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0 CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DE PEQUENOS ANIMAIS KÁSSIA MARTINS MACHADO USO DE ANTIINFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDAIS (AINES) EM FELINOS DOMÉSTICOS – REVISÃO DE LITERATURA ALEGRETE-RS 2023 1 CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DE PEQUENOS ANIMAIS KÁSSIA MARTINS MACHADO USO DE ANTIINFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDAIS (AINES) EM FELINOS DOMÉSTICOS – REVISÃO DE LITERATURA Trabalho apresentado na disciplina de Ortopedia e Traumatologia de Pequenos animais do curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário da Região da Campanha - URCAMP, como requisito parcial para a obtenção de média semestral na disciplina. ALEGRETE-RS 2023 2 LISTA DE SIGLAS AAFP - American Association of Feline Practioners AINE - Antiinflamatório não-esteroidal CFP - Cat Friendly Practice COX - Ciclooxigenase DAD - Doença Articular Degenerativa ISFM - International Society of Feline Medicine LOX – Lipoxigenase MPS – Mucopolissacaridose RM – Ressonância Magnética TC – Tomografia Computadorizada 3 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 4 1 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................... 5 1.1 DOR CRÔNICA E DOR AGUDA ....................................................................... 5 1.2 O COMPORTAMENTO FELINO E A ABORDAGEM CAT FRIENDLY ................. 6 1.3 CASCATA DA INFLAMAÇÃO ............................................................................... 7 1.4 COX E LOX NA FISIOLOGIA ................................................................................ 8 1.5 ANTI-INFLAMATÓRIO NÃO-ESTEROIDAL ........................................................ 10 1.6 CONSEQUÊNCIAS DO USO PROLONGADO DE AINES .................................. 11 1.7 DOENÇA ARTICULAR DEGENERATIVA EM GATOS ....................................... 12 2 PARECER CRÍTICO .............................................................................................. 14 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 15 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 16 4 INTRODUÇÃO A dor é uma sensação desagradável que está associada a danos reais ou potenciais nos tecidos do organismo. Ela desempenha um papel fundamental como um mecanismo de proteção, alertando o corpo para possíveis lesões e estimulando respostas de defesa. A dor pode ser categorizada em dois tipos principais: dor aguda e dor crônica, cada uma com características e mecanismos subjacentes distintos (BUTLER, 2009). A distinção entre dor aguda e a dor crônica ocorre por meio de critérios relacionados a duração e características de apresentação. A dor aguda é de curta duração e geralmente está associada a lesões, doenças agudas ou procedimentos médicos. Por outro lado, a dor crônica persiste por um período prolongado e está relacionada a condições médicas subjacentes (MERSKEY; 1994; NICE; 2013; TREEDE, R.D., 2019). Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) atuam inibindo a COX, resultando na redução na produção de mediadores inflamatórios, as prostaglandinas. Além de suas propriedades anti-inflamatórias, os AINEs também têm efeitos analgésicos, reduzindo a sensibilidade dos nociceptores (receptores de dor) e diminuindo a transmissão dos sinais de dor no sistema nervoso central (DERRY, 2015). Entre as doenças que causam dor crônica em gatos, a doença articular degenerativa é uma importante afecção ortopédica que acomete animais de todas as espécies, e o uso de AINEs é seguro e eficaz a longo prazo, atuando no controle da dor crônica nestes animais e melhorando seu bem-estar (GRUEN, 2019; SLINGERLAND, 2011). Este trabalho tem como objetivo esclarecer a respeito de informações sobre o uso prolongado de anti-inflamatórios não-esteroidais, seus efeitos colaterais e a importância do seu uso em alterações que culminam com dor crônica na espécie felina, além disso, abordar sobre o comportamento felino e seu impacto na clínica médica. 5 1 REVISÃO DE LITERATURA 1.1 DOR CRÔNICA E DOR AGUDA A dor é um estado psicológico que compreende três dimensões conhecidas, relacionadas a sensações físicas e experiências psicológicas, compondo elas: sensório-discriminativo, que são alterações quantificadas em animais através da intensidade, localização e duração da dor; afetivo-motivacional, caracterizado pelos aspectos emocionais e aversivos da dor e, por último; cognitivo-avaliativo, caracterizado pela avaliação da dor na qualidade de vida. Por dependerem de autorrelato, a exploração das duas últimas categorias em animais se torna limitada, sendo necessária a cooperação do tutor e a sua percepção com relação ao comportamento do animal (APKARIAN, 2005; MELZACK, 1975; PRICE, 1992). A dor pode ser classificada em aguda ou crônica, com critérios que as diferenciam de acordo com a duração e características de apresentação. A dor aguda possui curta duração e suas causas incluem lesão, doença aguda ou por procedimentos médicos. Já a dor crônica, pode persistir por um período prolongado e está associada a condições médicas subjacentes (MERSKEY; 1994; NICE; 2013; TREEDE, R.D., 2019). A dor aguda é uma forma de dor com curta duração, e está, geralmente, associada a uma condição aguda como uma resposta protetora do organismo. É caracterizada por início súbito, com intensidade de leve a intensa e com curto prazo, geralmente, desaparecendo quando a causa primária é tratada ou curada. Entre as condições e eventos que podem desencadear a dor aguda, podemos citar: lesões traumáticas, cirurgias, queimaduras, infecções agudas e inflamações (BONICA, 1990; MERSKEY, 1994). O tratamento da dor aguda consiste na utilização de fármacos que promovem analgesia, como os opióides ou antiinflamatórios não-esteroidais (AINEs), e técnicas utilizadas para o controle da dor, como aplicação de compressas (frias ou quentes), repouso e intervenções médicas específicas, dependendo da sua causa (CHOU, 2016). A dor crônica é uma condição em que a dor se apresenta por um período prolongado, podendo durar de duas semanas até meses ou anos. Diferente da dor aguda, a dor crônica é considerada uma condição própria do organismo por alguma alteração ou doença estabelecida, como osteoartrite, lesões do sistema nervoso 6 periférico, neoplasias, entre outras (GATCHEL, 2007). A identificação da dor crônica em animais pode ser desafiadora, e necessita da atenção do proprietário e do médico veterinário na apresentação da dor relacionada ao comportamento do animal. O manejo e tratamento adequado são essenciais para garantir o bem-estar e qualidade de vida dos animais, e isto pode envolver uma abordagem multimodal, através da utilização de medicamentos analgésicos, terapias físicas, modificação do ambiente, ajustes de dieta, com a terapia adequada a cada paciente e suas necessidades individuais (LASCELLES, 2008a; MATTHEWS, 2008; SLINGSBY, 2019). 1.2 O COMPORTAMENTO FELINO E A ABORDAGEM CAT FRIENDLY A compreensão do comportamento felino, por parte do profissional, é importante para promover bem-estar ao animal e estabelecer uma relação mais saudável com o gato, através da elaboração de abordagens práticas que causam menos estresse aos animais. O comportamento do gato é influenciado por fatores genéticos, ambientais, experiências ao longo da vida e suas interações sociais. Tendo em vista que, os gatos possuem boa memória a longo prazo, eventosmarcados por situações negativas, terão influência sobre as respostas emocionais do gato ao longo da sua vida (TAKAGI, 2016; SHREVE, 2015). Os gatos possuem comportamento de marcação de território, manifestado através da urina, arranhões e esfregamento das glândulas faciais, estimulando o olfato para indicar a delimitação de território e comunicação com outros gatos (BRADSHAW, 2014a). Além disso, os gatos são animais brincalhões e este comportamento é importante para o seu desenvolvimento físico e mental, podendo estar associado ao comportamento de caça. Como os gatos são animais predadores naturais, o comportamento de perseguir, capturar e matar presas está enraizado em seus instintos (BRADSHAW, 2014b; LAYHAUSEN, 1979). Embora sejam considerados animais solitários, os gatos podem exibir comportamento social, especialmente com outros gatos e humanos, e a vocalização, carinho e o ronronar são componentes importantes para a socialização dos gatos (TURNER, 2014). As informações a respeito da territorialidade, brincadeira, caça e comportamento social, auxiliam o profissional a promover um ambiente adequado para atender as necessidades do gato como espécie. No entanto, é importante observar e compreender o comportamento 7 individual de cada gato para melhor atendê-lo em suas necessidades específicas (MCCUNE, 1995). Através da compreensão do comportamento felino, foram desenvolvidas técnicas com o objetivo de melhorar a experiência e o bem-estar dos gatos em cuidados veterinários, através da minimização do estresse e promovendo uma abordagem compassiva e adaptada às necessidades felinas, chamada de “abordagem Cat Friendly” (‘amigável ao gato’, na tradução livre), criando um ambiente amigável e resultando em consultas positivas e eficazes para os gatos durante as visitas ao veterinário (TAYLOR, 2002). Com o intuito de fazer com que as técnicas de abordagem Cat Friendly recebam reconhecimento, a International Society of Feline Medicine (ISFM) e a American Association of Feline Practioners (AAFP) concedeu a certificação de Cat Friendly Practice®, que abrange as diretrizes específicas, desde a criação de um ambiente físico amigável até o treinamento da equipe veterinária em cuidados felinos (RODAN, 2011). As diretrizes da CFP incluem aspectos como o design do consultório para criar um ambiente calmo e tranquilo para os gatos, a criação de áreas individuais para atendimento dos gatos, técnicas de manejo suaves e uso de feromônios para reduzir o estresse (ESFM, 2013). Para a efetividade do programa é necessário que haja a colaboração da equipe veterinária e dos tutores para a aplicação das técnicas de manejo e abordagem do paciente felino. A CFP faz treinamentos especializados em cuidados de felinos, juntamente com a equipe médica e tutores de gatos, desde como o tutor deve enriquecer o ambiente e manejar com o felino em casa, até a manipulação pela equipe veterinária, reduzindo o estresse e melhorando o bem-estar do paciente (LUNA, 2018; WESTROPP, 2017). 1.3 CASCATA DA INFLAMAÇÃO A cascata da inflamação é uma série de eventos biológicos complexos que ocorrem em resposta a danos teciduais, infecção ou estresse celular. Essa resposta inflamatória é essencial para a defesa do organismo e a restauração da homeostase (AKIRA, 2006). 8 Na cascata da inflamação, inicialmente, o sistema imunológico reconhece o estímulo nocivo (dano tecidual) por meio de receptores específicos, e então há a liberação de mediadores inflamatórios, como as citocinas, quimiocinas e prostaglandinas (AKIRA, 2006; MEDZHITOV, 2007). Os mediadores inflamatórios levam à vasodilatação local e ao aumento da permeabilidade dos vasos sanguíneos, permitindo uma maior migração celular até o local da lesão (NATHAN, 2002). As células inflamatórias (neutrófilos, monócitos, eosinófilos, linfócitos, entre outras), migram até o local da inflamação por meio da quimiotaxia, onde realizam sua função de eliminar patógenos, remover tecido danificado e modular a resposta imunológica (MEDZHITOV, 2007). As células inflamatórias fagocitam patógenos, resíduos celulares ou outros detritos, removendo o estímulo inflamatório e os agentes nocivos, causando a resolução da inflamação e reparação tecidual (NATHAN, 2002; SERHAN, 2007). Na forma clássica, a inflamação aguda é caracterizada por cinco sinais principais, conhecidos como sinais cardinais da inflamação: dor, calor, rubor, edema e perda da função, resultantes das etapas da cascata inflamatória, havendo inicialmente a vasoconstrição nos capilares adjacentes a lesão, facilitando a adesão dos leucócitos na parede vascular. Em seguida, há a vasodilatação, resultando em um aumento do fluxo sanguíneo para o tecido afetado e havendo uma maior migração celular na tentativa do organismo de reparar o tecido lesionado (MEDZHITOV, 2008). 1.4 COX E LOX NA FISIOLOGIA As enzimas ciclooxigenase (COX) e lipoxigenase (LOX) desempenham papéis fundamentais na síntese de mediadores lipídicos que estão envolvidos na resposta inflamatória, os eicosanóides. A COX é responsável pela conversão do ácido araquidônico nos mediadores inflamatórios, as prostaglandinas e os tromboxanos, e a LOX, converte o ácido araquidônico em leucotrienos e lipoxinas (RADMARK, 2010). As prostaglandinas atuam localmente nos tecidos inflamados ou lesionados para sensibilizar os receptores da dor, aumentando a resposta dos neurônios sensoriais aos estímulos nocivos. Isso resulta em uma maior percepção e sensibilidade à dor (FERREIRA, 1993). As prostaglandinas podem atuar tanto a nível periférico como central para promover a sensibilização dos receptores da dor. Elas aumentam a 9 liberação de neurotransmissores excitatórios, como o glutamato, nos neurônios envolvidos na transmissão do sinal doloroso, amplificando assim a resposta dolorosa (JI, 2001). As prostaglandinas também atuam na fisiologia gástrica, sendo responsáveis pela proteção da mucosa gástrica, através da secreção de muco responsável por formar uma barreira protetora, além de regular o fluxo sanguíneo, modulação da secreção ácida e na regulação da motilidade intestinal (TAKEUCHI, 2012; WALLACE, 2008). Nos rins, as prostaglandinas atuam na regulação do fluxo sanguíneo renal, reabsorção de sódio (Na) e água (H2O) nos túbulos renais e a sua regulação no transporte de íons e na modulação da resposta inflamatória e imunológica nos rins, havendo efeitos protetores, que diminuem a inflamação e prevenindo danos aos tecidos renais (NÜSING, 2017). As prostaglandinas atuam na regulação do sistema cardiovascular, promovendo vasodilatação, regulação da pressão arterial, a resposta inflamatória e a modulação da agregação plaquetária, através da formação e inibição da formação de coágulos. Essas funções são cruciais para o equilíbrio hemodinâmico e a saúde cardiovascular (PATRONO, 2008; WANG, 2010). No sistema hepático, as prostaglandinas atuam regulando o fluxo sanguíneo hepático, promovendo vasodilatação e um aumento do fluxo sanguíneo no fígado, na resposta inflamatória, na secreção biliar, contribuindo para a digestão de gorduras e a eliminação de toxinas do organismo, e na modulação da função hepática em geral, incluindo síntese de de proteínas, metabolismo de substâncias e detoxificação de substâncias nocivas (KIM, 2009; SCHUSTER, 2005). A COX possui duas isoformas principais, sendo a COX-1, expressa constitutivamente em tecidos e desempenhando funções fisiológicas, como a manutenção da integridade gastrointestinal. Já a COX-2, é induzida em resposta a estímulos inflamatórios e está associada à produção aumentada de prostaglandinas durante a inflamação (SMITH, 2011). Os leucotrienos produzidos pela via da LOX, estão relacionados a processos inflamatórios, como atração de leucócitos, aumento da permeabilidade vascular e broncoconstrição. As lipoxinas, por outrolado, possuem propriedades anti- inflamatórias, e estão envolvidas na resolução da inflamação (FUNK, 2001). 10 Além das ações na resposta inflamatória, os eicosanóides desempenham funções fisiológicas no organismo dos animais. As prostaglandinas atuam na regulação cardiovascular, modulação da resposta imune, regulação da função renal e gastrointestinal, mediação da dor e na modulação da contração muscular (RICCIOTTI, 2011). Os leucotrienos atuam na regulação da função das células musculares lisas, no controle da permeabilidade vascular e na regulação da resposta alérgica (PETERS-GOLDEN, 2007). Os tromboxanos, além das funções de agregação plaquetária e vasoconstrição na resposta inflamatória, desempenham um papel fundamental na hemostasia e na regulação da função plaquetária (PATRONO, 2007). 1.5 ANTI-INFLAMATÓRIO NÃO-ESTEROIDAL Os anti-inflamatórios não-esteroidais (AINEs) são uma classe de medicamentos amplamente utilizados para alívio da dor e redução dos sinais de inflamação. Os AINEs atuam na inibição da enzima ciclooxigenase (COX), impedindo a conversão do ácido araquidônico em prostaglandinas, desta forma, reduzindo a inflamação, a dor e a febre associada a condições inflamatórias agudas e crônicas (VANE, 1998) Os AINEs possuem uma ampla gama de aplicações terapêuticas, incluindo o tratamento da dor aguda, como dores musculoesqueléticas e dor pós-operatória, controle de inflamações crônicas como artrite e doenças inflamatórias do intestino (RAINSFORD, 2007). Os AINEs têm a capacidade de promover analgesia através da inibição seletiva da COX-2, reduzindo a produção de prostaglandinas, que por sua vez, não irão sensibilizar os receptores da dor. Além disso, os AINEs também podem exercer efeitos moduladores na dor central, afetando a transmissão e processamento dos sinais de dor no sistema nervoso central. Esses efeitos podem contribuir para o alívio da dor crônica (MOORE, 2007; SAWYNOK, 2011). Apesar da ampla utilização dos AINEs e da sua eficácia no controle da dor e inflamação, o uso prolongado ou em doses inadequadas podem resultar em danos na mucosa gástrica, como úlceras e hemorragias, além de impactos na função renal e cardiovascular (WALLACE, 1997). 11 1.6 CONSEQUÊNCIAS DO USO PROLONGADO DE AINES O uso prolongado de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) pode estar associado a diversos efeitos colaterais, especialmente quando utilizados em doses elevadas ou por longos períodos, podendo causar danos a diferentes sistemas do organismo, como o gastrointestinal, cardiovascular, renal, hepático e alterações hematológicas (WALLACE, 1997). Os AINEs inibem a enzima COX, responsável pela produção de prostaglandinas que são importantes para a proteção da mucosa gastrointestinal, reduzindo as prostaglandinas gastroprotetoras e aumentando as prostaglandinas pró-inflamatórias, levando a ocorrência de úlceras e erosões gástricas, gastrite e inflamação intestinal, hemorragia gastrointestinal, e em casos graves, perfuração intestinal. Os sinais clínicos relacionados com o dano no sistema gastrointestinal por uso errôneo de AINEs, incluem: dor abdominal, náuseas, vômitos e diarreia (GOLDSTEIN, 2015; SCARPIGNATO, 2015). Ao inibir a COX e, consequentemente, as prostaglandinas, podem haver danos específicos a sistemas que as possuem como componente fisiológico. Nos rins, o uso de AINEs a longo prazo, poderá resultar em insuficiência renal aguda ou crônica, com redução da perfusão renal, diminuição da perfusão renal e disfunção tubular renal, afetando a reabsorção de água e eletrólitos e a secreção de substâncias pelo rim (PERAZELLA, 2010; WHELTON, 1999). No sistema hepático, a toxicidade dos AINEs se manifesta como hepatite, icterícia, aumento de enzimas hepáticas entre outros sinais de insuficiência hepática. O risco de hepatotoxicidade é maior em indivíduos com alterações hepáticas pré- existentes ou uso concomitante de outro medicamento hepatotóxico (PAULSEN, 2020). No sistema gastrointestinal, o uso prolongado de AINEs pode causar irritação e lesões na mucosa gástrica, resultando em gastrite, úlceras gástricas e em casos mais graves, perfuração intestinal. Os sinais clínicos relacionados com comprometimento gástrico por uso prolongado de AINEs incluem: vômitos, diarreia, perda de apetite, dor abdominal e melena/hematoquezia (LASCELLES, 2007; GOWAN 2012a). É importante ressaltar que os gatos possuem uma maior predisposição a sofrer com os efeitos colaterais gastrointestinais, devido a diferenças na metabolização hepática dos AINEs e na resposta das células da mucosa gástrica (GOWAN, 2012b). 12 Os efeitos colaterais associados a alterações hematológicas podem incluir, anemia, leucopenia e trombocitopenia. Essas condições resultarão nos sinais clínicos relacionados à fadiga, fraqueza, infecções e aumento do risco de hemorragias (RAINSFORD, 2007). 1.7 DOENÇA ARTICULAR DEGENERATIVA EM GATOS A doença articular degenerativa (DAD), caracterizada pela degeneração progressiva da cartilagem articular, inflamação e remodelação óssea nas articulações, afetando a cartilagem, osso subcondral, ligamentos e cápsula articular. A DAD é uma condição que acomete cães e gatos, que pode afetar a articulação do joelho, quadril, cotovelo e coluna vertebral (CLARKE, 2006). A DAD acomete as articulações sinoviais, causando espessamento sinovial e da cápsula articular, degeneração da cartilagem articular, esclerose do osso subcondral, formação de osteófitos periarticulares. Nas articulações cartilaginosas, a doença se apresenta como degeneração do disco intervertebral, estreitamento do espaço intervertebral e espondilose deformante. Entretanto, a DAD não acomete as articulações fibrosas (sinartroses) (MODIC, 2007; WIELAND, 2005). A doença articular degenerativa (DAD) em gatos pode ser classificada em DAD primária e DAD secundária. A DAD primária é uma condição idiopática, sem uma causa inicial aparente, enquanto a DAD secundária resulta de alguma condição predisponente, frequentemente trauma. A forma mais comum de DAD primária é a osteoartrite (OA), que está relacionada ao envelhecimento e ocorre principalmente em gatos mais velhos (HARDIE, 2002; CLARKE 2006). No caso das articulações sinoviais felinas, existem diversas causas reconhecidas e postuladas de degeneração articular, tanto primárias como secundárias. A DAD primária está associada a condições como osteocondrodisplasia de Scottish Fold, mucopolissacaridose (MPS) e degeneração da cartilagem relacionada à idade. Por outro lado, as causas secundárias postuladas de DAD em gatos incluem fatores congênitos, traumáticos, infecciosos, inflamatórios, nutricionais 13 e imunomediados. No entanto, é importante observar que há pouca evidência para muitas dessas causas secundárias (LASCELLES, 2008b; SLINGERLAND, 2011). O diagnóstico da doença articular degenerativa é feito com base no histórico e exame clínico, através da coleta de informações referentes à locomoção e comportamento do gato; a radiografia permite a visualização das alterações degenerativas nas articulações, com evidência da erosão óssea, esclerose subcondral, formação de osteófitos e estreitamento do espaço articular; além disso, pode-se utilizar de tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) para auxiliar no diagnóstico. A análise do líquido sinovial para identificar alterações inflamatórias e exames de sangue auxiliam na diferenciação e descarte de doenças metabólicas ou infecciosas (CLARKE, 2006; HARDIE, 2002; LASCELLES, 2008b; SLINGERLAND, 2011). O tratamento da DAD em gatos, incluem, manejo do peso, quando a doença está associada a obesidade, suplementos nutricionais, para o fortalecimento da saúde das cartilagens, uso de analgésicos e anti-inflamatórios, para o controle da dor crônica, associado a fisioterapia e exercícios físicos parao fortalecimento muscular e melhorar a mobilidade, além de fornecer um ambiente adequado como camas macias, eliminação de obstáculos e acessibilidade a locais, que ajudam a reduzir o estresse nas articulações (GRUEN, 2019; SLINGERLAND, 2011). 14 2 PARECER CRÍTICO Quando analisamos o artigo LONG-TERM USE OF NSAIDS IN CATS de forma crítica alguns pontos chamam atenção, como os efeitos no bem-estar dos felinos e como podem ser classificados, mas o principal é reconhecermos os sinais das dores. A Doença Articular Degenerativa pode ser encontrada em até 90% dos felinos domésticos, afetando quadril, tarso, ombro, cotovelo e coluna. Embora seja muito útil para o parecer da doença o exame radiográfico ainda é limitado, sendo assim necessitamos de informações adicionais como o histórico, exame físico, radiologia e testes terapêuticos. Quanto ao tratamento da DAD é importante que o animal faça exercícios e tenha um controle de peso. Para alcançarmos esse resultado é necessário que os tutores tenham o cuidado de fazer o enriquecimento ambiental, além do medicamento (AINE) que irá promover analgesia e garantir um bem-estar ao animal, resultando em melhorias em longo prazo. Outras doenças podem gerar desconforto, e demandam o uso prolongado de AINEs para a redução da dor e do desconforto, que são elas: neoplasias, trauma, complexo gengivite-estomatite, cistite idiopática, dermatose e uveíte. Os AINEs possuem benefícios terapêuticos associados a analgesia e ação anti- inflamatória, no entanto, sua ação pode inibir enzimas que produzem prostaglandinas que atuam em importantes processos fisiológicos no organismo, resultando em efeitos colaterais a longo prazo. Entretanto, deve-se ter cuidados na administração e dose destes fármacos, buscando sempre alternativas que não comprometam a sanidade do animal. Cada animal responde de forma diferente na metabolização de fármacos, portanto, devemos sempre tratar cada um de forma individual, levando em consideração suas particularidades, como a presença de doenças associadas e uso concomitante com outros fármacos. É importante sempre realizar o monitoramento dos animais em uso prolongado de AINEs, com atenção nos sistemas que são mais comumente afetados pelos efeitos colaterais, como sistema renal, hepático, gastrointestinal e a função plaquetária, adequando os protocolos a cada indivíduo e visando prever possíveis complicações. 15 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em conclusão, os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) são amplamente utilizados no controle da dor crônica em diferentes condições clínicas. Eles atuam inibindo a atividade das enzimas ciclooxigenase (COX), reduzindo assim a síntese de prostaglandinas, que são mediadores inflamatórios e contribuem para a sensibilização dos nociceptores. Os AINEs têm propriedades analgésicas, anti-inflamatórias e antipiréticas, o que os torna eficazes no alívio da dor crônica de origem inflamatória. No entanto, o uso prolongado de AINEs pode estar associado a efeitos colaterais significativos, principalmente no sistema gastrointestinal, como úlceras, sangramento e perfuração. Além disso, eles podem causar danos ao sistema renal, cardiovascular, hepático e hematológico. Portanto, é essencial avaliar cuidadosamente os riscos e benefícios do uso de AINEs em cada caso e monitorar de perto os animais em terapia com esses medicamentos. É importante ressaltar que, o uso de AINEs em gatos requer ainda mais precauções, pois eles têm diferenças metabólicas e fisiológicas em comparação com outras espécies. Os gatos têm maior sensibilidade aos efeitos adversos dos AINEs, especialmente em relação aos efeitos gastrointestinais e renais. Portanto, a escolha do AINE adequado, a posologia correta e a monitorização frequente são fundamentais para minimizar os riscos em gatos. Em suma, os AINEs podem ser uma opção valiosa no controle da dor crônica em animais, incluindo gatos, mas seu uso deve ser cuidadosamente avaliado e monitorado devido aos possíveis efeitos colaterais. O envolvimento do médico veterinário é essencial para estabelecer um plano de tratamento individualizado e seguro para cada paciente. 16 REFERÊNCIAS AKIRA, S.; UEMATSU, S.; TAKEUSHI, O.; Pathogen recognition and innate immunity. Cell; ed. 4; v. 124; p. 783-801, 2006. APKARIAN, A.V.; BUSHNELL, M.C.; TREEDE, R.D.; ZUBIETA, J.K.; Human brain mechanisms of pain perception and regulation in health and disease. Eur J Pain.; ed. 4; v. 9; p. 463-484; 2005. BONICA, J.J.; LOESER, J.D.; CHAPMAN, C.R. et al.; The Management of Pain. 2ª ed.; Philadelphia, PA.; Lea & Febinger; 1990. BRADSHAW, J.; CAMERON-BEAUMONT, C.; Play and exploration in cats. In: TURNER, D.C.; BATESON P.; The Domestic Cat: The Biology of Its Behaviour. 3ª ed.; Cambridge University Press; p. 155-177; 2014b. 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