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CAPOEIRA PROFESSORES Me. Reginaldo Calado de Lima Quando identificar o ícone QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos online. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Acesse o seu livro também disponível na versão digital. Google Play App Store https://apigame.unicesumar.edu.br/getlinkidapp/3/420 2 CAPOEIRA NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 - Jd. Aclimação Cep 87050-900 - Maringá - Paraná - Brasil www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; LIMA, Reginaldo Calado de. Capoeira. Reginaldo Calado de Lima Maringá - PR.:Unicesumar, 2019. Reimpressão, 2022. 208 p. “Graduação em Educação Física - EaD”. 1. Capoeira . 2. Cantigas . 3. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-1836-3 CDD - 22ª Ed. 796.81 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha Catalográfica Elaborada pelo Bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Impresso por: DIREÇÃO UNICESUMAR Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva, Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin, Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi. NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Minco�, James Prestes, Tiago Stachon, Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho, Diretoria de Permanência Leonardo Spaine, Diretoria de Design Educacional Débora Leite, Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho, Head de Curadoria e Inovação Tania Cristiane Yoshie Fukushima, Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia, Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey, Gerência de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira, Gerência de Curadoria Carolina Abdalla Normann de Freitas, Supervisão de Produção de Conteúdo Nádila Toledo. Coordenador(a) de Conteúdo Mara C R Lopes, Projeto Gráfico José Jhonny Coelho, Editoração Humberto Garcia da Silva, Designer Educacional Ana Claudia Salvadego, Revisão Textual Ariane Andrade Fabreti, Ilustração Ilustrador, Fotos Shutterstock. Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos com princípios éticos e profissionalismo, não somente para oferecer uma educação de qualidade, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo- nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e espiritual. Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos educadores soluções inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três virtudes: inovação, coragem e compromisso com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Vamos juntos! Wilson Matos da Silva Reitor da Unicesumar boas-vindas Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à Comunidade do Conhecimento. Essa é a característica principal pela qual a Unicesumar tem sido conhecida pelos nossos alunos, professores e pela nossa sociedade. Porém, é importante destacar aqui que não estamos falando mais daquele conhecimento estático, repetitivo, local e elitizado, mas de um conhecimento dinâmico, renovável em minutos, atemporal, global, democratizado, transformado pelas tecnologias digitais e virtuais. De fato, as tecnologias de informação e comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, lugares, informações, da educação por meio da conectividade via internet, do acesso wireless em diferentes lugares e da mobilidade dos celulares. As redes sociais, os sites, blogs e os tablets aceleraram a informação e a produção do conhecimento, que não reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos em segundos. A apropriação dessa nova forma de conhecer transformou-se hoje em um dos principais fatores de agregação de valor, de superação das desigualdades, propagação de trabalho qualificado e de bem-estar. Logo, como agente social, convido você a saber cada vez mais, a conhecer, entender, selecionar e usar a tecnologia que temos e que está disponível. Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg modificou toda uma cultura e forma de conhecer, as tecnologias atuais e suas novas ferramentas, equipamentos e aplicações estão mudando a nossa cultura e transformando a todos nós. Então, priorizar o conhecimento hoje, por meio da Educação a Distância (EAD), significa possibilitar o contato com ambientes cativantes, ricos em informações e interatividade. É um processo desafiador, que ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores oportunidades. Como já disse Sócrates, “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida”. É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer. Willian V. K. de Matos Silva Pró-Reitor da Unicesumar EaD Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, contribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. boas-vindas Débora do Nascimento Leite Diretoria de Design Educacional Janes Fidélis Tomelin Pró-Reitor de Ensino de EAD Kátia Solange Coelho Diretoria de Graduação e Pós-graduação Leonardo Spaine Diretoria de Permanência autor Professor Me. Reginaldo Calado de Lima Doutorando em Educação Física pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Física Associado UEM/UEL. Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Gradua- ção em Educação da Universidade Estadual de Maringá - PPE/UEM.Graduação em Educação Física - Licenciatura/Bacharelado pelo Centro Universitário de Maringá - Unicesumar. Professor assistente do Departamento de Educação Física - DEF da Universidade Estadual de Maringá - UEM. Pesquisador integrante do Grupo de Pesquisa Corpo, Cultura e Ludicidade GPCCL/CNPQ. Desenvolve pesquisa acerca da relação entre capoeira e Educação Física, sobretudo no que tange o desenvolvimento e a abordagem desta manifestação cultural no contexto escolar. <http://lattes.cnpq.br/3396790957668600> apresentação do material CAPOEIRA Reginaldo Calado de Lima Olá, caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a)! Iniciaremos os nossos estudos acerca da capoeira, manifestação possuidora de uma racionalidade bastante distinta de outras práticas corporais. Neste sentido, este material que você tem em mãos não foi preparado com o intuito de lhe ensinar a jogar capoeira, ou seja, não temos a intenção de formar capoeiristas, mas sim, lhe apresentar a estrutura da capoeira por meio de seus elementos constitutivos. Desta forma, esperamos que você, prezado(a) aluno(a), uma vez formado(a), ao se deparar com a necessidade da abordagem da capoeira, seja na escola, durante as aulas de Educação Física, ou em outros espaços, sinta-se à vontade, mas, so- bretudo, sinta-se capacitado(a) para tal abordagem. Para que atinjamos os nossos objetivos, estruturamos este livro em cinco unidades. Na Unidade 1, discutiremos o desenvolvimento histórico da capoeira, refleti- remos acerca da percepção que temos dessa manifestação, analisaremos algumas teorias quanto às suas origens, transitaremos por períodos distintos, desde o que promoveu o processo de criminalização da capoeira até as iniciativas para a sua ascensão social. Nossa atenção, na Unidade 2, será direcionada às vertentes e aos estilos de capoeira, ou seja, as diferentes formas pelas quais essa prática corporal tem sido organizada e representada. Assim, conheceremos a capoeira Angola de mestre Pasti- nha e a capoeira Regional de mestre Bimba, dois estilos consolidados, mas também conheceremos o que se tem convencionado chamar de capoeira Contemporânea. O repertório gestual da capoeira será o nosso objeto de análise na Unidade 3, na qual conheceremos alguns dos gestos técnicos característicos da capoeira. Na Unidade 4, serão apresentados elementos referentes aos instrumentos, às cantigas e à roda de capoeira. Conheceremos os instrumentos presentes na capoeira, as suas funções e como são organizados. Quanto às cantigas, nos ocuparemos de conhecer os diferentes tipos e as suas respectivas estruturas. Na quinta e última unidade, apresentaremos algumas experiências quanto à possibilidade de abordagem prática e pedagógica dos elementos constitutivos da capoeira. Esperamos, com a elaboração deste material, que este venha a contribuir para que você, caro(a) aluno(a), aproprie-se de saberes básicos acerca dessa prática corporal, contribuindo, desta forma, com a sua formação profissional. Desejo-lhe, desde já, ótimos estudos! sumário UNIDADE I DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA CAPOEIRA 14 Luta, Jogo, Dança, Esporte... Afinal, o Que é a Capoeira? 20 As Origens da Capoeira 26 Capoeira, uma Atividade Criminosa 30 Ascensão Social da Capoeira 35 Considerações finais 40 Referências 42 Gabarito UNIDADE II VERTENTES E ESTILOS DE CAPOEIRA 48 A Capoeira Angola de Mestre Pastinha 52 A Capoeira Regional de Mestre Bimba 64 Capoeira Contemporânea: uma Tendência Atual 70 Considerações finais 75 Referências 76 Gabarito UNIDADE III OS GESTOS TÉCNICOS CARACTERÍSTICOS DA CAPOEIRA 82 Distribuição Didático-Pedagógica dos Gestos Técnicos 86 Ginga, o Gesto Fundamental 92 Gestos Técnicos Ofensivos, o Ataque do Capoeira 112 Gestos Técnicos Defensivos 122 Gestos Técnicos Acrobáticos, Desafiando os Limites do Corpo 133 Considerações finais 138 Referências 139 Gabarito UNIDADE IV OS INSTRUMENTOS, AS CANTIGAS E A RODA DE CAPOEIRA 144 Os Instrumentos Característicos da Capoeira 152 Bateria: o Conjunto de Instrumentos da Ca- poeira 156 As Cantigas de Capoeira e a sua Estrutura 162 A Roda, o Momento de Expressão da Capoeira 165 Considerações finais 171 Referências 173 Gabarito UNIDADE V ABORDAGEM PEDAGÓGICA DOS ELEMENTOS CONSTI- TUTIVOS DA CAPOEIRA 178 Fuga Para o Quilombo, uma Forma de Re- sistência 182 Pega e Salva o Capoeira 186 Berimbau de PVC: uma Alternativa à Falta de Instrumentos 194 Na Roda, o Jogo de Compra é “Nunca Três” 197 Considerações finais 203 Referências 203 Gabarito 204 CONCLUSÃO GERAL Professor Me. Reginaldo Calado de Lima Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Luta, jogo, dança, esporte... Afinal, o que é a capoeira? • As origens da capoeira • Capoeira, uma atividade criminosa • Ascensão social da capoeira Objetivos de Aprendizagem • Identificar os diferentes sentidos atribuídos à capoeira. • Apresentar as teorias que discutem a origem da capoeira. • Entender o processo de criminalização da capoeira. • Descrever o processo de reestruturação da capoeira. DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA CAPOEIRA unidade I INTRODUÇÃO Olá, caro(a) aluno(a), seja bem-vindo (a)! Iniciamos as nossas discussões sobre a capoeira, valendo-nos de al- guns pontos de referência, na forma de questionamentos sobre esta prá- tica corporal. Para começar, você já se perguntou: o que é a capoeira? Por vezes, ela é representada como luta, em outros momentos, como dança, têm aqueles que a classificam como esporte e até como filosofia de vida. Você já refletiu como essa prática corporal surgiu? Ou ainda, se a capoeira que nós conhecemos, atualmente, sempre apresentou esta con- figuração? E por que algumas pessoas “torcem o nariz” quando falamos de capoeira? Estas questões nos auxiliarão a compreender, dentro de nossas limitações, obviamente, essa manifestação da cultura corporal que é a capoeira. Nesse sentido, organizamos a unidade em quatro tópicos. No primei- ro, abordaremos os diferentes sentidos e percepções existentes acerca da capoeira. No segundo tópico, já com alguma noção do que estamos tra- tando, enveredaremos pelas teorias que discutem as origens da capoeira. No terceiro tópico, atentar-nos-emos ao seu processo de criminalização, buscando entender o contexto em que tal prática foi considerada uma prática criminosa, a ponto de figurar no código penal brasileiro. No quar- to tópico, poderemos perceber como é complexa e cheia de contradições a dinâmica social, visto que, mesmo sendo considerada uma prática cri- minosa, havia aqueles que viam a capoeira uma prática virtuosa e que, com o passar do tempo, para atender aos anseios sociais, foi reestrutura- da aos moldes desportivos da época. Espero que as discussões vindouras lhe permita, como futuro(a) pro- fissional de Educação Física, de um ponto de vista específico, refletir so- bre como a história da capoeira pode ser abordada nos mais diferentes espaços e, de um ponto de vista mais amplo, refletir sobre o percurso his- tórico das mais diversas práticas corporais, reconhecendo-as, desta for- ma, como uma forma de conhecimento situado histórica e socialmente. 14 CAPOEIRA Caro(a) aluno(a), quando as práticas corporais são abordadas nas aulas de Educação Física em diferen- tes níveis escolares, via de regra, uma das primeiras estratégias adotadas pelo(a) professor(a) é a apre- sentação de uma definição clara e objetiva da prática em questão. Esta é uma estratégia compreensível a qualquer um de nós e, até desejada, afinal de contas, ao nos depararmos com determinado objeto, é im- portante sabermos do que se trata. Entretanto, você vai perceber que, no que se refere à capoeira, essa estratégia de definição não é uma tarefa das mais fá- ceis. Aliás, como muitos outros aspectos ligados à capoeira. Você já se perguntou em qual, ou mesmo, em quais categorias dos conteúdos da Educação Física escolar podemos enquadrar a capoeira? Ou seja, ela será abordada quando tratarmos, nas aulas de EducaçãoFísica, de esportes, quando tratarmos das ginásticas, das danças, dos jogos ou das lutas? A questão pode parecer insignificante à primeira vista, contudo, basta uma pequena dose de cautela e perce- beremos as possíveis implicações à nossa futura atu- ação profissional. O que queremos dizer de fato é que fará diferença se você, caro(a) aluno(a), ao abordar a capoeira no contexto escolar, conhecer os diferentes sentidos atribuídos a tal manifestação corporal. Luta, Jogo, Dança, Esporte... Afinal, o Que é a Capoeira? EDUCAÇÃO FÍSICA 15 É a partir destas reflexões que podemos nos per- guntar: mas, afinal, o que é a capoeira? Esta questão norteará as discussões empreendidas neste tópico. Perceba que ela não é uma exclusividade do contexto escolar, mas se apresenta também no contexto cultu- ral da própria capoeira. É bastante comum sermos questionados, enquanto praticantes de capoeira, se nós a dançamos, a lutamos ou a jogamos. Uma possibilidade para entendermos os senti- dos atribuídos à capoeira passa pelo esforço de ana- lisar o seu percurso histórico. Porém deixemos essa empreitada para um próximo tópico. Por agora, nos deteremos às impressões de autores do calibre de Luís da Câmara Cascudo que, ao estudar a capoeira por um viés folclórico, a definiu como um “jogo atlé- tico de origem negra, ou introduzido no Brasil pelos escravos bantos de Angola, defensivo e ofensivo, es- palhado pelo território [brasileiro] e tradicional no Recife, cidade de Salvador e Rio de Janeiro” (CAS- CUDO, 1959, p. 371). Do excerto apresentado, é possível extrairmos, além do sentido, elementos referentes à capoeira, tais como origem, características e locais de inci- dência, contudo, mantendo o nosso foco no senti- do, destacamos a ideia apresentada pelo autor, da capoeira ser um jogo atlético defensivo e ofensivo. Esta definição evoca, em certa medida, um senti- do esportivo, ao tratar a capoeira como jogo atléti- co, mas também com um caráter combativo, uma vez que a descrição apresenta a natureza defensiva e ofensiva. O caráter bélico da capoeira, ou seja, a sua representação como forma de luta, parece privi- legiado também em outras exposições que desta- cam a predominância do confronto, do combate corporal. É o que podemos verificar nos argumen- tos de Lamartine Pereira da Costa que, ao redigir uma espécie de manual didático com o sugestivo título “Capoeira sem Mestre”, define tal manifes- tação como uma “luta em que os executantes se valem dos pés, das mãos e da cabeça para bater nos adversários ou derrubá-los [...] É uma luta es- sencialmente agressiva: o capoeira se defende ata- cando” (COSTA, s. d., p. 17). Nunca é demais termos em mente em que am- biente e, principalmente, em que momento esta- mos pensando sobre a capoeira. Estamos agora imersos em um processo de formação profissional, o qual, em tese, permitir-nos-á agir com expertise sobre determinadas realidades por meio de deter- minados conteúdos. Diante de tal assertiva, é im- perativo que reflitamos acerca das possibilidades de abordagem de tais conteúdos e, em nosso caso específico, estamos refletindo sobre uma manifes- tação corporal que, aparentemente, ao ser definida como luta, apresenta uma característica agressiva. Quais são as implicações que isto demanda para o ambiente escolar? Ao abordarmos uma prática corporal com as características da capoeira, estaremos ali- mentando a agressividade entre os alunos? Será que o nosso trabalho desencadeará uma onda violência na escola? REFLITA 16 CAPOEIRA Estudos como o de Oliveira e Santos (2006) nos aju- dam a refletir acerca dessa temática ao destacarem a existência de um discurso no imaginário popular que gera, por sua vez, certa resistência e mesmo re- jeição no trato com as lutas de forma geral, no con- texto escolar. Para os autores, é bastante comum que, “quando pensamos na palavra luta, primeira- mente, associamos a contato corporal, chutes, socos, quedas, disputa e atitudes agressivas” (OLIVEIRA; SANTOS, 2006, p. 5). Invariavelmente, estes aspec- tos nos levam a uma associação entre a deflagração de golpes e o inevitável confronto corporal. Essas questões que, à primeira vista, mostram-se desencorajadoras para a abordagem da capoeira, ao menos por sua vertente bélica, são, na verdade, uma oportunidade para reflexão. Rufino e Darido (2015, p. 22), ao pensarem a relação entre o conteúdo “lu- tas” e a cultura corporal, defendem a necessidade da promoção de situações que permitam aos alunos “contato e vivências significativas com essas práticas e sobre o mundo em que vivem”. Retomemos o foco de nossa discussão, que é o sentido atribuído à capoeira. Até aqui, identificamos uma característica combativa que conferiu a ela ares de luta. De fato, Campos (2003), ao elaborar uma proposta de abordagem da prática na escola, o faz a partir de algumas concepções, dentre as quais, a “capoeira luta”. O autor argumenta em favor de tal concepção, entendendo-a como a forma que repre- senta a capoeira em sua origem. Neste sentido, ex- por a capoeira no contexto escolar como uma luta é garantir a sua representação original e, sobretudo garantir sua preservação “através dos tempos na sua forma natural como instrumento de defesa pessoal genuinamente brasileira” (CAMPOS, 2003, p. 23). Se por um lado, não é difícil reconhecer a capo- eira como uma luta, especialmente, quando conside- ramos o seu contexto de gênese, por outro, os demais argumentos abalam as nossas convicções. Barbieri (2003) afirma ser impossível estabelecer limites para as perspectivas da capoeira. Você notou o uso do plu- ral? Pois é! Para o autor, não é possível uma definição que supere a polissemia de sentidos da manifestação. Isso significa que a característica predominante da capoeira é a ambiguidade. Você lembra que Cas- cudo (1959), quando nos apresentou a capoeira, de- finiu-a como jogo atlético defensivo e ofensivo. Bas- tam esses termos para evidenciarmos os múltiplos sentidos dessa prática. A ideia de jogo nos remete à ludicidade, enquanto que o termo atlético nos lem- bra um caráter esportivo, já os termos defensivo e ofensivo denotam a noção de combate, de luta. Per- ceba que definir a capoeira não é uma tarefa tão sim- ples quanto parece. Há, no entanto, atualmente, certa aceitação no entendimento da capoeira como “uma manifestação cultural afro-brasileira que se expressa pela combina- ção de jogo, luta e dança praticada ao som de instru- mentos musicais” (FALCÃO, 2010, p. 56). A coexis- tência dos diferentes sentidos atribuídos à capoeira pode não fazer muito sentido, mas lembre-se que estamos falando de uma manifestação cuja origem se deu a partir de outra lógica cultural que não a nossa. Neste sentido, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan (2007, p. 11) nos apresen- ta a capoeira como “uma manifestação cultural que se caracteriza por sua multidimensionalidade – é, ao mesmo tempo, dança, luta e jogo”. A sua ligação com práticas de sociedade tradicionais, onde a separação de habilidades não é um aspecto comum, como ocor- re na sociedade ocidental moderna, é o que confere à capoeira a possibilidade multidimensional. Ou seja, a coexistência de múltiplas dimensões e sentidos sem que estes se anulem ou se confrontem. EDUCAÇÃO FÍSICA 17 E, ao contrário do que possa parecer, isso não re- presenta um problema. Essa ambiguidade é, inclusi- ve, enaltecida por Reis (2000, p. 177) como caracte- rística de todos os elementos do sistema cultural da capoeira, o que impossibilita o seu enquadramento, permitindo que ela “deslize entre as categorias: não é esporte mas é, não é uma dança, mas é, e não é uma luta, mas é”. Uma das estratégias que podemos adotar para compreendermos essa multiplicidade dos sentidos da capoeira, talvez, seja lançarmos um olhar mais atento aos seus primórdios. Entretanto, você vai perceber que, quando falamos de capoeira, há pou- ca unanimidade. Esta situação se agrava conformeregredimos historicamente, muito em função da es- cassez de registros. Arriscamos dizer que a capoeira, como prática marginal que foi por muito tempo, não era digna de registros. Uma das exceções, no entanto, são os registros iconográficos creditados ao pintor Johann Moritz Rugendas (1802-1858) que retratou, no século XIX, muitos aspectos naturais e sociais do Brasil à épo- ca. Em sua obra Viagem Pitoresca através do Brasil, publicada pela primeira vez em edição bilíngue, em 1827, o pintor retrata a paisagem, os tipos e os hábi- tos, tanto dos índios e negros quantos dos europeus que por aqui viviam. Na descrição de “jogo da ca- poeira”, Rugendas (s. d.) o expõe como um folgue- do guerreiro muito violento. Perceba, novamente, a ambivalência de sentidos atribuídos à capoeira. O termo folguedo denota brincadeira, festa, festejo, enquanto “guerreiro” nos remete ao combate. As- sim, fica evidente que o cariz polissêmico da capo- eira a acompanha já há bastante tempo. Rugendas (s. d.) destaca ainda a violência com que os negros a praticam, e assim descreve o andamento de tal fol- guedo guerreiro. [...] dois campeões se precipitam um contra o outro, procurando dar com a cabeça no peito do adversário que desejam derrubar. Evita-se o ataque com saltos de lado e paradas igualmen- te hábeis; mas, lançando-se um contra o ou- tro, mais ou menos como bodes, acontece-lhes chocarem-se fortemente cabeça contra cabeça, o faz com que a brincadeira não raro degenere em briga e que as facas entrem em jogo, ensan- guentando-as (RUGENDAS, s. d., p. 252). Ainda tratando da contribuição de Rugendas por meio de seus registros à história da capoeira, além da descrição, as gravuras deixadas pelo artista ale- mão nos permitem analisar outros elementos carac- terísticos que compunham a manifestação naquele período. Figura 1 - Jogar capoeira Fonte: Wikipédia ([2019], on-line)1. A partir da análise da gravura “jogo da capoeira”, é possível que identifiquemos elementos característi- cos da atualidade, e outros que, ao que parece, so- freram transformações drásticas. É possível notar que a disposição das pessoas, tanto dos jogadores quanto daqueles que assistem, é muito semelhante à disposição em roda que temos hoje. A presença de 18 CAPOEIRA um instrumento que, na gravura, está representada por uma espécie de tambor, é outro elemento que caracteriza a capoeira. A este respeito, é interessante notar que o instrumento que, atualmente, caracte- riza a capoeira não aparece registrado na gravura. A ausência do berimbau sugere que este não estava incorporado aos códigos da manifestação no perío- do retratado. Retomando a nossa empreitada de discutir o sentido da capoeira, Conduru (2008) faz algumas inferências a partir da análise da gravura “jogo da capoeira”. Para o autor, é possível atribuir um caráter bélico ao que se retrata. Tal inferência se dá muito em função da descrição, mas também na medida em que o autor verifica os punhos cerrados dos conten- dores que ocupam o centro da roda. Pois bem, poderíamos concluir que: se, atual- mente, a capoeira é caracterizada como uma prática corporal polissêmica, multidimensional, onde co- existem múltiplos sentidos sem que haja exclusão, na sua origem, o sentido bélico foi predominante. Na verdade, não. Vimos que, na própria descrição de Rugendas (s. d.), ela aparece com um sentido dúbio. E, para fecharmos esta inconclusa discussão, recorramos a autores que se dedicaram a estudar a capoeira e que discutem, entre outras questões, a sua origem e os seus sentidos. Neste sentido, Rego (1968, p. 35) defende a tese de que a capoeira surgiu, inicialmente, como diver- timento, “mas, na realidade, funcionava como uma faca de dois gumes. Ao lado do normal e do quoti- diano, que era divertir, era luta também no momen- to oportuno”. Contrariamente, temos a exposição de Araújo (1997, p. 106) para quem “a utilização da ca- poeira como instrumento de guerra, logo, arte mar- cial, foi a primeira expressão desta prática plural”. Na opinião do autor, o contexto sociocultural teria sido responsável por, posteriormente, agregar na es- trutura da manifestação o caráter lúdico. Carneiro (1957, p. 199), analisando a capoeira por um viés folclórico, a identifica como uma manifestação de caráter lúdico, afirmando que “os capoeiras da Bahia denominam seu jogo de vadiação – e não passa disto a capoeira, [...]. Nem sempre terá sido assim”. Façamos, prezado(a) aluno(a), uma síntese acer- ca da questão deste tópico. Afinal, o que é a capoei- ra? Essa manifestação carrega, em seu cerne, múlti- plas possibilidades de expressão e, como nos disse Barbieri (2003), é impossível separá-las. Em dado momento, ela se apresenta como luta, em outros, como dança, ou ainda, como jogo. Reconhecermos tais possibilidades é imprescindível para aqueles(as) profissionais que as abordarão. Mesmo para aque- les(as) que não têm a intenção de abordá-las, tais questões nos permitirão repensar a forma como vemos tantas outras práticas corporais. Essa lógica multidimensional foi consolidada ao longo do tem- po, ou seja, em diferentes contextos, a capoeira se adequou à estrutura social vigente, agregando à sua própria estrutura uma nova forma de representação. E se falaremos do percurso social da capoeira, co- mecemos do princípio e discutamos as questões ati- nentes às suas origens. EDUCAÇÃO FÍSICA 19 20 CAPOEIRA Prezado(a) aluno(a), no tópico anterior, as nossas discussões buscaram identificar o sentido atribuído à capoeira e buscamos entender o que é a capoeira, se uma luta, uma dança, um jogo etc. Chegamos à conclusão que a característica primeira dessa ma- nifestação corporal é, justamente, a sua polissemia de sentidos. Ou seja, a capoeira é tanto luta quanto dança, quanto jogo. Um dos argumentos apresenta- dos foi que a sua multidimensionalidade se deve à sua ligação com a lógica tradicional, cuja coexistên- cia de diversos sentido é bastante comum. Então, caro(a) aluno(a), eu lhe convido a me acompanhar na leitura de hipóteses que tratam das origens da capoeira. E quem sabe encontrarmos, aí, indícios que nos permitam entender melhor a lógica dessa prática corporal. Iniciaremos a nossa reflexão com algumas ques- tões. Esta postura nos ajudará a manter uma direção precisa, ou, pelo menos, evitará que nos peguemos sem direção. Uma primeira questão referente à ori- gem da capoeira, tanto no meio acadêmico quanto no universo cultural da própria prática corporal e que, por vezes, culmina em discussões acaloradas, é se a capoeira é africana ou brasileira. É recorren- te o discurso que apresenta a capoeira como uma manifestação, genuinamente, brasileira. E você, o que acha? Não responda ainda! Pois outras tantas questões serão postas, dentre elas: se a capoeira é Capoeira EDUCAÇÃO FÍSICA 21 africana, por que em locais onde africanos foram traficados e escravizados não há registros da sua presença? E por que na própria África não há regis- tro da capoeira? Se ela é brasileira, onde foi criada? Com que finalidade? Veja que são muitas questões. Quando falamos de capoeira, a unanimidade de opiniões só ocorre quanto à imprecisão e às con- trovérsias, sobretudo se o tema tratado é o da sua origem. Entretanto, de maneira geral, as discussões referentes às origens da capoeira têm orbitado em torno de três hipóteses, ou três “mitos fundadores”, como nos apresenta o Iphan (2007, p. 11): 1. A capoeira nasceu na África central e foi trazida intacta por africanos escravizados. 2. A capoeira é uma criação de escravos qui- lombolas no Brasil. 3. A capoeira é criação dos índios, daí a ori- gem do vocábulo que nomeia o jogo. Preservadas as devidas especificidades argumentati- vas, Abreu (s. d.) já refletia acerca da origem da ca- poeira em seu clássico romance do final do século XIX, Os Capoeiras, ao afirmar que: Uns atribuem-na aos pretos africanos, o que julgo um erro pelo facto de que na África não é conhecidaa nossa capoeiragem, e sim, algumas sortes de cabeças. Aos nossos índios também não se pode atribuir, porque apesar de possuí- rem a ligeireza que caracteriza os capoeras, con- tudo, não conhecem os meios que estes empre- gam para o ataque ou defesa. O mais racional é que a capoeragem creou-se, desenvolveu-se e aperfeiçoou-se entre nós (ABREU, s. d., p. 1). Basta que ignoremos a ordem dos argumentos ex- postos nas duas citações e constataremos que, tanto em uma quanto em outra, a questão da origem da capoeira é concebida a partir de uma matriz africana nata, por uma matriz indígena ou por uma matriz que comporta elementos africanos e cujo desenvol- vimento se deu em território brasileiro. Pensemos, então, a origem da capoeira a partir de cada uma dessas matrizes. Dentre elas, talvez a concepção indígena seja a que careça de mais es- tudos, uma vez que os argumentos em sua defesa estão fundamentados, basicamente, na questão ter- minológica. No entendimento de Abreu (s. d.), a principal justificativa que impossibilitaria a criação da capoeira por grupos indígenas repousa no des- conhecimento, por parte desses grupos, das técni- cas corporais, especialmente as de ataque e defesa, características da capoeira. O Iphan (2007) reforça a impossibilidade de sustentação da tese da origem indígena, argumentando a inexistência de docu- mentação, ou mesmo de relatos que reivindicam a paternidade da capoeira. De fato, Lussac (2015), ao analisar as possibilida- des das origens indígenas da capoeira e as possíveis contribuições dos índios brasileiros no desenvolvi- mento do jogo-luta, conclui que, apesar das possibi- lidades de interação entre negros e índios em trocas culturais, ainda não é possível afirmar que existiram contribuições, diretamente, ligadas a grupos indíge- nas brasileiros. Por qual motivo, então, cogita-se a possibilidade de a capoeira ser brasileira e criada por índios bra- sileiros? O elo entre estas culturas (e que serve de argumento) parece ser o vocábulo que nomeia a ma- nifestação. Uma vez que o termo capoeira “faz parte da língua tupi e significa ‘mato ralo’, o que remete a uma das explicações sobre sua origem. Diz respeito ao mito do escravo fugitivo que surpreenderia seus algozes na capoeira, local da cilada” (IPHAN, 2007, p. 12). Entretanto, há divergências mesmo quanto 22 CAPOEIRA à terminologia. Rego (1968) demonstra, fortemen- te, inclinado a aceitar outra acepção etimológica do termo capoeira, uma que defende a origem do vocá- bulo a partir do termo “capão”. Tendo como base capão, do qual Adolfo Coelho tirou o étimo de capoeira para o português, Be- aurepaire Rohan faz o mesmo para o vocábulo capoeira na acepção brasileira, apresentando, em defesa de sua opinião, a seguinte explicação: - Como o exercício da capoeira, entre dois in- divíduos que se batem por mero divertimento, se parece um tanto com a briga de galos, não duvido que este vocábulo tenha sua origem em Capão, do mesmo modo que damos em portu- guês o nome da capoeira a qualquer espécie de cesto em que se metem galinhas (REGO, 1968, p. 24). Outro estudioso que tem se destacado no debate acerca da origem da capoeira é Matthias Rohring Assunção (2012). Este autor nos apresenta uma perspectiva que considera duas “narrativas-mes- tres”; uma versão nacionalista e uma versão afro- cêntrica. A primeira “enfatiza tudo que a capoeira tem de novo, para ressaltar a sua originalidade e, portanto, a originalidade da cultura brasileira”, en- quanto que a versão afrocêntrica “ressalta apenas aspectos ‘derivados da África’ para demonstrar que a capoeira é, antes de tudo, africana” (ASSUNÇÃO, 2012, p. 1). Você, obviamente, se atentou ao fato de a hipó- tese indígena não compor os argumentos desse au- tor, não é? De fato, no universo cultural da capoeira, as discussões em torno de sua origem podem ser entendidas, de forma bastante simplificada, como polarizadas entre África e Brasil. Discutamos, do- ravante, os argumentos que consideram a capoeira uma manifestação africana. De acordo com Rego (1968), o fato de histo- riadores e africanistas apresentarem certa tendên- cia de apontarem Angola como o ponto de partida dos primeiros negros trazidos como escravos para o Brasil gerou forte aceitação e perpetuação, sobre- tudo entre os capoeiras, à ideia desta manifestação corporal ter vindo da África. Vicente Ferreira Pas- tinha (1988), um dos mestres mais expressivos da capoeira Angola, senão o mais, afirma que “não há dúvida que a capoeira veio para o Brasil com os es- cravos africanos” (PASTINHA, 1988, p. 26). O mes- tre afirma também que o próprio nome “capoeira Angola” se deve ao fato de os negros angolas terem se sobressaído na prática da capoeiragem, ao menos no contexto baiano. Entretanto, Gerhard Kubik, ci- tado por Jardim (1976), não encontra qualquer co- notação cultural com a África na expressão capo- eira Angola, afirmando ser uma criação brasileira. A expressão é utilizada para designar um estilo de capoeira o qual abordaremos mais adiante, em um momento mais oportuno. Por ora, nos detenhamos à questão da origem. Estamos discutindo a vertente que considera a capoeira africana, e vimos que esta hipótese encon- trou bastante aceitação entre os capoeiras. É impor- tante ter em mente que estamos abordando, em um ambiente acadêmico em que se privilegia a visão científica do mundo, uma manifestação cuja pro- dução de conhecimento, bem como a difusão des- se conhecimento, apresenta uma dinâmica bastante distinta do mundo acadêmico científico. A lógica da capoeira, bem como da maioria das manifestações oriundas do universo da cultura popular, privilegia a figura do mestre como um guardião do saber e, por- tanto, responsável pela transmissão desse saber. Este processo de transmissão se dá, predominantemente, de maneira informal, sobretudo por meio da orali- EDUCAÇÃO FÍSICA 23 dade. Neste sentido, a figura do mestre está envolta em uma espécie de aura que finda por legitimar os seus discursos. Não foi somente entre os capoeiras que foi aceita e difundida a hipótese dessa manifestação corporal ter a sua origem na África. Edison Carneiro (1957;1977) foi um dos intelectuais que defenderam a ancestrali- dade africana da capoeira, ao expor esta como um “jogo de destreza que tem suas origens remotas em Angola” (CARNEIRO, 1977, p. 3). Outro intelectu- al com contribuição significativa para a difusão e a aceitação da origem africana da capoeira foi Luís da Câmara Cascudo (1959; 1967). Em sua obra Folclo- re do Brasil: pesquisas e notas, o autor afirma que “a unanimidade das fontes brasileiras indica a capoeira como tendo vindo de Angola” (CASCUDO, 1967, p. 181). O autor que, na época da referida publicação, era presidente da comissão brasileira de folclore, de- fende de forma contundente a teoria da capoeira ter como elemento ancestral o N’golo. Da perspectiva de Cascudo (1967), a capoeira seria o desdobramento de técnicas que compunham, na África, tanto lutas quanto ritos cerimoniais. A capoeira seria, desta for- ma, uma versão brasileira do n’golo. O n’golo, ou dança da zebra, como também é conhecido, é uma dança em forma de comba- te típico de povos do sul de Angola, que ocorre durante a enfudula. Neste rito de passagem, o vencedor do n’golo tem o direito de escolher a esposa sem ter de pagar o dote esponsalício. Fonte: Cascudo (1967). SAIBA MAIS Figura 2 - “N’golo”. Aquarela de Albano Neves e Sousa, 1955-1956. Fonte: Assunção (2012, p. 3). 24 CAPOEIRA O próprio Cascudo (1967, p. 185) afirma: “o n’golo é a capoeira”. As conclusões do autor estão embasadas na descrição de Albano Neves e Souza, um poeta, pintor e etnógrafo a quem Cascudo atribuiu o mé- rito do desvelamento da ancestralidade da capoeira. Em linhas gerais, Neves e Souza descreveu, por meio de cartas, o andamento do n’golo, e é a partir de tal descrição que Cascudo concluiu ser o n’golo o cerne da capoeira. Na transcrição que segue, poderemosacompanhar o raciocínio de Albano Neves e Souza e o seu entendimento de como algumas práticas cor- porais, entre elas o n’golo, chegaram ao Brasil. Os escravos das tribos do sul que foram para aí através do entreposto de Benguela levaram a tradição da luta de pés. Com o tempo, o que era, em princípio, uma tradição tribal, foi-se transformando numa arma de ataque e defe- sa que os ajudou a subsistir e a impor-se num meio hostil. Razão da sua permanência nos meio urbanos. O pastor sem rebanho torna-se um marginal. Os piores bandidos de Benguela em geral são Muxilengues que na cidade usam os passos do N’golo como arma. Em Luanda, esses passos, possivelmente trazidos do sul, chamam-se Bassula. Até no nome há qualquer que sugere a origem da luta nos povos pasto- ris do sul. Ba-ssula, os do sul. Em Luanda, os técnicos desse tipo de luta são os pescadores da ilha que se engajam como marinheiros dos palhabotes, que fazem viagens pela costa até Mossâmedes. Outra das razões que me levam a atribuir a origem da Capoeira ao N’golo é que, no Brasil, é costume dos malandros tocarem um instrumento aí chamado de Berimbau e que nós chamamos hungu, ou m’bolumbumba, conforme os lugares e que é tipicamente pasto- ril, instrumento esse que segue os povos pasto- ris até a Swazilândia, costa oriental de África (CASCUDO, 1967, p. 186). A citação é bastante extensa, porém necessária. Ob- serve a quantidade de detalhes apresentada pelo au- tor. Quero lhes chamar a atenção para duas práticas corporais citadas, o n’golo e a bassula. Figura 3 - Ilustração de movimentos da Bassula Fonte: Cultura (2012). EDUCAÇÃO FÍSICA 25 Há, todavia, alguns pontos na ideia do n’golo ou de outras práticas corporais específicas como ancestrais diretas da capoeira que são questionados por Assun- ção e Peçanha (2008), por exemplo, o fato da não transmissão da capoeira pelos “mestres africanos”. A presença do berimbau foi outro argumento apresen- tado por Cascudo (1967) para sustentar a sua teoria, sem, contudo, nos trazer maiores detalhes da relação de tal instrumento com o n’golo. O autor limitou-se apenas a registrar a popularidade do instrumento em terras africanas. A este respeito, Assunção (2012, p. 12) nos esclarece que “na África, os arcos musicais não acompanham jogos de combate” como o n’golo, por exemplo. Há de se destacar que, na imagem analisada, no tópico anterior, “o jogo da capoeira” de Rugendas (s. d.), o berimbau não apareceu como componente da luta. Apesar do berimbau ter sido registrado pelo pintor alemão, no Brasil, no mesmo período, ao que tudo indica, o referido instrumento estava relacio- nado a outras atividades, e não à manifestação da capoeira. Assunção (2012) entende que a capoeira não pode ser tomada como simples desdobramento do n’golo no Brasil. Contudo, reconhece a inegável pre- sença na capoeira de elementos que remetem tanto ao n’golo quanto a outros jogos de combate africa- nos. Metaforicamente, nos diz o autor, que o n’golo é um primo distante da capoeira. A partir dos argumentos expostos, inferimos não haver consenso quanto à aceitação da tese que trata a origem da capoeira por sua vertente africa- na. A terceira tese exposta no início deste tópico defende a sua origem brasileira. Rego (1968, p. 31) é um dos autores que defendem tal hipótese e con- clui que “no caso da capoeira, tudo leva a crer que seja uma invenção dos africanos no Brasil, desen- volvida por seus descendentes afro-brasileiros”. Por esse viés, a capoeira é vista não como uma criação brasileira, mas sim, afro-brasileira, uma manifesta- ção criada a partir de elementos culturais africanos em nossas terras. Em convergência com Rego (1968), Soares (1999) enfatiza a teoria de a capoeira ser uma inven- ção dos escravos no Brasil, isto é, negros de diversas etnias africanas, submetidos ao contexto da escra- vidão, mesclaram diversos traços culturais, dando origem a uma gama infinda de manifestações, en- tre elas, a capoeira. Soares (1999, p. 26) a entende como uma espécie de “síntese de uma disparidade de ritos, rituais e danças, cerimoniais e guerreiras, ela representou a forma cultural possível que jovens africanos encontraram de responder às violências e demandas de uma sociedade urbana hostil”. Então, podemos encerrar o debate em torno das origens da capoeira? Não, claro que não! Muitas ou- tras questões têm sido levantadas. A maioria delas giram em torno de especificidades, como o local de origem, o ambiente, se urbano ou se rural, se nos quilombos ou em um quilombo em específico, como o de Palmares, e por aí vai... Por agora, precisamos reconhecer que este é um momento de introdução a tal temática e, nesse sentido, tivemos contato com uma quantidade significativa de argumentos. Para continuarmos a nossa incursão ao universo cultural da capoeira, analisaremos como esta manifestação cultural foi tratada ao longo de seu desenvolvimen- to. Espero contar com a sua estimada companhia no tópico seguinte. Até lá! 26 CAPOEIRA Olá, prezado(a) aluno(a). Neste tópico, trataremos de um tema, no mínimo, curioso. Tentaremos en- tender como se deu o processo de criminalização da capoeira. Isto mesmo, essa mesma capoeira que, hoje, transita livremente por diferentes níveis edu- cacionais, desde o ensino infantil, passando pelo fundamental e médio e que compõe o currículo de renomadas universidades, já foi considerada uma prática criminosa. Reflitamos um instante sobre isso. Neste momento, estamos inseridos em um cur- so universitário de formação profissional, e não de qualquer profissão, mas sim, de uma área que, por meio da abordagem de práticas corporais, se pro- põe a contribuir com a educação das gerações mais novas de nossa sociedade. E é, nesse contexto, que a capoeira se insere como uma dessas práticas cor- porais que podem auxiliar no processo educativo. A questão é, se, atualmente, consideramos a capoeira uma prática virtuosa, o que a fez ser tratada como criminosa? Primeiramente, pensamos que seja muito útil considerarmos a dinamicidade histórica, ou seja, olharmos, historicamente, um dado contexto com to- dos os seus elementos e reconhecer que tal contexto não é estanque. Pois bem, será com esse olhar, histori- camente situado, que nos debruçaremos no texto a se- guir, no qual procuraremos entender como a capoeira que, hoje, transita livremente por toda sociedade foi, em dado momento, considerada uma prática ilegal. CAPOEIRA, uma Atividade Criminosa EDUCAÇÃO FÍSICA 27 Uma informação que vale a pena retomarmos se refere às suas origens, mais precisamente aos seus criadores. No tópico anterior, nós vimos que, a res- peito de sua origem ser africana ou brasileira, são aos negros escravizados, aqui, no Brasil, a quem se atribui a criação da capoeira, tal criação sendo rea- lizada por meio de um processo de convergências culturais. E este é um aspecto importante para a nos- sa discussão, visto que, por muito tempo, a capoeira esteve restrita ao universo escravo, sendo uma prá- tica escrava. E que, posteriormente, esse escravo, ao abandonar tal condição, não encontrou uma estru- tura social que o considerasse e o tratasse como um cidadão de direitos, restando-lhe viver à margem da sociedade. Em condição marginal, viveu não apenas o ne- gro, mas também boa parcela dos imigrantes que vieram para o Brasil, após a abolição da escravatura. Esse cenário nos ajuda a entender como esta popu- lação entregue à própria sorte, por vezes, fez uso de práticas, como a capoeira, para, em busca da garantia da sobrevivência, cometer delitos. Desta forma, um dos muitos sentidos atribuídos à capoeira ao longo de sua história e, consequentemente ao seu prati- cante, foi o de uma atividade marginal. Uma práti- ca que representa demérito social, como nos afirma Cascudo (1967, p. 188): “a capoeira é sempre uma atividade de vadios urbanos”. Ao que Rego (1968, p. 291) endossa: “o capoeira desde seu aparecimento foi considerado umamarginal, um delinquente, em que a sociedade deveria vigiá-lo, e as leis penais, en- quadrá-lo e puni-lo”. E assim se fez, pois o código criminal de 1830 do Império do Brasil, mesmo sem fazer nenhuma menção explícita ao capoeira, enquadrava-o indi- retamente. Isso porque o capoeira era reconhecido socialmente, naquele período, como desocupado, um sujeito sem profissão, logo, se enquadrava no Capítulo IV, Art. 295, que trata dos “vadios e mendi- gos”. Naquele momento, a capoeira era considerada uma forma de contravenção, o que já era suficiente para que cerca de 9% das prisões efetuadas entre os anos de 1819 e 1821, na cidade do Rio de Janeiro, apresentassem, como motivo registrado, “capoei- ra”. Isto significa que, das 4.853 prisões realizadas, 438 ocorreram pela acusação de prática da capoeira (ALGRANTI, 1988). Pensando em localidades específicas como a ci- dade do Rio de Janeiro, a capoeira esteve associa- da às ações de grupos bem organizados, chamados de maltas, que representaram momentos de terror aos citadinos. Luiz Sergio Dias, em sua obra de títu- lo sugestivo, Quem Tem Medo da Capoeira? (2001), analisou a capoeiragem, no Rio de Janeiro, no sé- culo XIX, e identificou em tal prática a conjunção da agilidade, ousadia e organização, mas, sobretudo uma incrível capacidade de incutir temor em grande parcela da população. Deste modo, a capoeira, ou capoeiragem, como a prática era denominada na época, representava um problema de segurança pública. E logo foi en- quadrada como crime no código penal da República dos Estados Unidos do Brasil. A capoeiragem e os capoeiras, os seus praticantes, receberam tratamen- to específico no código de 11 de outubro de 1890, em seu Capítulo XIII, que trata “Dos vadios e capo- eiras” onde fica estabelecido que: Art. 402 – Fazer nas ruas e praças públicas exer- cício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação capoeiragem: andar em cor- rerias, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou in- certa, ou incutindo temor de algum mal: 28 CAPOEIRA Pena – prisão celular por dois a seis meses. Parágrafo único – É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a algum bando ou malta. Aos chefes ou cabeças se imporá a pena em dobro. Art. 403 – No caso de reincidência será apli- cada ao capoeira, no grau máximo a pena do art. 400 [Pena de um a três anos em colônias penais que se fundarem em ilhas marítimas, ou nas fronteiras do território nacional, podendo para esse fim serem aproveitados os presídio militares existentes]. Parágrafo único – Se for estrangeiro será de- portado depois de cumprir a pena. Art. 404 – Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídios, praticar lesão corporal, ultrajar o pudor público e particular, e pertur- bar a ordem, a tranqüilidade e a segurança pú- blica ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes (SOARES, 1999, p. 338). No entendimento de Reis (2000), a oficial crimina- lização da capoeira foi fruto da idealização de um projeto modernizador do país concebido para a re- cém-proclamada República. Neste sentido, o negro, ainda, em maior número, enquanto praticante da capoeira, era tido como representante de um perí- odo que se deseja superar, a monarquia, mas que, acima de tudo, representa, de acordo com as teorias de evolução social que vigoravam na época, atraso e inferioridade. O projeto de um Brasil moderno e ci- vilizado implicava, naquele momento, em suprimir a herança africana. Portanto, não é só por uma ques- tão de ordem ou desordem, mas também por uma questão de eugenia. De acordo com Soares (1999), a empreitada con- tra os capoeiras teve na figura de João Batista Sam- paio Ferraz o seu maior representante. Ocupando o cargo de primeiro chefe de polícia do regime repu- blicano, Sampaio Ferraz, que ficou conhecido pela alcunha de “cavanhaque de aço”, foi retratado pela crônica literária da época como um herói que, ao desarticular as maltas de capoeira, “livrou a cidade e seus habitantes de um flagelo que a dominava há mais de cem anos” (SOARES, 1999, p. 329). Há outra questão acerca do processo de crimina- lização da capoeira e destacada por Araújo (2005), que consideramos importante para as nossas discus- sões. Para o autor, houve uma generalização na cri- minalização da prática da capoeira, sobretudo, pela ausência da conceituação precisa de quem eram os seus praticantes. Araújo (2005, p. 25), após realizar os devidos enquadramentos temporais e espaciais, conceitua os capoeiras como: “indivíduo(s) que pro- moviam ações criminosas, que atentam contra a in- tegridade física e patrimonial dos cidadãos, nos es- paços circunscritos dos centros urbanos ou áreas de entorno”. A confusão conceitual se dá na medida em que o praticante da capoeiragem também foi defini- do como um capoeira, o que o levou a ser confun- dido com todo o tipo de malfeitores. Logo, conclui o autor (2005, p. 26), “grande parte dos praticantes da luta/jogo conhecida por capoeira seriam efetivos capoeiras, entretanto, nem todos os capoeiras po- deriam ser considerados efetivos praticantes desta manifestação”. Isso significa que todo o indivíduo socialmente desajustado era tratado como capoeira, sem que fosse necessariamente um praticante da ca- poeiragem. Tal fato trouxe implicações aos pratican- tes, os quais, mesmo não sendo desordeiros, passa- ram a ser considerados e tratados como tal. EDUCAÇÃO FÍSICA 29 É incontestável que, de sobremaneira, no espa- ço urbano, malfeitores e arruaceiros fizeram uso de suas habilidades corporais, ocasionando temor à po- pulação. Por agora, é importante que nós reflitamos acerca do contexto social, no qual a capoeira figurou para que possamos entender a suas características e, sobretudo, a sua dinâmica. Se, no tópico que esta- mos prestes a encerrar, discutimos o contexto que levou a capoeira a ser considerada uma prática cri- minosa, não nos esqueçamos que as ações sociais, a grosso modo, não se dão de forma unânime. Con- vido-lhe, prezado(a) aluno(a), à leitura do tópico seguinte, onde buscaremos demonstrar que havia aqueles que defendiam e enalteciam as qualidades da capoeira como prática corporal. 30 CAPOEIRA Olá, prezado(a) aluno(a). Iniciaremos o nosso quar- to tópico de discussões sobre o desenvolvimento histórico da capoeira, fazendo uma breve reflexão daquilo que já discutimos até aqui! Em um primeiro momento, procuramos identificar os diferentes sen- tidos atribuídos à capoeira, discutimos, naquele mo- mento, se ela é luta, jogo ou dança. Em seguida, nos foram apresentadas algumas teorias que discutem a sua origem, e percebemos que, desde as primeiras descrições dessa manifestação, já havia um sentido dúbio! E com o intuito de entender o processo de criminalização da capoeira, transitamos pela leitura de autores que demonstraram como a prática cor- poral capoeira, sendo utilizada como instrumento de delito por uma parcela de seus praticantes, teve o seu sentido generalizado a todos os praticantes. Para o tópico que segue, caro(a) aluno(a), pretendemos descrever o processo de reestruturação da capoeira que a levou a ser socialmente aceita. Comecemos a nossa conversa com uma imagem. Talvez, na fotografia a seguir (Figura 4), reconhe- çamos com alguma facilidade pelo menos um dos rostos retratados, o do, então, presidente da Repú- blica, Getúlio Vargas. O que há de especial para nós nessa imagem? É que ela registra o presidente, cum- primentando Manuel dos Reis Machado, o mestre Bimba após uma apresentação de capoeira realizada pelo mestre e os seus discípulos em 1953. Na oca- sião, Getúlio Vargas, impressionado pelo que viu, te- ria se referido à capoeira como “a única colaboração autenticamente brasileira à educação física, devendo ser considerada a nossa luta nacional”. Ascensão Social da Capoeira EDUCAÇÃO FÍSICA 31 Este foium momento decisivo para a história da capoeira. Você deve lembrar que, a poucas páginas atrás, discutíamos o seu status de prática criminosa e, agora, visualizamos um presidente da República, cumprimentando um mestre representante dessa manifestação e a reconhecendo como contribuição à Educação Física. Retomaremos, então, alguns pon- tos para entendermos o percurso que levou a capo- eira à legalidade. Se a partir da proclamação da República, na úl- tima década do século XIX, houve a intensificação da repressão policial aos capoeiras e à capoeiragem como um todo, havia, no mesmo período, um mo- vimento de reabilitação da capoeira encabeçado por alguns intelectuais, políticos e militares (PIRES, 2010). Esse movimento é descrito por Pires (2010, p. 138) como um “processo histórico que se propagou por todo o Brasil e influenciou uma nova invenção para a prática da capoeira”. Este processo contou com iniciativas mais contundentes no Rio de Janeiro e na Bahia. Em ambos os casos, ficava evidente o de- sejo do distanciamento da criminalidade que outro- ra caracterizou a manifestação, o que somente seria possível, atribuindo-lhe um caráter desportivo. É possível verificarmos que, na ânsia de revita- lização da capoeira, alguns autores, a exemplo de Alexandre José de Mello Moraes Filho (1816-1882), questionam a própria origem da manifestação. Para este autor (1979, p. 261), a forma como a capoeira se apresentava, lamentavelmente, ligada à margina- lidade, se dera pelos “excessos cometidos pelo povo baixo, que a afogou nas desordens”. Segundo a pers- pectiva do autor, o passado da capoeira era nobre e glorioso, mas foi depreciado a partir do momento que a sua prática tornou-se majoritariamente negra. Reis (2000, p. 62) entende o discurso apresentado por Moraes Filho como uma forma de apropriação simbólica da capoeira, entendendo que ele procurou “afastar dela [a capoeira], ou pelo menos minimizar a sua herança étnica africana, a fim de que lhe fosse possível, através de seu embranquecimento, civilizar- -se, tornando-a um símbolo de distinção nacional”. Figura 4 - Mestre Bimba sendo cumprimentado pelo presidente Getúlio Vargas, Salvador, 1953 Fonte: Campos (2009). 32 CAPOEIRA Seguindo esta linha de reestruturação da ca- poeira, atribuindo-lhe um caráter esportivo, por- tanto, socialmente aceito e valorizado, é que, em 1907, foi editado o opúsculo Guia do Capoeira ou Ginástica Brasileira como a primeira tentativa de criar um método para o ensino dessa manifesta- ção. O autor desse opúsculo apresenta-se com o pseudônimo de O.D.C. e é descrito como um “dis- tinto oficial do exército brasileiro, mestre em to- das as armas, professor de militares e habilíssimo na ginástica defensiva ou a verdadeira capoeira” (O.D.C., 1907, p. 1). Talvez você esteja se perguntando: como um ofi- cial do exército seria um habilidoso capoeira, já que estamos falando de uma prática criminosa? Lembre- -se dos argumentos apresentados por Araújo (2005) quanto à generalização do termo capoeira. Este foi utilizado para designar toda a sorte de malfeitores, e também os praticantes da capoeiragem, no entan- to, nem todo malfeitor era praticante e nem todo praticante era malfeitor. No início do século, eram chamados de cultores aqueles sujeitos da elite adep- tos da prática da capoeiragem. Parte desse cultores entendia a iniciativa de esportivização da capoeira- gem como a única forma de redenção. São muitos os defensores desta proposta, nomes de peso da épo- ca, como o deputado Coelho Neto, “Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco (Parlamentar), Lite Ribeiro (Parlamentar) Luiz Murat (Jornalista e Parlamentar) Castro Soromento (Parlamentar) e outros” (PIRES, 2010, p. 139). Em 1909, outro fato trouxe notoriedade à ca- poeira. Naquele ano, o estivador Ciríaco Francisco da Silva, de 38 anos, derrotou o lutador de jiu-jitsu Sada Miako. De acordo com Moura (2009, p. 127), a vitória de Ciríaco sobre Miako “contribuiu deci- sivamente para a credibilidade, a difusão, o renas- cimento da capoeiragem, que atravessava uma fase de declínio, de ostracismo”, a qual enfrentava des- de o processo de repressão policial deflagrado por Sampaio Ferraz. Figura 5 - Reportagem de “A Careta” de 29 de maio de 1909 Fonte: A Careta (1909, on-line)2. Apesar da pugna entre Ciríaco e Miako trazer vi- sibilidade à capoeira, em especial, no rol das artes marciais, o processo de sistematização demoraria, aproximadamente, mais duas décadas, quando, em 1928, a obra Gynastica Nacional (capoeiragem) Me- thodizada e Regrada, escrita por Annibal Burlama- qui, propõe uma metodologia não só de ensino, mas também de estruturação da capoeira com caráter desportivo, com regras bem definidas para o com- bate. A obra é tida como um ponto de ruptura com uma tradição social predominante, durante todo o EDUCAÇÃO FÍSICA 33 século XIX, que vinculava o capoeira ao estereóti- po do malandro e do vadio. Opondo-se diametral- mente a essa tradição social, Burlamaqui desponta como “sportman”, como um capoeira desportista (PIRES, 2010). Neste mesmo sentido de ruptura, Araújo (1997) analisa a obra de Burlamaqui (1928) como um marco fundamental da transformação da capoeira em prática desportiva ao evidenciar os as- pectos positivos dessa manifestação até, então, mar- ginalizada. Desta perspectiva, a capoeira se igualaria a outros métodos gímnicos, lutas e desportos, mas, sobretudo, ficava evidente “os benefícios de ordem física e moral advindos do desenvolvimento desta manifestação corporal, sem, contudo, desconsiderar a sua essência como uma prática de defesa pessoal” (ARAÚJO, 1997, p. 208). O discurso de Burlamaqui (1928) apresenta a pretensão de elevar a capoeira ao consagrado mun- do dos esportes atribuindo-lhe, então, regras bem definidas. Entretanto, a despeito dessas iniciativas de legitimação serem advindas do cenário carioca, ainda nas duas primeiras décadas do século XIX, foi a partir do advento da capoeira regional que se deu a inserção da prática no rol das modalidades des- portivas brasileiras (VIEIRA, 1998). Nós teremos a oportunidade de entendermos a capoeira regional, quando falarmos dos estilos de capoeira, os quais se- rão apresentados na unidade seguinte. Por ora, bas- ta saber que o contexto baiano passou, a partir da década de 30, a irradiar hegemonicamente os pre- ceitos de uma capoeira esporte, mas carregada de tradicionalidade. Destacaram-se, neste processo, os mestres Bimba e Pastinha, respectivamente, o cria- dor da capoeira regional e o maior expoente da ca- poeira angola. O discurso desses mestres, guardadas as devidas proporções, refletia a preocupação com a legitimação social da capoeira. Para que os anseios de ambos os mestres fossem efetivados, Reis (2000, p. 96) ressalta que: A capoeira teria que sair das ruas e limitar-se ao espaço fechado das academias. Através da cria- ção de uma pedagogia para ensino da capoeira, os dois mestres (principalmente Bimba) envi- daram esforços para ampliar o espectro social e étnico dos praticantes de capoeira, buscando a adesão das classes médias e brancas da cidade de Salvador. Por meio do processo de retirada da capoeira das ruas e dos terreiros, onde era praticada às escondi- das, operou-se uma mudança na lógica da própria manifestação. A capoeira passou a ser vista não mais como uma prática violenta, marginal e indisciplina- da. Foi, nesse contexto, que ela se consolidou como uma prática corporal utilitária, destinada “para fins pacíficos, voltados apenas para preservação da in- tegridade física de seus iniciados, como também para o ensino da educação física de caráter técnico e profissional” (ARAÚJO, 1997, p. 218). Aliás, me- rece destaque o fato de que, quando o mestre Bim- ba conseguiu o certificado de registro oficial para o funcionamento do Centro de Cultura Física e Ca- poeira Regional, expedido em 1937, tal documento lhe foi conferido pela Secretária de Educação, Saúde e Assistência Pública da Bahia.Tal órgão qualificou o “ensino de sua capoeira como ensino de Educação Física” (REGO, 1968, p. 282). O reconhecimento e o prestígio alcançados pelo mestre Bimba levaram-no a demonstrar a sua capoeira regional ao dirigente máximo da nação, naquela apresentação, em 1953, que Araújo (1997) considerou como um momento expressivo no que se refere ao reconhecimento e à afirmação social da capoeira como prática desporti- va e como luta. 34 CAPOEIRA A sua oficialização como manifestação despor- tiva, no entanto, tramitaria entre as décadas de 60 e 70. Dois congressos nacionais de capoeira foram patrocinados e organizados pela Comissão de Des- portos do Ministério da Aeronáutica, nos anos de 1968 e 1969, ambos na cidade do Rio de Janeiro. O objetivo desses congressos era discutir a institucio- nalização dessa prática (FRIGERIO, 1989; ARAÚJO, 1997; REIS, 2000). Para Lyra Filho (1973), somente por meio de sua institucionalização a capoeira teria concretamente reconhecimento social. O Conselho Diretor da Confederação Brasileira de Pugilismo, por meio de uma comissão de mestres e estudiosos da capoeira, ficou responsável por ela- borar um regulamento técnico que permitisse enquadrar a capoeira nos parâmetros competitivos. Em 26 de de- zembro de 1972, foram homologadas as con- clusões apresentadas pelo relator da comissão, o general Jair Jordão Ramos (ARAÚJO, 1997), as quais passaram a vigorar em 1º de janeiro de 1973 (CAMPOS, 2001). Para Frigerio (1989), o desenvol- vimento da capoeira como prática des- portiva ocasionou diversas implicações tanto para a prática quanto para a concepção da própria manifestação. Sem a intenção de discutir profun- damente tais transformações, basta que nos lem- bremos do primeiro tópico desta unidade, no qual discutimos as concepções de capoeira e vimos que já são muitas: luta, jogo, dança... Pois é! Por conta do processo de reestruturação, visando a sua re- denção social, mais um foi incorporado. Pensa- mos que seja pertinente à retomada de uma breve reflexão. A ascensão social da capoeira se deu de forma tão efetiva que hoje é ensinada nas escolas e universidades, mas com que sentido? Quando abordada nas aulas de Educação Física, a capoeira é apresentada como esporte? E o que significa esta classificação? 35 considerações finais Caro(a) aluno(a), chegamos ao final da primeira unidade, na qual discutimos, so- bretudo, questões relacionadas ao desenvolvimento histórico da capoeira. Nesta unidade, nós tivemos a oportunidade de refletir a abordagem da capoeira, quan- do nos questionamos a sua definição. Nós podemos perceber que se trata de uma manifestação da cultura corporal, cujos sentidos e significados coexistem. Neste contexto, a capoeira é uma luta, um jogo, uma dança, um esporte... Tudo ao mes- mo tempo. A fim de entendermos como a capoeira surgiu, deparamo-nos com argu- mentos que vislumbram tal manifestação como de origem africana, outros que a percebem como uma criação de africanos escravizados no Brasil, portanto, afro-brasileira, e há aqueles que argumentam uma origem indígena. Dentre tais hipóteses, a mais aceita, atualmente, é aquela que concebe a capoeira como um processo de encontro de culturas africanas em terras brasileiras. Além disso, vimos como a figura do capoeira e da própria manifestação foi enquadrada no código penal, inicialmente, como contravenção, e a partir de 1890, como crime. Isto porque a capoeira foi utilizada como instrumento para promover desordem e tumultos pelas maltas, especialmente, na cidade do Rio de Janeiro, desde os tempos do Império, o que desencadeou um processo de perse- guição e extermínio de tais grupos. Se por um lado, havia quem desejasse o fim da capoeira, por considerá-la um flagelo social, por outro, havia quem defendesse as suas qualidades atléticas e a sua representatividade nacional. Foi com o intuito de elevar a capoeira ao panteão desportivo que alguns entusiastas apresentaram propostas de reestrutu- ração, apresentando-a como um desporto, genuinamente, brasileiro. Pensamos, prezado(a) aluno(a), que a leitura desta unidade nos permitiu vi- sualizar alguns detalhes dessa prática corporal que, apesar de ser bastante conhe- cida, ainda, carece de esclarecimentos e desmistificações sobre certos aspectos. 36 atividades de estudo 1. Ao longo desta unidade, nós tivemos a oportuni- dade de refletir acerca da abordagem da capo- eira. Para tanto, questionamos-nos sobre a sua definição. Nesse sentido, como podemos definir a capoeira? 2. Disserte sobre as origens da capoeira. 3. No que se refere às discussões em torno das ori- gens da capoeira, assinale a alternativa correta: a) A hipótese mais aceita, atualmente, é aquela que concebe a capoeira como uma manifestação criada na África e trazida in- tacta para o Brasil. b) A hipótese mais aceita, atualmente, é aquela que concebe a capoeira como um processo de encontro de culturas africa- nas em terras brasileiras. c) A hipótese mais aceita, atualmente, é aquela que concebe a capoeira como uma criação indígena que fora assimilada pelos negros africanos. d) A hipótese mais aceita, atualmente, é aquela que concebe a capoeira como des- dobramento do n’golo, uma dança dos ín- dios brasileiros. e) A hipótese mais aceita, atualmente, é aquela que concebe a capoeira como des- dobramento de lutas trazidas pelos imi- grantes europeus. 4. Quanto ao processo de criminalização da capo- eira e dos seus praticantes, leia as afirmativas a seguir. I - Grande parte dos praticantes seriam efe- tivos capoeiras, deste modo, todos os ca- poeiras eram efetivos praticantes desta manifestação. II - São designados “capoeiras” indivíduos que promoviam ações criminosas que atenta- vam contra a integridade física e patrimo- nial dos cidadãos dos centros urbanos e das áreas de entorno. III - A oficial criminalização da capoeira, a par- tir de 1890, foi fruto da idealização de um projeto modernizador do país para a re- cém-proclamada República. IV - Grande parte dos seus praticantes seriam efetivos capoeiras, entretanto, nem todos os capoeiras podiam ser considerados efetivos praticantes dessa manifestação. É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) I e II, apenas. c) II e III, apenas. d) II, III e IV, apenas. e) I, II, III, IV. EDUCAÇÃO FÍSICA 37 5. Assinale Verdadeiro (V) ou Falso (F) quanto às in- formações referentes ao processo de ascensão social da capoeira. ( ) No século XIX, houve a intensificação da repressão policial aos capoeiras e à capoeira- gem como um todo, mas havia, no mesmo perí- odo, um movimento de reabilitação da capoei- ra encabeçado por alguns intelectuais, políticos e militares. ( ) No século XIX, houve a intensificação da re- pressão policial aos capoeiras e à capoeiragem como um todo, sem que houvesse nenhum tipo de movimento de reabilitação. ( ) Uma das estratégias empregadas para a reabilitação social da capoeira foi a de lhe confe- rir um caráter desportivo e, neste contexto, uma das primeiras iniciativas registradas foi a edição do Guia do Capoeira ou Ginástica Brasileira como a primeira tentativa de criar um método para o seu ensino. ( ) Em 1909, o lutador japonês de jiu-jitsu Sada Miako derrotou o capoeira Ciríaco Francisco da Silva, fato que trouxe descrédito para a capoei- ra, uma vez que esta não se mostrava eficiente como luta. ( ) A despeito dessas iniciativas de legitima- ção da capoeira como desporto nacional serem advindas do cenário carioca, ainda, nas duas primeiras décadas do século XIX, foi a partir do advento da capoeira regional que se deu a sua inserção no rol das modalidades desportivas brasileiras. A sequência correta para a resposta da questão é: a) V, F, F, F, V. b) F, V, V, V, F. c) F, V, F, F, F. d) V, F, V, F, V. e) V, V, F, F, F. 38 LEITURA COMPLEMENTAR O excerto que segue foi retirado de uma pesquisa que teve por objetivo investigar as representações sociais da capoeira por parte de professores(as)de educação física e estudantes do ensino fundamental e médio. Peço que leiam esse texto tendo em mente as discussões que ti- vemos durante essa unidade. Mas, principalmente, pen- sem como a capoeira tem sido abordada e representada no contexto escolar e como vocês futuros profissionais de educação física irão lidar com tal cenário. Boa leitura. [...] As experiências analisadas evidenciaram alguns mo- tivos para a abordagem da manifestação no ambiente escolar, dentre eles destacamos; imposição oficial via planejamento curricular; datas comemorativas especi- ficamente relacionadas à cultura negra; quando se faz necessária a preparação dos estudantes para algum pro- cesso avaliativo que a envolva de alguma forma. Nossa hipótese não foi confirmada, pois as representa- ções de Capoeira objetivadas pelos sujeitos participantes dessa pesquisa apresentam polifasia cognitiva. A mani- festação em questão, na perspectiva dos (as) professores (as), é objetivada, predominantemente, enquanto luta, na perspectiva das crianças não praticantes a objetiva- ção que predomina é da representação da Capoeira, en- quanto um esporte, enquanto que as crianças pratican- tes objetivam-na como um jogo. O que constatamos na fala dos participantes foi o emprego de diversas repre- sentações, concomitantemente, na tentativa de definir a Capoeira, caracterizando-se num estado de polifasia cognitiva. A análise das representações do cotidiano das aulas por parte dos participantes permitiu verificar que a aborda- gem da Capoeira ocorre com ênfase teórica em seus as- pectos históricos, sobremaneira ao período da escrava- tura. Existe uma defasagem quanto à abordagem prática do fenômeno que se reflete tanto nos gestos técnicos, quanto nos demais elementos constitutivos. Estes elementos nem sempre são expostos, e quando o são, o são de forma limitada. A música, que no univer- so da manifestação representa uma forma de comuni- cação, transmitindo a história, os valores e as normas simbólicas da Capoeira, na escola quando é abordada é de forma limitada, visto que cumpre apenas a função de embalar o jogo. Além do que os estudantes não acessam propriamente dito as cantigas, pois seu contato é media- do por equipamentos eletrônicos. A realização da roda de Capoeira é entendida pelos professores como a reunião dos alunos em círculo e a realização dos gestos técnicos por alguns deles. Não consideram a execução dos toques pelos instrumentos característicos, tampouco o entoar das cantigas. Nesse sentido, não há a realização da roda de Capoeira nas au- las de Educação Física. Levando-se em conta o que foi observado, concluímos que a abordagem da Capoeira no contexto formal é in- consistente. Aspecto que se confirma no reconhecimen- to por parte dos sujeitos das dificuldades enfrentadas por esses agentes ao tratarem da Capoeira nas aulas de Educação Física. Dentre as principais dificuldades destacamos àquela li- gada diretamente ao domínio da manifestação, o domí- nio das especificidades da Capoeira é de ordem prática para todos os elementos constitutivos. Os responsáveis pelas aulas não dominam os gestos técnicos próprios do fenômeno. Não dominam a manipulação dos objetos, neste caso, os instrumentos característicos. Não domi- nam a linguagem própria da Capoeira como o andamen- to dos jogos ou da própria roda. [...] Fonte: Lima (2014). 39 material complementar O que é Capoeira Anande das Areias Editora: da Tribo Sinopse: capoeira é uma luta? Ou é uma dança? Quem sabe é briga, defesa pes- soal, esporte, cultura, arte, folclore...? Capoeira é tudo isso e muito mais. Porém, para compreendê-la e aceitá-la em seu todo e em sua diversidade como criação do ser humano, é preciso que, livres de preconceitos e imagens preconcebidas, conheçamos um pouco mais de sua história e de seu desenvolvimento. Indicação para Ler Jogo de Corpo: Capoeira e Ancestralidade Ano: 2013 Sinopse: este documentário leva o mestre brasileiro de capoeira do gênero an- golano, Cinézio Peçanha, mais conhecido como Mestre Cobra Mansa, até An- gola. Vivendo a ancestralidade do povo e da capoeira que o mestre ensina, as conexões, desde a escravidão entre Brasil e África, são reforçadas pela dança, pela música e pelo conhecimento. Indicação para Assistir 40 referências ABREU, P. D. Os capoeiras. Rio de Janeiro: Seraphin Alves de Brito, [s. d.]. ALGRANTI, L. M. O feitor ausente. Estudos sobre escravidão urbana no Rio de Janeiro – 1808-1822. Petrópolis: Vozes, 1988. ARAÚJO, P. C. D. Abordagens sócio-antropológicas da luta/jogo da capoeira. Maia: Publismai, 1997. ______. 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