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EDUCAÇÃO PERMANENTE AULA 6 Profª Thiana Maria Becker 2 CONVERSA INICIAL No percurso de nossa trajetória dialética, aprendemos muitos conceitos e formamos novos saberes. Para esta etapa, nosso foco será a formação continuada de professores, um assunto pertinente à educação permanente. Essas formações sofreram modificações ao longo do tempo, ganharam uma nova roupagem, partindo de capacitações, reciclagens até chegar ao que chamamos hoje de formação continuada. Com o passar do tempo, a formação foi vivenciada por meio de parcerias de ensino-serviços-comunidade, tendo sua base em clássicos antigos e na retórica. Na atualidade, essa formação está voltada para o mundo do trabalho, com a reestruturação produtiva sob as novas condições em um modelo informatizado. Vamos conhecer mais sobre essa formação? TEMA 1 – FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES Pertencemos a uma sociedade que se transforma continuamente, com impactos que estão diretamente ligados à educação. Essas mudanças também se destinam aos educadores, que necessitam adaptar ou, ainda, reinventar novos perfis docentes, a fim de enfrentar desafios diários, como a formação continuada, o trabalho em equipe, a busca por autonomia, a interação com seus aprendentes, a produção de conhecimentos sistematizados, além da formação de cidadãos criativos, críticos e participativos. Dessa forma, os conhecimentos provenientes dessas transformações não devem cristalizar-se. Ao contrário, os educadores devem ter consciência da essencialidade da formação. a fim de atender às demandas da sociedade moderna (Saccomani; Coutinho, 2015). Ressalta-se, ainda, que esse processo de formação, de transformação, não deve ser inerente apenas ao professor, pois é preciso envolver as instituições formadoras. Contudo, é necessário repensar essa formação de professores, de forma especial quando se trata de ações únicas, isoladas, que não estão ligadas a uma prática ou, ainda, que não condizem com as necessidades concretas e os problemas superados pelos professores em sua rotina diária. Vale salientar que as ações formativas para os(as) professores(as) dos anos iniciais do ensino fundamental, promovidas pelas secretarias de educação municipais e estaduais ou pelas universidades, de modo geral, não têm contemplado as reais necessidades do contexto escolar. 3 Essas ações, em certa medida, têm se caracterizado como atividades esporádicas com caráter de treinamento, reciclagem, aperfeiçoamento em formato de cursos, seminários, palestras e oficinas com caráter aligeirado ou ainda de matriz tradicional, por reconhecer-se que tais iniciativas possam suprir possíveis falhas e lacunas da formação inicial. (Soares, 2020, p. 153) De forma geral, os processos de formação para docentes são planejados/elaborados por secretarias de educação e instituições formadoras, que acabam por pecar quando não levam em consideração a realidade, aquilo que mais é necessário, as dificuldades que esses professores vivem para alcançar essa formação. Por sua vez, esses processos se desenvolvem com base na transmissão de conhecimentos e técnicas descontextualizadas, a partir de palestras, cursos, seminários e oficinas que ainda estão impregnados por um caráter bancário, com métodos transmissivos e a abordagem de temas e conteúdo que não refletem a realidade escolar ou formativa desses educadores (Saccomani; Coutinho, 2015). Nesse sentido, o que se propõe é o oposto de tudo isso: um rompimento com os modelos tradicionais de formação, com práticas centradas nas instituições de ensino, que levam em consideração as suas necessidades. Uma formação baseada em dialogicidade, formação humana e participativa, que promova o educador como protagonista de sua formação, sobressaliente às reflexões constantes do saber/fazer, “da sua prática pedagógica, de forma problematizadora, contextualizada e pautada no movimento dialético de ação- reflexão-ação” (Soares, 2020, p.154). Corroborando com essas ideias, Imbernón (2010) relata que a formação docente com base em situações-problema, focando na resolução através da prática, responde às carências que se definem na escola. Ainda segundo o autor, a escola é um espaço de formação essencial, no que se refere à realização de projetos ou pesquisas-ações. Nessa concepção, “a escola passa a ser foco do processo de ação- reflexão-ação como unidade básica de mudança, desenvolvimento e melhoria” (Imbernón, 2010, p. 54). Acaba sendo prioritário superar propostas sem contextualização, rígidas, que não promovem espaços para diálogo ou reflexões, com formações impostas que impossibilitam a elaboração de pensamentos críticos e criativos, deixando os educadores acomodados e sem perspectiva de autonomia docente. Com base no exposto, Freire e Sohr (2008, p. 15-16) propõem que essas situações de opressão sejam denunciadas: 4 É preciso gritar alto que, ao lado de sua atuação no sindicato, a formação científica das professoras iluminada por sua clareza política, sua capacidade, seu gosto de saber mais, sua curiosidade sempre desperta são dos melhores instrumentos políticos na defesa de seus interesses e de seus direitos. Considerando o que Freire e Sohr (2008) apontam, a formação deve ser entendida como um processo de desenvolvimento que se estende ao longo de toda vida, sendo composta por diferentes dimensões, como a ética, a política e a profissional. A dimensão ética consiste em refletir o sentido do que se faz, da sua capacidade de valorar, de escolher, de decidir, de agir e de intervir. No seu percurso pessoal/profissional, o(a) professor(a) constrói valores, regras, normas, conhecimentos, ideias. A dimensão política é o reconhecimento de que a educação é um ato político, portanto a educação não é neutra [...] quanto à dimensão profissional, a profissão docente requer uma busca permanente pela formação. Estar num movimento de procura implica ter a consciência de que somos seres incompletos e não podemos parar de aprender, de estudar, de pesquisar, de interrogar e de problematizar a realidade. (Soares, 2020, p. 155, grifos nossos) A união dessas dimensões é construtora de cidadania, democracia e emancipação humana. TEMA 2 – FORMAÇÃO DE PROFESSORES APÓS A DÉCADA 1990 Nos anos de 1990, com a implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), n. 9394/1996, houve uma expansão da perspectiva na formação docente, com valorização de saberes e melhorias na educação, por influência de estudos realizados na Europa e na América do Norte, que tinham como foco a profissionalização da docência e a produção de saberes por parte dos professores (Castro; Amorim, 2015). Segundo Tardif (2001, p. 13), o campo de estudos que se estabeleceu pontuou avanços incomuns em trinta anos: “Transformou-se num objeto de investimentos multi e transdisciplinares, bem como numa luta simbólica de poder entre diversas correntes e disciplinas, entre diversas concepções e enfoques do conhecimento, que tentam impor seus modelos teóricos e suas metodologias”. Ainda sob os referendos do autor supracitado, analisamos que os estudos na legislação e nas políticas brasileiras, após a LDB n. 9394/1996, refletiam a valorização de saberes diversificados, em termos de cultura, política, sociedade, experiências de vida etc. Somente mais tarde ficou claro o que estava 5 acontecendo, sob uma perspectiva acadêmica, considerando instituições de formação docente, com destaque à ação formativa: Constatamos que as reformas propõem uma verdadeira e profunda mutação do modelo de formação até então em vigor nas universidades: mais que os conteúdos, disciplinas e pesquisa universitária, doravante são os saberes da ação, os docentes experientes e eficazes, e as práticas profissionais que constituem o quadro de referência da nova formação dos professores. (Tardiff,2001, p. 16) Foi então que, a partir dos anos 1990/2000, foram difundidas ações de ensino, pesquisa e extensão, não apenas no intento de garantir a produção de conhecimento sobre os professores e os seus saberes e fazeres, mas também com a intenção de formá-los a partir de uma nova concepção: a de um professor reflexivo e pesquisador (Saccomani; Coutinho, 2015). Para que isso fosse possível, foram valorizados ainda mais os relatos vivenciados pelos professores em seu cotidiano, com suas respostas ou ações defronte as histórias contadas. Essas narrativas passaram a fazer parte das iniciativas dos grupos de pesquisa das instituições de ensino superior e dos discursos das políticas públicas nacionais (Soares, 2010). Entretanto, apesar das boas intenções, grandes modificações, em seu contexto histórico, trouxeram alguns limites que devem ser analisados: Em primeiro lugar, como o histórico da relação entre a academia e as escolas traz a marca de uma assimetria de lugares de poder, a aproximação entre ambas durante o período viu-se afetada pela dificuldade dos sujeitos para trabalhar em conjunto, seja pela falta de hábito de fazer isso, seja por disporem de condições materiais muito diferentes, ou, finalmente, por viverem culturas institucionais muito diversas. (Castro; Amorim, 2015, p. 48) Dessa forma, por diversas vezes os professores das escolas relatavam sentirem-se objetos em um processo investigatório. Ou ainda, quando convidados para uma aproximação ao academicismo, para a exposição de seus relatos, sentiam-se inseguros ou relatavam não ter tempo. Além disso isso, muitos educadores, com seus modelos tradicionais de educação, galgados nos modelos de transferência de conhecimentos, ofereceram resistências e não promoveram abertura em suas rotinas para incorporar essas novas formas de aprendizagem. “Não abriram porque a transferência de conhecimentos – perspectiva predominante na ação escolar e que se estende à formação inicial, instâncias em que já apresenta muitas limitações – tem baixo alcance quando se trata de profissionais em ação” (Castro; Amorim, 2015, p. 48). 6 Então, na tentativa de conseguir visibilidade, Nóvoa (1988, p. 128-9) propõe que a formação de adultos deve seguir alguns princípios: a) “o adulto em formação é portador de uma história de vida [...] Mais importante do que pensar em formar este adulto é tentar refletir sobre o modo como ele se forma”; b) “a formação é sempre um fenômeno de cunho individual, na tríplice dimensão do saber (conhecimento), saber- fazer (capacidades) e do saber - ser (atitudes)”; e c) “formar não é ensinar às pessoas determinados conteúdos, mas sim trabalhar coletivamente em torno da resolução de problemas. A formação faz-se na ‘produção’, e não no ‘consumo’, do saber”. Diante disso, diversas ações formativas passaram a ser desenvolvidas sob a égide de programas de governo, que objetivavam atingir metas quantitativas e específicas, de forma especial em relação à alfabetização ou ao letramento (que diz respeito à aplicação de leitura e escrita para práticas sociais), o que vinha ao encontro das necessidades políticas e econômicas: “Conceitual e metodologicamente híbridos, ou mesmo ambíguos em sua maioria, tais programas quase sempre combinaram um discurso de valorização dos professores e da sua autonomia com a oferta de cursos de atualização/reparação e de material didático para aplicação em sala de aula” (Castro; Amorim, 2015, p. 49). Essa ambiguidade em relação aos programas de formação do governo promoveu, por um lado, o distanciamento dos professores que não se enquadravam na percepção de que eram apenas aplicadores de soluções, a partir de métodos construídos nas instituições de ensino superior, e depois ofertadas pelo governo. Por outro lado, professores que se dispuseram a fazer valer essas soluções, apesar de não terem participado na elaboração, iriam aplicar de forma acrítica os métodos propostos. Ressalta-se ainda que, em relação à dimensão pessoal da formação dos professores, eram feitos discursos que “afirmam valorizar os professores, seus saberes e suas experiências, correspondiam ações que os consideravam malformados, o que demandava ações de reparação no que se refere à sua formação anterior e de instrumentalização no que diz respeito a suas ações presentes e futuras” (Castro; Amorim, 2015, p. 49). É notável a existência de uma “dupla aposta” na incapacidade docente: uma que diz respeito ao “consertar” a sua formação, e outra que busca assegurar que os professores saberiam “fazer o certo” dali por diante. 7 TEMA 3 – FORMAÇÃO PERMANENTE Partindo do pressuposto de que o ser humano é um ser em constante processo de construção, podemos considerar que se trata de um ser inconcluso, e que se insere em uma realidade dentro de um contexto histórico. A partir disso, podemos compreender que, pela sua condição de existência, esse sujeito, humano, busca por educar-se diariamente, formando-se para a vida (Freire; Freire, 2001). Nessa perspectiva, a formação de professores segue essa mesma linha de pensamento, sob a égide dos ensinamentos de Paulo Freire, com consciência de que somos seres sempre em processo, buscando conhecimento, valorização, cultura, educação, formação, enfim, no caminho do aperfeiçoamento, da transformação (Soares, 2010). Com isso, Freire e Sohr (2008, p. 25) propõem a formação permanente de educadores: A educação é permanente não porque certa linha ideológica ou certa posição política ou certo interesse econômico o exijam. A educação é permanente na razão, de um lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele tem de sua finitude. Mais ainda, pelo fato de, ao longo da história, ter incorporado à sua natureza não apenas saber que vivia, mas saber que sabia e, assim, saber que podia saber mais. A educação e a formação permanente se fundam aí. E é justamente por essa consciência de incompletude que Freire afirma que a educação deve ser permanente, buscando sempre o “mais” ao longo de toda uma vida. Sob essa perspectiva, Freire e Freire (2001) defendem que a formação permanente de educadores deve acontecer no âmbito da escola, a partir de grupos, pautados no movimento de ação-reflexão-ação dos próprios professores que atuam nas escolas. “Tal formação compreende a análise da prática pedagógica, levando em conta a reflexão sobre a prática e a reflexão teórica” (Soares, 2020, 158). A formação através da educação permanente possibilita aos professores fazer leituras críticas de mundo, no meio em que estão problematizando, em busca de soluções e respostas ao que se impõe como desafios que precisam de solução. É assim que nasce uma educação democrática. “A formação permanente, na perspectiva freireana, constitui-se como princípio e prática da formação capaz de desvelar as ideologias, porque é problematizadora, crítica e 8 busca continuamente uma ação transformadora da realidade” (Soares, 2020, p. 158). Diante do exposto, compreendemos o professor como um sujeito inconcluso e em constante formação, que não sabe tudo, tampouco ignora tudo, mas põe-se numa relação de aprender-ensinar com outros. Com isso, Freire e Sohr (2008, p. 25) afirmam: “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. A partir disso, busca-se, nas ações formativas dos educadores, a contribuição para a implantação de uma educação problematizadora, que se estabeleça através de relações humanizadoras e que auxilie professores em seu processo de formação individual, fazendo-os sentir- se sujeitos de sua própria formação, explorando e formando novos conhecimentos, e não apenas transmitindo o que os outros pensam e dizem. No intento de contribuir ainda mais com o conceito de ser inacabado, a educação permanente se estabelece. Freire e Sohr (2008, p. 24-25) afirmam: Se, na experiência da minhaformação, que deve ser permanente, começo por aceitar que o formador é o sujeito em relação a quem me considero o objeto, que ele é o sujeito que me forma e eu, o objeto por ele formado, me considero como um paciente que recebe os conhecimentos – conteúdos – acumulados pelo sujeito que sabe e que são a mim transferidos. Nesta forma de compreender e de viver o processo formador, eu, objeto agora, terei a possibilidade, amanhã, de me tornar o falso sujeito da ‘formação’ do futuro objeto de meu ato formador. Assim sendo, a essência da formação permanente de educadores está pautada na prática, a fim de buscar melhorias constantes, indo para além do treinamento, da reciclagem e da capacitação. Uma vez que se toma o caminho da educação permanente, encontramos sempre uma educação que transforma, transborda e forma seres humanos, mais humanos. TEMA 4 – PARCEIRA ENSINO-SERVIÇOS-COMUNIDADE No percurso histórico da formação docente do Brasil, ficou evidente que o confronto entre diferentes concepções transformou-se em duas grandes propostas de formação: a primeira defendia a centralização dos conteúdos nos currículos dos cursos, com a ideia de que a partir desses conteúdos teríamos uma prática pedagógica; a segunda ratificava que a centralização deveria ser no ensino, a partir do qual o processo de formação teria início. Saviani (2008a, p. 8) descreve que essas propostas configuram também dois modelos de formação docente: 9 a) Modelo dos conteúdos culturais-cognitivos: Para este modelo, a formação dos professores esgota-se na cultura geral e no domínio específico dos conteúdos da área de conhecimento correspondente à disciplina que o professor irá lecionar. b) Modelo pedagógico- didático: Contrapondo-se ao anterior, este modelo considera que a formação propriamente dita dos professores só se completa com o efetivo preparo pedagógico-didático. Todavia, esses modelos não articulavam a função social da educação escolar como prática social mediadora no âmbito de uma prática global, ou ainda em um papel específico de educação sistematizada do homem que exige efetivação e organização da instituição escolar. Diante disso, a ideia é recolocar, no diálogo, a escola como promotora do processo de humanização dos homens, para que cada sujeito venha de fato a se apropriar da cultura produzida, coletiva e historicamente, tornando-se um sujeito de seu tempo, inserido em uma sociedade de maneira ética, comprometida e consciente. A valorização do papel da escola de socialização do universo simbólico produzido historicamente recoloca a questão da formação de professores em bases qualitativamente divergentes das concepções hegemônicas atuais defendendo, na formação de professores, a necessidade de uma sólida e consistente formação teórica tendo como fundamento, finalidade e critério de verdade a prática pedagógica, entendida como prática social de humanização dos homens. (Soares, 2020, p. 156) Nesse ínterim, o educador é o protagonista das relações educativas, pois caracteriza-se como detentor do simbolismo universal, que passa a ser objeto de ensino-aprendizagem, cabendo a ele: a) Identificação das formas mais desenvolvidas em que se expressa o saber objetivo produzido historicamente, reconhecendo as condições de sua produção e compreendendo as suas principais manifestações, bem como as tendências atuais de transformação. b) Conversão do saber objetivo em saber escolar, de modo que se torne assimilável pelos alunos no espaço e tempo escolares. c) Provimento dos meios necessários para que os alunos não apenas assimilem o saber objetivo enquanto resultado, mas apreendam o processo de sua produção, bem como as tendências de sua transformação. (Saviani, 2008b, p. 9) Com vistas à promoção de conhecimentos teóricos e práticos que corroboram para que os professores busquem uma formação a fim de atingir “os caminhos para seleção, sequenciação e dosagem dos conteúdos que devem compor o currículo e/ou planos de curso de formação dos profissionais da educação” (Soares, 2020, p. 156), temos a chegada da práxis pedagógica. 10 Na práxis pedagógica, são expostos diversos referenciais conceituais e metodológicos, que podem provocar resistência dos professores, em geral, a partir dos questionamentos do próprio processo histórico da formação continuada. Por conseguinte, trata-se de relação dialética entre o fazer pensado e refletido sob bases conceituais adequadas para o contexto. “Em uma concepção libertadora voltada à formação de jovens e adultos, a formação continuada vislumbra o empoderamento dos sujeitos para a construção da democracia” (Soares, 2020, p. 157). TEMA 5 – EDUCAÇÃO PERMANENTE E EDUCAÇÃO DIALÓGICA Como vimos, um dos grandes desafios na formação docente é a inclusão da prática contextualizada a partir de desejos, interesses e necessidades dos próprios educandos, permitindo que sejam autônomos, críticos e capazes de refletir e encontrar soluções pautados em seus saberes. Saul (2010, p. 160) compartilha suas ideias com Paulo Freire sobre a formação, ressaltando outro importante aspecto: o escutar. “Saber escutar é condição para o desenvolvimento de uma prática educativa democrática”, através da qual podemos conhecer, ouvir, compreender pessoas diferentes. Desse modo, a compreensão e o respeito do professor em relação aos conhecimentos que os alunos apresentam através de sua leitura de mundo são levados em consideração no ato de escutar. Essa prática, apesar de simples, exige do professor habilidades e competências como praticar tolerância, ter humildade, adquirir novos saberes, ser solidário e respeitar tudo e todos. Ainda sob os ensinamentos de Freire (2003, p. 109), trazemos que o “diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá- lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu”. Por ser um elemento que pertence à natureza humana, o diálogo é uma condição de existência, não sendo privilégio de alguns, mas direitos de todos. Quando Freire (2003) fala sobre a relação dialógica, compreendemos que o ensinar e o aprender formam o conhecimento, que por sua vez será aplicado, utilizado em prol de melhorias, em diferentes áreas, produzindo assim a nossa práxis, que nada mais é do que um ato de compromisso com a emancipação humana. Segundo Freire e Shor (2008, p. 122-127): 11 O diálogo deve ser entendido como algo que faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos [...]. O diálogo é o momento em que os humanos se encontram para refletir sobre sua realidade tal como a fazem e refazem. [...]. O diálogo não existe num vácuo político. Para alcançar os objetivos da transformação, o diálogo implica responsabilidade, direcionamento, determinação, disciplina, objetivos. Diante disso, o diálogo, a partir dos conceitos dos autores citados, constitui o centro de toda e qualquer prática educativa que se estabelece como democrática, transformadora, problematizadora, pois são nessas relações de dialogicidade que os sujeitos questionam, partilham e discutem experiências, vivências e saberes. O diálogo, portanto, promove a formação e a participação de sujeitos livres, criativos e autônomos, nos diferentes formatos de educação. Essa participação, por si, está ligada ao intento de compartilhar decisões, com a divisão de poderes e sob a plena certeza política de seus atos, tendo vez e voz em todos os lugares. De forma alguma pode ser restrita apenas à prestação de serviços isolados para diminuir o que é dever do Estado no cumprimento de suas funções. Participar é bem mais do que, certos fins de semana, ‘oferecer’ aos pais a oportunidade de, reparando deteriorações, estragos das escolas, fazer as obrigações do próprio estado [...]. Participar é discutir, é ter voz, ganhando-a na política educacional das escolas, na organizaçãode seus orçamentos. (Freire, 2001, p. 17) Portanto, a autonomia da escola não se correlaciona com a omissão do Estado em oferecer educação de qualidade, tampouco ao fato de atender demandas sociais. Para isso, a participação popular é uma ferramenta importante na quebra de paradigmas, como a ideia de que somente a elite é capaz e conhece as necessidades e os ensejos da sociedade como um todo (Soares, 2010). Tendo ciência desses fatos, pensar em uma educação que traga o sujeito para a escola somente para receber instruções, sofrer pressão, ameaça ou represália, vai de encontro com todo o conceito de educação que vimos até aqui. Ao contrário, o que precisamos compreender é que a participação das classes permite a construção de um saber significativo e transformador (Freire, 2001). Outro ponto a ser ressaltado é a categoria ação-reflexão-ação, que também ganha relevância quando falamos em educação permanente com base em Freire. Essa expressão representa o binômio da unidade dialética da práxis, ou ainda, distante do contexto da práxis, o conhecimento torna-se idealista, e o fazer passa a ser mecanizado, sem pensamentos ou reflexões, sem diálogo. 12 Trazendo à pauta Freire (2003, p. 30): O homem é um ser da práxis, da ação e da reflexão”, isso significa que o ser humano é capaz de objetivar, apreender e penetrar a realidade, desdobrando-se na ação transformadora do mundo. O ser humano, como ser de práxis, cria um mundo histórico-cultural para enfrentar os desafios no transcurso da sua existência, procura soluções críticas e criativas, atuando e transformando a realidade, buscando continuamente, por meio do trabalho e da ação, propiciar condições de melhoria de vida na sociedade. Por conseguinte, a formação permanente, na perspectiva de Freire (2003), se baseia em um processo de ação-reflexão-ação, no qual o sujeito poderá estabelecer uma criticidade em seu próprio desenvolvimento perante a sua realidade, em seu tempo, visto que ele é um ser histórico-social em permanente construção de conhecimento. A partir dessa ideia, temos que a transformação da realidade e da prática pedagógica é um dos principais focos da formação docente a partir da educação permanente. A prática torna-se uma semente a ser plantada no “chão da escola”, que é solo fértil para o crescimento de mudanças necessárias. NA PRÁTICA Instrução programada, flanelógrafo, uso do quadro de giz, mimeógrafo, esses são alguns recursos ou métodos que se destinavam à formação do professor e ao ensino durante a década de 1970, partindo do conceito de treinamentos. O objetivo era capacitar professores com base no currículo linear vigente durante a ditadura militar. Analise, hoje, a exemplo de sua formação continuada ou em pesquisas, os recursos metodológicos, a concepção e a intencionalidade da prática educativa na contemporaneidade. Em quais referenciais conceituais ou epistemológicos estão apoiados? FINALIZANDO Nesta etapa, falamos sobre a formação continuada de professores com base em Paulo Freire, Soares e Castro e Amorim. Entendemos que o ser humano é um ser em constante processo de construção, um ser inconcluso, que se insere em uma realidade dentro de um contexto histórico. A partir disso, pudemos compreender que, por sua condição de existência, esse sujeito, 13 humano, busca educar-se diariamente, formando-se para a vida, através de uma educação permanente. Retratamos o sentido da formação a partir da década de 1990, com a proposta de valorização das experiências cotidianas dos professores, suas narrativas e ações perante as situações, para a propositura de um método que dialogasse com a formação omnilateral, não apenas reprodutivista, de dizeres e pensamentos de outros, formando professores criticamente, para que possam vivenciar a autonomia no processo educativo, refletindo, trocando saberes e implantando sua práxis, sempre na busca do ser “mais”. 14 REFERÊNCIAS CASTRO, M. M. C. E.; AMORIM, R. M. de A. A Formação Inicial e a Continuada: Diferenças Conceituais que legitimam um espaço de formação permanente de vida. Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 95, pp. 37-55, jan.-abr., 2015. FREIRE, P. À sombra desta mangueira. 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