eu admito, ortodoxas ou esclarecidas. Olhando para minha vida (desde quando eu era a criança que conheço melhor e a única criança que posso esperar conhecer do meu interior), eu reconheço três estados de desenvolvimento. Estes estados, de forma pronta e tosca, chamarei de Papagaio-Imitador, o Petulante e o Poético-- este último coincidindo, aproximadamente, com o início da puberdade. A etapa do Papagaio-Imitador é quando aprender por memorização é fácil e, em geral, prazeroso; enquanto que o raciocínio é difícil e, em geral, pouco apreciado. Nesta idade, facilmente memorizamos as formas e aparências das coisas; gostamos de recitar os números de placas de carros; sentimosalegria em cantar rimas e o estrondo e trovão de polissílabas inteligíveis; desfrutamos da mera acumulação das coisas. A idade Petulante que segue a anterior (e naturalmente a sobrepõe, em certa medida), é caracterizada por contradições, retrucar, gostar de “pegar as pessoas de surpresa” (especialmente os mais velhos); e pela proposta de charadas. Sua capacidade de incomodar os outros é extremamente alta. Geralmente surge no Quatro Ano. A idade Poética é popularmente conhecida como a idade “difícil”. É uma idade egocêntrica; ela luta para se expressar; sua especialidade é ser incompreendida; é inquieta e tenta conseguir sua independência; e, com sorte e boas orientações, ela deve mostrar os primórdios da criatividade; a busca da síntese do que já se sabe, e a vontade deliberada de saber e fazer uma única coisa em detrimento de todas as outras. Agora parece-me que a composição do Trivium se adapta de forma singularmente apropriada a estas três idades: A Gramática para o Papagaio-Imitador, a Dialética para a idade Petulante e a Retórica para a idade Poética. Comecemos, então, com a Gramática. Isto, na prática, significa a gramática de uma língua em particular; e deve ser uma língua flexiva. A estrutura gramatical de uma língua inflexiva é demasiado analítica a ser compreendida por alguém sem prática prévia em Dialética. Além disso, a língua flexiva interpreta a inflexiva, enquanto que as inflexivas são pouco úteis para interpretar a flexiva. Vou dizer também, com firmeza, que o melhor fundamento para a educação é a Gramática latina. Digo isto não porque o latim é tradicional e medieval, mas simplesmente porque mesmo um conhecimento rudimentar do latim reduz o trabalho e as dores da aprendizagem de quase qualquer outro assunto por, pelo menos, cinquenta por cento. É a chave para o vocabulário e a estrutura de todas as línguas Teutônicas, bem como para o vocabulário técnico de todas as ciências e de toda a literatura da civilização mediterrânica e seus documentos históricos. Aqueles cuja preferência pedante por uma língua viva convence-os a privar os alunos de todas estas vantagens podem substituir o russo, cuja gramática é ainda mais primitiva. O russo é, naturalmente, útil com os outros dialetos eslavos. Há algo também a ser dito sobre o grego clássico. Mas a minha escolha é o latim. Tendo, assim, agradado aos Classicistas entre vocês, continuarei a horrorizá-los adicionando que eu não acredito que seja sábio ou necessário colocar o aluno comum sobre o leito de Procusto da época Augustana, com seus versos e oratória altamente elaborada e artificial. O latim pós-clássico e medieval, que foi uma língua viva até o final do Renascimento, é mais fácil e, em alguns aspectos, mais animado; o estudo dele ajuda a dissipar a difundida noção de que a aprendizagem e a literatura chegaram a uma parada completa quando Cristo nasceu e só voltou a acordar na Dissolução dos Mosteiros. O latim deve ser iniciado tão cedo quanto possível—quando o flexionado discurso não parece mais surpreendente do que qualquer outro fenômeno em um mundo surpreendente; e quando o canto de “Amo, amas, amat” seja tão ritualmente agradável quanto os sentimentos ao cantar “atirei o pau no gato”. Nesta idade, devemos, é claro, exercitar a mente com outras coisas além de Gramática latina. A observação e a memória são as faculdades mais vivas neste período; e se nós estamos aprendendo uma língua estrangeira contemporânea, devemos começar agora, antes que os músculos faciais e mentais se rebelem contra estranhas entonações. O francês ou alemão verbal pode ser praticado junto a disciplina gramatical do latim. Em inglês, entretanto, verso e prosa podem ser memorizados, e a memória do aluno deve armazenar histórias de todos os tipos—clássicos mitos, lendas Europeias, e assim por diante. Eu não acredito que as histórias e obras-primas clássicas da literatura antiga devem ser utilizadas para praticar as técnicas de Gramática—essa foi uma falha da educação medieval que não precisamos perpetuar. As histórias podem ser apreciadas e lembradas em inglês, e relacionadas com a sua origem em uma fase posterior. A recitação em voz alta deve ser praticada individualmente ou em coro; pois não devemos esquecer que estamos lançando as bases para a Discussão e a Retórica. A Gramática da história deve consistir, eu acredito, em datas, eventos, histórias e personalidades. Um conjunto de datas para a qual possamos associar todo conhecimento histórico posterior é de grande ajuda quando chegarmos ao momento de instituir a perspectiva da história. Podemos escolher quaisquer datas: aqueles dos Reis da Inglaterra são bem apropriadas, desde que venham acompanhadas por imagens de vestimentas, arquitetura, e outras coisas do cotidiano, de modo que a mera menção de uma data possa acionar uma apresentação visual forte do período inteiro. A geografia também será apresentada em seu aspecto factual, com mapas, recursos naturais, e a apresentação visual de costumes, trajes, flora, fauna, e assim por diante; e acredito que a memorização obsoleta e desprestigiada de algumas capitais, rios, montanhas, etc., não fará mal. A coleção de selos pode ser encorajada. A ciência, no método Papagaio-Imitador, organiza-se naturalmente e facilmente em torno de coleções—a identificação e nomenclatura das amostras e, em geral, o tipo de coisa que costumava ser chamada de “filosofia natural”. Conhecer o nome e as propriedades das coisas é, nesta idade, uma satisfação em si; reconhecer um escaravelho à simples vista, e poder garantir para os mais tolos que, apesar de sua aparência, não dá ferroadas; ser capaz de distinguir a Cassiopeia e as Plêiades, e, talvez, até mesmo saber quem eram Cassiopeia e as Plêiades; estar ciente de que uma baleia não é um peixe, e que um morcego não é um pássaro—todas essas coisas dão uma agradável sensação de superioridade; enquanto que distinguir uma coral verdadeira de uma coral falsa ou um fungo comestível de um fungo venenoso é um tipo de conhecimento que também tem valor prático. A Gramática da matemática começa, claro, com a tabela de multiplicação, que, se não aprendida agora nunca será aprendida com prazer; e com o reconhecimento de formas geométricas e o agrupamento de números. Esses exercícios levam naturalmente à realização de simples somas aritméticas. Processos matemáticos mais complexos podem, e talvez devem, ser adiados por motivos que serão apresentados agora. Até agora (exceto, é claro, para o latim), nosso currículo não contém nada que vai muito além da prática comum. A diferença será percebida na atitude do educador, quem deve olhar para todas essas atividades não como “matérias” em si, mas como uma coleção de material para uso na próxima parte do Trivium. Este material é de importância secundária; mas tudo e qualquer coisa útil que possa ser memorizada deve ser memorizada neste período, se imediatamente inteligível ou não. A tendência moderna é a de tentar forçar explicações racionais na mente de uma criança em tenra idade. Perguntas inteligentes feitas espontaneamente deveriam, é claro, receber uma resposta imediata e racional; mas é um grande erro supor que uma criança não pode facilmente desfrutar e se lembrar de coisas que estão além de seu poder de análise—em particular se as coisas têm um forte e apelo imaginativo (como, por exemplo, "Kubla Kahn"), um atraente jingle (como algumas das rimas de memorização para gêneros latinos) ou de uma abundância de polissílabas ricas e retumbantes (como o Quicunque Vult). Isso me lembra a Gramática da teologia. Vou adicioná-la ao currículo porque a teologia é a ciência mestra sem a qual toda a estrutura educacional carecerá necessariamente da sua síntese final. Aqueles que discordam com isto terão que se contentar em deixar a educação do aluno cheio de pontas soltas. Isso importa menos do que poderia, já que quando as ferramentas da aprendizagem têm sido efetivamente forjadas, o alunoserá capaz de questionar a teologia por si só, e provavelmente insistirá em fazer isso e em dar sentido a ela. Ainda assim, este assunto deverá ficar pronto e acessível para que possa ser trabalhado. Na idade gramatical, portanto, devemos familiarizar-nos com a história de Deus e o Homem em geral—isso é, o Antigo Testamento e o Novo Testamento apresentados como partes de uma única narrativa da Criação, da Rebelião e da Redenção—e também com o Credo, a Oração do Pai Nosso e os Dez Mandamentos. Nesta fase inicial, estas coisas não precisam ser totalmente compreendidas, mas devem ser conhecidas e lembradas. É difícil dizer em que idade, precisamente, devemos passar da primeira para a segunda parte do Trivium. De um modo geral, a resposta é: tão logo o aluno mostra-se espirituoso e disposto ao iniciar argumentos intermináveis. Na primeira parte, as faculdades-chave são a Observação e a Memória, de modo que, na segunda parte, a faculdade chave é a Razão Discursiva. Na primeira, o exercício a que o restante do material foi, por assim dizer, direcionado, era a Gramática do latim; no segundo, o exercício chave será a Lógica Formal. É aqui que o nosso currículo mostra sua primeira divergência acentuada dos padrões modernos. O descrédito em que a Lógica Formal tem caído é totalmente injustificada; e a sua negligência é a causa principal dos inquietantes sintomas que temos observado na constituição intelectual moderna. A lógica tem sido desacreditada, em parte, porque passamos a acreditar que somos condicionados quase inteiramente pelo intuitivo e o inconsciente. Não há tempo para discutir se isto é verdade; eu simplesmente observarei que negligenciar a formação adequada da razão é a melhor maneira possível de torná-la verdadeira. Outra causa para o desfavor em que a Lógica tem caído é a crença de que é inteiramente baseada em suposições universais que são improváveis ou tautológicas. Isso não é verdade. Nem todas as proposições universais são deste tipo. Mas mesmo se fossem, isso não faria nenhuma diferença, uma vez que cada silogismo cuja premissa maior seja “Todo A é B” pode ser reformulada em forma hipotética. A Lógica é a arte de argumentar corretamente: “Se A, então B”. O método não é invalidado pela natureza hipotética de A. De fato, a utilidade prática da Lógica Formal hoje não reside tanto no estabelecimento de conclusões positivas como na rápida detecção e exposição da inferência inválida. Vamos agora rever rapidamente o nosso material e ver como pode ser relacionado com a Dialética. No âmbito da Linguagem, nós agora temos o nosso vocabulário e a morfologia ao nosso alcance; daí em diante, podemos concentrar-nos na sintaxe e análise (por exemplo, a lógica da construção do discurso) e a história da língua (por exemplo, como passamos a organizar nossa fala para transmitir nossos pensamentos). Nossa Leitura passará da narrativa e a lírica para os ensaios, o argumento e as críticas, e o aluno aprenderá tentar escrever este tipo de coisa. Muitas lições—sobre qualquer assunto—assumirão a forma de debates; e o lugar da recitação individual ou em coral será tomado por peças dramáticas, com atenção especial para as peças em que um argumento é expressado na forma dramática. A matemática-- álgebra, geometria e os mais avançados tipos de aritmética—agora será introduzida no currículo e assumirá seu lugar como o que realmente é: não uma matéria separada, mas um subdepartamento da Lógica. Não é nem mais nem menos do que a regra do silogismo em sua aplicação específica para número e medida e deve ser ensinada como tal, em vez de ser, para alguns, um mistério sombrio e, para outros, uma revelação especial, nem iluminando nem iluminado por qualquer outra parte do conhecimento. A história, auxiliada por um sistema simples de ética derivada da Gramática da teologia, fornecerá muito material apropriado para o debate: O comportamento deste estadista foi justificado? Qual foi o efeito desta promulgação? Quais são os argumentos a favor e contra esta ou aquela forma de governo? Assim, teremos uma introdução à história constitucional —um assunto sem sentido para a criança, mas de absoluto interesse para aqueles que estão preparados para discutir e debater. A teologia em si fornecerá material para a discussão sobre a conduta e a moral; e deve ter seu escopo estendido por um modelo simplificado do curso de teologia dogmática (isto é, a estrutura racional do pensamento Cristão), esclarecendo as relações entre o dogma e a ética, e prestando-se para a aplicação dos princípios éticos em situações em particular, que é corretamente chamado de casuística. A geografia e as ciências igualmente fornecerão material para a Dialética. Mas, acima de tudo, não devemos negligenciar o material que é tão abundante na vida diária dos próprios alunos. Há uma deliciosa passagem no livro “The Living Hedge” de Leslie Paul que conta como um grupo de meninos pequenos se divertiram por dias e dias discutindo sobre uma extraordinária chuva que havia caído em sua cidade—uma chuva tão localizada que deixou metade da rua principal úmida e a outra metade seca. Alguém poderia argumentar corretamente dizer que havia chovido naquele dia em ou sobre a cidade ou apenas na cidade? Quantas gotas de água eram necessárias para constituir a chuva? E assim por diante. A discussão levou a uma série de problemas semelhantes sobre o descanso e o movimento, o sono e a vigília, este não, este a divisão infinitesimal do tempo. Toda a passagem é um exemplo admirável do desenvolvimento espontâneo da faculdade raciocinativa e da sede natural e adequada do despertar da razão para a definição de termos e a exatidão da afirmação. Todos os eventos são alimento para tal apetite. A decisão de um árbitro; o grau ao qual podemos transgredir o espírito de um regulamento sem estar presos pela letra: em questões como estas, as crianças nascem casuístas, e sua propensão natural só precisa ser desenvolvida e treinada—e especialmente, trazida para uma relação inteligível com os acontecimentos no mundo adulto. Os jornais estão cheios de bom material para tais exercícios: decisões jurídicas, por um lado, em casos onde a causa em questão não é demasiado obscura; no outro, um falacioso raciocínio e argumentos atrapalhados, observados em abundância em algumas colunas de correspondência de certos jornais. Onde quer que encontremos a Dialética, é, naturalmente, importante focar a atenção na beleza e economia de uma demonstração boa ou um argumento bem apresentado, para não deixar morrer a veneração. A crítica não deve ser meramente destrutiva; entretanto, tanto o educador quanto os alunos devem estar preparados para detectar a falácia, o raciocínio descuidado, a ambiguidade, a irrelevância, e a redundância, e lançar-se sobre eles, como ratos. Este é o momento quando é útil escrever resumos , com exercícios como a escrita de um ensaio e a redução do mesmo, quando escrito, por 25 ou 50 por cento. Será, sem dúvida, recusada a ideia de que incentivar os jovens na idade Petulante a intimidar, corrigir e discutir com os mais velhos os tornará perfeitamente intoleráveis. Minha resposta é que as crianças dessa idade são intoleráveis de qualquer forma; e que sua vontade natural de argumentar pode ser tanto canalizada para servir um bom propósito quanto deixada para correr livre. Podem, de fato, ser um pouco menos intrusivos em casa se forem disciplinados na escola; e de qualquer maneira, os mais velhos que abandonaram o princípio saudável de que as crianças devem ser vistas e não ouvidas não poderão culpar ninguém além de si mesmos. Mais uma vez, o conteúdo do currículo nesta fase pode ser qualquer coisa da sua preferência. As “matérias” fornecem o material; mas devem ser todos considerados como mera munição para o moinho mental sobre o qual trabalhar. Os alunos devem ser incentivados a procurar sua própria informação e então orientados a utilizar bibliotecas e livros de referênciaadequadamente, e mostrados como identificar quais fontes são confiáveis e quais não são. Perto do final desta etapa, os alunos provavelmente começarão a descobrir que seus conhecimentos e experiências são insuficientes e que suas inteligências treinadas precisarão de muito mais material para mastigar. A imaginação—normalmente dormente durante a idade Petulante —irá despertar e levá-los a suspeitar das limitações da lógica e da razão. Isso significa que eles estão passando para a idade Poética e estão prontos a iniciar o estudo da Retórica. As portas do armazém de conhecimento devem agora ser abertas para que eles possam dar uma olhada da forma que quiserem. As coisas antes aprendidas pela memorização serão vistas em novos contextos; as coisas uma vez friamente analisadas agora poderão ser colocadas juntas para formar uma nova síntese; aqui e ali uma súbita visão trará a mais emocionante de todas as descobertas: a percepção de que o truísmo é verdadeiro. É difícil traçar qualquer plano de estudos para o estudo da Retórica: uma certa liberdade é exigida. Na literatura, deve-se permitir que a apreciação mais uma vez lidere sobre a crítica destrutiva; e a autoexpressão escrita pode avançar, com as suas ferramentas agora afiadas para cortar a limpo e observar a proporção. Qualquer criança que já mostra uma disposição para se especializar, deve proceder livremente; pois quando o uso das ferramentas tem sido corretamente e verdadeiramente aprendido, estará disponível para qualquer estudo, seja qual for. Seria bom, eu acredito, que cada aluno aprenda a fazer uma ou duas matérias muito bem, enquanto assistir algumas aulas de matérias subsidiárias a fim de manter sua mente aberta para as inter-relações de todo o conhecimento. De fato, nesta fase, nossa dificuldade será a de manter as “matérias” separadas; já que a Dialética terá mostrado todos os ramos da aprendizagem que possam ser inter-relacionadas, e a Retórica tende a mostrar que todo o conhecimento é um só. Mostrar isso e mostrar porque é assim, é preeminentemente tarefa da ciência. Mesmo com ou sem o estudo da teologia, devemos, pelo menos, insistir que as crianças com certa inclinação para a especialização em matemática e ciências sejam obrigadas a assistir a algumas aulas de ciências humanas e vice-versa. Nesta fase, também, a Gramática latina, tendo feito seu trabalho, pode ser descartada para aqueles que preferem continuar seus estudos de linguagem do lado moderno; enquanto aqueles que provavelmente nunca terão grande uso ou aptidão para a matemática também poderão, de certa forma, deixar estes estudos de lado por um tempo. De modo geral, tudo aquilo que for mero instrumental agora poderá ficar em segundo plano, enquanto a mente treinada é gradualmente preparada para a especialização em “matérias” que, quando o Trivium for concluído, estará perfeitamente equipada para enfrentar por si só. A síntese final do Trivium—apresentação e defesa pública da tese—deve ser restaurada de alguma forma; talvez como uma espécie de “prova final” durante o último semestre de estudos. O escopo da Retórica também depende de se o aluno se lançará ao mundo aos 16 anos ou se continuará para a universidade. Considerando que a Retórica, de fato, deve ser iniciada aos 14 anos aproximadamente, a primeira categoria de aluno deve estudar a Gramática dos 9 aos 11 anos e a Dialética dos 12 aos 14; seus dois últimos anos de estudo devem ser dedicados a Retórica, que, neste caso, seria do tipo bastante especializada e vocacional, para que o aluno possa iniciar imediatamente alguma prática de carreira. Um aluno da segunda categoria terminaria seu curso em Dialética na etapa ou na escola preparatória, e iniciaria a Retórica durante seus dois primeiros anos de estudos formais ou na escola pública. Aos 16, ele estará pronto para iniciar aquelas “matérias” propostas para seus estudos posteriores na universidade: e essa parte de sua educação corresponderá ao Quadrivium medieval. O que isso quer dizer é que o aluno comum, cuja educação formal termina aos 16, fará somente o Trivium; enquanto que os acadêmicos concluirão o Trivium e o Quadrivium. Palavras Finais É o Trivium, então, uma educação suficiente para a vida? Corretamente ensinado, eu acredito que sim. No final da Dialética, pode parecer que estas crianças estão bem atrasadas com relação aos seus colegas educados usando os métodos “modernos” à moda antiga no que se refere ao conhecimento detalhado de uma matéria específica. Mas depois dos 14 anos, eles certamente serão capazes de ultrapassar os outros rapidamente. De fato, não vejo por que um aluno completamente proficiente no Trivium não possa prosseguir imediatamente para a universidade aos 16 anos, assim provando-se igual à sua contrapartida medieval, cuja precocidade nos surpreendeu no início desta discussão. Isso, com certeza, causaria uma comoção no sistema público de educação, e desconcertaria as universidades significativamente. Causaria uma grande transformação, por exemplo, na regata Oxford e Cambridge. Mas não estou aqui para considerar os sentimentos de entidades acadêmicas: Eu estou preocupada apenas com o treinamento adequado da mente para encontrar e lidar com a formidável massa de problemas indigestos apresentados pelo mundo moderno. As ferramentas do aprender são as mesmas para toda e qualquer matéria; e a pessoa que souber como usá-las, em qualquer idade, terá o domínio de uma matéria nova em metade do tempo com um quarto do esforço de uma pessoa que não tem estas ferramentas a seu dispor. Aprender seis matérias sem lembrar como foram aprendidas não faz nada para ajudar o aprendizado de uma sétima matéria; aprender e lembrar a arte do aprender torna a abordagem de qualquer matéria uma porta aberta. Fica evidente que o ensino bem sucedido de um currículo neomedieval dependerá mais do que o habitual do trabalho conjunto de todos os professores em direção a um propósito comum. Já que nenhuma matéria é considerada como um mal em si, qualquer rivalidade na sala dos professores será tristemente inadequada. O fato de que o aluno é obrigado, infelizmente, por algum motivo, a perder a aula de história às sextas-feiras ou a aula de Shakespeare às terças-feiras, ou até mesmo omitir toda uma matéria em favor de outra, não deve causar descontentamento—o essencial é que adquira o método de aprendizagem em qualquer meio que lhe for mais conveniente. Se a natureza humana sofrer este duro golpe no orgulho profissional na nossa própria matéria, há conforto no pensamento de que os resultados das provas do fim de semestre não serão afetados; já que os papéis serão dispostos de modo a ser uma prova de método, por qualquer meio. Vou acrescentar que é muito importante que todos os educadores sejam, para seu próprio bem, qualificados e obrigados a ensinar as três partes do Trivium; caso contrário os Mestres da Dialética, especialmente, poderão ficar com as mentes endurecidas numa permanente adolescência. Por este motivo, os professores nas escolas preparatórias também devem ter aulas de Retórica nas escolas públicas a que estão ligados; ou, se eles não estão tão ligados, então por algum acordo com outras escolas no mesmo bairro. Como alternativa, os alunos poderiam assistir algumas aulas preliminares em Retórica na escola preparatória a partir dos treze anos. Antes de concluir estas sugestões necessariamente muito gerais, eu deveria dizer porque acho que é necessário, nestes dias, voltar a uma disciplina que foi descartada. A verdade é que nos últimos trezentos anos temos vivido de nosso capital educacional. O mundo pós-renascimento, desnorteado e entusiasmado com a profusão de novas “matérias”, separou- se da velha disciplina (que, de fato, tornou-se tristemente maçante e estereotipada em sua aplicação prática) e imaginou que dali em diante poderia, por assim dizer, passar alegremente pelo novo e estendido Quadrivium sem passar pelo Trivium. Mas a tradiçãoescolástica, embora quebrada e mutilada, demorou-se nas escolas e universidades públicas: Milton, embora tenha protestado muito contra isso, foi formado por isso—o debate dos Anjos Caídos e a disputa de Abdiel com Satanás tem as marcas das ferramentas das Escolas, e poderiam, de forma rentável, figurar como passagens estabelecidas em nossos estudos Dialéticos. Até o século XIX, nossas relações públicas foram principalmente geridas, e nossos livros e periódicos principalmente escritos, por pessoas criadas em lares e treinadas em lugares onde a tradição ainda estava viva na memória e quase no sangue. Assim, muitas pessoas que hoje são ateias ou agnósticas de religião são governadas em sua conduta por um código de ética Cristão tão enraizado que nunca pensariam em questioná-lo. Mas não podemos viver do capital para sempre. Mesmo a tradição mais enraizada, se nunca for regada, pode até demorar em morrer, mas no final morrerá. E hoje um grande número—talvez a maioria—dos homens e das mulheres que lidam com nossos assuntos, escrevem nossos livros e jornais e figuram em nossas peças e nossos filmes, discursam de nossas plataformas e púlpitos—sim, e que educam os nossos jovens—nunca, mesmo em uma memória tradicional remanescente, foram submetidos à disciplina Escolástica. É cada vez menos frequente ver que as crianças educadas carreguem algo dessa tradição com elas. Perdemos as ferramentas da aprendizagem—o machado e a cunha, o martelo e o serrote, o cinzel e o aplanador—que eram tão adaptáveis a todas as tarefas. Em vez delas, temos apenas um conjunto de gabaritos complexos, cada um dos quais fará somente uma tarefa e nada mais, e ao usar o olho e mão carecem de qualquer treinamento, de modo que ninguém consiga ver o trabalho como um todo ou “olhar para o final da obra”. De que serve empilhar tarefa sobre tarefa e prolongar os dias de trabalho se no final da obra o objetivo principal não é atingido? A culpa não é dos professores—eles já trabalham duro demais. A combinada insensatez de uma civilização que esqueceu suas raízes está forçando eles a carregar o peso cambaleante de uma estrutura educacional construída sobre a areia. Eles estão fazendo para seus alunos o trabalho que os próprios alunos deveriam fazer. Pois o único objetivo da educação é simplesmente isto: ensinar aos homens como aprender por si mesmos; e toda instrução que não consiga fazer isto é um esforço despendido em vão. Sobre a autora Paul M. Bechtel escreve que Dorothy Leigh Sayers (1893-1957) iniciou-se brevemente na carreira de ensino após se graduar em Oxford. Ela publicou uma longa e popular série de romances, traduziu a “Divina Comédia”, escreveu uma série de peças de rádio e uma defesa da fé cristã. Durante a segunda guerra mundial, ela morou em Oxford e foi um membro do grupo que incluía C.S. Lewis, Charles Williams, J.R.R. Tolkien e Owen Barfield. Por natureza e preferência, ela foi uma estudiosa e especialista da Idade Média. Neste ensaio, Miss Sayers sugere que atualmente ensinamos tudo para nossos filhos menos como aprender. Ela propõe que adotemos uma versão adequadamente modificada do currículo escolástico medieval por motivos metodológicos “The Lost Tools of Learning” (As Ferramentas Perdidas da Aprendizagem) foi apresentado pela primeira vez por Miss Sayers em Oxford em 1947. Nota da Tradutora Introdução Por que a educação clássica? Sobre a educação clássica Como aplicar a educação clássica Estados de desenvolvimento e o Trivium Palavras Finais Sobre a autora
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