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CORPO UTERINO O corpo uterino é formado pelo miométrio e pelo endométrio, ambos derivados da fusão dos ductos müllerianos entre a oitava e a nona semanas pós-ovulatórias. O miométrio é constituído por músculo liso, contém os principais vasos e nervos do útero, mede 12 a 15 mm de espessura e é revestido externamente pelo peritônio visceral. A camada interna, o endométrio, formado por glândulas e estroma, descama parcialmente a cada ciclo menstrual e mede menos de 5 mm de espessura. Durante o período pré-puberal, a mucosa endometrial permanece inativa. No período reprodutivo, os dois terços superficiais do endométrio (parte funcional) respondem aos hormônios ovarianos e sofrem modificações durante o ciclo menstrual. Na fase proliferativa, o terço basal permanece constante e é a origem da proliferação de glândulas e do estroma. As glândulas dos terços superficiais são tubulares retas e revestidas por epitélio colunar, pseudoestratificado, com frequentes figuras de mitose, sem sinais de secreção ou vacuolização citoplasmática, permeadas por estroma também proliferado e mais denso. Ao final da fase proliferativa, a multiplicação celular reduz-se, e inicia- se, após a ovulação, a diferenciação das glândulas e do estroma, constituindo a fase secretora, mediada pela progesterona produzida no corpo lúteo ovariano. Esta fase dura 14 dias. O ciclo do endométrio é controlado pela liberação de estrógenos e progesterona pelos ovários. Os estrógenos também atuam nas células do estroma, induzindo-as a produzir fatores de crescimento. A progesterona, na segunda metade do ciclo, promove a diferenciação glandular e reduz a expressão dos receptores estrogênicos nas glândulas. PATOLOGIA DO CORPO UTERINO ENDOMETRIOSE Definida como a presença de glândulas e/ou estroma endometriais fora do útero, endometriose é afecção inflamatória crônica estrógeno-dependente que afeta cerca de 10% das mulheres em idade reprodutiva e de 35 a 50% das mulheres com história de dor pélvica e infertilidade. As sedes mais comuns são ovários, tubas uterinas, ligamentos uterinos, peritônio pélvico, fundo de saco e cicatriz de laparotomia. Menos comumente, acomete intestinos, colo uterino, vagina e vulva; raramente, atinge linfonodos pélvicos, bexiga, pulmões, mama, ossos e encéfalo. PATOGÊNESE A etiopatogênese da endometriose é complexa, multifatorial e não completamente esclarecida. A teoria da regurgitação, que é a mais antiga, baseia-se em fluxo de menstruação retrógrada através das tubas uterinas, o que levaria fragmentos de endométrio à cavidade peritoneal durante a menstruação. Uma expansão desta teoria propõe a implantação no peritônio não de fragmentos de endométrio, mas de células progenitoras endometriais epiteliais e de células totipotentes do estroma. Implantação de endométrio menstrual tem sido proposta também para explicar a endometriose em cicatrizes cirúrgicas e nas mucosas cervical ou vaginal traumatizadas. A teoria metaplásica pressupõe que a endometriose surge de metaplasia de células especializadas do mesotélio visceral ou parietal, provenientes do epitélio celômico A teoria da disseminação vascular ou linfática explicaria a endometriose presente em sítios distantes, como pulmões, encéfalo etc. Uma proposta recente acrescenta a teoria da diferenciação a partir de células totipotentes derivadas da medula óssea ou a partir de progenitores endoteliais, o que explicaria a ocorrência de endometriose em sítios não derivados de ductos müllerianos Ainda, tem-se a proposta de que possíveis resquícios dos ductos mullerianos permanecem em certos órgãos, onde realizam a diferenciação para o tecido endometrial Na endometriose, as glândulas e o estroma têm comportamento e respostas diferentes do endométrio normal frente aos estímulos hormonais. Outro fator que parece ter importância é a ativação da cascata inflamatória, com liberação de prostaglandinas, que estimulam a produção de estrógenos por células estromais, os quais aumentam a sobrevida e a persistência da endometriose e ainda determinam resistência à ação progesterônica MACROSCOPIA Macroscopicamente, a endometriose aparece como massas ou nódulos avermelhados, azulados ou acastanhados, geralmente associados a pequenos cistos contendo material achocolatado; muitas vezes, tais lesões resultam em aderências entre os órgãos afetados e estruturas adjacentes. OBS: Nesta última imagem, vê-se um ovário aumentado, liso e brilhante, com parede fina e hemorragia. É uma simulação de um tumor cístico. MICROSCOPIA Ao microscópio, glândulas endometriais, estroma e pigmento de hemossiderina são os elementos mais importantes no diagnóstico, reflexo de sangramentos periódicos em resposta a estímulos hormonais tanto intrínsecos quanto extrínsecos; quando dois deles estão presentes, o diagnóstico é confirmado. Nos ovários, podem se formar cistos volumosos e com conteúdo hemorrágico. OBS: Para se ter glândula e estroma, tem que haver preservação do órgão FATORES DE RISCO I: Dismenorreia II: Nulíparas III: Menarca antes dos 11 anos IV: Ciclos com menos de 27 dias V: Fluxo com volume aumentado VI: Dieta rica em gorduras VII: História familiar Aumenta de 8 a 11x as chances de desenvolvimento ASPECTOS CLÍNICOS Os aspectos clínicos dependem do local acometido; mais frequentemente, aparecem dismenorreia, dor pélvica, dispareunia, sangramento irregular e infertilidade (30 a 40% dos casos). Pode haver acometimento do reto e/ou da bexiga. OBS: Há condições necessárias à instalação da endometriose, como predisposição genética, dependência de estrógenos e resistência à progesterona, além de eventos associados a inflamação. OBS: A endometriose pode representar fator predisponente para o desenvolvimento de neoplasias. ADENOMIOSE Adenomiose caracteriza-se pelo encontro de endométrio na intimidade do miométrio, além de 2,5 mm de profundidade, mantendo continuidade com o endométrio. A lesão é frequente (15 a 30% das histerectomias), não tem causa conhecida e ocorre predominantemente na pré ou perimenopausa. Adenomiose manifesta-se habitualmente por menometrorragias (Sangramento durante e fora do período menstrual), desconforto menstrual, dor pélvica e dispareunia, principalmente durante o período pré- menstrual. MACROSCOPIA Ao exame macroscópico, o útero pode estar aumentado e a parede uterina é espessa, com miométrio submucoso exibindo aumento da fasciculação, focos de hemorragia e/ou pequenos cistos. MICROSCOPIA Ao microscópio, encontram-se glândulas e/ou estroma endometriais na intimidade do miométrio, que geralmente não respondem aos estímulos hormonais do ciclo menstrual, especialmente à progesterona. O encontro de estroma endometrial junto às glândulas, que possuem características de benignidade, ajuda a diferenciar a adenomiose do adenocarcinoma endometrial bem diferenciado, invasor OBS: A adenomiose não é uma neoplasia, já que as glândulas surgem no miométrio; não é uma infiltração destas neste local OBS: É possível pensar nesta lesão quando se faz um exame de ultrassom, já que a alteração de ecogenicidade do miométrio se torna igual à original do endométrio LEIOMIOMA O leiomioma é a neoplasia uterina benigna mais comum, estando presente em até 75% das mulheres acima de 30 anos, sendo mais comuns na raça negra; no entanto, pode surgir desde a adolescência até a menopausa. Sangramento que ocorre durante o período menstrual e fora dele PATOGENIA O crescimento do tumor é afetado pelos hormônios sexuais, pois suas células possuem receptores para estrógenos e progesterona. O tumor pode aumentar de tamanho durante terapia com estrógenos ou progesterona e durantea gravidez, quando sofre crescimento rápido e hemorragias, e tende a reduzir de volume após a menopausa. MACROSCOPIA Macroscopicamente, o leiomioma, único ou múltiplo, é nodular, bem delimitado, firme, fasciculado e brancacento. O tamanho varia de poucos milímetros até grandes massas, podendo atingir 15 kg de peso. De acordo com sua localização no miométrio, o leiomioma pode ser subseroso (1), submucoso (2) ou intramural (3) MICROSCOPIA Microscopicamente, a neoplasia é constituída por células musculares lisas dispostas em feixes entrecruzados, de aspecto homogêneo, sem atipias e com raras mitoses. O número de figuras de mitose (até 5 por 10 campos de grande aumento no leiomioma) é um dos critérios para o diagnóstico diferencial com liomiossarcoma bem diferenciado I ASPECTOS CLÍNICOS Em geral, os leiomiomas são assintomáticos, sendo seu diagnóstico feito por métodos de imagem (p. ex., ultrassonografia). As manifestações clínicas dependem do número de tumores, de sua localização no miométrio (submucoso, intramural e/ou subseroso) e do tamanho. Apenas uma minoria requer tratamento. Os sinais e sintomas mais comuns são sangramento uterino anormal, especialmente menorragia, dismenorreia e sensação de peso na pelve. Dependendo da localização e do volume, o tumor pode ser palpado. Como o aumento de volume pode comprimir estruturas vizinhas (p. ex., reto e bexiga), pode haver Sangramento uterino que ocorre fora do período menstrual constipação intestinal e incontinência urinária. Algumas vezes, o tumor pode perturbar a evolução de uma gravidez e ser causa de abortamento de repetição (romper e levar à hemorragia); quando no istmo, impede a dilatação do colo durante o parto, prejudicando a descida e a expulsão do feto OBS: Os submucosos podem romper os vasos presentes na cavidade uterina; os intramurais não costumam causar sintomas ALTERAÇÕES DEGENERATIVAS Geralmente, ocorrem por suprimento sanguíneo inadequado. Dentre elas, a hialina é a mais comum; e a rubra, vermelha ou carnosa é a mais comum da gravidez. Esta pode provocar dor, hipertermia e ruptura com abdome agudo A alteração sarcomatosa refere-se à transformação maligna, cujo crescimento é raro, rápido e pós menopausa HIPERPLASIA DO ENDOMÉTRIO Hiperplasias do endométrio representam 15% das afecções ginecológicas, constituindo uma das causas mais frequentes de consulta ao ginecologista. Hiperplasia endometrial ocorre predominantemente na perimenopausa, podendo, no entanto, acometer pacientes jovens ou após a menopausa. A lesão é definida como proliferação de glândulas endometriais de tamanhos e formas variadas, com aumento da relação estroma/glândula quando comparado ao endométrio proliferativo. O endométrio é muito sensível aos estrógenos e à progesterona. Os estrógenos estimulam a proliferação glandular, enquanto a progesterona tem efeito secretor. Por isso mesmo, as hiperplasias do endométrio resultam de estímulo estrogênico anormalmente elevado e prolongado, acompanhado de redução ou ausência de atividade progesterônica. As principais condições que levam a hiperestrogenismo e hiperplasia endometrial são ovários policísticos, inclusive a síndrome de SteinLeventhal, ciclos anovulatórios, tumores ovarianos funcionantes (p. ex., tumor de células da granulosa), hiperplasia do estroma cortical ovariano e administração prolongada de estrógenos (reposição hormonal) sem a contraposição de progesterona. Ainda, há inativação do gene supressor tumoral PTEN (20%), que leva ao estímulo à proliferação celular e à inibição da apoptose Permanecendo o estímulo estrogênico, a hiperplasia do endométrio evolui lenta e progressivamente para quadros histológicos cada vez mais atípicos, com potencial para progredir para Adenocarcinoma OBS: Como mulheres obesas convertem estrona em estrogênio, possuem maior risco de desenvolverem a hiperplasia endometrial MACROSCOPIA Macroscopicamente, o endométrio encontra-se difusamente espessado, às vezes com crescimento polipoide, às vezes contendo cistos MICROSCOPIA Microscopicamente, a hiperplasia é classificada em dois tipos: SEM ATIPIAS Autolimitada e com pouca relação com o câncer do endométrio. O endométrio mede em torno de 5 mm e mostra glândulas ramificadas e irregulares, com epitélio semelhante ao epitélio proliferativo normal. Entre as glândulas, existe estroma abundante Transformação cística é frequente, assim como a evolução para hipotrofia cística do endométrio COM ATIPIAS Considerada precursora do adeno- carcinoma endometrial (tipo endometrioide). O endométrio é mais espesso, podendo chegar a 1,0 cm e formar pólipos. As glândulas apresentam ramificações complexas, com tendência à justaposição (sem estroma entre elas), mostrando epitélio despolarizado e sem definição dos limites entre uma e outra; as células exibem núcleo vesiculoso, hipercromático e aumentado, com nucléolo evidente OBS: A dificuldade de ver o epitélio que reveste a glândula evidencia a sua dilatação ASPECTOS CLÍNICOS Pacientes com hiperplasia endometrial apresentam, tipicamente, sangramento uterino anormal durante o período reprodutivo ou após a menopausa; outras vezes, suspeita-se da lesão durante propedêutica para infertilidade. O diagnóstico deve ser confirmado por biópsia do endométrio ADENOCARCINOMA DO ENDOMÉTRIO O adenocarcinoma do endométrio é o sétimo tumor maligno mais frequente em mulheres, sendo a neoplasia invasiva do trato genital feminino mais comum A lesão manifesta-se na maioria dos casos entre 55 e 65 anos, sendo incomum antes de 40 anos. FATORES DE RISCO Os fatores de risco são semelhantes aos das hiperplasias endometriais e incluem terapia estrogênica sem contraposição de progesterona, ovários policísticos, tumores produtores de estrógenos, tamoxifeno, infertilidade, nuliparidade, ciclos menstruais irregulares, menarca precoce, menopausa tardia, obesidade, diabetes melito, hipertensão arterial e predisposição genética. OBS: O tamoxifeno é um modulador seletivo dos receptores de estrógeno, de forma a estimulá-lo em certos lugares e inibi-los em outros. No endométrio, ele os estimula, de forma a levar a sua proliferação e possível desenvolvimento adenocarcinomatoso TIPOS CARCINOMA ENDOMETRIAL TIPO I (ENDOMETRIOIDE) É o mais comum (70% dos casos) e se acha associado a fatores hormonais, em mulheres com exposição a estrógeno sem oposição com progesterona, e a hiperplasia de endométrio (carcinoma endometrioide) A maioria é bem diferenciada e as mutações no gene supressor de tumor PTEN é a alteração mais comum TIPO II: SEROSO OU CARCINOMA DE CÉLULAS CLARAS Não relacionado com fatores hormonais ou hiperplasia endometrial, que aparece em idade mais avançada e tem pior prognóstico. A maioria é pouco diferenciado e são comuns mutações nos genes TP53 ASPECTOS CLÍNICOS Os aspectos clínicos do adenocarcinoma do endométrio são inespecíficos e pouco característicos. Cerca de 90% das pacientes têm alguma forma de corrimento vaginal anormal; na pós-menopausa, 80% delas queixam-se de sangramento uterino. Pacientes com doença avançada podem relatar dor pélvica ou outros sintomas relacionados com a disseminação da neoplasia MACROSCOPIA O carcinoma endometrial apresenta- se como massa polipoide exofítica vegetante de tamanho variado, de superfície irregular e amarela. Ainda, é localizado em toda a cavidade uterina e infiltra em sua parede; a lesão é frequentemente friável e contém áreas de necrose. MICROSCOPIA Microscopicamente, vê-se proliferação de glândulas justapostas atípicas com figuras de mitose, com invasão do estroma adjacente e com possível infiltração no miométrio O carcinoma tipo I ou endometrioidereproduz estruturas do endométrio normal, sendo classificado em grau 1 (bem diferenciado, menos agressivo, com padrão glandular predominante e menos de 5% de arranjos celulares sólidos), grau 2 (moderadamente diferenciado, com menos de 50% de áreas sólidas) e grau 3 (pouco diferenciado, com padrão de crescimento predominantemente sólido – mais de 50% do componente sólido) OBS: Existe, também, a classificação de acordo com o grau nuclear (alterações citológicas/atipias nucleares), menos importante do que o grau arquitetural. Porém, se houver presença marcante de atipia, o grau arquitetural do carcinoma aumenta EXPANSÃO TUMORAL O tumor progride com invasão direta do miométrio e, por con-tiguidade, atinge estruturas periuterinas; por via linfática, acomete linfonodos inguinais, pélvicos e para-aórticos. Tardiamente, pode disseminar-se por via hematogênica, causando metástases em pulmões, peritônio, ovários, fígado, intestinos, vagina e bexiga