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Medicina de Família e Comunidade 1 🪴 Medicina de Família e Comunidade Prevenção clínica das doenças cardiovasculares Como avaliar o risco cardiovascular global? Hipertensão arterial sistêmica Como diagnosticar a classificar a HAS? Métodos de aferição da PA Como avaliar o paciente hipertenso? Como prevenir e tratar a HAS? Medidas não farmacológicas Medidas farmacológicas Como escolher o agente anti-hipertensivo? Hipertensão resistente Situações especiais Efeitos adversos Diabetes Mellitus Diagnóstico Classificação Avaliação clínica Monitoramento Cuidado longitudinal Intervenções essenciais Tratamento da hiperglicemia no DM2 1ª etapa — MEV e Metformina 2ª etapa — MEV + Fármaco adicional Quando desintensificar? Complicações agudas — Prevenção e manejo Descompensação hiperglicêmica aguda Descompensação hipoglicêmica aguda Complicações crônicas — Prevenção e manejo Doença cardiovascular aterosclerótica Insuficiência cardíaca Doença renal Neuropatia diabética Pé diabético Tuberculose Quadro clínico Sintomas: Exame físico: Diagnóstico Baciloscopia TRM-TB Prova tuberculínica (PT) — Derivado proteico purificado (PPD) Ensaio de liberação de interferon-gama (IGRA) Diagnóstico radiológico Diagnóstico presumido de tuberculose pulmonar Tratamento Considerações gerais Medicina de Família e Comunidade 2 Prevenção clínica das doenças cardiovasculares Os fundamentos da prevenção cardiovascular são os elementos de um estilo de vida saudável: alimentação rica em alimentos cardioprotetores, atividade física regular, mantimento do peso corporal ideal e vivência em ambientes livres do tabaco. Mesmo com um maior controle dos fatores de risco, as doenças cardiovasculares (especialmente o IAM) ainda são causa importante de morte e incapacidade no país. A doença cardiovascular aterosclerótica é, proporcionalmente, a principal causa de mortalidade em países de alta renda e em alguns países de média renda, como o Brasil. Tratando-se de prevenção CV, podemos desenvolver ações em duas esferas: (1) populacional, a partir de intervenções direcionadas à promoção de saúde da população, e (2) individual, a partir do contexto clínico do indivíduo. Nesse momento, discutiremos a segunda esfera, visando a identificação de indivíduos de alto risco CV e possibilitando intervenção. Como avaliar o risco cardiovascular global? Risco cardiovascular global — Probabilidade de um indivíduo ter um evento vascular maior (IAM, AVC ou morte CV) ao longo de 10 anos. Mais importante do que reconhecer um indivíduo como hipertenso, dislipidêmico ou tabagista é caracterizá-lo em termos do seu risco cardiovascular global. A assertiva acima encontra respaldo em ECRs que demonstraram o benefício de intervenções farmacológicas e não farmacológicas em pacientes com alto risco cardiovascular, mesmo quando não havia indicação de tratamento com base nos alvos terapêuticos. Ou seja, o benefício do uso de estatinas Esquemas terapêuticos Encerramento de tratamento Efeitos colaterais Tuberculose resistente a múltiplos fármacos e extensivamente resistente Tuberculose em situações especiais Coinfecção com HIV/Aids Crianças Gestação Doença hepática Doença renal Diabetes mellitus Idosos Prevenção e controle Vacinação com BCG Tratamento de infecção latente Exame de contatos Dor miofascial e outras dores mecânicas Do ponto gatilho à síndrome dolorosa miofascial Modelo fisiopatológico Padrões de irradiação de pontos-gatilho Síndrome dolorosa miofascial Sensibilização central Avaliação clínica História Exame físico Medicina de Família e Comunidade 3 se estende mesmo a pacientes com o nível de colesterol normal, desde que o risco CV seja elevado; da mesma forma, pacientes com níveis pressóricos <130/80 mmHg e alto risco CV também podem se beneficiar de um tratamento anti-hipertensivo, posto que este reduziria as chances de eventos CVs. Quanto maior o risco, maior o potencial benefício de uma intervenção terapêutica ou preventiva. Indicadores de alto risco cardiovascular (33.1) Doença aterosclerótica clínica — Síndrome coronariana aguda, angina, AVC ou AIT, DAOP, revascularização miocárdica prévia, endarterectomia prévia Dislipidemia grave (CT >320 mg/dL ou C-LDL > 240 mg/dL ou relação CT/HDL >8) ou familiar Pacientes que apresentarem sinais e sintomas de doença aterosclerótica (angina ou claudicação intermitente), histórico de DCV estabelecida (como IAM, AVC ou AIT, doença vascular periférica ou DRC não dialítica) devem ser considerados de alto risco e receber intervenções de alta intensidade. Medicina de Família e Comunidade 4 Doença aneurismática de aorta ou doença vascular periférica Doença renal crônica, TFGe <60 mL/min/1,73²m ou albuminúria Fatores de risco agravantes Privação socioeconômica História familiar de IAM, morte súbita ou AVC em familiares de 1º grau (ocorridos antes dos 50 anos) História familiar de dislipidemia Menopausa precoce (<40 anos) ou história de pré-eclâmpsia Doenças inflamatórias crônicas — Tratamento de HIV/Aids, LES, psoríase e AR Uso de antipsicóticos, corticoides e imunossupressores crônicos Diagnóstico prévio de SOP Hipertrigliceridemia persistente primária (>175 mg/dL) Doenças mentais graves Medicina de Família e Comunidade 5 Risco de desfechos coronarianos duros (IAM, AVC ou morte CV) em 10 anos para homens e mulheres sem DM. Medicina de Família e Comunidade 6 💡 Pacientes com risco CV moderado e GJ entre 100-125 mg/dL podem se beneficiar de investigação adicional para DM, devendo-se realizar HbA1c ou TTG. Todavia, a DM em si não determina alto risco CV (o que se pode ver pela tabela destinada a pacientes diabéticos, que inclui a maior parte deles em categoria de baixo risco). Risco de desfechos coronarianos duros (IAM, AVC ou morte CV) em 10 anos para homens e mulheres com DM. Medicina de Família e Comunidade 7 Hipertensão arterial sistêmica A HAS é causa ou fator de risco dominante para grande parte das doenças cardiovasculares (como cardiopatia hipertensiva, isquêmica ou valvar), tendo como possíveis desfechos clínicos o IAM, a angina de peito, a IC, arritmias (destacando-se, dentre essas, a fibrilação atrial) e morte súbita. Também pode provocar doenças neurológicas, como AVEs (sejam eles isquêmicos ou hemorrágicos), déficits cognitivos e demências (incluindo-se, aqui, a doença de Alzheimer). Também contribui para doenças de grandes vasos, como dissecção e aneurisma de aorta, e doenças arteriais periféricas. A insuficiência renal crônica é outra grave consequência da elevação sustentada da PA, que também favorece a ocorrência de disfunção erétil e de maculopatia degenerativa da senilidade, além de uma longa lista de outras condições. O risco para o desenvolvimento dessas doenças é diretamente proporcional ao valor da PA usual do indivíduo. A HAS pode ser dividida em dois grupos: Hipertensão arterial essencial/primária — Desenvolve-se pela íntima interação entre fatores de predisposição genética e fatores ambientais, tais quais o elevado consumo de sódio, o excesso de adiposidade (principalmente na região da cintura, razão pela qual a mensura da circunferência abdominal é importante para a abordagem da obesidade), o consumo abusivo de bebidas alcoólicas, transtornos do sono e uso de anticoncepcionais hormonais. Hipertensão arterial secundária — Ocorre como consequência de uma outra patologia, como uma nefropatia parenquimatosa ou um tumor de suprarrenal. Como diagnosticar a classificar a HAS? O diagnóstico e a classificação da HAS, no âmbito da APS, é feito conforme as diretrizes da Sociedade de Cardiologia dos Estados Unidos. Medicina de Família e Comunidade 8 Systolic blood pressure intervention trial (SPRINT) → O alvo terapêutico dos tratamentos anti- hipertensivos é reduzir a PA a valores que sejam inferiores a 130/80 mmHg, uma vez que a sustentação desse nível pressórico reduz eventos/mortalidade CV, mortalidade total, mortalidade por qualquer causa, demência e déficits cognitivos. Todavia, deve-se ter em mente que obenefício absoluto da terapêutica (que, no âmbito da epidemiologia clínica, é traduzido pelo NNT) depende do risco basal dos pacientes, do nível pressórico que apresentavam antes da intervenção. A aferição da PA por uso de esfigmomanômetro convencional se baseia na ausculta dos sons gerados pelo início e pelo fim da turbulência do fluxo sanguíneo decorrente da compressão vascular pelo manguito — fases I e V dos sons de Korotkoff. A aferição da PA sistólica e diastólica deriva da medida da PA média, que se correlaciona diretamente à pressão intra-arterial. Métodos de aferição da PA Medidas repetidas no consultório Recomenda-se a aferição da PA em pelo menos três momentos, descartando-se a primeira mensura. Quando se obtiver uma PA limítrofe (próxima a 130/80 mmHg), recomenda-se repetir a aferição na próxima consulta para contornar a possibilidade de hipertensão do avental branco. Aferição automática no consultório Realizada por aparelhos programados para aferições repetidas, sem o acompanhamento presencial de profissionais da saúde no momento da aferição. Método capaz de diminuir/abolir o fenômeno da hipertensão do avental branco. Medição residencial da PA (MRPA) Abole o fenômeno da hipertensão do avental branco, provendo boa estimativa da PA usual durante o período de vigília. Medição ambulatorial da PA (MAPA) Padrão-ouro para aferição da PA. Afere a PA repetidas vezes, inclusive durante o sono. O parâmetro diagnóstico para a HAS depende da forma com que se obteve a aferição da PA. No ambiente de consultório, estipula-se como normal a PA <120/80 mmHg. Chamamos de hipertensão em estágio 1 quando os valores pressóricos são >130/80 mmHg (bastando que apenas um desses valores esteja alterado), e de estágio 2 quando são >140/90. Na MRPA, classifica-se como hipertenso o paciente que apresenta PA usual >130/80 mmHg. Na MAPA, o limiar diagnóstico depende do momento de aferição, ou seja, se realizado no ciclo de sono ou de vigília. Durante o sono, espera-se valores mais baixos de PA, de forma que se considera hipertenso o paciente que apresenta PA >110/65 (bastando que apenas um desses valores esteja alterado). Medicina de Família e Comunidade 9 Como avaliar o paciente hipertenso? Quais os fatores de risco presentes? História patológica familiar Obesidade Transtorno de uso/abuso de bebidas alcoólicas Transtornos do sono Uso de anticoncepcionais hormonais Fatores de risco CV associados O paciente apresenta história familiar de HAS? Se não, deve-se suspeitar de HAS secundária, principalmente se o indivíduo for jovem. O quadro coexiste com outra doença cardiovascular clínica? Insuficiência cardíaca Angina IAM prévio AVCs ou AITs prévios O que buscar no exame físico? Buscar sinais de hipertrofia miocárdica — Característica impulsiva do ictus cordis, presença de 4ª bulha e hiperfonese da 2ª bulha. Buscar sinais de estenose aórtica, valvulopatia mais comum — Pulso parvus-tardus (amortecido e prolongado) e sopro sistólico em formato de diamante (crescendo e decrescendo) em área aórtica. Detecção de HAS secundária a rins policísticos e obstrução de artérias renais — Palpação dos rins e ausculta de sopros na área renal. A combinação da medida da PA no consultório e fora dele permite diferenciar a normotensão da hipertensão mascarada e a hipertensão do jaleco branco da HAS de fato. Os protocolos europeus e estadunidenses convergem na recomendação de se aferir a PA fora do consultório médico. Medicina de Família e Comunidade 10 Busca de coarctação de aorta — Quando se detectar pulsos diminuídos em MMII (especialmente os femorais), deve-se realizar a aferição da PA nesses membros. Qual a rotina complementar mínima? EQU, creatinina sérica, potássio sérico, CT, GJ e ECG de repouso. Exame qualitativo de urina — O achado de proteinúria leve/moderada no sedimento urinário é, geralmente, secundário à repercussão da HAS sobre os rins. Todavia, a constatação de proteinúria acentuada (apontada pela relação PT/Cr > 2,0), leucocitúria e hematúria (excluídas outras causas) indicam hipertensão grave ou quadro secundário a nefropatia. K+ (Potássio sérico) — Quando anormalmente baixo, sugere o uso prévio de diuréticos. Quando excluída essa causa, deve-se investigar hiperaldosteronismo primário. Colesterol total Glicemia de jejum ECG de repouso — Demonstra possíveis repercussões miocárdicas do quadro hipertensivo, como sobrecarga de VE. Também serve à identificação da fibrilação atrial (FA), cardiopatia que é progressivamente mais frequente à medida em que envelhecemos e cuja detecção é fundamental, uma vez que o quadro pode requerer o uso de anticoagulantes para prevenir fenômenos embólicos sistêmicos (principalmente cerebrais). Quais exames complementares ajudam a avaliar a repercussão da HAS sobre órgãos-alvo? Ecocardiograma — Avalia precisamente o comprometimento cardíaco pela cardiopatia hipertensiva. aferindo as espessuras do septo e da parede posterior do VE. Exame de fundo de olho Quais os achados clínicos mais sugestivos de um quadro de HAS secundária? Antigamente, costumava-se investigar corriqueiramente casos de HAS secundária. Hoje, deve-se reservar essa investigação para os casos de alta suspeição, pois as condutas divergentes são muito limitadas. Anormalidade Suspeita clínica Ausência de história familiar de hipertensão ou resistência ao tratamento com >3 drogas, incluindo um diurético Qualquer tipo de hipertensão secundária Elevação da Cr, proteinúria acentuada (PT/Cr > 2,0) e hematúria Doença renal parenquimatosa Início súbito de HAS após os 55 anos, sopro abdominal, edema pulmonar súbito, alteração da função renal por medicamentos que bloqueiam o SRAA Doença renovascular Hipopotassemia moderada sem uso prévio de diuréticos / Hipopotassemia grave em uso de diuréticos Hiperaldosteronismo primário* Ronco, sonolência diurna, obesidade SAOP Pulsos femorais reduzidos/retardados, RX de Tórax anormal, PA mais baixa em MMII Coarctação de aorta Acentuada oscilação de PA, junto de rubor facial, sudorese e palpitações Feocromocitoma *O rastreamento do hiperaldosteronismo primário pode ser feito pela relação aldosterona/renina desproporcionalmente elevada Medicina de Família e Comunidade 11 Como prevenir e tratar a HAS? Medidas não farmacológicas Restrição do consumo de sódio (C/D) — Estudos experimentais/observacionais mostra que dietas hipossódicas não tem efeitos colaterais metabólicos e que contribuem para uma redução discreta da PA. Além disso, é a única medida não farmacológica capaz de reduzir a incidência de doenças CVs (B). Perda de peso (C/D) — É efetiva na redução da PA. Todavia, poucos pacientes sustentam o peso reduzido. Dieta DASH (B) — Rica em vegetais e laticínios, com poucas gorduras saturadas, mostrou-se eficaz na redução da PA e na prevenção da HAS, particularmente quando acompanhada de dieta hipossódica. Suplementação de K+ (C/D) Atividade física regular (C/D) — Apesar de estar associada a múltiplos benefícios para a saúde, tem efeito discreto sobre a PA e não tem eficácia na redução de eventos CVs. Substituição de MACO hormonais (C/D) Tratamento da SAOP com CPAP (B) — Tem discreto efeito anti-hipertensivo, mais relevante em pacientes com HAS resistente. Medidas farmacológicas A diretriz estadunidense preconiza o tratamento medicamentoso nas seguintes situações: PA >130/80 mmHg + Risco CV aumentado — Doença cardiovascular prévia ou risco de evento cardiovascular > 10% PA >130/80 mmHg, sem risco CV aumentado, refratários às medidas não farmacológicas após 6 meses PA > 140/90 mmHg 🚨 Sem qualquer fator de risco adicional, homens afrodescendentes atingem risco CV superior a 10% aos 60 anos. ❓ Devo tratar os pacientes com “pré-hipertensão”? Há sólidas evidências de que pacientes com valores de PAS entre 120 e 139 e PAD entre 80 e 89 mmHg (faixa anteriormente denominada de pré-hipertensão) rapidamente evoluem para níveis pressóricos >140/90 mmHg e já apresentam lesões em órgãos-alvo. Intervençõesmedicamentosas nessa faixa mostraram- se capazes de prevenir parte da incidência de HAS em curto prazo (C/D). Como escolher o agente anti-hipertensivo? A terapia medicamentosa da HAS é guiada pela busca da pressão alvo, sendo cabíveis praticamente todas as opções. Todavia, não se deve usar BB como primeira escolha em Medicina de Família e Comunidade 12 pacientes que não tenham indicação específica para seu uso (como é o caso de pacientes com cardiopatia isquêmica ou IC). Além disso, a combinação de IECA+BRA é deletéria e, por isso, contraindicada. Pacientes com HAS em estágio 2 (>140/90 mmHg) podem iniciar o tratamento com 2 fármacos. 💡 A quantificação de dose se orienta pelo efeito hipotensor, e não por níveis plasmáticos. Pacientes em tratamento medicamentoso devem ser reavaliados mensalmente, até que a PA se normalize. 🚨 Diversas metanálises demonstraram a menor eficácia de alguns grupos de anti-hipertensivos, especialmente os BRA. Apesar disso, a Losartana é um dos medicamentos mais prescritos no Brasil, dado que é distribuído pelo programa Farmácia Popular. O ensaio clínico PREVER- tratamento demonstrou a superioridade da associação Clortalidona+Amilorida em comparação com a losartana ao longo de 18 meses de seguimento (inclusive para pacientes diabéticos). Qual o fármaco de primeira escolha para tratamento da HAS? Clortalidona/HCTZ, a depender do que está disponível. Há evidências consistentes de que a Clortalidona seja superior à HCTZ, tanto em intensidade, quanto em duração dos efeitos terapêuticos. Possivelmente, uma dose aumentada de HCTZ (50 mg) reproduza os efeitos da Clortalidona. Um dos efeitos colaterais dos diuréticos é a hipopotassemia, que se associa com o aumento da glicemia. Por isso, podemos utilizar essas drogas em combinação com a Amilorida, diurético poupador de potássio. Quando iniciamos a medicação e a hipopotassemia se torna grave, devemos suspeitar de hiperaldesteronismo primário com quadro de HAS secundária. Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) Indicado para pacientes com cardiopatia isquêmica ou IC. Quando associados a diuréticos, poupam potássio. Enalapril, Captopril Betabloqueadores (BB) Indicado para pacientes com cardiopatia isquêmica, IC e FA. Os BBs impedem a taquicardia reflexa induzida por Anlodipino, se este for empregado no 3º passo. Metoprolol, propranolol, atenolol (deve ser evitado, pois não foi mais eficaz que placebo em idosos) Bloqueadores dos canais de cálcio (BCC) Promove vasodilatação e tem efeito semelhante ao da Clortalidona Anlodipino Medicina de Família e Comunidade 13 Bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA) Podem susbtituir os IECAs, se houver intolerância (sobretudo tosse). Losartana Risco de hipercalemia — Iniciar com doses baixas e aumentar junto ao monitoramento dos níveis de potássio Hipertensão resistente Pacientes que não obtém controle da PA mesmo em uso de 3 drogas de classes diferentes ou 4 medicamentos (sejam quais forem as classes) são considerados resistentes ao tratamento. Nesses casos, deve-se investigar a adesão ao tratamento e a possibilidade de hipertensão do avental branco. Quando não se aplicar à situação, temos uma HAS resistente verdadeira. A prevalência estimada é de 10-15%, mas estima-se que apenas 1/3 desses apresente o quadro de fato. Esses pacientes tem risco aproximadamente 40% maior de apresentar eventos CV do que aqueles que obtêm controle pressórico (mostrando que o valor da PA é determinante do risco). O manejo desse quadro deve ser feito na APS, exceto quando houver complicações clínicas relevantes. Em caso de HAS verdadeiramente resistente, preconiza-se o uso de espironolactona (C/D). Também pode se utilizar a hidralazina. Situações especiais Idosos O uso de medicações anti-hipertensivas reduz a mortalidade por qualquer causa (tratamento baseado em DT), a incidência de IC e a incidência combinada de déficit cognitivo leve e demência, sem grande impacto na incidência de quedas e fraturas. Por isso, o parâmetro diagnóstico e o alvo terapêutico em idosos deve ser igual ao de adultos jovens (130/80 mmHg). Pacientes com doença CV prévia IAM → IECA ou BB / IC → IECA ou BB / AVC → DT + IECA Portadores de DM2 Parâmetro diagnóstico de >130/80 mmHg. Meta terapêutica de <130/80 mmHg. Pacientes com insuficiência renal Parâmetro diagnóstico de >130/80 mmHg. Meta terapêutica de <130/80 mmHg. Crianças e adolescentes Iniciar o tratamento com medidas não farmacológicas e reavaliar em 6 meses. Se não houver controle, iniciar tratamento terapêutico em pacientes com HAS E1/E2 sem fator modificável (como a obesidade, por exemplo). Indica-se tratamento medicamentosos para HAS de qualquer estágio, se em comorbidade com DRC ou DM. Iniciar com monoterapia e em baixas doses. Prefere-se DT ou BCC em pacientes negros. Efeitos adversos Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) Tosse, hiperpotassemia, diminuição da função renal (em presença de estenose bilateral da artéria renal ou unilateral em rim único) Após prescrição, deve-se medir a Cr em 3-6 meses, pois podem deteriorar acentuadamente a função renal de pacientes com obstrução de artérias renais (pois a dilatação que provocam em arteríolas eferentes não pode ser compensada por aumento do fluxo sanguíneo renal). Assim como a Amilorida, diminuem a hipopotassemia. Betabloqueadores (BB) Exacerbação de DPOC/asma, distúrbios de condução atrioventricular e insuficiência circulatória periférica. Além disso, têm contraindicação relativa em pacientes diabéticos, pois podem mascarar os sinais da hipoglicemia e bloquear a glicogenólise. *Betabloqueadores seletivos produzem efeitos menos intensos sobre brônquios e circulação periférica. Medicina de Família e Comunidade 14 Bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA) Hiperpotassemia, diminuição da função renal (em presença de estenose bilateral da artéria renal ou unilateral em rim único) Após prescrição, deve-se medir a Cr em 3-6 meses, pois podem deteriorar acentuadamente a função renal de pacientes com obstrução de artérias renais (pois a dilatação que provocam em arteríolas eferentes não pode ser compensada por aumento do fluxo sanguíneo renal).H Diuréticos tiazídicos (DT) Acentuação de quadros de hiperuricemia e espoliação de potássio. Os níveis séricos de K+ devem ser aferidos após 3 a 6 meses do início do tratamento, uma vez que a hipopotassemia aumenta o risco de arritmias e é determinante de hiperglicemia. A Amilorida tem efeito poupador de potássio, assim como IECAs. Diabetes Mellitus De uma forma geral, o DM é definido pela presença sustentada de hiperglicemia, englobando tipos da doença que se diferenciam pelo defeito na secreção e/ou ação da insulina. O quadro determina alterações no metabolismo dos carboidratos, das proteínas e das gorduras. Com isso, pode complicar e evolui com vasculopatia, neuropatia, retinopatia e nefropatia, levando a uma aula morbimortalidade. Diagnóstico Sinais e sintomas Clássicos Poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso significativa inexplicada Menos específicos Fadiga, fraqueza e letargia, visão turva (ou melhora temporária da visão para perto), prurido vulvar ou citâneo Complicações crônicas Proteinúria, neuropatia diabética (cãibras, parestesias e/ou dor nos MMII, mononeuropatia de NC), retinopatia diabética, catarata, doença aterosclerótica (IAM, AVC, DVP) Quando testar? 1. IMC elevado (>25 kg/m²) e um dos seguintes fatores de risco: História familiar de DM (parentesco de 1º grau) História de doença cardiovascular (IAM, AVC/AIT, DVP) HAS ou uso de anti-hipertensivos em adultos Dislipidemia — Hipertrigliceridemia (>250 mg/dL) ou HDL baixo (<35 mg/dL) Obesidade grave Acantose nigricans SOP Sedentarismo 2. Exame prévio de hiperglicemia intermediária — HbA1c elevada, tolerância diminuída À glicose ou GJ alterada 3. História de diabetes gestacional 4. HIV Exames de glicemia empregados no diagnóstico da DM Glicemia casual Medicina de Famíliae Comunidade 15 Glicemia de jejum Teste de tolerância à glicose (com sobrecarga de 75g) — TTG Hemoglobina glicada (HbA1c) Quando o diagnóstico é positivo? Na ausência de hiperglicemia inequívoca (crise hiperglicêmica — glicemia casual >200 mg/dL), o diagnóstico requer duas mensuras alteradas na mesma amostra (em geral, GJ e HbA1c) ou em amostras diferentes (em geral, em outro dia). Considera-se alterado: GJ ≥126 mg/dL HbA1c ≥6,5 % 💡 Na vigência de uma infecção, trauma ou estresse circulatório, o achado de hiperglicemia é desconsiderado, pois muitas vezes decorre de um aumento transitório da resistência à insulina. Critérios diagnósticos do DM e de outros distúrbios hiperglicêmicos Distúrbio glicêmico Critério diagnóstico DM Glicemia casual >200 mg/dL; GJ ≥126 mg/dL; HbA1c ≥6,5 %; glicemia de 2h após sobrecarga de 75g de ≥200 mg/dL Tolerância à glicose diminuída Glicemia de 2h após sobrecarga de 75g ≥140 mg/dL e ≤200 mg/dL GJ alterada OMS — GJ ≥110 e ≤126 mg/dL; ADA — GJ ≥100 e ≤126 mg/dL HbA1c elevada IEC — HbA1c entre 6-6,4%; ADA — HbA1c entre 5,7-6,4% Classificação DM1 — Caracteriza-se pela destruição das células β-pancreáticas e pela deficiência absoluta de insulina. Costuma iniciar na infância (momento em que a destruição das células é mais rápida e com progressão mais intensa) ou no início da vida adulta (quando o processo é mais gradual), acometendo crianças e adolescentes tipicamente sem excesso de peso. Na maior parte das vezes, o quadro decorre de um processo de autoimunidade que é mediado por autoanticorpos circulantes, como anti-GAD, anti-ilhotas e anti-insulina. Há, contudo, um tipo mais raro de DM1, a DM1 idiopática. Nela, não há evidência de autoimunidade. Insulinoterapia previne cetoacidose, coma e morte. A hiperglicemia é acentuada, evoluindo rapidamente para cetoacidose. O quadro hiperglicêmico é, frequentemente, precipitado por infecção ou outra forma de estresse. Episódios de melhora ou de estabilidade metabólica são comuns, oriundos da secreção insulínica residual pelas células β-pancreáticas remanescentes. DM2 — É a forma mais comum de DM, delineando graus variados de disfunção das células β- pancreáticas e de resistência insulínica. Assim, a hiperglicemia se desenvolve lentamente e costuma permanecer assintomática por muitos anos, implicando em um diagnóstico tardio, muitas vezes já na presença de complicações. Pacientes com DM2 de longa duração podem evoluir para falha completa da função pancreática, exigindo insulinoterapia plena para o seu manejo. Relaciona-se ao excesso de peso. Medicina de Família e Comunidade 16 Com uma prevalência crescente de obesidade em todas as faixas etárias, observa-se aumento na incidência de DM2 em adultos jovens, crianças e adolescentes. Quando o quadro inicia em pacientes jovens (<40 anos), apresenta maior grau de gravidade e risco de complicações, devendo-se intervir intensivamente e controlar rigorosamente a glicemia. Na DM2, a insulinoterapia visa o controle glicêmico. A cetoacidose é rara e, quando presente, é precipitada por infecção, estresse intenso ou uso de I-SGLT2. Quando a evolução para insulinoterapia for muito rápida ou o paciente não apresentar excesso de peso, deve-se suspeitar de LADA (DM autoimune de progressão lenta/latente). 💡 Caso haja dúvida na diferenciação DM1/DM2 (situação comum no diagnóstico de crianças e adolescentes): solicitar níveis de anticorpos anti-GAD e avaliação da secreção pancreática de insulina por meio do peptídeo-C plasmático. A presença de autoanticorpos e de <0,9 ng/mL de peptídeo C são indicativos de um quadro de DM1. Há, também, algumas formas híbridas de DM: Diabetes mellitus autoimune de progressão lenta (LADA) — Esse tipo de DM é frequentemente confundido com o DM2, pois se desenvolve em adultos e tem progressão lenta. Todavia, se diferencia pela presença de autoanticorpos pancreáticos. O diagnóstico abrange três critérios: Presença de autoanticorpos Idade >35 anos no momento do diagnóstico Dispensabilidade da imunoterapia nos primeiros 6-12 meses após o diagnóstico DM2 com propensão à cetose — Forma menos comum de DM não imune e sem marcadores genéticos estabelecidos, mas que apresente suscetibilidade à cetose. Inicialmente, se manifesta em um quadro de cetose e deficiência grave de insulina; após um período, contudo, entra em remissão, não precisando mais de insulinoterapia crônica. A recorrência ocorre em até 90% dos pacientes em 10 anos. Também podemos utilizar a nominação DM não classificado como uma classificação transitória para pacientes jovens e obesos. 💡 O DM desencadeado pelo SARS-COV-2 pode ser classificado como DM induzido por infecção. Hiperglicemia detectada na gestação DM gestacional: estado de hiperglicemia menos importante que a DM, de modo que pode remitir após a gravidez. Todavia, associa-se a um maior risco para o desenvolvimento de DM2 ao longo da vida. Os critérios diagnósticos são: Glicemia de jejum 92-125 mg/dL Glicemia de 1h em TTG — Teste de tolerância à glicose (com sobrecarga de 75g) ≥180 mg/dL Glicemia de 2h em TTG — Teste de tolerância à glicose (com sobrecarga de 75g) 153-199 mg/dL Medicina de Família e Comunidade 17 DM manifestado na gestação: caracteriza-se por hiperglicemia sustentada, em níveis suficientes para diagnóstico de DM, cuja identificação se deu pela primeira vez ao longo da gestação. Ao contrário do DM gestacional, esses casos não remitem após o parto. Os critérios diagnósticos são os mesmos do DM fora da gestação. Glicemia casual ≥200 mg/dL Glicemia de jejum ≥126 mg/dL HbA1c ≥ 6,5% Glicemia de 2h após TTG (com sobrecarga de 75g) ≥ 200 mg/dL Avaliação clínica Enquanto uma doença complexa, o DM exige reavaliação periódicas. Por isso, a avaliação clínica inicial é de vital importância e reúne dados que permitem o acompanhamento multidimensional a longo prazo. Entrevista clínica Exames glicêmicos prévios Sintomas de diabetes Frequência, gravidade e causas de episódios de cetose e cetoacidose História ponderal, padrões alimentares e estado nutricional atual — Em crianças e adolescentes, avaliar crescimento e desenvolvimento Na medida do possível, evitar o uso de insulina e, em menor grau, de sulfonilureias em pacientes obesos, dada a propensão ao ganho de peso. História familiar Infecções prévias ou atuais (de pele, pés e TU) Medicamentos que alteram a glicemia — BBs, DTs e corticoides Complicações crônicas do diabetes Tratamentos prévios História de atividade física Fatores de risco para aterosclerose História obstétrica Problemas que podem afetar o manejo do DM Avaliação multidimensional Exame físico Peso e altura Desenvolvimento puberal em crianças e adolescentes PA Tireoide Coração Pulsos periféricos Pés — Monofilamento e diapasão Pele — Acantose nigricans Exames complementares GJ HbA2c CT, LDL, HDL, Triglicerídeos Cr sérica — Permite calcular a estimativa da TFG em adultos TSH (DM1) ECG EQU — Infecção urinária, proteinúria, corpos cetônicos, sedimento, microalbuminúria em amostra (DM2) Avaliação oftalmológica (DM2) Presença de complicações crônicas A presença de doença CV ou renal sinaliza a necessidade de se priorizar antidiabéticos que Medicina de Família e Comunidade 18 Tipo de DM Idade de início e duração da doença Grau de hiperglicemia Risco de hipoglicemia Presença de complicações Excesso de peso Fatores de risco CV Comprometimento psicológico Vulnerabilidade psicossocial efetivamente melhoram o prognóstico dessas condições, como os inibidores de SGLT2 (dapaglifozina) e os agonistas de GLP-1. A presença de complicações do DM, como a DRC, pode requerer intensificação do controle glicêmico, até mesmo com insulinoterapia. A presença de outras complicações e comorbidades (como demência, câncer, fragilidade, etc.) pode sinalizar a necessidade de se priorizar condutas terapêuticas adicionais e, muitas vezes, de se flexibilizar o alvo terapêutico. Monitoramento O controle glicêmicopode ser monitorado pela: 1. Glicemia capilar — Medida no jejum e no momento pré e pós-prandial, torna-se uma ferramenta útil à adaptação da terapêutica, principalmente da insulinoterapia. 2. HbA1c — Fornece parâmetros do controle glicêmico nos últimos 3 meses (embora o período mais recente possa pesar mais na medida). Deve ser medida no início do tratamento e, enquanto o controle estiver inadequado ou houver ajuste/troca de medicamentos, a cada 3 meses. Quando se atingir o alvo com um tratamento estabilizado, as medições podem ser semestrais. *Quando os resultados da HbA1c e das glicemias capilares não forem compatíveis, deve-se investigar cenários que influenciariam nessa medida, como hemólise, sangramento, anemia e hemoglobinas variantes. Alvos do controle glicêmico Esforço máximo deve ser direcionado aos pacientes com HbA1c >8,5%, pelo inquestionável melhor risco- benefício-custo e pela maior chance de se obter controle, uma vez oferecido o suporte adequado. HbA1c ≤7% Metas mais intensivas (~6,5%) podem ser tentadas para indivíduos (1) recém diagnosticados, (2) sob tratamento com MEVs ou metformina e (3) com longa expectativa de vida sem doença CV manifesta. De maneira semelhante, metas mais brandas (~8%) podem ser consideradas em pacientes com histórico de múltiplos episódios de hipoglicemia, início tardio do DM (aos 60-65 anos), doença micro/macrovascular avançada, ou quando houver dificuldade de manter bom controle glicêmico apesar do emprego de diversos hipoglicemiantes. Em idosos, um alvo de <7,5% é considerado razoável, podendo ser ainda mais flexível diante de situações complexas. Em crianças, as metas de controle glicêmico tendem a ser mais permissivas (<7,5%), pois deve-se considerar o risco de hipoglicemia, dado que, principalmente em crianças mais novas, a capacidade de reconhecimento e de automanejo é limitada. Glicemia capilar pré-prandial 80-130 mg/dL Esse parâmetro pode ser mais baixo (<110 mg/dL) se for possível alcançá-lo com segurança. Glicemia capilar pós-prandial (de 2 a 3h após a refeição) <180 mg/dL Esse parâmetro pode ser mais baixo (<140 mg/dL) se for possível alcançá-lo com segurança. Medicina de Família e Comunidade 19 Cuidado longitudinal O diabetes é uma doença complexa, pois, além de prevalente, acompanha os indivíduos adoecidos por muito tempo. Estima-se que 9% das mortes ocorridas no Brasil em 2013 sejam atribuídas à doença. As principais causas de morte entre pessoas portadoras de DM são: Doenças cardiovasculares (34%) Câncer (20%) Doenças renais, hepáticas, infecciosas, neurológicas e outras condições clínicas diretamente associadas ao estado sustentado de hiperglicemia (46%) A morbidade associada também é elevada, pois o quadro diabético incorre em complicações macrovasculares (como doença arterial coronariana, doença arterial periférica e doença cerebrovascular), microvasculares (como doença retiniana, renal e neurológica) e mistas (pé diabético e insuficiência cardíaca). A DM também implica em maior risco para o desenvolvimento de morbidades, como demência, apneia do sono, cirrose e infecções crônicas (inclusive HIV/Aids). Intervenções essenciais Educação e suporte para o autocuidado no momento do diagnóstico, nas reavaliações periódicas, na presença de uma necessidade específica ou quando houver mudança na equipe cuidadora. Deve-se educar de forma a propiciar: Entendimento da fisiopatologia da doença Compreensão das medidas necessárias para uma alimentação saudável e a regular prática de atividades físicas Competência para uso de medicamentos e automonitoramento Prevenção e detecção de complicações agudas e crônicas Manejo de situações psicológicas Educação e suporte para MEVs — Alimentação saudável, suporte nutricional, atividade física e cessação do tabagismo Alimentação saudável e suporte nutricional O típico prato brasileiro (composto de arroz, feijão, verduras, legumes e carne/peixe) é um exemplo de alimentação saudável. Dietas baseadas em plantas (mediterrânea ou vegetariana) também são modelos possíveis. Para a abordagem de uma alimentação saudável com o paciente, é importante ter em mente que a restrição absoluta de certos alimentos pode ser problemática. A maior parte dos pacientes diabéticos tem preferência por produtos doces, mas isso não significa que o uso exclusivo de adoçantes não calóricos seja uma boa conduta. O mais apropriado é permitir o consumo de pequenas quantidades de adoçantes calóricos (5% do valor energético diário de açúcar, aproximadamente 25 g) distribuídas nas três refeições principais. A restrição ao consumo de sódio é a mesma que a orientação para não diabéticos: não exceder 5,8 g de cloreto de sódio (2,3 g de sódio, aproximadamente). O objetivo é reduzir a PA e, por conseguinte, prevenir DCV e AVC. Nesse sentido, reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados e de carnes processadas já colabora para a redução do consumo de sódio. Medicina de Família e Comunidade 20 O consumo de álcool deve ser limitado para reduzir o risco de hipoglicemia/hipoglicemia tardia (especialmente para pacientes em insulinoterapia): Mulheres — 1 dose — 14 g de álcool Homens — 2 doses — 28 g de álcool Dietas low-carb são uma opção para pacientes que não conseguiram alcançar o alvo glicêmico. Todavia, são mais difíceis de serem seguidas e devem ser evitadas em gestantes, lactentes e pessoas com transtornos alimentares ou IRC. Devem ser implementadas cuidadosamente em indivíduos que utilizam inibidores de GLT2 (IS-GLT2), pelo risco de hipoglicemia. Atividade física O exercício físico (>150 min/semana) aumenta a captação de glicose pelo tecido muscular, colaborando para o controle glicêmico, podendo reduzir a HbA1c em 0,89%, em média, um nível que se compara ao de alguns antidiabéticos orais. Para pessoas sedentárias, a atividade física deve ser iniciada de forma gradual, com caminhadas rápidas (5-10 minutos) e em terreno plano. Gradualmente, aumenta-se a intensidade/duração do exercício, até alcançar 30-60 minutos diários, em 5-7 dias por semana. O importante é fazer exercício de forma regular (a cada 1 ou 2 dias) e atingir a meta de 150 minutos semanais em atividade. Pacientes assintomáticos não precisam fazer exames de rastreamento para DCV antes de iniciar a prática de exercícios físicos. Aqueles que apresentarem maior risco cardiovascular devem ser orientados a fazer um início gradual, começando com atividades de baixa intensidade e com duração curta. Orientações quanto ao risco de hipoglicemia — Para pacientes em uso de insulina ou secretagogos Reduzir a dose de insulina no período prévio ao exercício Ingerir um alimento calórico se, antes do exercício, a glicemia for <90 mg/dL Carregar consigo um alimento rico em carboidratos, a ser usado na ocorrência de evento hipoglicêmico Estar alerta para sinais de hipoglicemia durante e após o exercício físico (dado que, por melhorar a sensibilidade do organismo à insulina, a atividade física pode prolongar a hipoglicemia) Orientações para portadores de DCV Angina de esforço — É permitido todo o tipo de atividade. Entretanto, a FC deve permanecer (em todo o tempo) 10 bpm abaixo do nível que desencadeia o sintoma. Pós-IAM e pós-AVC — O exercício deve ser iniciado com atividades de baixa intensidade, avançando para atividades de intensidade moderada, preferencialmente em programa supervisionado. IC — Evitar atividades que provoquem aumento excessivo da FC. Medicina de Família e Comunidade 21 Claudicação intermitente — Recomenda-se a prática de caminhadas regulares e progressivas. Orientações para pacientes com complicações do DM Doença renal crônica — Não há restrição específica (embora o exercício físico aumente agudamente a excreção de albumina). Retinopatia proliferativa/não proliferativa grave — Contraindica-se o exercício vigoroso, em função do risco de hemorragia do vítreo e descolamento de retina. Deve-se evitar exercícios que envolvam: (1) movimentos bruscos de cabeça, (2) aumento da pressãointra-abdominal e (3) risco de traumatismo. Neuropatia diabética Periférica (perda de sensação dolorosa ou aumento do limiar da dor) — Esses pacientes apresentam maior risco de lesão de pele, infecção ou destruição articular de Charcot. Por isso, deve-se evitar corridas e priorizar caminhadas de intensidade moderada, utilizando calçado apropriado. Autonômica — Pode ser indicada investigação cardiológica Hipotensão postural → Evitar mudanças rápidas de posição Desidratação/superaquecimento → Ingestão adequada de líquidos Educação e suporte para a perda de peso — Para pacientes com IMC >27 kg/m², indica-se a perda de 5% da massa corporal. Essa meta pode ser maior para pacientes com IMC >30 kg/m² ou que apresentem complicações. Alguns casos podem requerer atenção especializada e cirurgia bariátrica. A educação alimentar pode se basear no método RASO: R — Reduzir o consumo de alimentos com alta densidade calórica (como frituras e doces) ou que sejam processados (refrigerantes, salgadinhos, salsicha e outras carnes) A — Aumentar o consumo de alimentos não processados e de menor valor calórico (como saladas, legumes, verduras, frutas e feijão) S — Substituir alimentos menos saudáveis O — Observar como se alimenta, priorizando o ato de comer vagarosamente, de maneira consciente e em acordo com o plano alimentar Detecção e suporte para superação de problemas psicossociais Detecção e manejo de complicações do diabetes e dos seus fatores de risco Complicações agudas do DM — Hiperglicemia e hipoglicemia Complicações crônicas do DM Doença cardiovascular aterosclerótica Insuficiência cardíaca (IC) Doença renal Neuropatia diabética Pé diabético Retinopatia diabética e outras alterações oculares Medicina de Família e Comunidade 22 Tratamento da hiperglicemia no DM2 Para evitar a inércia terapêutica, indica-se reavaliação a cada 3-6 meses, até alcançar a meta glicêmica estipulada e estabilidade no tratamento. Iniciar o tratamento com Metformina (na ausência de contraindicações) é a melhor opção para a maior parte dos pacientes. O escalonamento a partir disso depende de cada quadro. Medicação Prescrição Vantagens Desvantagens Drogas Metformina 1ª escolha no tratamento do DM2 Excelente perfil risco/benefício/custo. Contraindicada em pacientes com IR (TFG <30 mL/min/1,73 m²) Acarbose Pode substituir a Metformina, caso ela não seja tolerada Sulfonilureias Considerar após Metformina (1) Gliclazida apresenta menor risco para hipoglicemia (1) Evitar o uso em pacientes com sobrepeso/obesidade (por favorecer o ganho de peso), que apresentem história de hipoglicemia grave, ou que moram sozinhos/são vulneráveis (pessoas com risco de queda ou cujo trabalho envolve dirigir/operar máquinas); (2) Evitar Glibenclamida e clorpropamida, pois induzem hipoglicemia de longa duração Glibenclamida, gliclazida, glipizida, glimepirida e clorpropamida Pioglitazona Considerar após Metformina (1) Ganho de peso IDDP4 — Inibidores da dipeptidil- peptidase-4 Considerar após Metformina Neutro para ganho de peso Vildagliptina, sitagliptina e saxagliptina Glinidas Considerar após Metformina Ganho de peso Repaglinida e nateglinida I-SGLT2 — Inibidores do cotransportador sódio-glicose 2 Considerar após Metformina (1) Proteção cardiovascular e renal (empaglifozina e dapaglifozina); (2) Promove perda de peso (1) Alto custo; (2) A canaglifozina aumenta o risco de amputação na presença de DCV Empagliflozina, dapagliflozina e canaglifozina Medicina de Família e Comunidade 23 Medicação Prescrição Vantagens Desvantagens Drogas arGLP1 — Agonistas do receptor de peptídeo semelhante ao glucagon 1 Considerar após Metformina (1) Proteção cardiovascular e renal; (2) Promovem perda de peso; (3) Liraglutida protege contra amputação; (4) Baixo risco de hipoglicemia (1) Alto custo; (2) Injetáveis (geralmente); (3) Maior risco de pancreatite; (4) Exenatida está associada a CA de pâncreas e de tireoide; (4) Contraindicados em pacientes com IR (TFG <30 mL/min/1,73 m²), hipersensibilidade à medicação e cetoacidose Semaglutida, albiglutida, dulaglutida, exenatida, liraglutida e lixisenatida. Insulina NPH/basal Considerar após Metformina Bom perfil risco/benefício/custo (1) Risco de hipoglicemia (menor com análogos da insulina) e ganho de peso; (2) Injetável; (3) Evitar o uso em pacientes com sobrepeso/obesidade (por favorecer o ganho de peso), que apresentem história de hipoglicemia grave, ou que moram sozinhos/são vulneráveis (pessoas com risco de queda ou cujo trabalho envolve dirigir/operar máquinas); (4) Contraindicados em pacientes com IR (TFG <30 mL/min/1,73 m²) Insulina NPH/basal + Insulina de ação curta Indicada para DM2 de longa duração, especialmente na vigência de complicações que requerem intensificação do controle glicêmico (e, transitoriamente, na presença de infecções). Também é indicada em casos de LADA (DM autoimune de progressão lenta) (1) Injetável; (2) Evitar o uso em pacientes com sobrepeso/obesidade (por favorecer o ganho de peso), que apresentem história de hipoglicemia grave, ou que moram sozinhos/são vulneráveis (pessoas com risco de queda ou cujo trabalho envolve dirigir/operar máquinas) Medicina de Família e Comunidade 24 1ª etapa — MEV e Metformina O tratamento farmacológico para o DM inicia no momento do diagnóstico. A droga de escolha é a Metformina, pois reduz a HbA1c em 0,9%, tem efeito neutro ou até mesmo ajuda na redução do peso, não produz hipoglicemia e reduz mortalidade e incidência de eventos CV. Plano inicial Metformina 500 mg — 1 cp, 1 vez ao dia, após a refeição Dose máxima: 2000 mg — TID Exemplo: Aumentar dose até 1000 mg por dia ao longo de 7 dias e avaliar após 3 meses Medicina de Família e Comunidade 25 💡 Para evitar efeitos colaterais (distensão ou desconforto abdominal), deve-se fazer aumento gradual de dose, de 7 em 7 dias. Metformina 850 mg — 1/2 cp, 1 vez ao dia, após a refeição Dose máxima 2550 mg — TID 💡 Pacientes com sintomas importantes de descompensação (poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso) ou com hiperglicemia acentuada (>300 mg/dL ou HbA1c >10%) podem requerer insulina até a resolução desse quadro agudo. Depois, costumam se beneficiar do uso de hipoglicemiantes orais. 💡 Iniciar combinação de fármacos quando a HbA1c estiver 1,5-2% acima da meta de controle (<7%). 2ª etapa — MEV + Fármaco adicional O potencial para alcançar o alvo terapêutico, após a instituição da Metformina, não difere muito entre as opções disponíveis, que proporcionam redução de 0,5-0,9% na HbA1c. Sulfonilureias As sulfonilureias, medicações já bastante antigas, são uma boa opção pelo perfil risco/benefício/custo. O maior efeito colateral é a hipoglicemia, mas o risco de ocorrência é menor nas drogas de nova geração, como a Gliclazida. Se utilizadas em dose submáxima em pessoas sem risco evidente de hipoglicemia, são consideradas drogas seguras. As sulfoniluréias são fármacos que promovem a liberação de insulina pelas células beta pancreáticas, reduzem os níveis sanguíneos de glucagon e aumentam a ligação da insulina com os tecidos-alvo e os receptores. (OLIVEIRA, E. 2008). As sulfoniluréias agem principalmente nos receptores da membrana plasmática das células beta do pâncreas, sobre os canais de potássio sensíveis ao ATP, reduzindo a permeabilidade destas células ao potássio, causando a Medicina de Família e Comunidade 26 despolarização e a entrada de cálcio ionizado, resultando no aumento da secreção da insulina. Portanto, são eficazes somente se as células betas estiverem funcionantes. (OLIVEIRA, E. 2008). Com o passar do tempo, a eficiência das sulfoniluréias começa a declinar, caracterizando a falência secundária (FS), fenômeno relacionado à progressiva falência das células beta e não uma falha do medicamento. (OLIVEIRA, E. 2008). Insulina NPH/basal A insulina é o mais potente hipoglicemiante, de modo que a sua instituição pode ser uma oportunidade de interromper outros fármacos, evitando a polifarmácia.A insulina NPH, apesar do seu baixo custo e da ampla disponibilidade no SUS, é considerada em momentos mais tardios da doença, já que é injetável, produz ganho de peso e aumenta o risco de hipoglicemia. A exceção seria casos de DM <40 anos ou com o controle glicêmico muito acima da meta (1,5-2% ou mais acima da meta). Se houver hiperglicemia em jejum importante, pode-se inicial a insulina NPH bedtime para complementar o efeito de hipoglicemiantes orais. A dose inicial, em geral, é de 10 UI (ou 0,1-0,2 UI/kg). Entretanto, em caso de hiperglicemia severa com evidência de catabolismo, a dose pode se basear no parâmetro de 0,3-0,4 UI/kg. Após 1 semana… GL >130 mg/dL → Aumentar 1 a 2 UI (3 a 4, se >180 mg/dL) GL <70 mg/dL → Diminuir 2 a 4 UI 💡 Deve-se evitar doses de NPH excessivas. Suspeita-se dessa quando (1) a dose diária de NPH é >0,5 UI/kg; (2) há diferença >50 mg/dL entre a glicemia noturna e a matinal; (3) há evidência de hipoglicemia noturna (sintomática ou não); (4) há grande variabilidade na glicemia. A maior parte dos pacientes que inicia insulina NPH usa Metformina, e é boa prática mantê-la. Quanto ao uso combinado com outros antidiabéticos, recomenda-se: Interromper sulfonilureias e glinidas pelo risco de hipoglicemia Descontinuar a Pioglitazona (tiazolidinedionas) em pacientes de maior risco (IC, IAM prévio ou idade avançada) por aumentar o risco de edema e de IC Titular ISGLT2 e arGLP1 para evitar hipoglicemia Manter iDPP4 (desde que não seja usado em combinação com o arGLP1) Medicina de Família e Comunidade 27 Se a meta não for alcançada depois que transcorridos 3-6 meses do novo tratamento, pode ser necessária a implementação de insulina de ação rápida ou ultrarrápida. Esses esquemas promovem maior ganho de peso e maior risco de hipoglicemia, devendo ser manejados no serviço especializado. Medicina de Família e Comunidade 28 Medicina de Família e Comunidade 29 Medicina de Família e Comunidade 30 Medicina de Família e Comunidade 31 Quando desintensificar? Risco de hipoglicemia severa — Idade avançada, DR termina, hipoglicemia severa prévia, irregularidade alimentar e/ou de atividade física — Preferir fármacos que não produzam hipoglicemia ou flexibilizar alvo glicêmico Carga de doença elevada — Considerar flexibilização do alvo glicêmico Vulnerabilidade social Prioridade de outros manejos com potencial risco CV mais elevado, como é o caso do controle da PA Complicações agudas — Prevenção e manejo Descompensação hiperglicêmica aguda Cetoacidose diabética É uma emergência endocrinológica que decorre da deficiência absoluta ou relativa de insulina. Os índices de mortalidade se aproximam de 5%. É um cenário clínico mais frequente para pacientes com DM1, sendo, muitas vezes, a primeira manifestação da doença. Portadores de DM2 raramente desenvolvem cetoacidose, pois têm uma reserva pancreática funcional (isto é, células β-pancreáticas ainda funcionantes). Entretanto, o quadro pode se apresentar como uma intercorrência de outra situação clínica, como AVC, IAM ou infecções graves. Quadro clínico: Medicina de Família e Comunidade 32 Polidipsia Poliúria Enurese Hálito cetônico Fadiga Alterações do estado mental Visão turva Náuseas Dor abdominal Vômitos Desidratação Hiperventilação O quadro pode complicar e resultar em choque, distúrbio hidroeletrolítico, insuficiência renal, pneumonia de aspiração, SARA e, por fim, edema cerebral em crianças. Diagnóstico: Hiperglicemia (>250 mg/dL), cetonemia e acidose metabólica (pH <7,3 e bicarbonato <15 mEq/L). Avaliação diagnóstica: História: causa da descompensação Exame físico: PA, FC, FR, TA, avaliação do estado mental, estado de hidratação, hálito cetônico, exame da boca/garganta/ouvidos, AR, exame abdominal, gânglios linfáticos, pele, exame neurológico. Exames complementares: GC, cetonúria Em caso de sintomas ou sinais de infecção: EQU, RX de tórax, hemograma, etc. Fatores precipitantes: Infecção Má adesão ao esquema terapêutico — Omissão da aplicação de insulina, abuso alimentar Uso de medicamentos hiperglicemiantes Intercorrências graves — IAM, AVC ou trauma Indivíduos em mau controle da DM — hiperglicêmicos ou com glicemia instável — são particularmente suscetíveis a essa condição. 💡 O uso de ISGLT2 (como Empaglifozina, Dapaglifozina e Canaglifozina) pode levar à cetoacidose. O quadro, todavia, ocorre sem hiperglicemia, pois a medicação induz o organismo a utilizar os ácidos graxos como fonte de energia, desencadeando mudanças hormonais e metabólicas. Ocorre, portanto, em consequência de alterações inadequadas nas doses de insulina, ou de fatores que aumentem a demanda do hormônio (como estresse, doença ou ingestão de álcool). Pacientes em uso de ISGLT2 devem testar para cetonas quando não se sentirem bem ou apresentarem náuseas e vômitos, independentemente dos níveis glicêmicos. O tratamento consiste na interrupção temporária da medicação, na ingestão vigorosa de líquidos, no consumo de carboidratos (sem temor da hiperglicemia) e manter o uso da insulina até que ocorra a redução da cetose. Prevenção e manejo: Medicina de Família e Comunidade 33 O tratamento inicial pode ser feito pelo paciente ou um familiar, desde que estejam habituados com a automonitorização da glicemia/cetonúria e o autoajuste das doses de insulina. Orientações para o paciente: Medir a temperatura axilar — Em caso de febre, tomar 1 copo de água ou chá a cada 1-2 horas. Revisar a temperatura a cada 4 horas. Não interromper a insulina ou a medicação — Em caso de enjoo, ingerir alimentos de sua preferência. Medir glicemia (e cetonúria, no DM1) a cada 4 horas 2 últimas glicemias >250 mg/dL + 2 últimos testes de cetonúria positivos → PA Vômitos, dispneia ou sonolência excessiva → PA Conduta médica: Glicemia >250 mg/dL, sem cetonúria, com manifestações clínicas de descompensação: Administrar insulina regular (10% da dose total) e observar, reavaliando a cada 4 horas até estabilização. Administrar soro fisiológico 0,9% (IV), se disponível. Para pacientes portadores de DM2, avaliar necessidade de insulinização. Havendo piora do quadro, encaminhar ao serviço de emergência. Glicemia >250 mg/dL, com cetonúria, mas sem vômitos ou sinais de desidratação: Administrar insulina regular (20% da dose total) e observar, reavaliando a glicemia em 4 horas. Repetir a dose em caso de glicemia >250 mg/dL e avaliar depois de 4 horas. Sem melhora, encaminhar prontamente ao serviço de emergência. Administrar hidratação oral ou soro fisiológico 0,9% (IV), se disponível. Glicemia >250 mg/dL, com cetonúria e hálito cetônico, desidratação e vômitos: encaminhar ao serviço de emergência prontamente. Síndrome hiperosmolar hiperglicêmica não cetótica É um quadro de hiperglicemia grave (>600 mg/dL) acompanhada de desidratação e alteração do estado mental, sem cetose. Ocorre somente em pacientes portadores de DM2, pois o remanescente pancreático funcional (que ainda produz alguma quantidade de insulina) previne cetogênese. Os indivíduos de maior risco são: idosos, pacientes debilitados/institucionalizados, ou que tenham mecanismos de sede/acesso à água prejudicados. Encaminhar prontamente à emergência. Fatores precipitantes: Doenças agudas — IAM, AVC ou infecções (particularmente a pneumonia) Uso de glicocorticoides ou diuréticos Cirurgia Elevadas doses de glicose — Nutrição enteral ou parenteral, ou diálise peritoneal Descompensação hipoglicêmica aguda A hipoglicemia é uma complicação frequente, especialmente para pacientes que usam insulina e sulfonilureias (gliclazida, glibenclamida, clorpropamida, glipizida e glimepirida). Principais causas: suspensão da alimentação, atividade física não usual, dosagem excessiva de insulina e consumo de álcool. Quadro clínico — Tríade de Whipple Medicina de Família e Comunidade 34 1. Sintomas decorrentes da ativação simpática e da neuroglicopenia — Alterações comportamentais, confusão ou coma 2. Hipoglicemia 3. Resolução dos sintomasapós ingestão de glicose Classificação quanto a níveis de gravidade (ADA): Nível 1 54 a 69 mg/dL Nível 2 <54 mg/dL Nível 3 O paciente precisa de ajuda para manejar a hipoglicemia por incapacidade física ou mental Complicações crônicas — Prevenção e manejo A prevenção de complicações crônicas é um dos objetivos principais do tratamento do DM. No planejamento das ações de saúde, deve-se priorizar o controle de hiperglicemias com HbA1c >8%, uma vez que os ganhos preventivos são maiores a partir desse patamar. Medicina de Família e Comunidade 35 Doença cardiovascular aterosclerótica As doenças cardiovasculares são a principal causa de mortalidade em pessoas com diabetes. Mesmo assim, as estratégias de prevenção preconizadas são semelhantes às da população em geral. O rastreamento rotineiro da doença (com exames como o escore de cálcio coronariano, por exemplo) não é recomendado. Deve-se controlar cinco fatores: 1. Tabagismo — É o principal fator de risco para mortalidade. 2. HbA1c (<7%) Utilizar Metformina (redução da mortalidade cardiovascular e geral), arGLP1 e ISGLT2 (redução modesta de eventos cardiovasculares) Medicina de Família e Comunidade 36 💡 O benefício do controle glicêmico intensivo com outros fármacos, em termos absolutos, é consideravelmente menor do que o benefício obtido com anti-hipertensivos e estatinas. 3. PA (<130/80 mmHg; <140/90 mmHg, se originalmente >140/90 mmHg) 4. Colesterol LDL (≤70 mg/dL) A indicação para o uso de estatinas é baseada no risco CV global, e não no valor isolado de CT ou C- LDL. O AAS está indicado na prevenção secundária de pacientes com DM e DCV conhecida. 5. Albuminúria Insuficiência cardíaca A insuficiência cardíaca em portadores de DM é, geralmente, secundária a cardiopatia isquêmica e a HAS, apesar de a hiperglicemia sustentada poder contribuir para a sua fisiopatologia. Na maior parte dos casos, o quadro inicia com disfunção diastólica, que progride par insuficiência cardíaca diastólica grave com fração de ejeção preservada. Depois, em significativa parte dos casos evolui para disfunção sistólica e insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida. 💡 O controle glicêmico se associa a um menor risco de IC. Todavia, o controle rígido (HbA1c <7%) para pacientes com FE reduzida (moderada/grave) aumenta a taxa de mortalidade. Fatores de risco: Duração do DM (>6 anos) Idade avançada HAS Mau controle glicêmico Doença renal Doença arterial coronariana Obesidade Tratamento: FE reduzida (<50%)→ IECA e BB (particularmente o Carvedilol, por melhorar não só a FE, como também o controle glicêmico) FE preservada (>50%) → Diuréticos — Nesses casos, o objetivo do tratamento é a redução de sintomas, já que não há evidência de que a medicação reduza eventos clínicos (incluindo mortalidade). Sendo assim, os demais medicamentos são recomendados apenas quando houver indicações específicas, como o controle da HAS. 🗣 Na escolha do antidiabético, prioriza-se o uso de I-SGLT2, que são cardioprotetores e têm benefícios comprovados no tratamento da IC, mesmo para pacientes não diabéticos. Doença renal Cerca de 20 a 40% dos pacientes com DM desenvolvem algum grau de doença renal, sendo que 3% alcançam TFG <30 mL/min/1,73². Medicina de Família e Comunidade 37 Em geral, é chamada de nefropatia diabética, mesmo que a avaliação histológica nem sempre apresente achados clássicos dessa condição. Por isso, é importante considerar causas não diabéticas de doença renal crônica, quando observar-se: (1) ausência de retinopatia diabética, (2) TFG com rápido declínio, (3) aumento rápido da proteinúria ou síndrome nefrótica, (4) hipertensão refratária, (5) sedimento urinário ativo, (6) sinais e sintomas de outra doença sistêmica. Fatores de risco: Controle inadequado da glicemia HAS Dislipidemia Tabagismo Sedentarismo Duração do diabetes (>6 anos) O rastreamento e a detecção do adoecimento renal são importantes, pois, nos estágios iniciais, a progressão da nefropatia é evitável, por vezes até regressível. Estágios de risco foram definidos conforme a razão albumina/creatinina (RAC — Normal <30 mg/g) e a TFG (Normal >60 ml/min/1,73²m). https://www.sbn.org.br/profissional/utilidade s/calculadoras-nefrologicas/ ⚠ A excreção de albumina na urina é muito variável. Pode estar aumentada nas seguintes situações: (1) exercício físico intenso nas últimas 24h, (2) doença aguda febril, (3) hematúria e/ou leucocitúria, (4) contaminação com secreção vaginal, (5) descompensação diabética, (6) crise hipertensiva e (7) ICC. De forma contrária, pode estar reduzida mediante uso de AINEs e doses elevadas de IECAs. A presença de bacteriúria não interfere. Por isso, exames anormais de albuminúria requerem confirmação, com 2/3 resultados alterados, em 3 amostras colhidas, em intervalo de 3-6 meses. Para portadores da DM2, o rastreamento da doença renal crônica inicia no momento do diagnóstico. Para pessoas com DM1, 5 anos após o diagnóstico. Pessoas com exames normais são reavaliadas anualmente. Pessoas com exames anormais são reavaliadas semestralmente. Considera-se como doença renal crônica a presença de TFG <60 mL/min/1,73m² ou evidência de lesão na estrutura renal (ex: albuminúria) por 3 meses ou mais. Prognóstico: Calculadoras nefrológicas Estágios de risco https://www.sbn.org.br/profissional/utilidades/calculadoras-nefrologicas/ Medicina de Família e Comunidade 38 Na fase de proteinúria clínica, o maior preditor da deterioração da função renal é o grau de proteinúria. A taxa de perda da TFG é de aproximadamente 7-12 mL/min/1,73m² ao ano. Utilizando inibidores do SRAA, essa taxa de declínio diminui para 2-6 mL/min/1,73m². Devido à queda na mortalidade por DCV, o prognóstico de pacientes com DRC mudou completamente. Hoje, o risco de progressão para doença renal terminal é de 100%, com mortalidade devido à DRC de 50%. Além disso, o risco de eventos CV em pacientes com nefropatia diabética (TFG <60 mL/min/1,73m²) é 79% maior; o risco de mortalidade geral, por sua vez, 41% maior. Acompanhamento e manejo: O controle metabólico e anti-hipertensivo, bem como o uso de I-SGLT2 e alguns arGLP1, além de prevenir/retardar o surgimento da nefropatia, postergam a sua progressão. DM1 — O controle glicêmico intensivo (HbA1c <7%) reduz em 40% a progressão da nefropatia DM2 — O controle glicêmico intensivo (HbA1c <7%) não impacta significativamente a prevenção/progressão da nefropatia. Isso permite alvos glicêmicos mais flexíveis (HbA1c<8%) e foco em outros meios de proteção renal, como o controle da PA. 🗣 O controle da PA é uma estratégia efetiva para a prevenção ou para a desaceleração da progressão da doença renal crônica. Na presença de microalbuminúria persistente ou estágios mais avançados de nefropatia, recomenda-se alvo pressórico <130/80 mmHg e a utilização de fármacos nefroprotetores, como os IECAs e drogas que agem sobre o SRAA. Recomenda-se, pois, iniciar com um IECA, deixando o BRA para quando houver intolerância ao IECA. Os IECA são superiores aos BRA, pois reduzem a mortalidade geral e o risco de albuminúria em pacientes com HAS+DM. Encaminhamento: Suspeita de nefropatia por outras causas, inclusive estenose de artéria renal RAC >70 mg/g (a menos que tenha sido evidentemente causada por DM) RAC >30 mg/g + Hematúria TFG <30 mL/min/1,73m² Perda rápida de função renal HAS mal controlada apesar do uso de 4 medicações anti-hipertensivas Neuropatia diabética Não há evidências de que o diagnóstico precoce da neuropatia diabética possibilite intervenções que mudem a sua progressão, mas permite a prevenção de agravos. De uma forma geral, sabe-se que o controle glicêmico pode evitar a progressão da neuropatia em pessoas com DM2, podendo também melhorar sinais e sintomas da doença. Quadro clínico: dor (em queimação, profunda, exacerbada em repouso e localizada em região de ‘bota e luva’), parestesia (formigamento/formência), fraqueza muscular, insensibilidade periférica,tonturas Medicina de Família e Comunidade 39 posturais, diminuição/perda da percepção da hipoglicemia, diarreias, náuseas, vômitos, disfunção sexual e de esfíncteres. Alterações da nocicepção Hiperestesia — Sensibilidade elevada a estímulos cutâneos Hiperpatia — Persistência da dor após remoção do estímulo Hiperalgesia Alodinia — Dor com estímulos não dolorosos Polineuropatia distal simétrica (PNDS) É a forma mais comum de neuropatia diabética. Apresenta evolução lenta, simétrica e progressiva com perda de sensibilidade, dormência e, muitas vezes, parestesias e/ou dor. Inicia em MMII e, depois, atinge MMSS, podendo apresentar sintomas autonômicos. Em estágios avançados, há alto risco de ulceração em MMII. Considerar outras causas de neuropatia periférica: toxinas (por exemplo, álcool), medicamentos neurotóxicos (QTx), deficiência de vitamina B12, infecções, polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica. neuropatias hereditárias e vasculites. Neuropatia do plexo radicular Padrão de apresentação sensitivo-motor assimétrico, com início insidioso e quadro clínico de dor e atrofia muscular intensa na cintura pélvica, nas nádegas e coxas (podendo estar presentes sintomas autonômicos). Pode comprometer segmentos cervicobraquiais, torácicos, abdominais ou lombossacrais isoladamente ou de forma concomitante. Formas focais/multifocais assimétricas A mononeurite compressiva se desenvolve em razão de múltiplos microtraumas associados ao edema e à hiperglicemia. Tem início insidioso e se manifesta com dor e parestesia, podendo ter acometimento motor em locais específicos de compressão (como o nervo mediano do punho, o nervo ulnar do cotovelo, o nervo fibular e os nervos plantares). Pode haver, também, hipotrofia muscular. Os casos mais graves requerem intervenção cirúrgica. Neuropatia autonômica No sistema cardiovascular, manifesta-se por uma resposta anormal da FC a diferentes estímulos, como respiração profunda, mudança de posição e manobra de valsalva. Esse tipo de neuropatia aumenta o risco de hipoglicemia grave e de mortalidade cardiovascular, provavelmente em razão de arritmias/isquemias silenciosas. Deve-se suspeitar mediante hipotensão postural e/ou taquicardia de repouso. No trato gastrointestinal, são comuns alterações do hábito intestinal, mais tipicamente gastroparesia e enteropatia. No trato urinário, pode ocorrer bexiga neurogênica, caracterizada por retenção/incontinência/infecções urinárias de repetição. O diagnóstico se baseia na evidência de resíduo urinário após a micção espontânea. Suspeitar quando houver infecções urinárias de repetição, dilatação do sistema coletor renal ou perda de função renal. Há, ainda, outros tipos de neuropatia, como: (1) sudomotora, (2) pupilar e (3) com perda/deficiência na percepção da hipoglicemia. Tratamento: Há poucos estudos que comparam a eficácia dos fármacos entre si. Na ausência de resposta com um dos medicamentos, pode-se tentar outro da lista. Na resposta parcial, pode-se optar por combinações. Em geral, os ISRSN (como duloxetina e venlafaxina) apresentam os melhores resultados. As taxas de efeitos colaterais são altas (>60%), sendo os mais comuns: boca seca, tontura postural e fadiga. Deve-se evitar analgésicos opioides (como tramadol, oxicodona e tapentadol), pois o efeito é modesto e os parefeitos frequentes, incluindo risco de dependência. Medicina de Família e Comunidade 40 Pé diabético Responsável por 20% das internações de pessoas com diabetes e por grande parte (40-70%) das amputações não traumáticas de MMII. As deformidades dos pés (como dedos em garra e aumento do arco plantar), quando associadas à perda de sensibilidade (decorrente da neuropatia periférica) e à perda de mobilidade articular, levam a um aumento de pressão nas áreas de apoio e de proeminências ósseas, ocasionando dano tecidual. Pé isquêmico Claudicação intermitente e dor em repouso (que piora com o exercício ou com a elevação do membro). À inspeção, observa-se rubor postural do pé e palidez à elevação do MMII. Na palpação, apresenta-se frio, com ausência dos pulsos tibial posterior e pedioso dorsal. A presença de um dos pulsos sugere não haver insuficiência vascular importante, enquanto a presença de úlcera/necrose/gangrena caracteriza insuficiência vascular grave. Pé neuropático Alteração da sensibilidade dos MMII — como formigamento, sensação de queimação que Medicina de Família e Comunidade 41 melhor com o exercício ou perda de sensibilidade. Ao exame, pode apresentar temperatura elevada pelo aumento do fluxo sanguíneo, podendo ser difícil de diferenciar de um pé com infecção de tecidos moles. Pode-se observar, também, atrofia da musculatura interóssea, aumento do arco plantar, dedos em garra e áreas de aumento de pressão. http://www.as.saude.ms.gov.br/wp-content/uploads/2016/06/manual_do_pe_diabetico.pdf 🗣 A perda de sensibilidade protetora aferida pelo teste com monofilamento de 10 g é associada a maior risco de ulceração. O teste é realizado com 3 repetições, intercalando aplicações do monofilamento com aplicações falsas. Considera-se normal em um determinado ponto, quando o paciente afirma corretamente que sente 2/3 aplicações. Tuberculose Doença infecciosa causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, também conhecida como bacilo de Koch (BK). A transmissão ocorre pela dispersão de gotículas contaminadas na via aérea, bastando que um indivíduo com doença laríngea/pulmonar ativa tussa, espirre, ou fale. O BK tem tropismo preferencial pelas células pulmonares, mas a doença é múltipla a ponto de acometer vários tecidos. Manual do pé diabético. Ministério da Saúde. http://www.as.saude.ms.gov.br/wp-content/uploads/2016/06/manual_do_pe_diabetico.pdf Medicina de Família e Comunidade 42 É a principal causa de morte por agente infeccioso no mundo, superando até mesmo o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). A OMS estima que 1/4 da população mundial esteja infectada pela bactéria da tuberculose; estando, pois, sob o risco de desenvolver doença ativa. A prevalência de coinfecção entre TB e HIV é de 8,6%. No Brasil, em 2019, o coeficiente de incidência de TB foi de 35 casos a cada 100.000 habitantes. A proporção de doentes que completam e alcançam sucesso no tratamento é, ainda, inferior ao que se espera. Em 2016, apenas 74,6% dos novos casos notificados com confirmação laboratorial foram efetivamente tratados. A taxa de abandono é elevada, pois trata-se de um tratamento longo e cujas drogas podem causar ampla variedade de efeitos adversos. Todavia, a não adesão/má adesão ao esquema terapêutico contribui para o desenvolvimento de bacilos resistentes. A estimativa de TB- MDR/TB-RR (TB multidroga resistente/TB resistente a rifampicina) é de 0,9% entre novos casos e de 5,4% entre casos de retratamento. Conclui-se, pois, que o maior desafio para o controle da TB no Brasil é aumentar a adesão dos pacientes ao tratamento. Quadro clínico O risco de adoecimento em pessoas infectadas pela Mycobacterium tuberculosis depende de dois fatores: (1) a carga bacilar infectante (e, portanto, as condições em que ocorreu a transmissão) e (2) a capacidade de resposta imunológica do hospedeiro. Por isso, o adoecimento é mais comum em contatos próximos do caso índice, devendo-se fazer busca ativa para amplitude de diagnóstico e tratamento. O risco de adoecimento após a infecção inicial é maior em RN, idosos e pessoas que apresentam algum grau de imunodepressão (como é o caso de portadores de neoplasias sólidas de cabeça e pescoço/hematológicas, silicose, IRC/que realizam hemodiálise, fibrose pulmonar não tratada previamente, síndromes disabsortivas/baixo peso corporal, DM, entre outros). O tabagismo também é um importante fator de risco. Mesmo assim, o principal fator de predisposição para desenvolvimento do quadro é a coinfecção pelo HIV. Em média, apenas 10-15% dos indivíduos infectados desenvolvem a doença — 5% a forma primária (que costuma ocorrer nos primeiros 3 a 12 meses após o contágio) e os 10% restantesa forma latente da doença (IL-TB). Esses últimos permanecem assintomáticos e com bacilos viáveis latentes no organismo por longos períodos. A reativação dos focos latentes ocorre quando há alguma alteração na resposta imune local/sistêmica, originando o que chamamos de TB pós-primária. Ela também pode ocorrer, com menos frequência, em consequência de uma nova infecção (reinfecção exógena) Fatores de risco: Coinfecção pelo HIV Tabagismo Neoplasia sólida de cabeça/pescoço Neoplasia hematológica Silicose IRC ou realização de hemodiálise Fibrose pulmonar não tratada Síndromes disabsortivas e/ou baixo peso corporal DM Tipos de infecção: Infecção primária O adoecimento ocorre em um período de 3-12 meses após o contágio. É mais comum em idosos, RN e indivíduos imunocomprometidos. Medicina de Família e Comunidade 43 Infecção secundária ou pós-primária O adoecimento decorre da reativação de um foco latente de tuberculose. Ou seja, quando o indivíduo passa por uma perturbação da resposta imunológica local ou sistêmica, tem-se a proliferação dos BK e o desenvolvimento da doença. A TB pode se manifestar de diversas formas clínicas: pulmonar, extrapulmonar, pulmonar e extrapulmonar ou disseminada. Na maior parte das vezes, a evolução da doença é subaguda/crônica, de caráter consumptivo. Sintomas: Tosse crônica (>3 semanas) — Inicia seca e, ao longo de dias/semanas, torna-se produtiva Expectoração hemoptoica ou francamente hemorrágica (hemoptise) — Decorre da ruptura de focos parenquimatosos na árvore brônquica ou da lesão de vasos sanguíneos da mucosa brônquica Dor torácica* *Mais característicos da TB pulmonar � Outras causas comuns de tosse prolongada: DPOC, RGE, bronquite, sinusite, bronquiectasia, entre outras. Perda ponderal/Emagrecimento — O ganho ponderal após início do tratamento para a TB é parâmetro clínico indicativo de melhora Anorexia Adinamia Febre baixa (<38,5ºC) diária ou intermitente — Predominantemente vespertina, é seguida por sudorese noturna ao descenso da febre Dispneia* — O grau de desconforto respiratório sentido pelo paciente é proporcional à extensão das lesões pulmonares 📖 Nos pacientes imunossuprimidos, pode ocorrer a Síndrome de Reconstituição Imune, q uma intensa reação inflamatória decorrente da recuperação da resposta imunológica após instituição do tratamento para a doença de base, o HIV. Por isso, nas vezes em que diagnosticamos a TB e o HIV simultaneamente, opta-se por iniciar imediatamente o tratamento da TB. Indivíduos que apresentem tosse com duração prolongada (>3 semanas) são classificados como sintomáticos respiratórios (SR) e, por isso, são submetidos à coleta de escarro e à pesquisa por bacilos álcool-ácido-resistentes (BAAR), sendo necessária a realização de dois exames consecutivos para a confirmação diagnóstica em ambas as amostras. O TRM-TB, quando disponível, pode substituir a baciloscopia, sendo ainda mais sensível e específico para o diagnóstico de TB. Indivíduos portadores de TB que eliminam bacilos na expectoração são denominados bacilíferos, sendo responsáveis pela manutenção da cadeia de transmissão. Tuberculose extrapulmonar As manifestações clínicas da TB extrapulmonar podem surgir isoladamente, ou acompanhadas do quadro típico de TB pulmonar. Os sintomas gerais (como febre, emagrecimento, anorexia, anemia e adinamia) podem estar presentes, mas sintomas específicos dependem do sítio acometido. Medicina de Família e Comunidade 44 Formas disseminadas da doença, como é o caso da TB miliar, costumam ter evolução rápida ou agressiva, sendo mais frequentes nas PVHIV ou nos portadores de outras imunodeficiências graves. As lesões costumam ser paucibacilares, sendo pouco frequente a baciloscopia positiva (com exceção da TB ganglionar e de vias urinárias). A identificação de lesões granulomatosas com necrose caseosa em exame histopatológico de amostras de tecidos orgânicos tem forte correlação com a TB (principalmente mediante baciloscopia positiva). Todavia, ainda é indicado realizar a cultura de fragmentos. Linfadenite ganglionar Acomete linfonodos cervicais e supraclaviculares, manifestando-se com linfadenomegalia sem sinais flogísticos significativos (podendo haver fistulização). Doença de evolução lenta. É mais raro o acometimento de outras cadeias linfonodais, como axilar e inguinal. Indica-se a realização de punção aspirativa com agulha fina (PAAF) e baciloscopia. TB pleural/pericárdica A dor torácica é sintoma característico de acometimento pleural/pericárdico. Na TB pleural, além do acometimento pleurítico, o volume do derrame na cavidade é importante determinante na intensidade da dispneia. Na pericardite tuberculosa, além da dispneia, é comum que os pacientes apresentem dor/desconforto/sensação de pressão na região retroesternal. Indica-se a coleta de líquido da cavidade com fins diagnósticos (exame citológico, bacteriológico e histopatológico). Na TB pleural o líquido costuma ser um exsudato de coloração amarelo-citrino com elevado conteúdo de proteínas, lactato desidrogenase (LDH), aumento de atividade da adenosina-desaminase (ADA >40 UI/L), glicose normal ou ligeiramente diminuída e celularidade aumentada à custa de mononucleares/linfomonocitária. Na TB pericárdica, o exsudato tem propriedades semelhantes ao da TB pleural. A baciloscopia costuma ser negativa; a cultura, embora possa ser positiva, frequentemente se mostra negativa, de modo que o diagnóstico histopatológico é fundamental. TB osteoarticular — Espondilite tuberculosa Dor torácica de caráter compressivo, decorrente da lesão vertebral. Nesses casos, indica-se a realização de radiografia, TC ou mesmo RNM, uma vez que o achado de espondilodiscite em associação com abscesso paravertebral (abscesso frio) é fundamental para o diagnóstico. TB peritoneal O acúmulo de grande volume de líquido na cavidade abdominal pode resultar em dispneia, dada a limitação imposta à incursão diafragmática. Pode haver derrame pleural associado. Indica-se a coleta de líquido da cavidade com fins diagnósticos (exame citológico, bacteriológico e histopatológico). esse tipo de TB, o exsudato tem propriedades semelhantes ao da TB pleural. A baciloscopia costuma ser negativa; a cultura, embora possa ser positiva, frequentemente se mostra negativa, de modo que o diagnóstico histopatológico é fundamental. TB do trato digestivo Diarreia e emagrecimento. Indica-se a realização de US, TC ou RNM, pois a radiografia é pobremente descritiva. TB laríngea Tosse e disfonia. TB de vias urinárias/renal Disúria, piúria estéril e hematúria persistentes em pacientes cuja urocultura é negativa para os microrganismos habituais. Nesses casos, o diagnóstico é estabelecido pela cultura (com identificação bacilar) e demonstração de BK na urina (30-40% dos espécimes de urina são positivos), além de exames de imagem que ajudam a definir a extensão/gravidade da doença. A TB renal é uma importante causa tratável de IR progressiva. TB miliar Lesões esplênicas e hepáticas. A biópsia hepática transparietal (por agulha) tem maior sensibilidade na identificação dos bacilos do que o escarro. TB meningoencefálica Meningoencefalite de evolução lenta. A sintomatologia pode incluir sinais derivados de hipertensão intracraniana (HIC), bem como febre prolongada, cefaleia, vômitos e alteração dos pares cranianos, sintomas que evoluem de Medicina de Família e Comunidade 45 forma subaguda. Eventualmente, a presença de lesões parenquimatosas nodulares/pseudotumorais pode surtir efeito compressivo, gerando déficits motores. Indica-se a realização de TC ou RNM. Indica-se a coleta de líquido da cavidade com fins diagnósticos (exame citológico, bacteriológico e histopatológico). Nesse tipo de TB, o exsudato tem propriedades semelhantes ao da TB pleural (exceto a coloração, que nesse caso é ligeiramente turva, mas sem coloração amarelada). A baciloscopia costuma ser negativa; a cultura, embora possa ser positiva, frequentemente se mostra negativa, de modo que o diagnóstico
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