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Comparação entre a Literatura brasileira e africana

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Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094
F722l Forli, Cristina Arena.
 Literaturas africanas em língua portuguesa / Cristina 
 Arena Forli, Gustavo Henrique Rückert ; revisão técnica:
 Gabriela Semensato Ferreira. – Porto Alegre : SAGAH,
 2017. 
 132 p. : il. ; 22,5 cm.
 ISBN 978-85-9502-106-8
 1. Literatura africana – Língua portuguesa. 2. Qualidade 
 ambiental. I. Rückert, Gustavo Henrique. II. Título. 
CDU 821.134.3(6)
Revisão técnica:
Gabriela Semensato Ferreira
Mestra em Letras com ênfase em Literatura Comparada (UFRGS)
Graduada em Licenciatura em Letras (UFRGS)
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_Iniciais_Impressa.indd 2 03/07/2017 14:41:17
Comparação entre 
literatura brasileira 
e africana
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados.
 n Reconhecer a importância da intertextualidade na constituição dos 
textos literários.
 n Identi� car as relações intertextuais entre obras literárias africanas e 
brasileiras.
 n Avaliar os sistemas literários enquanto laços comunitários transnacionais.
Introdução
Você sabia que autores brasileiros como Jorge Amado, Guimarães Rosa 
e Manuel Bandeira foram indispensáveis para o desenvolvimento das 
literaturas africanas em língua portuguesa? Embora ainda não tenham o 
devido reconhecimento em nosso país, essas literaturas têm muito mais a 
ver conosco do que imaginamos. Neste texto, você vai estudar um pouco 
mais sobre as relações entre a literatura brasileira e as literaturas africanas.
Diálogos para além do Atlântico
Você já parou para pensar como é feito um texto literário? Os românticos 
defenderam que é a partir da expressão da subjetividade de seu autor. O texto 
seria, assim, produto de uma individualidade. No entanto, a literatura compa-
rada nos mostrou que, diferentemente da perspectiva romântica, um texto é 
sempre formado por várias vozes. Para a teórica Julia Kristeva (1974, p. 74), 
U N I D A D E 3 
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06.indd 91 29/06/2017 18:15:52
“[...] todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e 
transformação de um outro texto.”. Concluímos assim que a criação de uma 
obra literária se faz sempre pela utilização de outras obras literárias como 
referência, seja para a manutenção ou para a ruptura de características.
O diálogo explícito ou implícito de uma obra literária com outras, formando uma 
comunidade textual, foi definido por Kristeva (1974) com o conceito de “intertextuali-
dade”. Tania Franco Carvalhal (2001, p. 54), por sua vez, explicou que sempre que isso 
ocorre, “[...] a repetição sacode a poeira do texto anterior, atualiza-o, renova-o (e por 
que não dizê-lo?) o re-inventa.”. 
Nesse sentido, você já se perguntou que textos foram utilizados como referência 
para a constituição das literaturas africanas? Devido ao fato de essas literaturas 
configurarem importantes passos rumo à independência (não só política, como 
cultural) desses países, colonizados por Portugal, a literatura portuguesa deixou 
de ser seu grande norte referencial. Ao elencar suas leituras fundamentais, então, 
os escritores africanos de língua portuguesa passaram a observar o Brasil como 
possibilidade de diálogo mais que possível, indispensável. Em meados do século 
XX, a literatura brasileira já havia passado pela ruptura conceitual proposta 
pelos modernistas de 1922, pela perspectiva marxista do romance de 30 e pela 
solução linguística que Guimarães Rosa apresentou ao problema da distância 
entre a linguagem literária e a linguagem cotidiana do país. Os escritores afri-
canos perceberam então que os diálogos entre África e Brasil, que remontam ao 
tráfico escravista do período colonial, renderiam no seu presente importantes 
frutos para a independência cultural de países como Angola, Moçambique, Cabo 
Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Nas próximas seções iremos abordar 
alguns pontos decisivos desse diálogo literário transatlântico. 
O romance de 30 – uma perspectiva crítica da 
sociedade
A partir do fi nal da década de 1920, iniciou no Brasil um dos mais importantes 
movimentos de regionalização da literatura: o neorrealismo, ou romance de 30, 
Literaturas africanas em língua portuguesa92
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06.indd 92 29/06/2017 18:15:52
como fi cou mais conhecido no país. Escritores como Jorge Amado, Graciliano 
Ramos, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego e Erico Verissimo procuraram 
evidenciar as condições de trabalho no interior do país. Para isso, optaram 
frequentemente por narrativas lineares, narradores em terceira pessoa e 
linguagem objetiva. A partir dessa estrutura, puderam evidenciar as relações 
entre a propriedade privada das terras e a exploração da mão de obra dos 
trabalhadores. É importante mencionar que a sociologia brasileira produzia 
à época algumas de suas mais basilares obras, como Casa grande & senzala 
(1933), de Gilberto Freyre, e Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de 
Hollanda. Em consonância com esses estudos, os romances de 30 acabavam por 
defender uma tese sobre a estruturação social do país, pautada na exploração 
da mão de obra daqueles que não detêm a propriedade de terras.
A descoberta de uma literatura que possibilitava a observação da estru-
tura social em um país também colonizado por Portugal e que passou pela 
experiência traumática da escravidão foi fundamental para a consolidação 
das literaturas africanas em língua portuguesa. O escritor africano que mais 
dialogou com a perspectiva do romance de 30 brasileiro foi o angolano Castro 
Soromenho. Em 1949, ele publicou o romance Terra morta, que aborda a deca-
dência de brancos, mulatos e negros na vila do Camaxilo. A partir da presente 
exploração do algodão, retoma as explorações do diamante, da borracha e do 
marfim – condenando o capitalismo predatório do sistema colonial como o 
causador da morte da terra. 
À aplicação do neorrealismo às questões africanas de Soromenho, segui-
ram vários outros escritores. Em Cabo Verde, por exemplo, a contribuição 
do romance de 30 brasileiro foi decisiva para o movimento Claridade (1936), 
encabeçado por Osvaldo Alcântara, Jorge Barbosa e Manuel Lopes. Esse mo-
vimento foi um divisor de águas na literatura do arquipélago, pois iniciou um 
processo de denúncia à precariedade das condições de vida na então colônia 
portuguesa. À ruptura do movimento de 1933, segue a Certeza (1944). É no 
desenvolvimento desse segundo movimento que se destacam os nomes de 
Manuel Ferreira e Orlanda Amarílis. Ferreira é autor de Hora di bai (1962), 
romance que inova em relação à linguagem neorrealista alimentando-se 
da cultura migrante local e da musicalidade da morna, como é conhecido 
o gênero musical popular do país. No entanto, em relação à denúncia da 
exploração social ocorrida no período colonial, sua obra revela profundo 
diálogo com nomes como Jorge Amado e Graciliano Ramos. Amarílis, em 
obras como Cais-do-Sodré té Salamansa (1974), denuncia a realidade social, 
com especial enfoque na condição da mulher, também pela perspectiva 
neorrealista. 
93Comparação entre literatura brasileira e africana
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06.indd 93 29/06/2017 18:15:52
Em Angola e Moçambique, Luandino Vieira e Luís Bernardo Honwana 
revelam também a importância do romance de 30 para suas obras. Luandino, 
apesar de adotar uma perspectiva linguística bastante distinta da estética 
neorrealista, denuncia em obras como A vida verdadeira de Domingos Xavier 
(1961) e Luuanda (1963) a violência do sistema colonial na periferia de Angola. 
Honwana, por sua vez, com linguagem muito mais sintética que os neorre-
alistas, revela o quanto o racismo e a violência estão arraigados à estrutura 
social moçambicana. Apesar das diferenças linguísticas, a representação da 
sociedade colonial na produção desses autores deve muito à proposta dos 
escritores brasileiros.Por isso, o romance de 30 brasileiro foi fundamental à consolidação das 
literaturas africanas em língua portuguesa, sendo relevante não apenas aos 
autores mencionados, mas às gerações que os seguem. Em nomes como Jorge 
Amado, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego e Erico 
Verissimo, os africanos encontraram o grande contributo para a leitura e a 
representação de sua realidade social, emprestando uma visão mais crítica 
aos textos literários. No caso do escritor baiano, sobretudo, encontraram 
uma referência de valores inestimáveis, visto que, além do alcance social de 
sua obra, havia maior interesse pelos aspectos da cultura afrodescendente e 
uma maior proximidade da linguagem popular em comparação aos demais 
neorrealistas. 
Guimarães Rosa e a solução para a problemática 
da linguagem narrativa
Um dos principais problemas da literatura regionalista brasileira do século 
XIX consistia no abismo linguístico entre os narradores e os homens re-
presentados na condição de personagens. Aqueles, com linguagem cientifi -
cista e ponto de vista predominantemente urbano, acabavam reproduzindo 
preconceitos para descrever estes. Um dos primeiros escritores a resolver 
esse problema é Simões Lopes Neto, que cria Blau Nunes, uma espécie 
de contador de causos do interior do Rio Grande do Sul para assumir a 
condição de narrador de seus contos. Assim, a literatura aproximava-se da 
linguagem e da visão de mundo do homem interiorano. Já em meados do 
século XX, João Guimarães Rosa consolida a postura iniciada por Lopes 
Neto. Em seus contos e romances, Guimarães Rosa recorre a narradores 
que remontam sertanejos do norte de Minas Gerais. Se os regionalistas de 
outrora haviam descrito com preconceitos os sujeitos dos sertões do país, 
Literaturas africanas em língua portuguesa94
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06.indd 94 29/06/2017 18:15:53
Rosa levava à excelência uma literatura que ia em sentido oposto: revelava 
poeticidade na narrativa oral desses sujeitos e densidade fi losófi ca na 
sua representação de mundo.
Nas literaturas africanas, uma das discussões centrais sempre foi a ques-
tão linguística. Escrever em português significaria escrever na língua do 
colonizador. No entanto, as línguas locais chegam a dezenas em cada um 
dos países – muitas delas sem registros gráficos. Dessa forma, essas línguas 
mostravam-se insuficientes para literatura, considerando o número de leitores 
que teriam acesso às obras. Apropriar-se da língua portuguesa foi, então, tarefa 
fundamental na literatura e na política desses países. No campo político, essa 
apropriação possibilitou a criação de uma unidade entre os diferentes povos 
que habitavam os futuros países. No campo literário, a partir da leitura de 
obras como Sagarana (1946), Grande sertão: veredas (1956) e Primeiras 
estórias (1962), de Guimarães Rosa, os escritores africanos perceberam que 
era possível utilizar a língua portuguesa como expressão da cultura popular 
local em suas narrativas. 
O escritor decisivo para o diálogo entre o sertanejo do norte de Minas e a 
África foi o angolano José Luandino Vieira. A partir da experiência de Rosa, 
Vieira percebeu a viabilidade da voz de sujeitos populares ser explorada 
literariamente. Assim, buscou no português hibridizado com o quimbundo, 
linguagem comum à oralidade de muitos musseques (bairros periféricos) da 
capital Luanda, o estilo de seus narradores. Obras como sua novela A vida 
verdadeira de Domingos Xavier (1961), seu romance Nós, os do Makulusu 
(1974) e, especialmente, sua coletânea de contos Luuanda (1963) – este último 
o primeiro livro africano premiado em Portugal – foram fundamentais à ques-
tão linguística nas literaturas africanas em língua portuguesa, tornando-se 
referência indispensável à sua geração e às seguintes. 
Na esteira do diálogo entre Luandino Vieira e Guimarães Rosa está um 
dos autores africanos mais reconhecidos da atualidade: o moçambicano Mia 
Couto. Nas suas obras, prevalece o poder da fabulação que uma narrativa 
pode oferecer. Para obter essa força do contar histórias, Couto também 
recorre aos narradores orais populares de Moçambique, recriando seus 
universos linguísticos entre o português e as línguas locais, mas, assim 
como Guimarães Rosa, também utilizando bastante de neologismos. É 
autor, entre outros, de Vozes anoitecidas (1986), Terra sonâmbula (1992) – 
considerado um dos doze livros mais importantes do continente africano no 
século XX –, Estórias abensonhadas (1994) e O outro pé da sereia (2006) 
– obras aclamadas pela crítica e comumente elogiadas no que diz respeito 
ao aspecto linguístico.
95Comparação entre literatura brasileira e africana
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06.indd 95 29/06/2017 18:15:53
Observe o seguinte trecho da entrevista de Mia Couto concedida a Paulo Hebmüller (2016):
Entrevistador: Quando o senhor começou a achar que era hora de transpor 
essas vozes para a escrita? Mia Couto: Essa África onde eu vivo é uma sociedade que 
escuta. As pessoas escutam os outros e, na conversa, há uma distribuição de tempos: 
o tempo da fala e o tempo da escuta, como se por turnos as pessoas soubessem o 
que têm de fazer.
Acho que houve um momento em que eu, já jornalista, fui tentado a escrever as 
histórias que escutava. Essas histórias estavam tão vivas, tinham tanta força, que pediam 
que fossem transportadas dessa oralidade para a escrita.
Mas aí percebi que a própria escrita tinha de mudar. Aquela que eu sabia e reconhecia 
não acomodava essa riqueza, essa coloração e, sobretudo, a música, a prosódia. Comecei 
à procura de uma escrita que fosse plástica e permitisse essa inundação da oralidade.
Fiz um primeiro livro (Vozes Anoitecidas, 1987) já muito influenciado por um angolano 
chamado Luandino Vieira, que abriu portas à oralidade da sua cidade, Luanda, e li uma 
entrevista em que ele fazia referência à influência de João Guimarães Rosa em seu 
trabalho. Então, fui à procura de Guimarães Rosa. Nos meus livros seguintes, como 
Estórias Abensonhadas (1994), já tive esse encontro, que realmente foi importante porque 
havia ali uma legitimação: é possível fazer isso, é possível deixar entrar essas vozes.
Pasárgada no imaginário cabo-verdiano 
Se a literatura brasileira foi referência fundamental às literaturas africanas em 
língua portuguesa, no caso específi co da literatura cabo-verdiana foi ainda 
maior. Por questões históricas, como a grande pluralidade étnica, sobretudo 
a partir da diáspora negra, a cultura de Cabo Verde apresenta traços muito 
evidentes de semelhanças culturais com o Brasil, como na religiosidade ou 
na musicalidade, por exemplo. Dessa forma, a literatura brasileira foi muito 
lida nas ilhas que compõem o arquipélago. Como você já viu anteriormente, 
o romance de 30, sobretudo de nordestinos como Jorge Amado, Graciliano 
Ramos, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz, uma vez que também retra-
tavam do drama da seca, foram imprescindíveis aos movimentos literários 
cabo-verdianos no século XX. No entanto, um poeta modernista brasileiro 
fi cou marcado na cultura local de forma bastante singular: Manuel Bandeira. 
O recifense Manuel Bandeira é um dos principais poetas da história brasi-
leira. Como poucos, conseguiu unir cultura popular à tradição lírica, criando 
uma voz poética de rara sensibilidade e beleza. É essa percepção da estética 
possível, a partir da oralidade popular, que encantou seu público africano. Um 
poema em específico, “Vou-me embora pra Pasárgada”, acabou compondo a 
Literaturas africanas em língua portuguesa96
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06.indd 96 29/06/2017 18:15:53
concepção cabo-verdiana dos espaços estrangeiros e locais. O poema, publicado 
na coletânea Libertinagem (1930), cria a ideia de um lugar idílico, Pasárgada, 
onde seria possível a realização de tudo aquilo que não seria no plano real. Há, 
dessa forma, uma erotização das possibilidades mencionadas pelo eu-lírico 
nesse plano imaginário.Observe (BANDEIRA, 2007, p. 146-147): 
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
 
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
97Comparação entre literatura brasileira e africana
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06.indd 97 29/06/2017 18:15:53
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
 
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada. 
O movimento Claridade (1936) foi fundamental na denúncia das condições 
de miséria pelas quais passavam os cabo-verdianos. Uma das formas de ressaltar 
essa questão era enfatizar a expectativa por condições melhores fora do país. Nesse 
contexto, Osvaldo Alcântara se apropriou do lugar ficcional criado por Bandeira 
para ressignificá-lo no imaginário local. Pasárgada, então, passava a significar 
qualquer terra estrangeira onde pudessem residir os sonhos de melhores con-
dições de vida, com emprego, moradia, alimentação, água etc. Observe a seguir o 
poema “Itinerário de Pasárgada” (ALCÂNTARA apud ANDRADE, 1975, p. 32): 
Saudade fina de Pasárgada... 
Em Pasárgada eu saberia 
Onde é que Deus tinha depositado 
O meu destino...
 
E na altura em que tudo morre... 
(cavalinhos de Nosso Senhor correm no céu; 
a vizinha acalenta o sono do filho rezingão; 
Tói Mulato foge a bordo de um vapor; 
O comerciante tirou a menina de casa; 
Os mocinhos de minha rua cantam
Indo eu, indo eu, 
A caminho de Vizeu...) 
Na hora em que tudo morre, 
Essa saudade fina de Pasárgada 
É um veneno gostoso dentro do meu coração. 
Literaturas africanas em língua portuguesa98
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06.indd 98 29/06/2017 18:15:53
É interessante perceber que o cotidiano cabo-verdiano é descrito com 
uma interpolação do verso “E na hora em que tudo morre”. Se Cabo Verde 
se caracteriza a partir do “tudo morre”, por oposição as terras estrangeiras 
(Pasárgada) são a promessa de vida. O movimento Certeza (1944) seguiu a 
perspectiva de denúncia das condições locais dos claridosos. No entanto, 
adotou uma perspectiva fundamentalmente oposta: o antievasionismo. Assim, 
a despeito da miséria, das condições climáticas e do descaso colonial, adotava 
a postura de ficar nas ilhas para construir a nação cabo-verdiana. Ovídio 
Martins, nesse sentido, respondeu ao poema de Osvaldo Alcântara, mantendo 
o mesmo significado para Pasárgada, no entanto adotando uma perspectiva 
completamente oposta em relação a ele. Observe o poema “Antievasão” 
(MARTINS apud ANDRADE, 1975, p. 48):
Pedirei 
Suplicarei 
Chorarei
Não vou para Pasárgada 
Atirar-me-ei ao chão 
E prenderei nas mãos convulsas 
Ervas e pedras de sangue 
Não vou para Pasárgada 
Gritarei 
Berrarei 
Matarei 
Não vou para Pasárgada. 
Ressalta-se que a vontade de permanecer em Cabo Verde (não ir para 
Pasárgada) é tão grande que a gradação de ações expressas nos versos chega 
ao extremo: “matarei”. Os versos “[...] atirar-me-ei ao chão/ E prenderei nas 
mãos convulsas/ Ervas e pedras de sangue [...]” revelam que esse permanecer 
nas ilhas está ligado a assumir uma identidade cabo-verdiana, amalgamando 
o ser e o espaço geográfico em que vive. 
A apropriação do lugar criado por Manuel Bandeira ressalta, portanto, a 
decisiva contribuição do autor para as discussões literárias, sociais e políticas 
99Comparação entre literatura brasileira e africana
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06.indd 99 29/06/2017 18:15:53
do local. A ideia de Pasárgada ficou tão arraigada à cultura local que os escri-
tores ligados aos movimentos Claridade e Certeza também são comumente 
mencionados como pasargadistas e antipasagardistas.
Conclusão: um sistema literário transnacional e 
descolonizante
Como você pôde perceber, a literatura brasileira foi fundamental à consoli-
dação das literaturas africanas de língua portuguesa. De maneira especial, 
o modernismo brasileiro, nas suas mais variadas manifestações, ofereceu 
intertexto necessário para que essas literaturas afi rmassem o compromisso 
com as culturas locais. Vale lembrar que o modernismo foi o grande movi-
mento de ruptura da literatura nacional com os laços lusitanos, tão comuns 
às estéticas anteriores. Por isso, a voz e o cotidiano das camadas populares 
do país passaram a integrar, de diferentes formas, nossa estética literária. É 
possível entender, dessa forma, que as relações intertextuais que foram aqui 
abordadas confi guram alguns elementos de um grande sistema literário 
transnacional. Esse sistema buscou, por meio da solidariedade entre dife-
rentes países da comunidade lusófona, criar elementos que possibilitassem 
sua descolonização cultural. 
É importante mencionar, no entanto, que esse diálogo ainda ocorre so-
bretudo em mão única. Se os africanos tomaram a literatura brasileira como 
referência indispensável para pensar os seus países, o movimento contrário 
ainda é muito pouco explorado no Brasil. Apesar dos destacados esforços de 
alguns escritores, pesquisadores e movimentos sociais, a literatura produzida 
em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe 
ainda é muito pouco conhecida no país. Nesse sentido, a atividade dos atuais 
e futuros docentes de literatura é fundamental para reverter esse quadro. 
Afinal, conhecer nossas origens para além do Atlântico é primordial para 
conhecermo-nos. 
Literaturas africanas em língua portuguesa100
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06.indd 100 29/06/2017 18:15:53
1. Assinale a alternativa que 
corresponde à contribuição do 
romance de 30 brasileiro para 
a consolidação das literaturas 
africanas em língua portuguesa.
a) O romance de 30 resolve o 
problema do abismo linguístico 
entre o narrador e os personagens 
representados, possibilitando às 
literaturas africanas a inserção 
da oralidade de sujeitos 
populares à narrativa literária.
b) Ao evidenciar as relações entre 
a propriedade privada das terras 
e a exploração da mão de obra 
dos trabalhadores, o romance 
de 30 ofereceu às literaturas 
africanas a possibilidade de uma 
visão mais crítica da sociedade.
c) Em virtude de seu rebuscamento 
formal, com inversões 
cronológicas, fragmentação e 
linguagem hermética, o romance 
de 30 possibilitou a renovação 
estética das características 
formais dos romances africanos.
d) O romance de 30, por meio 
da representação crítica dos 
grandes líderes estatistas, 
acabou por emprestar às 
literaturas africanas novas 
possibilidades de representação 
dos dilemas coloniais.
e) O romance de 30 emprestou 
novos significados às 
concepções cabo-verdianas dos 
espaços estrangeiros e locais.
2. Observe o seguinte trecho, 
retirado de uma entrevista 
concedida por Guimarães Rosa 
a Günter Lorenz (1973):
“Nós, os homens do sertão, somos 
fabulistas por natureza. Está no 
nosso sangue narrar estórias; já 
no berço recebemos esse dom 
para toda a vida. Desde pequenos, 
estamos constantemente escutando 
as narrativas multicoloridas dos 
velhos, os contos e lendas [...]. Eu 
trazia sempre os ouvidos atentos, 
escutava todo o que podia e 
comecei a transformar em lenda 
o ambiente que me rodeava, 
porque este, em sua essência, era 
e continua sendo uma lenda.” 
(ROSA apud LORENZ, 1973, p. 315).
Qual dos seguintes trechosde 
obras literárias africanas mais se 
assemelha à concepção criativa 
explicada por Guimarães Rosa?
a) “Estes casos passaram no 
musseque Sambizanga, nesta 
nossa terra de Luanda.” “Minha 
estória. Se é bonita, se é feia, 
vocês é que sabem. Eu só juro 
não falei mentira e estes casos 
passaram na nossa terra de 
Luanda.” (VIEIRA, 2008, p. 152).
b) “‘Portanto, só os ciclos eram 
eternos.’ (Na prova oral de 
Aptidão à Faculdade de Letras, 
em Lisboa, o examinador 
fez uma pergunta ao futuro 
escritor. Este respondeu 
hesitantemente, iniciando com 
um portanto. De onde é o 
senhor, perguntou o professor, 
ao que o escritor respondeu 
de Angola. Logo vi que não 
sabia falar português, então 
desconhece que a palavra 
portanto só se utiliza como 
101Comparação entre literatura brasileira e africana
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06.indd 101 29/06/2017 18:15:53
conclusão dum raciocínio?” 
(PEPETELA, 1992, p. 11).
c) “Os angolanos, além de gostarem 
de makas, de farrar até de 
manhã, de chegar tarde aos 
seus compromissos e de usar 
e abusar do humor, inclusive 
contra eles mesmos, também 
sempre foram pós-modernos 
avant la lettre. Iconoclastas, 
não levam nada demasiado a 
sério, chegando ao ponto de 
abandalhar – este termo pode 
ser pouco literário, mas, enfim, o 
que fazer, se o próprio escritor é 
angolano?” (MELO, 2006, p. 33).
d) “Titina acordou e estava a gozar 
a sabura da cama. Virou-se 
para a parede. As maçanetas 
tremeram e Titina enroscou-se 
melhor sobre si mesma. Branca, 
a camita de ferro, tanto à 
cabeceira como nos pés era 
rematada com um rendilhado 
– pareciam as lérias da titia, 
tendo ao centro, também 
em ferro, um desgracioso 
ramo de folhas pendentes 
em leque, pintado a esmalte 
verde.” (AMARÍLIS, 1991, p. 99).
e) “– Faustino só tirava o 
dedo do botão quando 
o elevador aparecia. 
– Como é? Porco no elevador? 
– Porco não. Leitão, 
camarada Faustino. 
– Dá no mesmo em matéria 
de interpretação de leis.
– Quais leis? 
– O problema é o que a gente 
combinou na assembleia 
de moradores e o camarada 
estava presente. Votação por 
unanimidade. Aqui no elevador 
só pessoas. E coisas só no 
monta-cargas.” (RUI, 1991, p. 7).
3. Entre as alternativas a seguir, 
assinale a que apresenta uma 
afirmação correta sobre a 
apropriação da imagem de 
Pasárgada nas literaturas africanas 
em língua portuguesa:
a) Ovídio Martins ressignifica 
Pasárgada como um lugar 
idílico, onde seria possível 
a realização do que não 
aconteceria no plano real.
b) Pasárgada, para Osvaldo 
Alcântara, passa a ter um 
sentido que sugere a 
erotização das possibilidades 
no plano imaginário.
c) Para Martins, ao contrário de 
Alcântara, Pasárgada passa 
a significar qualquer terra 
estrangeira em que os cabo-
verdianos pudessem ter 
melhores condições de vida.
d) Alcântara se vale da imagem 
de Pasárgada como a terra da 
promessa de vida para criticar 
a visão evasionista de Martins.
e) Martins mantém a imagem de 
Pasárgada criada por Alcântara, 
no entanto inverte a postura 
de seu eu-lírico, enfatizando 
uma visão evasionista.
4. Assinale o conjunto de obras que 
estabelece relações mais evidentes 
entre suas propostas estéticas.
a) Cacau (1933), Jorge Amado. 
Terra morta (1949), Castro 
Soromenho. Grande sertão: 
veredas (1956), Guimarães Rosa.
b) Sagarana (1946), Guimarães 
Rosa. Luuanda (1963), 
Luandino Vieira. Terra morta 
(1949), Castro Soromenho.
Literaturas africanas em língua portuguesa102
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c) “Vou-me embora pra Pasárgada” 
(Libertinagem) (1930), Manuel 
Bandeira. Sagrada Esperança 
(1974), Agostinho Neto. Gritarei, 
Berrarei, Matarei – Não vou para 
Pasárgada (1973), Ovídio Martins.
d) Terras do Sem-Fim (1943), 
Jorge Amado. O quinze (1930), 
Rachel de Queiroz. Terra morta 
(1949), Castro Soromenho.
e) Vidas secas (1948), Graciliano 
Ramos. Primeiras estórias (1962), 
Guimarães Rosa. Estórias 
abensonhadas (1994), Mia Couto.
5. Sobre as relações de intertextualidade 
envolvendo a literatura brasileira 
e as literaturas africanas em língua 
portuguesa, é correto afirmar que:
a) as literaturas africanas de língua 
portuguesa consolidam-se 
ao romper os laços 
intertextuais com as literaturas 
portuguesa e brasileira.
b) as literaturas africanas em 
língua portuguesa têm sido, 
desde o século XIX, uma das 
principais referências para as 
obras literárias brasileiras.
c) para romper com a literatura 
do colonizador, as literaturas 
africanas optam por copiar a 
literatura brasileira, pois essa 
já havia realizado tal ruptura 
com o modernismo.
d) as relações estabelecidas 
entre a literatura brasileira e as 
literaturas africanas no século 
XX contribuem decisivamente 
para a luta contra a colonização, 
seja em sua manifestação 
política ou cultural.
e) a grande contribuição da 
literatura brasileira às 
literaturas africanas diz 
respeito à linguagem, com 
especial destaque ao 
trabalho de Guimarães Rosa, 
já que as temáticas de nosso 
país pouco contribuíram 
para esse diálogo.
103Comparação entre literatura brasileira e africana
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AMARÍLIS, O. Cais-do-Sodré té Salamansa. Lisboa: ALAC, 1991. 
ANDRADE, M. P. Antologia temática da poesia africana I: na noite grávida de punhais. 
Lisboa: Sá da Costa, 1975. v. 1.
BANDEIRA, M. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. 
CARVALHAL, T. F. Literatura comparada. São Paulo: Ática, 2001.
HEBMÜLLER, P. Mia Couto: a tribo dos contadores de histórias. Porto Alegre: Fronteiras 
do Pensamento, 2016. Disponível em: <http://www.fronteiras.com/entrevistas/mia-
-couto-a-tribo-de-contadores-de-historias>. Acesso em: 06 jun. 2017.
KRISTEVA, J. Introdução à semanálise. São Paulo: Perspectiva, 1974.
LORENZ, G. João Guimarães Rosa. In: LORENZ, G. Diálogo com a América Latina: pa-
norama de uma literatura do futuro. São Paulo: E.P.U., 1973. p. 315-355.
MELO, J. O dia em que o Pato Donald comeu pela primeira vez a Margarida. Lisboa: 
Caminho, 2006.
PEPETELA. A geração da utopia. Lisboa: Dom Quixote, 1992.
RUI, M. Quem me dera ser onda. Lisboa: Cotovia, 1991.
VIEIRA, J. L. Luuanda. Lisboa: Caminho, 2008.
Leituras recomendadas
ABDALA JUNIOR, B. Literatura, história e política: literaturas de língua portuguesa no 
século XX. Cotia: Ateliê Editorial, 2007. 
FERREIRA, M. Literaturas africanas de expressão portuguesa. São Paulo: Ática, 1987. 
(Fundamentos).
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http://www.fronteiras.com/entrevistas/mia-
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	Literaturas Africanas em Língua Portuguesa_U3_C06

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