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ARTE – FUNDAMENTOS E METODOLOGIAS NO ENSINO FUNDAMENTAL AULA 1 Prof. Francisco Cardoso 2 CONVERSA INICIAL A ARTE NA ESCOLA Como introdução, vamos ler esse fragmento de Ana Mae Barbosa e refletir um pouco: Tenho sido criticada porque revejo minhas propostas. A sociedade muda, a arte muda, as necessidades da educação mudam. Por que os teóricos não podem mudar com todas essas mudanças? Tive a felicidade de viver muito e de refazer pesquisas sobre os mesmos temas em diferentes tempos. Isso oxigenou meu pensamento e provocou mudanças teórico-práticas. Outros pesquisadores, em geral minhas ex-orientandas, também têm contribuído para reorganizar meu pensamento [...]. (Barbosa, 2019) O ensino, na sua esfera mais abrangente, está em constante mudança? O título em questão foi dividido em duas partes, que serão trabalhadas nesta e em outra ocasião, uma vez que se trata de um tópico introdutório bem abrangente. Desse modo, falaremos sobre o ensino de arte no ensino formal, ou seja, dentro das escolas. Para isso, nessa primeira parte do estudo intitulado “A arte na escola”, teremos como principais objetivos: • conhecer sobre o ensino da arte das escolas; • entender o papel do professor no ensino da arte na Educação Básica; • debater os fundamentos da arte, com base em suas teorias pedagógicas; e • compreender o ensino da arte por meio da análise de sua trajetória. Bons estudos! TEMA 1 – SOBRE A ARTE NA ESCOLA Quando falamos em ensino de arte, temos de ficar atentos para as diversas modalidades no qual ele pode estar inserido. Ele pode ser realizado em um ateliê, onde os alunos buscam por conhecimentos específicos e apontados por eles mesmos, ou são atraídos por propostas prévias feitas pelo instrutor – no caso, o professor. Esse ensino também pode ser trabalhado em sala de aula, onde os alunos são matriculados desde a infância e recebem conhecimentos sobre arte 3 embasados em documentos e materiais didáticos que norteiam o fazer artístico- pedagógico de seus professores. A questão é: qual a diferença entre esses dois meios descritos? Uma divisão bem abrangente divide esses dois modos de ensinar arte. No primeiro caso, temos o ensino informal, que não é ligado a metodologias e objetos de conhecimento pré-estabelecidos por leis, diretrizes ou instituições de ensino; ele é gerado pelo planejamento do profissional que se propõe a realizá-lo, ou por um comum acordo entre professor e aluno. No segundo caso, há o ensino formal, que, por sua vez, acontece dentro da escola e segue diretrizes governamentais que dão base, com materiais didáticos e propostas institucionais, para o trabalho realizado pelos professores. Vale lembrar que, de maneira alguma, devemos mensurar um ou outro como mais ou menos relevante, pois devemos partir da premissa de que não há conhecimentos mais, ou menos, importantes. Há conhecimentos diferentes. Nas palavras de Freire (2018, p. 18), no momento em que esta necessidade nos é imposta, cada vez mais, claramente, como uma exigência prévia à análise do compromisso definido – o do profissional com a sociedade –, uma reflexão anterior se faz necessária. É a que se concentra em torno da pergunta: quem pode comprometer-se? O fato é que devemos sempre nos perguntar: independentemente de onde ou para quem, por que eu estou me comprometendo a ensinar arte? Chegado ao motivo trazido por essa indagação, na prática do dia a dia, é importante desdobrá-la: Estou, de fato, diariamente, comprometido? TEMA 2 – DOCUMENTOS PÚBLICOS EMBASADORES Com base no título desta aula: “A arte da escola”, faremos um recorte para o aprofundamento no ensino formal que, como já definido parcialmente até então, segue diretrizes governamentais, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que se faz em paralelo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), norteando o fazer pedagógico das escolas brasileiras, ainda com a interferência (ou não) dos materiais didáticos adotados pelas instituições de ensino. A BNCC (2017, p. 17) se define como documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao 4 longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). Este documento normativo aplica-se exclusivamente à educação escolar, tal como define o § do 1º Artigo da 1ª Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei número 9.394/1996), e está orientado pelos princípios éticos, políticos e estéticos que visam à formação humana integral e à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, como fundamentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN). Para melhor compreensão do fazer do arte-educador, abordaremos a trajetória do ensino da arte no Brasil. Permeando seus caminhos, teremos uma melhor visão e, por sua vez, um repertório mais amplo que propiciará um olhar mais crítico e embasado sobre o ensino da arte no Brasil no contexto formal de ensino. TEMA 3 – TRAJETÓRIA DO ENSINO DA ARTE NO BRASIL: OS PRIMEIROS PASSOS Antes de 1800, segundo Ana Mae Barbosa (1990), o destino dado ao ensino de Arte no Brasil se resumia a noções básicas de arte para as mulheres, com o fim de tornar o caráter da mulher de classes abastadas mais meigo e requintado. Para a burguesia da alta sociedade, ter pequenos e vagos conhecimentos sobre arte era sinônimo de uma educação nobre. Assim, dominar a pintura a óleo ou carvão, ter boas noções na escolha de peças decorativas, ou bom gosto ao cuidar da aparência da casa, eram conhecimentos presentes nesse suposto aprendizado artístico. No ano de 1800, iniciou-se o ensino de Arte destinado aos meninos, no Seminário de Olinda, de Azevedo Coutinho. “Contudo, em geral, havia enorme preconceito contra o trabalho manual para o homem da aristocracia, ao qual era dirigida a educação” (Barbosa, 1990, p. 40). Assim, o ensino de tal trabalho manual foi direcionado aos escravos. D. João VI foi o criador das primeiras escolas técnicas e científicas do Brasil, incrementando as profissões liberais e técnicas. Ainda assim, como afirma Barbosa (1990), na Bahia (1818), em Vila Rica (1817) e, mais tarde, no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, de Bithencourt da Silva, houve dificuldade e pouco sucesso no ensino de Arte. 5 TEMA 4 – TRAJETÓRIA DO ENSINO DA ARTE NO BRASIL: A MISSÃO ARTÍSTICA FRANCESA E FATOS POSTERIORES Em 1816, o Rei D. João VI trouxe a Missão Artística Francesa. Tal fato levou, enfim, à criação da primeira Escola de Belas Artes no Brasil, mas somente dez anos depois, em 1826. Sua contribuição para a laicização da Arte foi importante, mas não o foi para a sua democratização. Baseando-se no culto à beleza, na crença acerca do dom e em árduos exercícios de cópia, tornou a Arte acessível somente a alguns ‘poucos felizes’ (Barbosa, 1990, p. 41) Dessa maneira, os europeus criavam, e os acadêmicos brasileiros copiavam. Grandes transformações culturais ocorreram anos depois, em 1870. A industrialização estava em voga, e o ensino de arte assumiu o papel de instrumento preparador de competentes profissionais especializados em desenho, com o fim de ajudar a nação a vencer a concorrência comercial com a Europa. Conforme Barbosa (1999), o ensino de arte enfrentou uma série de preconceitos e a desconsideração da realidade nacional até chegar ao momento em que se encontra, ou seja, já não há mais determinados preconceitos. Isso já estava acontecendo no século XIX, quando se iniciou o processo de organização desse ensino em nível superior. A justificativa para que tal organização ocorresse inicialmente no ensino superior, era baseada naideia de que, para que o ensino primário e secundário pudessem se estruturar, seria necessário, antes, a organização do ensino superior. “A metodologia da Escola de Belas-Artes influenciou grandemente o ensino da Arte a nível primário e secundário, durante os vinte e dois primeiros anos de nosso século” (Barbosa, 1999, p. 32). Explica Barbosa (1999, p. 32-33): Não só os argumentos reivindicatórios de um lugar para a Arte nos currículos primários e secundários, como também os modelos de implantação estavam baseados, principalmente, nas ideias de Rui Barbosa expressas em 1882 e 1883, nos seus projetos de reforma do ensino primário e secundário, e no ideário positivista extensamente divulgado no país, principalmente a partir da segunda metade do século XIX. Afirma Barbosa (1999) que Rui Barbosa é considerado um dos mais fiéis intérpretes do liberalismo brasileiro. Seus pareceres a respeito da Reforma do 6 Ensino Secundário e Superior (1882) e a respeito da Reforma do Ensino Primário (1883), apresentados ao parlamento eram projetos que podem ser considerados os mais bem fundamentados teoricamente, em total consonância com as mais modernas concepções e técnicas pedagógicas daquela época. É interessante salientar que, nessa época, foi promulgada uma lei que viria a ser a primeira lei da história da educação americana, que exigia que o desenho fosse ensinado em todas as escolas primárias e secundárias. Barbosa (1990) conta que era, relativamente, um grande passo que o ensino de arte estava dando. Foi com o Industrial Drawing Act, iniciado nos Estados Unidos, que teve início o que se pode chamar de uma batalha entre as belas artes e as chamadas artes industriais. Essa divisão ficou ainda mais perceptível quando os artesãos (como eram chamados aqueles que dominavam alguma técnica artística – na grande maioria das vezes, o desenho – voltada para a indústria) passaram a aplicar suas habilidades nas fábricas. Formaram-se ali dois campos diferentes. O resultado do movimento do Industrial Drawing Act, como afirma Barbosa (1990), foi que o aprendizado de arte na escola passou a ser visto como necessário, ainda que sob preconceitos mal resolvidos. Entre 1870 e 1880, a história do Brasil ficou marcada pela luta constante a favor da queda da Monarquia, o que estabeleceu fortes vínculos entre nosso país e os Estados Unidos, que se refletiram na estrutura curricular brasileira. Walter Smith, tido como o modelo de ensino de arte americano adotado no Brasil, foi a base para o pensamento que gerou as ideias de Rui Barbosa sobre o ensino do desenho, uma vez que ele tinha seu olhar voltado para as realizações exteriores, trazendo-as consigo como um exemplo do possível desenvolvimento do país por meio do ensino da arte – especificamente, do desenho. Essa influência também fica evidente nos princípios adotados por Rui Barbosa na criação de seu método de ensino, no qual ficam claras as referências aos métodos de Walter Smith. É importante salientar que, de acordo com Barbosa (1999), os pareceres de Rui Barbosa sobre o Ensino Primário, embora reforçando a ideia do ensino do desenho voltado para a indústria, foi também enriquecido por outras fontes bibliográficas além dos livros de Walter Smith e por reflexões articuladoras dos princípios da pedagogia intuitiva. 7 Os elementos liberais que lutavam a favor da revolução industrial, em reformulações do liberalismo utilitarista inglês de Spencer, objetivavam, com o ensino do Desenho, ‘abrir à população, em geral, ampla, fácil e eficaz iniciação profissional’. (Barbosa, 1999, p. 43) Ana Mae Barbosa (1999) aponta que, na concepção pedagógica de Rui Barbosa, o desenho tinha um lugar de destaque bastante significativo no currículo secundário e, especialmente, no currículo primário. Para ele, o ensino de arte era visto como uma ferramenta, por meio da qual o país poderia se desenvolver mais rapidamente – desenvolvimento esse que teria, como consequência, o enriquecimento da nação. Afirma ainda Barbosa (1999, p. 44): Para ele, a educação artística seria uma das bases mais sólidas para a educação popular, e sua introdução na escola pública americana, principalmente através do desenho geométrico, já demonstrara enorme sucesso, através dos bem desenhados produtos americanos apresentados na Centennial Exhibition. O Brasil tornou-se uma república, e foram criadas leis de inclusão do desenho geométrico no currículo das escolas. Dessa vez, não para serem aplicados à indústria, mas com princípios positivistas que viam o ensino da arte como um meio de desenvolver a racionalidade do ser humano. “O desenho geométrico e a cópia continuaram a torturar as crianças brasileiras” (Barbosa, 1990, p. 43). O que se pode entender como “tortura” é o fato de que não havia criação, uso da imaginação, interatividade – tratava-se ainda de uma aula na qual uma boa cópia de algo que o aluno não havia criado, era tida como o objeto a ser avaliado. Assim, o comunicar-se e se expressar por meio de uma linguagem artística não acontecia, trazendo, para essas aulas de artes, um caráter metódico e mecânico que, no entanto, era baseado na visão do desenvolvimento do país. A criação da Academia Imperial de Belas-Artes, em 1816, foi vista como algo ruim por parte dos republicanos – uma vez que tal academia era repleta de influências europeias, em um momento em que o Brasil se tornava uma república. Como afirma Barbosa (1999), o preconceito contra o ensino de arte foi reiterado, uma vez que a Academia Imperial era vista como um lugar que estivera a serviço do adorno do Reinado e do Império. Ela era vista como algo que remetia à conservação e ao poder impostos naquele período. A partir de 1920, com as tentativas de reforma de Sampaio Dória, reforçadas pelos princípios pedagógicos da Escola Nova, começou no Brasil o 8 movimento de inclusão da arte na escola primária como atividade integrativa, como se fosse uma segunda linguagem usada como recurso de expressão, ou para fixar assuntos aprendidos nas aulas de componentes como Geografia e Estudos Sociais. Os métodos, no entanto, continuaram os mesmos, sempre chegando à cópia. Dentro desse contexto, é pertinente mencionar o nome de Benjamin Constant, que, trazendo consigo uma mentalidade positivista, segundo Barbosa (1999), foi nomeado ministro do recém-criado Ministério da Instrução, e elaborou a primeira reforma educacional republicana – a chamada Reforma Benjamin Constant. Tal reforma foi aprovada em 22 de novembro de 1890, e consistia em uma reorganização da Escola Normal do Distrito Federal e do Colégio Pedro II – que passou a ser chamado de Ginásio Nacional, e a ser visto como modelo para todo o ensino secundário no Brasil (como no projeto de Rui Barbosa). Nesse período, as ideias positivistas alcançavam seu maior grau de influência. Nesse contexto, a Geometria deixou de aparecer nos programas de desenho, sendo considerada, de acordo com Barbosa (1999), um trabalho gráfico correspondente a noções já aprendidas. No entanto, nesse currículo proposto por Benjamin Constant para o ensino Secundário, a Geometria começou a ser exigida de maneira excessiva, exigindo dos alunos domínios desapropriados, como sombra e perspectiva, que deveriam ser completamente dominadas já aos 14 anos de idade. Os positivistas propunham a extinção da Academia Imperial de Belas Artes e a reorganização completa do ensino da arte, segundo Barbosa (1999). Tal reforma atingiu todas as instituições de ensino, no entanto, chegou a ser chamada de “mera mudança de rótulos” (Barbosa, 1999, p. 66). Para os positivistas, devia-se subordinar a imaginação à observação, identificando as leis que regiam a forma. Os impasses quanto ao ensino do desenho continuavam, uma vez que essa mudança acontecia mais na dinâmica dos espaços destinados ao ensino de arte, do que no ensinoem si. Para Benjamin Constant, o ensino de arte deveria estar mais ligado à prática, e não somente ao ensino baseado em teorias retiradas de livros. Entretanto, essa mudança não fora vista de maneira tão significativa, o que justifica o fato de ter chegado a ser chamada de uma mera mudança na aparência do ensino. 9 “Com a morte de Benjamim Constant, sua Reforma viria a sofrer várias modificações, configuradas no Código Fernando Lobo, que vigorou de 1892 a 1899, embora mantivesse os princípios básicos do positivismo” (Barbosa, 1999, p. 73-74). Nessa nova lei, os objetivos dos currículos passaram a se voltar para a preparação do aluno para a escola superior. Desse modo, havia bastante ênfase ao desenvolvimento do raciocínio, o que ocasionou uma significativa diminuição nos conteúdos de Geometria. Barbosa (1999) relata que, na medida em que o currículo ia se tornando menos repleto de conteúdos de Geometria, os programas de desenho foram se geometrizando, atribuindo ao desenho geométrico uma função propedêutica – como uma introdução para posteriores ensinos mais avançados. TEMA 5 – TRAJETÓRIA DO ENSINO DA ARTE NO BRASIL – O MOVIMENTO DE ARTE MODERNA E FATOS POSTERIORES Nessa trajetória, em 1922, o Brasil teve sua primeira revolução metodológica mais significativa no ensino de arte, com o Movimento de Arte Moderna. O interesse, por parte dos modernistas, pelas ideias do Expressionismo e pelos escritos de Freud, levou a uma valorização da produção artística infantil. Assim, teve início no Brasil o emprego dos ideais pregados pela Livre Expressão, tendo como seus principais disseminadores Mário de Andrade e Anita Malfatti. Conforme Barbosa (1990), essa ideia teve origem no Movimento Expressionista, e tinha como base o discurso de que a arte, na educação, tem como seu principal fim permitir que a criança expresse seus sentimentos. Nessa nova concepção, a arte não é ensinada, mas, sim, expressada. É igualmente relevante citar a influência da escola de Frank Cizek, na Áustria. Essa escola desenvolvia sua metodologia de ensino de arte com base no estímulo da criatividade individual e livre, abordando dois conceitos opostos: experiência subjetiva e recognição objetiva. Segundo Barbosa (1990), a Pedagogia Nova surgiu no Brasil com a democratização política em 1932, por meio das ideias de John Dewey. Essas inovações educacionais foram aplicadas no país por Nereu Sampaio e Anísio Teixeira. As ideias pragmáticas de Dewey entraram em sintonia com as transformações que despontavam no Brasil. O país buscava uma modernização, e as ideias de democracia e ciência gerariam as transformações necessárias 10 para a sociedade brasileira. As teorias de Dewey defendiam que a educação seria o único meio para a construção de uma sociedade livre e democrática. Barbosa (1990) informa que, entre os anos de 1937 e 1945, o Brasil passava por um período de ditadura que afastava os professores com posições renovadoras das cúpulas diretivas, o que acabou travando a dinâmica educacional, dando margem para o surgimento de falsas afirmações acerca do ensino da arte, como as que o caracterizavam como algo cuja função seria liberação emocional. Influenciado, dessa maneira, pelas ideias inovadoras de Herbert Read e John Dewey, e tendo seu foco voltado com mais ênfase para o público infantil, no ano de 1948, foi criada a primeira Escolinha de Arte do Brasil, que abordava não somente a linguagem visual da arte, como também a dança, o teatro e a música. Um grande passo para os brasileiros, dentro do contexto da arte- educação, a Escolinha de Arte abriu novos horizontes para os educadores que queriam ensinar arte de modo mais acessível à população utilizando uma metodologia não diretiva e aberta, na tentativa de ampliação do repertório artístico pela inclusão de elementos da arte popular e do folclore, e na intensificação do diálogo entre as diferentes modalidades artísticas. Barbosa (1990) conta que houve a influência de princípios inovadores para o ensino das artes plásticas, música, teatro e dança, os quais influenciaram o que se chamou Movimento Educação através da Arte, que se fundamentou principalmente nas ideias do filósofo inglês Herbert Read. Desse movimento, que se manifestou a tendência da livre expressão já citada anteriormente e que também foi largamente influenciada pelo trabalho inovador de Viktor Lowenfeld – este acreditava que a potencialidade criadora se desenvolveria naturalmente, em estágios sucessivos, desde que se oferecessem condições adequadas para que a criança pudesse se expressar livremente. A Escolinha tinha como objetivo o desenvolvimento da capacidade criadora em geral, procurando evitar a confusão que existia na época entre criatividade e imaginação. “É necessário ensinar a ver, a analisar, a especular, a investigar” (Barbosa, 1990, p. 46). O trabalho da Escolinha de Artes tinha também algo de grande importância: voltava seu ensino para o educador, e não somente para o educando – era como uma vivência que trazia benefícios tanto para o aluno quanto para o professor. Nesse contexto de ideias que não se baseavam em 11 cópias ou em desenho geométrico somente, as Escolinhas de Arte passaram a disseminar seus objetivos, que se multiplicaram cada vez mais, tornando-se mais complexos e completos. Paralelamente a esse contexto do ensino de arte, ocorre também a trajetória do processo inclusivo, que envolve a estruturação do sistema escolar especial e regular. Promulgada no contexto da Ditadura Militar, a oferta do ensino de arte pela Lei n. 5.692/1971 popularizou o ensino de arte como atividade curricular em todas as escolas públicas, e a Lei n. 9.394/1996, mais tarde, reconheceu o ensino de arte como disciplina dessa maneira. Conforme afirma Schramm (2001), só as pessoas habilitadas pelos Cursos de Licenciatura Curta (mais tarde Plena), poderiam ser contratadas ou prestar concurso para assumir a área de Educação Artística. Dessa maneira, muitos profissionais que já atuavam nessas áreas, como artistas plásticos não licenciados, perderam o direito de ensinar arte dentro da escola regular. Os professores de Desenho, Música, Trabalhos Manuais, Canto Coral e Artes Aplicadas, que vinham atuando segundo os conhecimentos específicos de suas linguagens, viram esses saberes repentinamente transformados em “meras atividades artísticas”. Até esse período, as propostas de ensino de arte eram iniciativas isoladas e desenvolvidas por artistas comprometidos com a função de educadores; quando outras escolas de arte foram surgindo, no entanto, com a criação da Lei n. 5.692/1971 e, posteriormente, com a Lei n. 9.394/1996, tais iniciativas desapareceram. A tendência tecnicista firmou-se nos anos 1970, alicerçada no princípio da otimização: racionalidade, eficiência e produtividade. Com sua organização racional e mecânica, visava corresponder aos interesses da sociedade industrial. A semelhança com o processo industrial não ocorre por acaso, pois tal proposição atinge seu apogeu na década de 1970, período de forte presença do autoritarismo do Estado e do regime militar. É nesse momento que o espírito crítico e reflexivo é banido das escolas. O termo Educação Artística entrou em desuso com a reformulação da lei que colocara o ensino de arte como matéria obrigatória, nos anos 1980. Desde então, essa modalidade de ensino passou a ser designada como arte-educação. No entanto, esse termo passou por outra mudança, na qual, de acordo com Barbosa (1991), deveria ser eliminada a designação arte-educação para que se falasse diretamente de ensino da arte e aprendizagem da arte sem eufemismos, 12 ensino que deveria ser conceitualmente revisto na escola fundamental, nas universidades, nas escolas profissionalizantes, nos museus, nos centros culturais e ser previsto nos projetos de politécnica quese anunciavam. De acordo com Schramm (2001), é possível afirmar que todas essas pedagogias sobrevivem ainda hoje no sistema de ensino na Educação Infantil e nos Ensinos Fundamental, Médio e Superior. Consequentemente, os profissionais que atuam hoje no mercado de trabalho têm aí as bases de sua formação. Desse modo, o ensino-aprendizagem da arte está intimamente ligado a essas pedagogias que fazem parte da história do ensino no Brasil, estando respaldadas na conjuntura social e política brasileira. Ao fazermos uma leitura geral sobre a trajetória do ensino da arte no Brasil, temos uma visão mais abrangente sobre a docência. Assim, nos tornamos capazes de identificar e solucionar problemas dentro do contexto do ensino formal. O fato é que estamos falando da construção de uma trajetória ainda inacabada e que passará por constantes mudanças, de acordo com o contexto social no qual está inserida. Por isso, cabe ao educador atualizar-se sempre, fazendo da sua formação – da mesma maneira – sempre contínua na busca por novos conhecimentos. NA PRÁTICA Levando em conta o aparato histórico sobre a arte-educação no Brasil que estudamos, crie uma linha do tempo com os principais eventos apontados no texto a respeito da trajetória do ensino da arte no Brasil. É interessante que essa linha do tempo fique ao seu alcance, seja um caderno de uso constante, seja colada em uma parede próxima ao seu local de estudo. FINALIZANDO Nesta aula, estudamos as maneiras com as quais o ensino da arte se dá, tanto dentro quanto fora da escola, e a diferenciá-las, classificando-o como ensino formal – no qual estabelecemos o foco – ou informal. Por meio de um resumo da trajetória do ensino de arte no Brasil, criamos um repertório de conhecimentos históricos que nos leva a uma maior 13 compreensão sobre o papel ao qual o educador se propõe, diariamente, em sala de aula. Isso nos leva a concluir a primeira etapa dessa nossa caminhada na busca pelo conhecimento que, ao que tudo indica, trata-se de uma busca infinda, que requer constante manutenção e que precisa ser alimentada constantemente. 14 REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/CONSED/UNDIME, 2018. BRASIL. Lei n. 5.692, de 11 agosto de 1971. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 ago. 1971. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. BRASIL. Ministério de Educação. Secretaria de Educação Especial. Educação inclusiva: direito à diversidade – Curso de formação de gestores e educadores. Brasília: MEC/SEESP, 2004. BARBOSA, A. M. T. B. Arte-educação no Brasil. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999. BARBOSA, A. M. T. B. História da Educação: a experiência de Brasília – I Simpósio Internacional de História da Arte-Educação – ECA-USP. São Paulo: Max Limonad, 1986. BARBOSA, A. M. T. B. Teoria e prática da educação artística. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1995. BARBOSA, A. M. T. B. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva; Porto Alegre: Fundação IOCHPE, 1991. FREIRE, P. Educação e mudança. São Paulo: Paz e Terra, 2018. SCHRAMM, M de L. L. As tendências pedagógicas e o ensino-aprendizagem da arte. In: PILLOTTO, S. S. D. ilvia Sell Duarte; SCHRAMM, M de L. L. (Org.). Reflexões sobre o ensino das artes. Joinville: Ed. Univille, 2001. v. 1, p. 20- 35.
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