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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Objetivos 1- Rever a morfofisiologia da unidade funcional; 2- Conhecer a epidemiologia, etiologia, fatores de risco, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento da nefrolitíase; 3- Identificar os tipos de cálculos renais. Néfron ↠ A principal unidade estrutural e funcional do rim é o néfron. Mais de um milhão desses túbulos apinham-se (unem-se estreitamente) em cada rim (MARIEB, 7ª ed.). ANATOMIA DO NÉFRON ↠ Cada néfron é composto de corpúsculo renal e túbulo renal; este último é dividido em porções: (MARIEB, 7ª ed.). • túbulo contorcido proximal; • alça do néfron (de Henle); • túbulo contorcido distal; • túbulo coletor. CORPÚSCULO RENAL ↠ A primeira parte do néfron, onde ocorre a filtração, é o corpúsculo renal esférico. Os corpúsculos renais ocorrem estritamente no córtex (MARIEB, 7ª ed.). ↠ Eles consistem em um novelo de capilares chamado glomérulo (“novelo de lã”) circundado por uma cápsula do glomérulo oca em forma de cálice (cápsula de Bowman) (MARIEB, 7ª ed.). ↠ Esse novelo de capilares é abastecido por uma arteríola aferente e drenado por uma arteríola eferente. O endotélio do glomérulo é fenestrado (possui poros) e, portanto, esses capilares são altamente permeáveis permitindo que grandes quantidades de fluido e de pequenas moléculas passem do sangue do capilar para o interior oco da cápsula, o espaço capsular. (MARIEB, 7ª ed.). As arteríolas aferentes surgem das artérias interlobulares que passam pelo córtex renal. Como as arteríolas são vasos de alta resistência e a arteríola eferente é mais estreita do que a arteríola aferente, a pressão do sangue no glomérulo é extraordinariamente alta para um leito capilar e obriga facilmente o filtrado a sair do sangue e entrar na cápsula do glomérulo (MARIEB, 7ª ed.). TÚBULO RENAL ↠ Depois de se formar no corpúsculo renal, o filtrado avança para a seção tubular longa do néfron, que começa com o túbulo contorcido proximal espiralado de modo elaborado, cria uma alça chamada alça do néfron (de Henle), curva-se várias vezes num trajeto sinuoso como túbulo contorcido distal e termina como túbulo coletor se juntando ao ducto coletor (MARIEB, 7ª ed.). Os ductos coletores então se unem e convergem em várias centenas de grandes ductos papilares, que drenam para os cálices renais menores. Os ductos coletores e papilares se estendem desde o córtex renal ao longo da medula renal até a pelve renal. Então, um rim tem aproximadamente 1 milhão de néfrons, mas um número muito menor de ductos coletores e ainda menor de ductos papilares (TORTORA, 14ª ed.). O corpúsculo renal e os túbulos contorcidos proximais e distais se localizam no córtex renal; a alça de Henle se estende até a medula renal, faz uma curva fechada, e então retorna ao córtex renal (TORTORA, 14ª ed.). CLASSE DOS NÉFRONS: Embora todos os néfrons tenham as estruturas que acabamos de descrever, eles são divididos em duas categorias de acordo com a localização: 80 a 85% dos néfrons são néfrons corticais - alças de Henle curtas, que se encontram principalmente no córtex e penetram somente na região externa da medula renal; os outros 15 a 20% dos néfrons são néfrons justamedulares. Seus corpúsculos renais encontram-se profundamente no córtex, próximo da medula renal, e APG 16 – “PEDRAS NO CAMINHO” 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck têm alças de Henle longas que se estendem até a região mais profunda da medula renal (MARIEB, 7ª ed.). O complexo (ou aparelho) justaglomerular (“perto do glomérulo”), uma estrutura que funciona na regulação da pressão arterial, é uma área de contato especializado entre a extremidade do túbulo contorcido distal e a arteríola aferente (MARIEB, 7ª ed.). HISTOLOGIA DO NÉFRON ↠ Em todo o seu comprimento, o néfron é revestido por um epitélio simples que é adaptado a vários aspectos da produção de urina (MARIEB, 7ª ed.). CÁPSULA GLOMERULAR ↠ A cápsula é formada por dois folhetos, um interno, ou visceral, disposto em torno dos capilares glomerulares, e outro externo, ou parietal, que reveste internamente o corpúsculo renal. Entre os dois folhetos da cápsula de Bowman, existe o espaço capsular (ou espaço de Bowman), que recebe o líquido filtrado através da parede dos capilares e do folheto visceral da cápsula de Bowman (JUNQUEIRA, 13ª ed.). O folheto externo ou parietal da cápsula de Bowman é constituído por um epitélio simples pavimentoso, que se apoia na lâmina basal e em uma fina camada de fibras reticulares (JUNQUEIRA, 13ª ed.). Enquanto o folheto externo mantém sua morfologia epitelial, as células do folheto interno ou visceral modificam-se durante o desenvolvimento embrionário, adquirindo características muito peculiares. Essas células são chamadas de podócitos e formadas por um corpo celular, de onde partem diversos prolongamentos primários que dão origem aos prolongamentos secundários (JUNQUEIRA, 13ª ed.). Além das células endoteliais e dos podócitos, os glomérulos contêm as células mesangiais internas, mergulhadas em matriz mesangial. Há locais do glomérulo em que a lâmina basal não envolve toda a circunferência de um só capilar, constituindo uma membrana comum a duas ou mais alças capilares. É principalmente nesse espaço entre os capilares que se localizam as células mesangiais, as quais podem também ser encontradas na parede dos capilares glomerulares, entre as células endoteliais e a lâmina basal (JUNQUEIRA, 13ª ed.). TÚBULO CONTORCIDO PROXIMAL ↠ Epitélio cuboide ou colunar baixo do túbulo contorcido proximal (JUNQUEIRA, 13ª ed.). As células do túbulo proximal têm o citoplasma bastante acidófilo, especialmente no seu polo basal, em razão de numerosas mitocôndrias alongadas presentes nessa região (JUNQUEIRA, 13ª ed.). A superfície apical das células dos túbulos proximais apresenta grande quantidade de microvilos, que formam a orla em escova. Nesta superfície, há grande atividade de endocitose de material presente no lúmen dos túbulos (JUNQUEIRA, 13ª ed.). ALÇA DE HENLE ↠ O lúmen desse segmento do néfron é relativamente amplo, porque a parede da alça é formada por epitélio simples pavimentoso (JUNQUEIRA, 13ª ed.). 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck TÚBULO CONTORCIDO DISTAL ↠ Revestido por epitélio cúbico simples (JUNQUEIRA, 13ª ed.). Uma propriedade muito importante dos túbulos distais é o fato de um segmento desses túbulos aproximar-se do corpúsculo renal do mesmo néfron, local onde a parede do túbulo se modifica. Suas células tornam-se cilíndricas, altas e com núcleos alongados e muito próximos uns dos outros; a maioria delas tem o complexo de Golgi na região basal. Esse segmento modificado da parede do túbulo distal, que aparece mais escuro nos cortes corados, devido à proximidade dos núcleos de suas células, chama-se mácula densa (JUNQUEIRA, 13ª ed.). TÚBULOS E DUCTOS COLETORES ↠ Os ductos coletores mais delgados são revestidos por epitélio cúbico e têm um diâmetro de aproximadamente 40 μm. À medida que se fundem e se aproximam das papilas, suas células tornam-se mais altas, até se transformarem em cilíndricas (JUNQUEIRA, 13ª ed.). FISIOLOGIA DO NÉFRON ↠ Três processos básicos ocorrem nos néfrons: filtração, reabsorção e secreção (SILVERTHORN, 7ª ed.). Filtração é o movimento de líquido do sangue para o lúmen do néfron (SILVERTHORN, 7ª ed.). O termo reabsorção se refere ao retorno de substâncias para a corrente sanguínea (TORTORA, 14ª ed.). A secreção tubular remove uma substância do sangue (TORTORA, 14ª ed.). FILTRAÇÃO GLOMERULAR Como a maioria dos capilares, os capilares glomerulares são relativamente impermeáveis às proteínas, assim, o líquido filtrado (chamado filtrado glomerular) é essencialmente livre de proteínas e desprovido de elementos celulares como as hemácias (GUYTON,13ª ed.). ↠ As substâncias filtradas do sangue atravessam três barreiras de filtração – a célula endotelial glomerular, a lâmina basal e uma fenda de filtração formada por um podócito (TORTORA, 14ª ed.). 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ A filtração glomerular depende de três pressões principais (TORTORA, 14ª ed.). ↠ Três mecanismos controlam a TFG: a autorregulação renal, a regulação neural e a regulação hormonal (TORTORA, 14ª ed.). REABSORÇÃO E SECREÇÃO TUBULAR ↠ A reabsorção – o retorno da maior parte da água filtrada e de muitos dos solutos filtrados para a corrente sanguínea – é a segunda função básica do néfron e do ducto coletor. Normalmente, cerca de 99% da água filtrada são reabsorvidos. As células epiteliais ao longo dos túbulos e ductos renais realizam a reabsorção, mas as células do túbulo contorcido proximal dão a maior contribuição (TORTORA, 14ª ed.). Os solutos que são reabsorvidos por processos ativos e passivos incluem glicose, aminoácidos, ureia e íons como Na+ (sódio), K+ (potássio), Ca2+ (cálcio), Cl– (cloreto), HCO3- (bicarbonato) e HPO42- (fosfato). Uma vez que o líquido passa através do túbulo contorcido proximal, as células localizadas mais distalmente aperfeiçoam os processos de reabsorção para manter o equilíbrio da homeostasia de água e íons específicos (TORTORA, 14ª ed.). ↠ A terceira função dos néfrons e ductos coletores é a secreção tubular, a transferência de materiais das células do sangue e do túbulo para o filtrado glomerular. As substâncias secretadas incluem íons hidrogênio (H+), K+, íons amônia (NH4+), creatinina e determinados fármacos, como a penicilina (TORTORA, 14ª ed.). 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck A água reabsorvida com solutos no líquido tubular é denominada reabsorção de água obrigatória, porque a água é “obrigada” a seguir os solutos quando eles são reabsorvidos. Este tipo de reabsorção de água ocorre no túbulo contorcido proximal e na parte descendente da alça de Henle, porque estes segmentos do néfron sempre são permeáveis à água. A reabsorção dos últimos 10% de água, um total de 10 a 20 l por dia, é chamada reabsorção de água facultativa. A palavra facultativa indica que a reabsorção é “capaz de se adaptar a uma necessidade”. A reabsorção de água facultativa é regulada pelo hormônio antidiurético e ocorre principalmente nos ductos coletores (TORTORA, 14ª ed.). Nefrolitíase ↠ A nefrolitíase é um processo de cristalização que ocorre em sistema biológico e é influenciada por ele. Nas suas diversas etapas, vários componentes e moduladores podem ser identificados (MCANINCH; LUE, 2014). De modo simplificado, estes podem ser divididos em fatores físico- químicos, que influenciam a saturação urinária, nucleação, crescimento e agregação de partículas cristalinas, e fatores biológicos, relacionados primordialmente a macromoléculas urinárias que atuam como inibidoras da cristalização (MCANINCH; LUE, 2014). Os cálculos urinários são agregados policristalinos compostos de quantidades variáveis de cristaloide e matriz orgânica (MCANINCH; LUE, 2014). ↠ Os cálculos renais são compostos por cristais em matriz de proteína. A maioria dos cristais contém cálcio, que geralmente está complexado com oxalato, fosfato ou ambos, enquanto outros cálculos são compostos por ácido úrico, fosfato de magnésio e amônio (estruvita) ou cistina, de maneira isolada ou combinados. Os cálculos renais se formam quando a saturação de seus componentes excede a solubilidade da fase sólida na urina (GOLDMAN; SCHAFER, 2022). EPIDEMIOLOGIA ↠ Os cálculos urinários constituem a terceira afecção mais comum do trato urinário, superados somente por infecções do trato urinário e condições patológicas da próstata (MCANINCH; LUE, 2014). ↠ O pico de incidência de cálculos urinários se dá em torno dos 30 anos, mas a taxa de incidência se mantém elevada entre 30-69 anos em homens e 40-79 anos em mulheres (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). ↠ A doença é 2-3 vezes mais comum em homens que em mulheres, estando diretamente relacionada ao estilo de vida e à ingesta hídrica (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). Na idade adulta é 2 a 3 vezes mais frequente no sexo masculino. Tal diferença tem sido associada e justificada pelos níveis de estrogénio na pré-menopausa, que conferem um efeito protetor contra a formação de cálculos renais. Contudo, existem evidências de que esta diferença se tem vindo a reduzir, essencialmente como resultado de um aumento de cálculos renais no sexo feminino (SILVA, 2015). ↠ A raça caucasiana surge como uma das etnias onde se regista uma maior percentagem de casos (SILVA, 2015). ETIOLOGIA E FATORES DE RISCO ↠ A formação de cálculos no trato urinário requer a presença de um ou mais fatores de risco, determinados em sua maioria pela análise da bioquímica e do volume urinário. Estas condições causam aumento da supersaturação urinária em relação a determinado sal ou promovem diminuição da atividade inibidora da urina (RIELLA, 4ª ed.) FATORES DE RISCO DIETÉTICOS ↠ O efeito da ingestão aumentada de sódio com consequente aumento da excreção urinária de cálcio está bem documentado. Concentrações aumentadas de sódio fazem diminuir a sua reabsorção ao nível do túbulo proximal o que, por sua vez, reduz a reabsorção tubular do cálcio, aumentando assim a sua concentração na urina (MONIZ, 2018). ↠ O consumo de proteína animal tem sido associado ao aumento do risco de litíase urinária por diminuir o pH urinário e aumentar a excreção de cálcio e ácido úrico 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck na urina. Importando salientar que a proteína animal contém aminoácidos compostos por enxofre, como cistina e metionina (MONIZ, 2018). ↠ A ingestão aumentada de água e o consequente aumento do volume urinário permite a diminuição da concentração dos íons com potencial litogênico na urina. E, ao contrário do que seria de esperar, com a consequente diluição da mesma não há perda da eficácia e da capacidade das sustâncias inibidoras do processo de cristalização presentes nela (MONIZ, 2018). ↠ O magnésio é um eficiente inibidor do processo de cristalização e o estado de hipomagnesúria é definido pela excreção urinária de magnésio inferior a 3 mmol/dia (73 mg/dia). Está amplamente associado com a sua baixa ingestão dietética ou possivelmente com uma alteração a nível da absorção intestinal em casos mais específicos, como doença intestinal inflamatória e cirurgia bariátrica. Porém, cálculos urinários devido a estados de hipomagnesúria isolada, são raros (MONIZ, 2018). FATORES DE RISCO NÃO DIETÉTICOS ↠ Populações que vivem em pontos geográficos do globo terrestre quentes, áridos, secos, montanhosos, desérticos ou regiões tropicais possuem mais chance de desenvolverem cálculos urinários, por conta da maior perda líquida por transpiração e formação de urina mais concentrada (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). ↠ Pelos mesmos motivos, a incidência de litíase é maior em meses mais quentes do ano e em populações mais expostas aos raios solares. Também, atividades ocupacionais que envolvem altas temperaturas se associam a taxas mais altas de litíase (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). ↠ Além disso, a obesidade, o Diabetes mellitus e a síndrome metabólica estão associadas à formação de cálculos no sistema urinário. Este fato é explicado pelo aumento da resistência à insulina, que leva a pH urinário ácido (precipitação de ácido úrico) e à hipercalciúria (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). Assim, constituem-se fatores de risco para a doença: altas temperaturas, baixa ingesta hídrica, sedentarismo, obesidade, diabetes e síndrome metabólica. Embora não bem estabelecidos, hipertensão arterial e ingesta de sódio em níveis elevados parecem também se relacionarem positivamente com a formação de cálculos urinários (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018).↠ Existe uma relação direta entre o índice de massa corporal e o risco de desenvolver nefrolitíase. A obesidade é um fator de risco independente para a formação de cálculos. Acresce que indivíduos obesos excretam maiores quantidades de determinados sais na urina e apresentam, mais frequentemente, supersaturação urinária de ácido úrico (SILVA, 2015). Nefrolitíase induzida por fármacos. Tese de mestrado integrado em Medicina O crescente aumento do uso dos mais variados fármacos para o tratamento das mais variadas patologias constitui um risco adicional. Os fármacos não são desprovidos de efeitos laterais e alguns deles são potenciadores da formação de cálculos urinários. A nefrolitíase induzida por fármacos é uma realidade cada vez mais frequente e com importância crescente na prática clínica. Estima-se que 1% a 2% de todos os cálculos renais sejam causados por medicamentos usados correntemente na prática clínica (SILVA, 2015). A formação de cálculos renais induzida por fármacos é explicada por dois mecanismos distintos. Um deles diz respeito aos fármacos que através dos seus efeitos fisiológicos e metabólicos são potenciadores da formação de cálculos, ao interferirem com a concentração urinária de íons habitualmente presentes. O outro grupo de fármacos promove o surgimento de cálculos devido ao fato de a sua elevada excreção urinária e baixa solubilidade potenciarem a sua precipitação e cristalização na urina. Neste caso, a elevada saturação urinária do fármaco é um fator determinante na gênese dos cálculos, podendo o próprio fármaco ou os seus metabólitos serem isolados durante uma análise ao mesmo. Estes dois mecanismos assumem especial importância nos doentes que, por qualquer outro motivo, têm uma predisposição aumentada para a urolitíase. São ainda fatores determinantes a dose e a duração do tratamento com fármacos litogênicos, onde doses mais altas e/ou longos períodos de tratamento aumentam substancialmente o risco de eventos litiásicos (SILVA, 2015) O uso de sulfato de indinavir para tratamento de infecção por HIV está associado à formação de cálculos em até 3% dos pacientes. Ingestão excessiva de vitaminas A e D, uso de triantereno, acetazolamida e sulfadiazina podem causar cristalúria e eventualmente nefrolitíase. (MONIZ, 2018). FATORES DE RISCO URINÁRIOS ↠ A hipercalciúria primária ou idiopática é conceituada como excreção urinária de cálcio maior que 4 mg/kg/dia, associada à normocalcemia e por vezes à hipofosfatemia. Afeta cerca de 5% da população normal e até 50% dos pacientes litiásicos (RIELLA, 4ª ed.). Apesar do mecanismo preciso da hipercalciúria não estar ainda estabelecido, existe consenso quanto à presença de algumas anormalidades fisiopatológicas: aumento primário na absorção intestinal de cálcio (por aumento dos níveis séricos de vitamina D ou aumento na densidade dos receptores intestinais); redução na reabsorção tubular de cálcio; perda renal de fosfato; aumento primário na reabsorção óssea. Evidências clínicas e experimentais indicam que a hipercalciúria é de herança genética complexa (RIELLA, 4ª ed.). ↠ O oxalato é um ácido orgânico dicarboxílico, de baixa solubilidade, cujo interesse biológico é praticamente 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck limitado à sua participação na formação de cálculos renais. Em indivíduos normais, a maioria do oxalato urinário provém do metabolismo endógeno (da glicina, glioxilato e ácido ascórbico), e apenas 10 a 20% são derivados da dieta. Três a 5% do oxalato ingerido são absorvidos, principalmente no cólon. Hiperoxalúria é definida pela excreção de oxalato maior que 40 mg/dia (RIELLA, 4ª ed.). ↠ Excreção urinária maior que 800 mg/dia para homens e 750 mg/dia para mulheres. O ácido úrico é o produto final da degradação de purinas em humanos. Em pH urinário ácido, a forma não-dissociada do ácido úrico predomina e é pouco solúvel (apenas 96 mg/litro), podendo levar à cristalúria e à formação de cálculo renal, mesmo com taxas de excreção normais. A hiperuricosúria, presente por exemplo na gota, e baixo volume urinário são também fatores de risco importantes (RIELLA, 4ª ed.). ↠ A hipocitratúria é definida como excreção de citrato menor que 320 mg/dia. O citrato é um potente inibidor da cristalização. Forma sais solúveis com o cálcio, diminuindo a disponibilidade do mesmo para se combinar com o oxalato, por exemplo. Além deste efeito específico em diminuir a supersaturação urinária, o citrato inibe a cristalização do oxalato de cálcio (RIELLA, 4ª ed.). ↠ A gênese da infecção está relacionada à infecção por bactérias produtoras de urease (usualmente do gênero Proteus, Providencia ou Klebsiella, quase nunca E. coli) que desdobram a uréia em amônia, tornando o pH urinário alcalino e favorecendo a cristalização com fosfato e magnésio para formar a estruvita (RIELLA, 4ª ed.). FISIOPATOLOGIA ↠ A formação de cálculo requer urina supersaturada. A supersaturação depende do pH urinário, da força iônica, da concentração de soluto e da complexação (MCANINCH; LUE, 2014). A força iônica é determinada principalmente pela concentração relativa de íons monovalentes. À medida que a força iônica aumenta, o coeficiente de atividade diminui. O coeficiente de atividade reflete a disponibilidade de um íon em particular (MCANINCH; LUE, 2014). ↠ O papel das concentrações de soluto é claro: quanto maior a concentração de dois íons, mais provável é que eles se precipitem. Concentrações baixas de íons resultam em subsaturação e solubilidade aumentada (MCANINCH; LUE, 2014). ↠ Quando as concentrações iônicas aumentam, seu produto de atividade atinge um ponto específico denominado produto de solubilidade (Ksp). Concentrações acima desse ponto são metaestáveis e capazes de iniciar o crescimento de cristais e nucleação heterogênea. À medida que as soluções se tornam mais concentradas, o produto de atividade finalmente alcança o produto de formação (Kjp). Níveis de supersaturação acima desse ponto são instáveis, e pode ocorrer nucleação homogênea espontânea (MCANINCH; LUE, 2014). ↠ Outros fatores devem desempenhar papéis importantes no desenvolvimento de cálculos urinários, inclusive a complexação. A complexação influencia a disponibilidade de íons específicos. Por exemplo, o sódio complexa com oxalato e diminui sua forma iônica, ao passo que sulfatos podem complexar com cálcio. A formação de cristais é modificada por uma variedade de outras substâncias encontradas no trato urinário, inclusive magnésio, citrato, pirofosfato, e uma variedade de metais- traço. Esses inibidores podem agir nos locais de crescimento ativo de cristais ou como inibidores em solução (como com o citrato) (MCANINCH; LUE, 2014). A teoria da nucleação sugere que os cálculos urinários se originam de cristais ou corpos estranhos imersos na urina supersaturada. Essa teoria é contestada pelos mesmos argumentos que a apoiam. Cálculos nem sempre se formam em pacientes que são hiperexcretores ou que estão em risco de desidratação. Além disso, até um terço das coletas de urina de 24 horas de formadores de cálculos são completamente 8 Júlia Morbeck – @med.morbeck normais no que diz respeito às concentrações de íons formadores de cálculo (MCANINCH; LUE, 2014). A teoria de inibidor de cristais alega que os cálculos se formam devido à ausência ou à baixa concentração de inibidores de cálculos naturais, inclusive magnésio, citrato, pirofosfato e uma variedade de metais- traço. Essa teoria não tem validade absoluta, pois muitas pessoas que carecem de tais inibidores podem nunca formar cálculos, e outras com uma abundância de inibidores po dem, paradoxalmente, formá-los (MCANINCH; LUE, 2014). PATOGÊNESE ↠ Soluções com concentrações abaixo do Kf não permitem a formação de cristais. Por outro lado, quando o produto de concentração torna-se maior queo Kf, inicia-se a nucleação, a primeira fase de formação de qualquer substância cristalina. Nesta situação, a energia livre presente é tão alta que a nucleação é praticamente inevitável, causando um rearranjo molecular e estabilização da solução (RIELLA, 4ª ed.). ↠ A região de maior interesse do ponto de vista químico, biológico e médico situa-se entre o Kps, abaixo do qual a cristalização não se inicia, e o Kf, acima do qual a cristali- zação é constante. Esta zona intermediária é denominada de metaestável. Possui grande importância na patogenia da nefrolitíase, já que a maioria dos produtos de concentração da urina de indivíduos normais e de portadores de cálculo renal situa-se nesta faixa (RIELLA, 4ª ed.). ↠ Além disto, os fatores inibidores da cristalização exercem seus efeitos principalmente dentro desses limites. Na zona metaestável, os produtos de concentração das diversas substâncias permitem o crescimento de cristais preexistentes, mas não a formação de novos núcleos (RIELLA, 4ª ed.). ↠ Uma vez que o núcleo do cristal tenha atingido um tamanho crítico e a solução que o abrigue permaneça com valores acima do Kps novas camadas de componentes serão adicionadas. Este fenômeno é chamado de crescimento do cristal (RIELLA, 4ª ed.). ↠ O processo pelo qual cristais em solução juntam-se para formar uma partícula maior é chamado de agregação ou aglomeração. Como é necessária energia para haver desintegração de um sólido para a fase líquida, a agregação é um processo naturalmente favorecido. Embora a velocidade de agregação seja proporcional ao estado de saturação de uma solução, ela pode ocorrer em uma faixa ampla de condições. Além disso, a agregação per se é um processo muito rápido, permitindo a formação de partículas de tamanho considerável dentro de segundos (RIELLA, 4ª ed.). ↠ A passagem de cristais pela urina, denominada cristalúria, ocorre em portadores de doença litiásica, bem como em indivíduos normais (RIELLA, 4ª ed.). ↠ O ancoramento dos cristais é facilitado por interações com as células tubulares renais. Macromoléculas urinárias podem facilitar ou impedir esta adesão. Uma vez retido, haverá então condições de tempo para o crescimento cristalino, desde que mantidas as condições de saturação urinária (RIELLA, 4ª ed.). ↠ A atividade inibitória pode ser definida como a capacidade da urina em impedir a nucleação espontânea de cristais ou, se esta situação ocorrer, prevenir o crescimento e a agregação posteriores. Um inibidor da cristalização deve ser capaz de ligar-se à superfície de cristais em formação, inibindo seu crescimento ou agregação (RIELLA, 4ª ed.). RESUMO Fisiopatologicamente, três processos devem ocorrer: (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). • Supersaturação; • Nucleação; • Agregação/crescimento. De forma bastante didática, supersaturação é uma quantidade maior de soluto em relação àquilo que o solvente pode dissolver. O excesso de soluto não dissolvido precipita-se, permitindo que uma etapa fundamental do processo ocorra, que é a formação do núcleo inicial do cálculo urinário (nucleação). A partir desse núcleo e da manutenção de um ambiente supersaturado, novos cristais se decantarão e se agregarão ao núcleo inicial, desencadeando o crescimento do cálculo (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). TIPOS DE CÁLCULOS Atualmente, a maioria dos cálculos é de origem renal. Cálculos vesicais são encontrados apenas em situações especiais, como na presença de obstrução uretral, corpo estranho intravesical ou bexiga neurogênica. Também são descritos em crianças de países em desenvolvimento, formados por urato de amônio e associados à desnutrição (RIELLA, 4ª ed.). 9 Júlia Morbeck – @med.morbeck CÁLCULOS DE CÁLCIO ↠ Os cálculos formados por deposição de cálcio são os mais comuns, correspondendo a 70-75% dos casos. Na maioria das vezes são compostos por oxalato de cálcio. Eventualmente, em menos de 5% dos casos, podem ser de fosfato de cálcio (apatita ou brushita) (RIELLA, 4ª ed.). ↠ Estes cálculos são formados na presença de urina alcalina, que aumenta a supersaturação do fosfato, podendo ser encontrados na acidose tubular renal distal ou hiperparatireoidismo primário. Os cálculos de cálcio são habitualmente arredondados, radiodensos e não costumam apresentar aspecto coraliforme (RIELLA, 4ª ed.). ↠ A nefrolitíase cálcica é devida mais comumente a cálcio urinário elevado, ácido úrico urinário elevado, oxalato urinário elevado ou nível diminuído de citrato urinário (MCANINCH; LUE, 2014). O mais importante deles é aquele denominado nefrolitíase hipercalciúria absortiva, que, basicamente, ocorre por um aumento da capacidade absortiva intestinal de Cálcio (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). A hipercalciúria absortiva é secundária ao aumento da absorção de cálcio no intestino delgado, predominantemente no jejuno. Isso resulta em uma carga de cálcio aumentada filtrada no glomérulo. O resultado é supressão do paratormônio, levando a diminuição da reabsorção tubular do cálcio, culminando em hipercalciúria (> 4 mg/kg). Essa cascata fisiológica é em resposta ao defeito primário, um aumento da absorção de cálcio no intestino delgado (MCANINCH; LUE, 2014). Nefrolitíase hipercalciúrica de indução renal - A hipercalciúria de origem renal deve-se a um defeito tubular renal intrínseco na excreção de cálcio. Isso cria um ciclo vicioso fisiológico. A excreção excessiva de cálcio urinário resulta em uma diminuição relativa do cálcio sérico, o que leva a um nível de paratormônio secundariamente aumentado que mobiliza cálcio do osso e aumenta a absorção de cálcio no intestino. Esse passo completa o ciclo patológico por levar níveis de cálcio elevados de volta para o rim, de tal forma que os túbulos renais excretam grandes quantidades de cálcio. Esses pacientes têm um nível de cálcio urinário em jejum elevado, nível de cálcio sérico normal e um nível de hormônio paratireoidiano secundariamente elevado (MCANINCH; LUE, 2014). A hipercalciúria renal é tratada efetivamente com hidroclorotiazidas. Ao contrário de seu papel na hipercalciúria absortiva tipo I, nesta situação as hidroclorotiazidas têm um efeito durável em longo prazo. Como diuréticos, elas diminuem o volume de sangue circulante e, subsequentemente, estimulam a absorção tubular proximal de cálcio, bem como de outros constituintes. Elas também aumentam a reabsorção no túbulo distal. Ambos os mecanismos corrigem o estado de hiperparatireoidismo secundário (MCANINCH; LUE, 2014). Nefrolitíase cálcica hiperuricosúrica - A nefrolitíase cálcica hiperuricosúrica é causada ou por uma ingestão excessiva de purinas na dieta, ou por um aumento da produção de ácido úrico endógeno. Em ambas as situações, há um aumento de uratos monossódicos urinários. Os uratos monossódicos absorvem e adsorvem inibidores de cálculos urinários e facilitam a nucleação heterogênea (MCANINCH; LUE, 2014). Nefrolitíase cálcica hiperoxalúrica - A nefrolitíase cálcica hiperoxalúrica é secundária a níveis aumentados de oxalato urinário (> 40 mg/24 h). Ela é encontrada frequentemente em pacientes com doença intestinal inflamatória ou com outros estados diarreicos crônicos que resultam em desidratação séria (MCANINCH; LUE, 2014). CÁLCULOS DE ÁCIDO ÚRICO ↠ Cálculos de ácido úrico constituem aproximadamente 10% dos casos. Podem ser puros ou abrigar quantidades variáveis de cálcio. Caracteristicamente são radiotransparentes, não visíveis portanto na radiografia simples de abdome, e aparecem na urografia excretora como falhas de enchimento (RIELLA, 4ª ed.). ↠ Pacientes com gota, doenças mieloproliferativas ou perda de peso rápida e aqueles tratados para neoplasias malignas com drogas citotóxicas têm uma incidência aumentada de litíase de ácido úrico. Entretanto, a maioria dos pacientes com cálculos de ácido úrico não tem hipemricemia (MCANINCH;LUE, 2014). Níveis elevados de ácido úrico urinário são causados frequentemente por desidratação e ingestão excessiva de purinas. Os pacientes se apresentam com um pH urinário constantemente < 5,5, em contraste com os pacientes com nefrolitíase cálcica hiperuricosúrica, que têm um pH urinário > 5,5 (MCANINCH; LUE, 2014). CÁLCULOS DE ESTRUVITA ↠ Os cálculos de estruvita (assim chamados em homenagem ao barão H. C. G. von Struve, diplomata e naturalista russo que descreveu o cristal pela primeira vez) são formados de fosfato de amônio magnésio e representam 15% dos cálculos. São cálculos pouco 10 Júlia Morbeck – @med.morbeck radiodensos, grandes e caracteristicamente coraliformes (RIELLA, 4ª ed.). ↠ A presença de urina infectada por bactérias produtoras de urease é condição fundamental para que esse tipo de cálculo ocorra. Em síntese, na presença de urease, a ureia é transformada em amônia (NH3). Amônia reage com a água para formar NH4+ e liberação de OH-. A alcalinização da urina permite a reação para formação do fosfato e a incorporação do Magnésio, culminando com os três componentes da fórmula: amônio, fosfato e Magnésio. Bactérias estão entremeadas às camadas de estruvita, o que os estabelecem como cálculos infecciosos e, necessariamente, precisam ser extraídos do organismo para que a infecção seja tratada de forma definitiva (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). CÁLCULOS DE CISTINA ↠ Cálculos de cistina constituem aproximadamente 1% do total. São pouco radiopacos, com aspecto de vidro moído (ground-glass) aos raios X (RIELLA, 4ª ed.). ↠ A litíase de cistina é secundária a um erro inato do metabolismo resultando em anormalidade da absorção na mucosa intestinal (intestino delgado) e tubular renal de aminoácidos dibásicos, inclusive cistina, ornitina, lisina e arginina. Os defeitos genéticos associados à cistinúria já foram mapeados ao cromossomo 2p.l6, e mais recentemente a 19ql3.1 (MCANINCH; LUE, 2014). ↠ A litíase de cistina é a única manifestação clínica desse defeito. A cistinúria clássica é herdada de modo autossômico recessivo (MCANINCH; LUE, 2014). CÁLCULOS DE INDINAVIR ↠ Os inibidores da protease são um tratamento popular e efetivo em pacientes com síndrome de imunodeficiência adquirida. O indinavir é o inibidor da protease mais comum, que resulta em cálculos radiotransparentes em até 6% dos pacientes que utilizam essa medicação. Os cálculos de indinavir são os úni cos cálculos urinários radiotransparentes em imagens de TC sem contraste. Eles podem estar associados a componentes cálcicos e, nessas situações, serão visíveis em imagens de TC sem contraste (MCANINCH; LUE, 2014). ↠ A interrupção temporária do medicamento, com hidratação intravenosa, frequentemente permite que os cálculos passem. Os cálculos são vermelho-bronzeados e geralmente se desintegram durante a extração com cesto (MCANINCH; LUE, 2014). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ↠ A nefrolitíase pode ser totalmente assintomática, com diagnóstico acidental através de exames de imagens. Entretanto, a apresentação característica é a da cólica nefrética (RIELLA, 4ª ed.). A obstrução urinária é o mecanismo principal responsável pela cólica renal (MCANINCH; LUE, 2014). ↠ A dor frequentemente tem início abrupto e intenso, podendo acordar o paciente do sono. A intensidade da dor é piorada pela natureza inesperada do início. Os pacientes muitas vezes se movem para posições 11 Júlia Morbeck – @med.morbeck incomuns, em uma tentativa de aliviar a dor (MCANINCH; LUE, 2014). ↠ Usualmente inicia-se com dor localizada em região lombar, flanco ou fossa ilíaca, súbita, forte, geralmente unilateral, em cólica, não aliviada pelo repouso ou posição, irradiada para trajeto ureteral, região de bexiga e genitália externa. Pode haver disúria e hematúria macroscópica concomitante (RIELLA, 4ª ed.). No ureter, contudo, a dor local é irradiada para a distribuição do nervo ilioinguinal e do ramo genital do nervo genitofemoral, ao passo que a dor por obstrução é irradiada para as mesmas áreas dos cálculos do sistema coletor (flanco e ângulo costovertebral), possibilitando assim a discriminação (MCANINCH; LUE, 2014). ↠ Náuseas, vômitos e diarreia são comuns (RIELLA, 4ª ed.). ↠ Outras formas de exteriorização clínica da nefrolitíase devem ser enfatizadas. A hematúria isolada pode ser o primeiro sinal. Alguns pacientes, principalmente os portadores de nefrolitíase de repetição, podem apresentar eliminação espontânea de cálculos, sem dor ou hematúria macroscópica. Na presença de infecções urinárias de repetição, principalmente as causadas por bactérias do gênero Proteus, deve-se suspeitar de cálculos renais (RIELLA, 4ª ed.). Ao exame físico, nota-se frequentemente taquicardia, palidez, sudorese, dor à palpação costo-vertebral e distensão abdominal leve, porém não associada a sinais de irritação peritoneal (RIELLA, 4ª ed.). O quadro clínico é bastante sugestivo, porém o diagnóstico diferencial deve ser feito com doenças gastrintestinais (apendicite aguda, diverticulite, colecistite), ginecológicas (cisto ovariano, anexite, gravidez ectópica), afecções vasculares (infarto intestinal, aneurisma de aorta abdominal) e algumas causas médicas (cetoacidose diabética, infarto agudo do miocárdio) (RIELLA, 4ª ed.). DIAGNÓSTICO AVALIAÇÃO DO PACIENTE ↠ Na avaliação do paciente, além da caracterização do episódio agudo, dados da história mórbida pregressa e certas condições e hábitos são importantes (RIELLA, 4ª ed.). • Ocorrências prévias; • idade na primeira e última crise; • consequências e intervenções (hidronefrose, hospitalização, remoção de cálculos por litotripsia, endoscopia ou cirurgia); • passagem espontânea de cálculos devem ser questionadas. • Afecções como bexiga neurogênica, infecções urinárias de repetição, diarréia crônica ou gota possuem importância na patogênese da doença litiásica. ↠ Além disto, deve ser pesquisado se existe exposição excessiva ao sol, baixa ingestão de líquidos, restrição de leite ou derivados, uso de medicações sem prescrição médica (por exemplo, vitaminas, antiácidos e suplementos de cálcio) e história familiar positiva de nefrolitíase (RIELLA, 4ª ed.). EXAMES LABORATORIAIS ↠ Hemograma: geralmente não apresenta alterações. Leucocitose com ou sem desvios à esquerda só será observada se houver obstrução urinária associada à infecção instalada (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). ↠ Urina I: quase sempre apresenta alterações. Hematúria e leucocitúria são frequentemente observadas e ocasionadas pelo deslocamento do cálculo associado ao dano mucoso do sistema coletor. Bactérias (bacteriúria) e sais relacionados à composição do cálculo (oxalato, urato, fosfato) podem estar presentes. Cálculos de estruvita podem alcalinizar a urina, enquanto que os de ácido úrico, podem torná-la ácida (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). ↠ Urocultura: a menos que uma infecção esteja instalada, seja por obstrução e estase, seja pela presença de um cálculo de estruvita (coraliforme), a urocultura encontrar- se-á negativa (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). 12 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Creatinina: provas de função renal geralmente estarão dentro dos limites da normalidade, exceto em paciente desidratado (por conta de infecção febril ou desidratação), obstruções bilaterais ou obstruções unilaterais em pacientes com rim único (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). EXAMES DE IMAGEM Exames de imagem são fundamentais no diagnóstico e programação de tratamento de cálculos urinários. Um exame de imagem adequado é capaz de fornecer ao médico o número, a localização, o tamanho e a dureza de um cálculo urinário, além de fornecer informações adicionais como a presença de obstrução (dilatações) e o diagnóstico de complicações (pionefrose, abscessos renais,por exemplo) (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). RADIOGRAFIA SIMPLES ↠ A realização de radiografias simples de abdome (rins, ureter e bexiga) baseia-se no fato de que 90% dos cálculos renais são radiopacos. Para ser visualizado, um cálculo precisa apresentar ao menos 2 mm em seu maior diâmetro (RIELLA, 4ª ed.). Cálculos que contêm Cálcio são radiopacos e podem ser vistos em radiografias simples do abdome. Quanto maior a concentração de Cálcio em sua composição, mais radiopaco torna-se o cálculo. Cálculos sem Cálcio também podem aparecer no R-X, mas são menos radiopacos, entretanto. De maior para menor radiopacidade, estão os cálculos de fosfato de Cálcio, oxalato de Cálcio, estruvita e cistina. Cálculos de ácido úrico são radiotransparentes e, portanto, não aparecem no R-X de abdome (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). ULTRASSONOGRAFIA ↠ O ultra-som permite detectar todos os tipos de cálculo, independente da radiopacidade, e avalia a presença e o grau de hidronefrose (RIELLA, 4ª ed.). ↠ A ferramenta técnica ultrassonográfica que consolida o diagnóstico de um cálculo urinário é a presença da sombra acústica posterior, que aparece em cálculos geralmente = 5 mm (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). A limitação do método consiste na baixa sensibilidade para cálculos ureterais e na sua dependência do binário instrumento/operador (RIELLA, 4ª ed.). TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA ↠ É o exame ideal para a pesquisa e diagnóstico da litíase urinária. Ela deve compreender todo o abdome e, salvo raras exceções, ser realizada sem contraste. Tanto o contraste como o cálculo apresentam cor branca nos filmes da tomografia e, portanto, a presença do contraste pode prejudicar a análise das características do cálculo (número, tamanho, posição e densidade) (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). ↠ A TC de abdome sem contraste é capaz de identificar cálculos de qualquer composição e determinar o número, o tamanho, a posição e a densidade desses cálculos dentro do trato urinário (SANT’ANNA; JÚNIOR, 2018). 13 Júlia Morbeck – @med.morbeck TRATAMENTO ↠ Deve ser dividido em: (RIELLA, 4ª ed.). • tratamento da cólica renal; • tratamento do cálculo; • terapêutica da doença litiásica. TRATAMENTO DA CÓLICA RENAL ↠ A analgesia é feita com antiespasmódicos, como por exemplo o brometo de n-butilescopolamina (Buscopan®), por via intravenosa ou intramuscular ou com o emprego de antiinflamatórios não-hormonais (diclofenaco, indometacina, etc.) por via intramuscular. Em casos de dor mais intensa, análogos da morfina (como hidrocloreto de petidina) podem ser utilizados (RIELLA, 4ª ed.). A hidratação deve ser mantida por via oral ou com soluções intravenosas. Porém, a administração de grandes volumes de líquidos é controversa, porque no caso de ureter obstruído pode elevar a pressão hidrostática e aumentar a dor (RIELLA, 4ª ed.). TRATAMENTO DO CÁLCULO ↠ A eliminação espontânea ocorre em até 80% dos cálculos menores que 5 mm. Para cálculos maiores que 7 mm a chance é bem menor, em torno de 25% para os localizados em ureter proximal, de 45% para aqueles em ureter médio e de 70% para cálculos de ureter distal (RIELLA, 4ª ed.). Consulta urológica visando remoção do cálculo ou drenagem do trato urinário está indicada em situações de dor refratária ao tratamento clínico, obstrução persistente com função renal alterada, infecção concomitante, risco de pionefrose ou urossepse, obstrução bilateral ou cálculo em rim único com hidronefrose (RIELLA, 4ª ed.). Hospitalização é recomendada quando houver necessidade de administração frequente de analgésicos parenterais, ocorrerem vômitos persistentes, suspeita de pielonefrite aguda associada, elevação da ureia e creatinina plasmáticas e desenvolvimento de anúria ou oligúria (RIELLA, 4ª ed.). ↠ A litotripsia extracorpórea (LECO) utiliza ondas de choque geradas fora do corpo humano e as concentra no trato urinário, diretamente sobre o cálculo. Os primeiros litotriptores surgiram no início da década de 80. Consistem basicamente em uma fonte geradora de ondas (eletro-hidráulica, eletromagnética ou piezelétrica) e em um sistema de acoplamento e de localização de imagens (ultra-sônico e/ou radiográfico). Os pacientes são tratados ambulatorialmente, sob analgesia ou anestesia local (RIELLA, 4ª ed.). PROFILAXIA E TERAPÊUTICA DA DOENÇA LITIÁSICA ↠ O primeiro episódio de nefrolitíase fornece uma boa oportunidade para aconselhar os pacientes sobre medidas preventivas e terapêuticas. As principais intervenções podem ser divididas em dietéticas e farmacológicas (RIELLA, 4ª ed.). TRATAMENTO DIETÉTICO a) Aumento da ingestão líquida. Volumes urinários elevados reduzem a concentração dos sais excretados e consequentemente diminuem a supersaturação urinária. Estudos epidemiológicos revelam aumento acentuado na incidência de cálculos renais com volume urinário menor que 1.100 ml ao dia . Recomenda-se que a ingestão líquida seja suficiente para a produção de pelo menos 2.000 ml de urina diariamente. Água é a bebida mais recomendada, independente do conteúdo de cálcio ou magnésio. Sucos cítricos são também indicados. Chá e café também foram associados à redução no risco de formação de novos cálculos (RIELLA, 4ª ed.). b) Ingestão de cálcio, sal e proteína. Vários estudos recentes demonstraram que a ingestão reduzida de cálcio está associada a maior incidência de nefrolitíase. Postula-se que a baixa concentração de cálcio na luz intestinal causa maior absorção entérica de oxalato e consequentemente hiperoxalúria secundária. Além disto, a restrição dietética de cálcio pode levar a perda óssea em pacientes com cálculos e hipercalciúria. Dietas com alto teor de sódio diminuem a reabsorção tubular de cálcio e aumentam a calciúria. Da mesma forma, a ingestão excessiva de proteína animal resulta em leve acidose metabólica, estimulando a liberação de cálcio ósseo para tamponar o excesso de íons hidrogênio, o que acarreta aumento na excreção urinária de cálcio. Portanto, recomenda-se dieta com 0,8 a 1 g/kg/dia de proteína e ingestão de sódio limitada a 100-150 mEq/dia, principalmente nos casos de hipercalciúria associada à nefrolitíase recorrente (RIELLA, 4ª ed.). 14 Júlia Morbeck – @med.morbeck c) Outras medidas. Em pacientes com hiperoxalúria, recomenda-se evitar excessos na ingestão de espinafre, amendoim, chocolate e beterraba. Em portadores de hiperuricosúria, associada a cálculos puros de ácido úrico ou mistos de oxalato de cálcio, é aconselhável uma dieta com restrição em alimentos ricos em purina. Na cistinúria, a ingestão hídrica deve proporcionar volume urinário maior que 3 litros, utilizando-se liberalmente sucos cítricos, para aumentar a carga de álcalis e o pH urinário e proporcionar maior solubilidade da cistina (RIELLA, 4ª ed.). TRATAMENTO FARMACOLÓGICO a) Tiazídicos. São efetivos em situações de hipercalciúria associada à nefrolitíase recidivante. Agem aumentando a reabsorção tubular proximal de cálcio (associada à contração do espaço extracelular) e diretamente no túbulo distal, diminuindo a calciúria. Deve-se estimular a restrição concomitante de sódio e evitar hipocalemia durante o tratamento com tiazídicos, pela consequente redução na excreção de citrato. Efeitos colaterais como hipotensão arterial, fadiga, impotência, dislipidemia e intolerância à glicose podem diminuir a adesão ao tratamento (RIELLA, 4ª ed.). b) Citrato. Indicado nos casos de hipocitratúria, primária ou secundária. Também diminui a saturação urinária em casos de hipercalciúria, ligando-se ao cálcio e formando complexos solúveis. Além disso, apresenta efeito alcalinizante, aumentando o pH urinário e a fração dissociada de ácido úrico, o que torna seu emprego recomendado na nefrolitíase úrica. Utiliza-se preferencialmente o citrato de potássio em dose suficientepara elevar o pH urinário acima de 6,5, nível associado com redução no tamanho e até com dissolução de cálculos puros de ácido úrico. Epigastralgia, pirose, diarreia e plenitude gástrica são queixas frequentes e limitam a terapêutica com citrato (RIELLA, 4ª ed.). c) Alopurinol. Possui eficácia comprovada na nefrolitíase por oxalato de cálcio associada à hiperexcreção de ácido úrico e também em pacientes com hiperuricosúria associada a cálculos puros de ácido úrico. Entretanto, mesmo nesta última situação, deve-se concomitantemente manter o pH urinário alcalino, para obter maior solubilidade do ácido úrico. O alopurinol atua inibindo a enzima xantina- oxidase, responsável pela conversão de xantina em ácido úrico. Os efeitos colaterais associados são pouco frequentes e incluem rash cutâneo, artralgias e muito raramente síndrome de Stevens-Johnson (RIELLA, 4ª ed.). Os cálculos de estruvita devem ser removidos totalmente, principalmente os de grande volume, já que núcleos remanescentes podem causar recidivas precoces. Preconiza-se antibioticoterapia pós- remoção por 3-4 meses, acompanhada de uroculturas de vigilância. O ácido aceto-hidroxâmico pode diminuir a formação de estruvita em casos de impossibilidade de remoção ou retirada incompleta do cálculo. Entretanto, apresenta vários efeitos colaterais graves, que levam à interrupção do tratamento em até 70% dos casos (RIELLA, 4ª ed.). 15 Júlia Morbeck – @med.morbeck Referências TORTORA, Gerard J. Princípios de anatomia e fisiologia / Gerard J. Tortora, Bryan Derrickson; tradução Ana Cavalcanti C. Botelho... [et al.]. – 14. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Histologia básica: texto e atlas. 13. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. MARIEB, E.; WILHELM, P. B.; MALLATT, J. Anatomia Humana, 7ª ed., São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2014. SILVERTHORN, Dee U. Fisiologia Humana. Disponível em: Minha Biblioteca, (7th edição). Grupo A, 2017. GUYTON & HALL. Tratado de Fisiologia Médica, 13ª ed. Editora Elsevier Ltda., 2017 MCANINCH, Jack W.; LUE, Tom F. Urologia geral de Smith e Tanagho, 18ª edição. Grupo A, 2014. RIELLA, M. C. Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos, 4ª edição. Guanabara Koogan. SANT’ANNA, A. 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