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EIXO 3: ATIVOS EM SAÚDE MD342 MEDICINA UNICAMP I 3° SEMESTRE | PROF. JULIANA E PROF. RAFAEL A SAÚDE COMO ABERTURA AO RISCO O QUE É RISCO? Diante da exposição a algo e levando em conta o tipo e grau de exposição e outras variáveis, o conceito científico de risco considera a probabilidade de um evento ocorre, isto é, um dano e gravidade desse dano A RELAÇÃO ENTRE RISCOS E VALORES A percepção dos riscos por pessoas e grupos, incluindo comunidades científicas, pode variar muito em razão de valores e modos de viver. A relevância dos riscos e o valor de uma prática podem ser avaliados de diferentes maneiras, por diferentes sujeitos. Assim, a gravidade do dano é um cálculo que envolve valores, sendo que estes participam igualmente dos cálculos de probabilidade. VALORES BIOESTATÍSTICOS Os valores estatísticos tratam de médias relativas a populações e períodos, enquanto há variabilidade intragrupal (entre os indivíduos da população considerada) e variação (mudança) dos sujeitos considerados e dos contextos ambientais. A variabilidade amostral influencia as estimativas, por mais que se queira assegurar sua razoabilidade a partir de cálculos estatísticos que medem a significância estatística ou confiabilidade do resultado. A tentativa de quantificar o efeito associado a um fator isolado é sempre problemático, já que outras variáveis podem estar envolvidas na produção de tal efeito (além do fator de interesse) e o que chamamos de variáveis são fluxos e eventos que, retirados de um complexo, foram isolados pelo procedimento de abstração da investigação. Assim, o pesquisador, por estar influenciado por valores diversos, escolhe o que analisar com base no que produz maior visibilidade de certos efeitos e variáveis Basicamente: O risco corresponde à probabilidade de um determinado evento acontecer, analisando qual foi a exposição que levou a ele, bem como suas consequências. Porém, tal conceito de risco está sob a influência dos valores da sociedade. Quando se trata de valores estatísticos, por exemplo, eles se referem a médias realizadas em determinado período de tempo, porém, apesar de existir o ideal de que a estatística é “racional”, deve-se lembrar que também está sob influência da variação que se tem na amostra analisada, no contexto analisado e também as preferências do pesquisador, porque querendo ou não, ele que determinou o que está sendo analisado, ou seja, foi uma escolha arbitrária. COMUNICAÇÃO DO RISCO Entretanto, nada do que foi dito subtrai o valor do desenvolvimento de pesquisas epidemiológicas de risco. Apenas está sendo resssaltado que o problema é que os rastros das incertezas e escolhas (subjetivas) presentes na produção dos resultados são frequentemente apagados. Assim, como consequência desse apagamento, há a substancialização do risco e a transformação da probabilidade em certeza. Dois exemplos de substancialização do risco: - Conceito de micromorte: chance de morrer enquanto realiza determinada atividade (ex.: estudando, dirigindo, comendo um sanduíche). 1 micromorte representa 1 chance em 1 milhão de você morrer, então acumulando micromortes, suas chances de morrer vão aumentando. Porém, o conceito de micromorte não é muito bom para analisar o risco de morrer com base em coisas que você “não nota que são arriscadas”, como o risco de morrer por conta de coisas que você deixou de fazer no passado (“ah vou morrer de câncer porque não comi vegetais durante a vida”), por isso criou-se o conceito de microvida. - Conceito de microvida: refere-se a como o que você realiza hoje vai afetar como você viverá no futuro. Então é a probabilidade de que algo que você faz aumente ou diminua sua expectativa de vida em 30 minutos. A maioria das coisas que você faz pode ser quantificada em microvidas. Por exemplo, fumar 15 cigarros por dia corresponde a 10 microvidas por dia, o que significa retirar 5 horas diárias da sua expectativa de vida. Ser homem em vez de mulher causa 4 microvidas. Assistir TV, ser obeso, estar estudando pra essa matéria neste momento, tudo me causa perder microvidas. Entretanto, outras coisas podem aumentar suas microvidas. Por exemplo, comer frutas e vegetais te dão 4 microvidas, isto é, como se você ganhasse 2 microvidas horas diárias de expectativa de vida. Fazer exercícios físicos seria outro exemplo. Como consequência disso, há a formação de uma noção de saúde cada vez mais “persecutória” em um contexto em que nos governamos por uma noção de doença como espaço sempre ampliável. Nesse raciocínio, o hiperpreventivismo ou medicalização dos futuros tem efeitos latrogênicos, isto é, causam a emergência de uma latrogenia virtual decorrente da medicalização do risco. GIOVANNA NINA LX 1 EIXO 3: ATIVOS EM SAÚDE MD342 MEDICINA UNICAMP I 3° SEMESTRE | PROF. JULIANA E PROF. RAFAEL LATROGENIA VIRTUAL (CASTIEL) A latrogenia virtual corresponde aos danos causados pelo excesso de prevenção frente aos riscos, ou seja, correspondem aos efeitos colaterais diretos da medicalização do risco. Dessa forma, ocorre a virtualização do princípio de beneficência e do princípio de não maleficência. Em resumo, corresponde aos efeitos sociais, econômicos e políticos da “paranóia riscológica”. Basicamente: Como foi dito, o risco está sob influências de diversas variáveis, ou seja, a análise estatística não é tão racional e impessoal como se pensava, o que não tira o valor dela, mas apenas ressalta que devemos entendê-la como uma probabilidade suscetível ao erro e não uma certeza. Porém, estamos esquecendo dessa subjetividade e causando um quadro de substancialização do risco. Nesse sentido há os conceitos de micromorte e microvida. Então todo esse “foco” no risco, faz com as pessoas se preocupem muito com a prevenção frente ao risco (de maneira exagerada), criando uma situação de medicalização do risco e levando à latrogenia virtual, que nada mais é, do que essa paranóia do risco, em que há um excesso de prevenção. SAÚDE: PROBLEMÁTICO X ALTERNATIVO Saúde e normalidade são confundidas com o conceito de frequência. - Frequência é um conceito estatístico que serve de parâmetro para normalidade (“quanto mais frequente determinado quadro, passa a entendê-lo como normal”) - Normalidade é um parâmetro de sáude - Doença seria o desvio dessa normalidade, a exceção - Saúde seria ausência da doença Bem, se a doença é a falta de normalidade, as intervenções em saúde são para restabelecer a normalidade perdida (medicina curativa) ou para prevenção de atos e condutas que afastem os sujeitos e grupos da normalidade (mapeamento de riscos e prevenção). Porém, interveções em sáude podem extrapolar essa ideia de “cuidar”, apenas, e serem formas de “prescrever estilos de vida e gerenciar administrativamente as populações”. Entretanto, lembre-se que variações e desvios da “normalidade” podem sim ser considerados estados normais (pessoas saudáveis). Assim, sendo esse raciocínio todo algo problemático, criou-se um conceito alternativo de saúde: - Normalidade seria algo indissociável da singularidade dinâmica constituída pela relação entre ser vivo + meio em que vive e indissociável da inveção de modos de viver e da instituição de normas de vida, isto é, os valores entendidos como necessários para para viver bem. - Doença seria um sentimento de vida contrariada (aquilo que vai contra o conceito pessoal de cada um sobre o que é uma vida boa) - Saúde seria uma margem de segurança Basicamente: Antes entendia-se doença como o que está fora da normalidade, sendo esta apenas o que é visto como mais frequente, ou seja, um conceito muito simplista, já que pessoas saudáveis podem estar fora do que a sociedade entende como normal. Assim, há um conceito alternativo de saúde, em que esta se refere a estar dentro do que cada um considera como seu normal, levando em conta seus valores e a interação com o ambiente em que cada um está inserido. Nesse sentido, a doença seria estar fora do que você considera como normal com base nosseus próprios valores, ou seja, é uma interpretação que leva mais a subjetividade dos indivíduos. CONCEITO DE SAÚDE Dimensão constituinte da saúde: A vida é uma atividade normativa, ou seja, institui suas normas e cria modalidades de de respostas (dimensão vitalista-instituinte). - “Viver é, mesmo para uma ameba, preferir e excluir. Um tubo digestivo, órgãos sexuais são normas de um comportamento de um organismo” - “A espécie humana, inventando modos de vida, inventa, ao mesmo tempo, modos de ser fisiológicos” - “Não há fatalidade geográfica. É a escolha que decide tudo. Várias normas coletivas de vida são possíveis em determinado meio”. Dimensão ecológica da saúde: Essa normatividade que a vida institui exprime uma “negociação” com as demandas ambientais e mutáveis (dimensão ecológica). Assim, a vida é uma atividade de informação e assimilação. - “O ser vivo não vive entre leis, mas entre seres e acontecimentos que diversificam essas leis. O que sustenta o pássaro é o galho da árvore, e não as leis da elasticidade” - “Pelo fato de o ser vivo qualificado viver em meio de um mundo de objetos qualificados, ele vive no meio de um mundo de acidentes possíveis. É nisso que o meio é infiel. Sua infidelidade é exatamente seu devir, sua história” O que é estar saudável? Estar saudável é estar altura dos deveres resultantes do meio que lhe é próprio (dimensão ecológica). Na vida, podem haver flutuações e novos acontecimentos a todo tempo no meio em que estamos inseridos, assim, o coceito de saudável = normal não corresponde à rigidez de um fato coercitivo coletivo (conceito problemático de saúde) e sim a flexibilidade de uma norma que se GIOVANNA NINA LX 2 EIXO 3: ATIVOS EM SAÚDE MD342 MEDICINA UNICAMP I 3° SEMESTRE | PROF. JULIANA E PROF. RAFAEL transforma em sua relação com condições individuais (conceito alternativo de saúde). Assim, ser normativo em diversas situações é ser capaz de ultrapassar a norma que define o normal momentâneo ou tolerar infrações à norma habitual instituindo normas novas adequadas para situações novas. O que é estar doente? Estar doente é se sentir incapaz de realizar as tarefas que uma situação lhe impõe, isto é, a impossibilidade de responder às exigências do meio normal = incapacidade de ser normativo. Entretanto, estar doente não deixar ser uma experiência nova, permitindo a emergência de novas conexões e dinâmicas. Essa polaridade saudável-doente é dinâmica: - Não há normal e patológico em si, isso depende da situação específica analisada - Aquilo que é normal em uma situação pode ser patológico em outra - Curar de uma doença = produzir uma nova norma individual - Não há reversibilidade, mas sim inovações! Margem de segurança: Todo esse dinamismo introduz a ideia de “margem de segurança”, assim, ser saudável seria a ideia de poder ficar doente, mas se recuperar, ou seja, estar dentro da margem do que é saúde. - O guia regulador das possibilidades de ação não é a doença ou o risco, mas uma constante negociação com as margens, que não possuem a rigidez de um determinante, mas sim a flexibilidade de uma norma que se transforma em relação às condições individuais. Como medir se estou saudável ou doente? Entendo que estou saudável se estou sendo capaz de: - Me adaptar ao meio - Seguir as novas normas da vida que vão surgindo - Superar crises - Instaurar novas ordens Entendo que estou doente se estiver com o sentimento de: - Vida interrompida - Vida contrariada - Impotência Basicamente: A saúde institui normas e depende da nossa relação com o meio em que estamos inseridos, ou seja, possui dimensões constituinte e ecológica, respectivamente. Assim, estar saudável é ser capaz de atender as necessidades que o ambiente está constantemente exigindo de você, mas estar ao mesmo tempo flexível a entender que as normas mudam o tempo todo, que o que é normal agora pode não ser depois, não é algo fixo! Logo, uma pessoa saudável é a que se adapta ao meio o tempo todo, que supera as crises, instituindo novos conceitos do que seria o seu normal, isto é, a pessoa que está dentro da margem de segurança da saúde. Em contraponto, o doente seria incapaz de responder às necessidades do meio, então aquele que se sente impotente, com a vida estagnada, frustrado. PRÁTICAS DE CUIDADO NA ATENÇÃO À SAÚDE INDIVIDUAL Os polos saúde e doença não devem ser propriedade das ciências da saúde e de seus representantes, como se fossem réguas bioestatísticas. O horizonte normativo do cuidado corresponde àquele campo impreciso e elástico das normas de vida (normas e estratégias para “bem viver”) instituídas pelas pessoas em sua relação com seu meio de vida e na administração autônoma de sua margem de segurança. O cuidado deve ser adequado ao sujeito, a seu projeto existencial, e não o inverso. Cabe ao profissional de saúde deixar-se instruir pelo sujeito que demanda cuidados, localizando seu saber dentro do horizonte normativo definido por esse sujeito. Seu saber e seus recursos de cuidado devem ser mobilizados dentro desse horizonte normativo e levar em conta a biografia desse sujeito, seu modo de produzir respostas (como organismo vivo e como sujeito) às demandas da existência, seus recursos orgânicos ou vitais, psicológicos, materiais e sociais etc. Intervenções não devem ser definidas por “elementos externos” (saberes e instituições) aos atores a que elas se aplicam, mas ser objeto de co-instituição horizontal de suas finalidades e normas. Assim, o foco principal das intervenções deve ser não a “normalização das condutas”, mas o enfrentamento das iniquidades relacionadas a condições desfavoráveis de existência, estressantes ou insalubres. Portanto, deve-se evitar intromissões indesejáveis em condutas que os indivíduos tenham livremente escolhido”, respeitando ao máximo o princípio da “discrição nas relações sociais”. Basicamente: Como já foi visto, a saúde leva em conta a subjetividade dos indivíduos e o que cada um entende como seu normal baseado em seus próprios valores de vida. Assim, uma intervenção em saúde deve respeitar isso ao máximo! Logo, o cuidado deve ser baseado na biografia do paciente, não procurando normalizar o quadro, mas sim enfrentar as condições que estão causando o que está sendo entendido como “doença”. GIOVANNA NINA LX 3
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