Prévia do material em texto
Administração da produção em saúde JULIANA GONÇALVES LEILA GOMES 1ª Edição Brasília/DF - 2018 Autores Juliana Gonçalves Leila Gomes Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário Organização do Livro Didático....................................................................................................................................... 4 Introdução ............................................................................................................................................................................. 6 Capítulo 1 Administração da Produção: histórico e conceitos ........................................................................................... 9 Capítulo 2 Planejamento e Dimensionamento da Produção de Serviços de Saúde ................................................31 Capítulo 3 Processos Organizacionais ......................................................................................................................................50 Capítulo 4 Técnicas de Gestão da Produção ...........................................................................................................................71 Capítulo 5 Qualidade em Saúde .................................................................................................................................................90 Capítulo 6 Competição em Saúde ...........................................................................................................................................104 Referências .....................................................................................................................................................................121 4 Organização do Livro Didático Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. Cuidado Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. Importante Indicado para ressaltar trechos importantes do texto. Observe a Lei Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem, a fonte primária sobre um determinado assunto. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. 5 ORGAnIzAçãO DO LIvRO DIDáTICO Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Posicionamento do autor Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. 6 Introdução A disciplina de Administração da Produção em Saúde ocupa um espaço estratégico na formação de gestores de unidades de saúde. Se considerarmos o aumento progressivo da complexidade no setor saúde, aliado inevitavelmente ao aumento de custos, precisaremos focar nossos esforços na coordenação das operações para alcançarmos a eficiência na produção. A produção eficiente é resultado de operações integradas e eficientes. Nesta disciplina pretendemos apresentar os conceitos na área e munir o aluno de uma caixa de ferramentas que deverá potencializar sua capacidade de prever, planejar, programar, acompanhar, controlar e avaliar as operações e produção no campo da saúde, estabelecendo critérios de definição de qualidade no sistema produtivo. Trabalharemos em 6 Capítulos: Na primeira, apresentaremos os conceitos básicos e abordaremos o desenvolvimento e marcos históricos da área. Na segunda, apresentaremos as funções de planejamento, programação, previsão e controle na administração da produção. Transportaremos estes conceitos para o campo da saúde, buscando integrá-los. No terceiro capítulo, iremos nos dedicar ao desenvolvimento dos processos em saúde. Vamos abordar a cadeia produtiva de um hospital tomando como referência a gestão dos processos como função que dá suporte ao desenvolvimento organizacional. O quarto capítulo será dedicada à apresentação de ferramentas de apoio na gestão de processos, gestão da qualidade e controle, úteis para o campo da saúde. No quinto capítulo será abordada a questão da qualidade em saúde e no sexto capítulo discutiremos a competição em saúde e a sua influência na melhoria operacional dos processos produtivos no campo. Ao final desta disciplina, esperamos que vocês se sintam aptos a planejar, acompanhar, controlar e avaliar as operações e produção no campo da saúde e que ainda estejam munidos de uma caixa de ferramentas que possa apoiá-los nas suas ações na gestão. Objetivos » Apresentar o desenvolvimento histórico da Administração de Produção e Operações. » Identificar os conceitos básicos da administração da produção e correlacioná-los aos serviços de saúde. » Capacitar os alunos a empregarem estes conceitos na prática da administração da produção de serviços das unidades hospitalares. » Preparar os alunos para que entendam e saibam utilizar métodos de planejamento e dimensionamento da produção em saúde. » Analisar os processos produtivos em uma instituição de saúde e seu desenvolvimento. » Apresentar um conjunto de ferramentas e instrumentos para o profissional que pretenda desempenhar as funções de administração da produção de serviços em saúde. 7 » Entender a importância da Administração da Produção no setor saúde e sua aplicabilidade na gestão de serviços e organizações. » Discutir como o conceito de competição baseado em valor orienta o conceito de qualidade e produção em saúde. 9 Apresentação No setor saúde, é relativamente recente a abordagem da administração da produção como campo de estudo e atuação. Entretanto, reconhece-se cada vez mais que gerenciar de forma eficiente as operações e a produção impacta no processo de tomada de decisões e resolução de problemas, imprimindo à gestão qualidade e melhor controle dos custos. Neste capítulo, apresentaremos os principais marcos históricos no desenvolvimento da administração da produção. Faremos, ainda, a exibição dos conceitos centrais do campo e de sua inserção no setor saúde. A familiarização com os conceitos básicos e o conhecimento da história do desenvolvimento no campo da Administração da Produção permitirá ao aluno o entendimento do arcabouço teórico que rege a disciplina, facilitando o domínio e aplicação das técnicas que posteriormente serão apresentadas. Objetivos Esperamos que, após o estudo do conteúdo deste capítulo, você seja capaz de: » Compreender o desenvolvimento histórico da Administração da Produção. » Apreender os principais conceitos que regem o campo da Administração da Produção. » Dominar os objetivos e funções básicas da Administraçãoda Produção e correlacioná-los ao campo da saúde. 1 CAPÍTULO ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS 10 CAPÍTULO 1 • ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS Introdução O mundo atual sofre o impacto da velocidade das mudanças. A cada dia novos desafios de diversas naturezas se colocam aos gestores de empresas, incluindo a profunda instabilidade da economia mundial e seu impacto sobre a produção de bens e serviços. Neste cenário, a gestão dos recursos da organização, de uma maneira geral, é uma das atividades mais críticas nos negócios. A incorporação de novos conhecimentos e o uso da experiência acumulada para o desenvolvimento de novas formas de administrar é fundamental e marcam o diferencial das organizações. As mudanças exigidas nas organizações possuem suas origens em muitos aspectos diferentes. Alguns merecem ser destacados: » Oportunidades e desafios originados da globalização. » Mudanças tecnológicas que geram impacto sobre o trabalho, negócios, comunicações e estruturas. » Mudanças nas características do mundo do trabalho. » Demandas crescentes por serviços e produtos diferenciados. » Aumento das expectativas relacionadas à qualidade de vida, saúde, educação, segurança, transporte e meio ambiente. » Pressões por melhores resultados e melhor uso dos recursos. A reestruturação produtiva perseguida por muitas empresas, tanto na produção de bens quanto na de serviços, é uma resposta à necessidade premente de ajustamento frente às novas exigências do mercado. As mudanças nos processos produtivos não devem ser entendidas como tendências, mas sim como consequências da necessidade de readequação das empresas. Assim, cada vez mais, ouvimos falar de novos sistemas de gestão, avaliação e incorporação de novas tecnologias, flexibilidade, qualidade, valor agregado, valor percebido pelo cliente. Todas estas inovações podem ser entendidas como uma busca por redefinição de processos e negócios. O problema a ser superado é satisfazer de forma completa as necessidades de qualidade, produtividade, flexibilidade e custo exigidos pelo cliente, tendo em vista a complexidade que acaba sendo gerada no sistema produtivo. Para o setor de serviços, as mudanças e as exigências do mercado impõem decisões rápidas que considerem o diferencial produtivo no campo. Aqui competitividade e lucratividade precisam necessariamente estar aliadas a outros focos. Entre os desafios que se colocam no setor serviço, ressaltamos: » O enfrentamento do presente e a preparação para o futuro (que muitas vezes pode estar muito mais próximo que nossa previsão é capaz de conceber). 11 ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS • CAPÍTULO 1 » O ajustamento às mudanças no mercado. » O enfrentamento da concorrência globalizada. » A boa e racional utilização dos recursos disponíveis. » A satisfação do cliente. » A motivação dos funcionários dada pela ressignificação do mundo do trabalho. » O treinamento e preparação dos funcionários como diferencial do serviço. » O desenvolvimento autossustentado. » A promoção do bem-estar. » A compreensão que o cliente é quem determina a perenidade do negócio. Diante desse cenário, cabe aos gestores assimilar mudança e adequação ao sucesso e a oportunidade, e por meio de uma gestão madura que aposte nas inovações, sem perder de vista os processos existentes e o mercado competitivo, desenvolver tecnologias que respondam de forma adequada às necessidades dos serviços e dos clientes. Entender as operações e a produção como estratégicas no alcance das metas organizacionais é um primeiro passo para o sucesso. Administração da produção: principais conceitos Produção Segundo Chiavenato (1990, p. 1), a produção é o objetivo de toda e qualquer organização. As empresas exploram um negócio a partir de certos recursos buscando cumprir seu objetivo ou missão. O objetivo pode visar lucro ou não (no caso de organizações que atendem a certas necessidades sociais sem finalidades lucrativas). Só sobrevivem as organizações que possuem clareza de seu objetivo (missão), traçam metas para seu futuro (visão) e caminham para seu alcance (planejamento). Assim, a produção é o processo de transformação de elementos em produtos úteis, no qual produtos são todos os tipos de bens e serviços. Slack (1996, p. 34) também ressalta a produção como a função central das organizações, pois é por meio dela que a organização alcança seu objetivo principal e justifica sua razão de existir. Podemos classificar as empresas a partir do que produzem (CHIAVENATO, 1990, ps. 4-5): 1. Empresas primárias ou extrativistas: desenvolvem atividades voltadas basicamente para a obtenção e extração de matérias-primas. São empresas primárias as empresas agrícolas, pastoris, de pesca, mineração, extração de petróleo. 12 CAPÍTULO 1 • ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS 2. Empresas secundárias ou de transformação: se dedicam ao processamento de matérias-primas e sua transformação em produtos acabados, produzindo bens. Estão aqui incluídas as indústrias de uma maneira geral. 3. Empresas terciárias ou prestadoras de serviços: são organizações que executam ou prestam serviços especializados. Estão incluídos aqui os serviços realizados por profissionais liberais (médicos, engenheiros, psicólogos, dentistas, consultores) e organizações como escolas, bancos, comércio em geral, serviços de comunicação (TV, rádio, operadoras de internet) e hospitais. As empresas primárias e secundárias produzem bens ou mercadorias e, desta forma, possuem um produto físico e tangível (que podem ser bens de consumo - perecíveis ou duráveis - ou bens de produção). Já as empresas terciárias produzem serviços – atividades especializadas essenciais à vida das pessoas, de outras empresas e da sociedade em geral. Destacam-se aqui a produção de saúde e educação. Tanto os bens produzidos quanto os serviços ofertados são consequências de atividades e operações produtivas. “Produção é a atividade de produzir, enquanto produto/serviço é o resultado dessa atividade produtiva” (CHIAVENATO, 1990, p. 7). Desta forma, o processo produtivo consiste na transformação de entradas (de materiais e serviços) em saídas (de bens e serviços). Para atingir essa finalidade, utilizam-se diversos tipos de recursos para mudar o estado ou condição de algo para produzir saídas. A maioria das operações produz tanto produtos como serviços. Os processos de transformação podem ser de vários tipos: 1. transformação de materiais. 2. transformação de informações. 3. transformação de consumidores. Distinção entre produtos e serviços A fabricação de produtos físicos e tangíveis como um fogão, um automóvel ou um produto de limpeza caracteriza, em geral, a atividade industrial. Por outro lado, contudo, temos a prestação de serviços também como produto de um sistema produtivo. A prestação de um serviço implica uma ação, embora meios físicos possam estar presentes para facilitar ou justificar o serviço. Quando, por exemplo, vamos a uma consulta médica e nos submetemos Sugestão de estudo O setor terciário representa 50% dos custos de produção e 50% dos empregos no Brasil. Os serviços representam mais de 60% do PIB brasileiro onde de forma crescente mantém relação com as indústrias manufatureiras. No Brasil, a atividade terciária conta com 945 mil empresas que geram 15,8 milhões de empregos. Com isso, a atividade terciária tem representatividade de grandes a microempresas Fonte: Brasil Escola, acesso em 29/06/2012, http://www.brasilescola.com/economia/setor- terciario.htm) Para refletir Operações: são todas as atividades que fazem parte da cadeia produtiva de uma empresa. 13 ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS • CAPÍTULO 1 a um exame físico, a prestação de serviços consiste na ação exame – diagnóstico – prescrição. Quando estudamos em uma universidade, a prestação do serviço consiste em colocar à nossa disposição os conhecimentosdos professores, dos livros, das revistas. Nesses casos, não há um bem físico palpável, embora meios físicos possam ser usados na prestação de serviço. Tanto o médico quanto o professor utilizam-se de instrumentos para o exame e para a aula. Esses meios físicos, apesar de indispensáveis, não constituem o serviço em si. As diferenças mais relevantes entre produtos e serviços envolvem os seguintes aspectos: 1. A natureza do que se oferece ao cliente. 2. A uniformidade dos insumos necessários e operações necessárias no processo produtivo. 3. As possibilidades de mecanização. 4. O grau de padronização daquilo que é oferecido, independentemente do cliente considerado. Outras diferenças merecem ser destacadas: Quando falamos de serviços, estamos nos referindo a atividades que exigem um contato muito mais estreito com o cliente se comparadas à atividade industrial. A prestação de um serviço frequentemente se confunde, no mesmo momento, com o seu consumo. Na indústria, existe, via de regra, uma separação maior entre a produção de um produto e o seu consumo. Como exemplo, a produção de um carro. Embora o carro possa ser resultado de extensas pesquisas de mercado, e fabricado segundo especificações e utilidades que provavelmente agradem ao cliente, este último nada teve a ver com o processo de produção. Em se tratando de serviços, muitas vezes o cliente participa, ele próprio, da prestação do serviço, como um restaurante do tipo “self-service”, por exemplo. Em uma indústria, cada produto a ser produzido exige e tem previamente definida uma lista de insumos necessários, tais como certas matérias-primas e certas habilidades humanas. Desta forma, é possível a indústria controlar com algum rigor a quantidade e a qualidade desses insumos, o que, evidentemente, leva a uma maior uniformidade dos produtos. Já no caso de serviços, é relativamente frequente que os insumos exigidos sejam bastante variáveis. Novamente tomamos o atendimento médico como exemplo: em uma consulta, podem variar os instrumentos utilizados no exame do paciente, bem como o que se exige das habilidades do médico. Cada caso deve ser tratado separadamente, dado que tem exigências bem específicas. Na atividade industrial, há maiores possibilidades de mecanização, isto é, substituição do trabalho humano por máquinas. O mesmo não ocorre em uma empresa de prestação de serviços. Isto porque na indústria há grande uniformidade dos insumos, e também pela distância entre a produção e o consumo, o que facilita a rotinização. Embora haja exceções, a área de serviços é 14 CAPÍTULO 1 • ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS caracterizadamente “intensiva em mão de obra”, ou seja, mais dependente do trabalho humano, com tarefas mais especializadas e, por isso, mais difíceis de serem mecanizadas. Como são mais passíveis de mecanização, as indústrias oferecem produtos mais padronizáveis, sendo possível colocar no mercado produtos praticamente idênticos para todas as finalidades práticas. Por outro lado, rigorosamente falando, não há grande possibilidade de se prestar duas vezes o mesmo serviço exatamente da mesma maneira. Quadro 1. Principais diferenças entre empresas industriais e de serviços. Características Empresas Industriais Empresas de Serviços Produto Físico Intangível Estoque Comuns Intangíveis Padronização dos Insumos Comum Difícil Influência da mão de obra Média/pequena Grande Padronização dos Produtos Comum Difícil Fonte: Autor. Vale lembrar, contudo, que qualquer organização industrial executa, a nível interno, uma série de funções ligadas a serviços (a manutenção de máquinas e instalações é um bom exemplo). Para este estudo, é central que se entenda que na produção de serviços a descrição dos produtos confunde-se com a dos processos. Administração da Produção Administração da Produção consiste nas atividades de prever, planejar, controlar, organizar e dirigir a produção de uma empresa. Desta forma se encarrega de estudar técnicas e conceitos aplicáveis à tomada de decisões nas funções de produção, no caso de empresas industriais, e operações e processos, no caso de empresas de serviços. Sendo assim, se a produção é o conjunto de atividades que criam bens e serviços por meio do processo de transformação de entradas em saídas, gerenciar a produção significa preocupar-se com a forma como serão produzidos em uma organização seus bens e serviços finalísticos. Comporta, desta forma, atividades, decisões e responsabilidades relacionadas à produção. A função produção define qual a quantidade máxima de produto que pode ser produzida dada uma determinada quantidade de fatores produtivos e uma determinada tecnologia. Este conceito pode ser aplicado a um produto ou a um serviço, a uma empresa, a um setor de atividades ou mesmo a toda uma economia. A função produção se preocupa principalmente com os seguintes assuntos: » Estratégia de produção, que diz respeito às diversas formas de estruturar a produção para atender a demanda e ser competitivo. 15 ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS • CAPÍTULO 1 » Projeto de produtos e serviços, referente à criação e melhora de produtos e serviços. » Sistemas de produção - arranjo físico e fluxos produtivos. » Arranjos produtivos - tipo de produção a ser adotado. » Ergonomia - adaptação do trabalho ao trabalhador. » Estudo de tempos e movimentos. » Planejamento da produção - planejamento de capacidade, programação, plano mestre de produção e sequenciamento. » Planejamento e controle de projetos. A integração e a harmonia entre estratégia e operações são fundamentais para as empresas terem mais chances de sucesso. Para alcançar essa integração, a função produção deve cumprir cinco objetivos: Qualidade, Confiabilidade, Flexibilidade, Rapidez e Custo. Quadro 2. Objetivos da Função Produção. OBJETIVOS DA FUNÇÃO PRODUÇÃO Qualidade: Diz respeito à entrega de um produto dentro das especificações, com cortesia e com a menor variabilidade possível. Imagine a importância desse objetivo na indústria aeroespacial e a dificuldade de avaliá-lo em um hospital. Confiabilidade: Refere-se à capacidade de um sistema produtivo fornecer confiança nas entregas e na prestação do serviço. Flexibilidade: Quanto mais um sistema produtivo puder variar sem perda da qualidade, da quantidade e da variedade produzida, podemos dizer que ele está sendo mais flexível. O mix de produtos ofertados pode ser um bom indicador para a flexibilidade de uma organização. Rapidez: Em alguns casos, um sistema produtivo deve ser o mais rápido possível para ser competitivo e para atender os anseios dos consumidores. No caso do sistema de saúde, a rapidez na atenção ao paciente, em geral, é um importante diferencial. Custo: Em geral, todas as operações devem ter o menor custo possível. Fonte: Autor Fluxo de Produção O Fluxo de Produção é a sequência das fases de um processo de produção. Esta sequência engloba as etapas que vão do fornecedor de insumos ao consumidor de bens e serviços, englobando a logística de suprimentos, a administração da produção e a logística de distribuição. O sucesso no fluxo da produção depende da capacidade de utilização da informação no processo e do feedback quanto ao resultado obtido. Sistemas de Produção A fim de garantir eficácia e eficiência, as empresas precisam definir um sistema de produção que possa assegurar que suas operações darão conta de seus produtos e/ou serviços da melhor maneira possível. O sistema de produção é a maneira pela qual a empresa organiza seus 16 CAPÍTULO 1 • ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS departamentos/setores e realiza suas operações de produção, adotando uma interdependência lógica entre todas as etapas do processo produtivo, desde o momento em que os materiais e matérias-primas saem do almoxarifado até chegar ao consumidor (seja cliente interno ou externo). O Sistema de Produção é o conjunto de atividades e operações inter-relacionadasenvolvidas na produção de bens e serviços. Os sistemas de produção podem ser classificados em sistemas fechados ou sistemas abertos. Os sistemas fechados funcionam dentro de relações predefinidas de causa e efeito e mantêm um intercâmbio predeterminado com o ambiente. Determinadas entradas produzem determinadas saídas. Os sistemas abertos funcionam dentro de relações de causa e efeito desconhecidas e indeterminadas e mantêm um intercâmbio intenso, complexo e indeterminado com o ambiente. Neles existe uma infinidade de entradas e de saídas, indeterminadas e muitas vezes desconhecidas, o que provoca a complexidade e a dificuldade de se mapear o sistema. Cadeia de valor Cada empresa e cada negócio tem uma forma de produzir valor. A cadeia de valor nos dá a noção clara de como agregar valor no processo de produção e com isso aumentar sua margem. Assim, as empresas precisam diferenciar estrategicamente seus produtos e adaptar as atividades da cadeia de valor à proposta exclusiva, criar algo exclusivo e especial. A partir daí deve recriar a cadeia de valor e redefinir sua posição no mercado competitivo. Michael Porter (apud Julio, 2002) sugere que a cadeia de valor de uma empresa que pretenda conseguir a vantagem competitiva deve iniciar na logística de entrada (recebimentos) e continuar com operações, logística externa (distribuição), marketing e vendas e suporte ao cliente (Assistência Técnica) – ensinando-nos que devemos orientar o processo pelos fins a que se destinam, quais sejam: processos de fabricação e de negócios. Porter (apud Julio, 2002) ainda nos ensina que “definir a estratégia significa criar uma proposição de valor única, com atividades ajustadas nas áreas de marketing, produção, logística e distribuição. Tudo alinhado à proposição de valor única”. Para tanto, pode ser necessário, inclusive, abrir mão de outras possibilidades em prol da sustentabilidade do diferencial proposto. Assim, ao definir uma estratégia, a empresa se propõe Saiba mais Eficiência e eficácia: Para Peter Drucker (1993) “a eficiência consiste em fazer certo as coisas e a eficácia em fazer as coisas certas.” Assim, eficiência diz respeito à relação entre os resultados obtidos e os recursos empregados e eficácia trata do que fazer, de fazer as coisas certas, da decisão de que caminho seguir. Eficácia está relacionada assim à escolha e, depois de escolhido o que fazer, fazer esta coisa de forma produtiva leva à eficiência. A eficácia é o grau em que os resultados de uma organização correspondem às necessidades e aos desejos do ambiente externo. Considerando-se os níveis de decisões da empresa, a eficácia está relacionada ao nível tático (gerencial, logo abaixo do estratégico) e ao alcance dos objetivos propostos pela empresa, e a eficiência ao nível operacional e à utilização adequada dos recursos organizacionais (como realizar as operações com menos recursos - menos tempo, menor orçamento, menos pessoas, menos matéria-prima). 17 ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS • CAPÍTULO 1 a “bancar” certos sacrifícios que lhe garantem, contudo, uma posição diferenciada no mercado e lhe conferem uma real vantagem competitiva. Assim, se a empresa faz proliferar as vantagens ao longo da sua cadeia de valor, ela aumenta sua margem de lucro, como pode ser visto na figura a seguir. Figura 1. Proposta de valor. Fonte: JULIO, Carlos Alberto; SALIBI NETO, José (orgs.). Estratégia e planejamento: autores e conceitos imprescindíveis. São Paulo: Publifolha, 2002. (Coletânea HSM Management). Desenvolvimento da administração da produção Gaither e Frazier (2006) sugerem que historicamente podemos destacar 6 (seis) importantes momentos que marcaram o desenvolvimento da Administração da Produção e Operações: 1o Momento: Revolução Industrial Os povos antigos já utilizam métodos de produção (sistemas caseiros) para execução de trabalhos e confecção de produtos. “As pirâmides do Egito, o Parthenon grego, a Grande Muralha da China e os aquedutos e estradas do Império Romano atestam a indústria dos povos da Antiguidade” (GAITHER; FRAZIER, 2002, p. 7). 18 CAPÍTULO 1 • ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS Os séculos XVIII e XIX marcaram definitivamente uma mudança na produção industrial. A Revolução Industrial, que teve seu berço na Inglaterra, marcou o início da produção industrial moderna, com substituição da força humana pela força mecanizada e o estabelecimento do sistema fabril. Iniciou-se aí a utilização intensiva de máquinas, a criação de fábricas, as transformações urbanas e rurais; enfim, o começo de uma nova etapa na civilização. Nesse período, começavam a se delinear os rumos econômicos mundiais e a relação entre o poderio econômico e político com a capacidade produtiva e manufatureira. Era fundamental identificar a forma de organizar os trabalhadores tornando a produção fabril mais racional e lógica. Adam Smith, em sua publicação A riqueza das Nações (1776), avaliava os benefícios econômicos da divisão do trabalho. Com este conceito, o autor defendia que cada tarefa da linha fabril fosse assumida por um trabalhador, atendendo a lógica da especialização de mão de obra. Desta forma, a produção deveria ser desmembrada em partes menores, favorecendo o planejamento e o controle do trabalho. O movimento e as mudanças propostas na Revolução Industrial se expandiram pela Europa e chegaram aos Estados Unidos. A indústria têxtil marcou o início das atividades fabris nos Estados Unidos. Nos anos 1800, com o desenvolvimento do motor a gasolina e da eletricidade, muitas indústrias emergiram. Foi, porém, a necessidade de produtos gerada pela Guerra Civil Americana – entre os anos de 1861 e 1865 - que fez surgir novas fábricas. Aqui apenas estava começando o desenvolvimento do sistema produtivo. 2o Momento: Período Pós-Guerra Civil As técnicas de Administração que se tornaram populares durante a maior parte do século XX, nasceram ou se desenvolveram nos Estados Unidos. Se a Inglaterra foi hegemônica no século XIX, o século XX marcou a predominância industrial, política e econômica dos Estados Unidos. De lá, as técnicas e instrumentos de gestão da produção se difundiram por inúmeros países. O período Pós-Guerra Civil Americana (1861-1865), também marcado pela abolição dos escravos negros, êxodo dos trabalhadores rurais para as cidades e a influência dos imigrantes, definiu um cenário de reestruturação fabril, expandindo a capacidade produtiva e desenvolvendo os centros urbanos industriais. Iniciavam-se ali as modernas formas de capital, levando a separação entre o capitalista e o empregador, onde administradores se tornaram empregados assalariados e os financistas aqueles que tinham posse do capital. O acúmulo do capital se refletiu na ampliação da capacidade de produção dos Estados Unidos. A colonização do oeste americano gerou ainda a necessidade de criar meios de escoar os produtos até aquela região – surgiram, assim, importantes ferrovias. De forma cíclica, então, novos territórios foram desenvolvidos e linhas férreas foram estendidas. No início do século XX, o território americano já possuía um sistema de transporte eficiente e econômico. 19 ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS • CAPÍTULO 1 A explosão da produção do século XX já estava delineada: expansão do capital, capacidade produtiva ampliada, aumento da força de trabalho nas cidades fabris, novos mercados ocidentais, sistema de transporte eficiente e abrangente. 3o Momento: Administração Científica Uma das primeiras abordagens científicas do estudo da administração, popularizada no início do século XX, foi a administração científica, concentrada primordialmente na eficiência dos trabalhadores. Os pensadores Frank e Lillian Gilbreth, Henry Gantt e Harrington Emerson contribuíram para o desenvolvimento e a divulgação da administração científica. Mas foi Frederick W. Taylor quem mais se identificou com essa linha de estudo.Taylor, um engenheiro a serviço da máquina produtiva americana, mostrava interesse pelas questões da eficiência e da produtividade, e advogava a aplicação de racionalidade e métodos científicos à administração do trabalho nas fábricas. Ele percebeu um fenômeno que chamou de soldiering (gíria de marinheiros que significa “fazer corpo mole”) e, para neutralizar os efeitos do “corpo mole”, Taylor desenvolveu várias técnicas inovadoras. Ele estabeleceu um método de desempenho padronizado para cada um deles. Estudando os problemas fabris de sua época, ele popularizou a noção de eficiência – “obter o resultado esperado com o menor desperdício de tempo, esforço e materiais” (Gaither e Freizer, 2006, p. 08). Implantou, baseado em suas conclusões, um sistema de pagamento no qual cada trabalhador recebia de acordo com sua produtividade (Taylor acreditava que o dinheiro era o único fator motivacional relevante no local de trabalho). Essas inovações aumentaram significativamente a produtividade e se constituíram nos fundamentos da administração científica. O sistema de produção de Taylor obedecia aos seguintes passos: 1. habilidade, força e a capacidade de aprendizagem eram determinadas para cada trabalhador; 2. usava-se como método a cronometragem para estabelecer com precisão a produção padrão por trabalhador; 3. utilizavam-se, para coordenar e organizar o trabalho, cartões de instrução e roteiros; 4. definição de supervisores por meio de seleção criteriosa que identificasse perfil para assumir determinadas funções como planejamento, organização, controle e determinação de métodos; 5. sistemas de pagamentos por incentivo. Um marco da administração científica pode ser identificado no início do século XX, na Ford Motor Company. A fábrica automobilística incorporou os principais elementos da administração científica à sua linha de montagem e obteve resultados surpreendentes – aumentou a capacidade de produção e reduziu de forma significativa os custos. Assim, Henry Ford, apesar de não representar um inventor de métodos inovadores de produção, aparece como um dos maiores 20 CAPÍTULO 1 • ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS líderes industriais de seu tempo, incorporando ao seu negócio o mais inovador método de produção daquele período. Algumas outras importantes contribuições no campo da administração científica merecem ser destacadas, entre elas Frank Gilbreth com os estudos de movimentos (1868-1934) e Lilian Gilbreth com estudos da fadiga e da ergonomia. Cooke levou os conceitos da administração científica para os campos da educação e governo. O quadro abaixo apresenta alguns dos estudiosos da administração científica e suas contribuições. Quadro 3. Estudiosos da administração científica e suas contribuições. Administração Científica: Os Atores e seus Papéis Contribuinte Tempo de Duração Contribuições Frederick Winslow Taylor 1856-1915 Princípios de administração científica, princípio de exceção, estudo de tempo, análise de métodos, padrões, planejamento, controle. Frank B. Gilbreth 1868-1934 Estudo dos movimentos, métodos, therbligs, contratos de construção, consultoria. Lilllian M. Gilbreth 1878-1973 Estudos da fadiga, ergonomia, seleção e treinamento de empregados. Henry L. Gantt 1861-1919 Gráficos de Gantt, sistemas de pagamento por incentivo, abordagem humanística ao trabalho, treinamento. Carl G. Barth 1860-1939 Análise matemática, régua de cálculo, estudos de suprimentos e velocidade, consultoria para a indústria automobilística. Harrington Emerson 1885-1931 Princípios da eficiência, economia de milhões de dólares em ferrovias, métodos de controle. Morris L. Cooke 1872-1960 Aplicação da administração científica à educação e ao governo. Fonte: GAITHER, N., FRAZIER, G. Administração da Produção e Operações. São Paulo: Thomson Learning, 2006, p. 09. A administração científica, desde então, representa um marco no desenvolvimento do estudo da administração. 4o Momento: Relações Humanas e Behaviorismo Após a década de 1930 que a percepção da gestão sobre a relação entre as pessoas e o ambiente de trabalho mudou de maneira significativa. Até este período marcava a produção industrial os controles rígidos que asseguravam um trabalho árduo e eficiente. Contudo, entre as duas grandes guerras, surgiu uma filosofia entre os gerentes identificando a necessidade de reconhecimento dos trabalhadores como seres humanos que deveriam ser tratados com dignidade. As premissas básicas da escola das relações humanas eram as de que as pessoas reagem ao ambiente social em que estão, de que a motivação depende mais das necessidades sociais do que das necessidades econômicas e de que quem está satisfeito trabalha 21 ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS • CAPÍTULO 1 melhor do que os insatisfeitos. Esse ponto de vista representa uma mudança fundamental em relação à filosofia e aos valores da administração científica e da teoria clássica da organização. O movimento das relações humanas iniciou-se em Illinois com o trabalho de Elton Mayo, F.J. Roesthlisberger, T.N. Whitehead e W.J. Dickson na instalação da Western Eletric Company, entre 1927-1932. O estudo, inicialmente voltado para identificar o nível ótimo de iluminação para obter o máximo de produção de trabalhadores, acabou atentando os pesquisadores para a possibilidade de fatores humanos afetarem a produção. Os estudos de Douglas McGregor e Abraham Maslow talvez sejam os melhores exemplos dos principais valores das relações humanas aplicados à gestão. McGregor identifica duas perspectivas opostas que, em sua opinião, são típicas da visão gerencial dos funcionários. Ele denomina de teoria X, que espelha uma visão pessimista da natureza humana e do comportamento do funcionário. A teoria Y, também formulada por ele, que vê os funcionários de modo muito mais otimista e positivo e é representativa, de modo geral, do ponto de vista das relações humanas. A Teoria X pressupõe que os indivíduos não gostam de trabalhar e tentam evitar fazê-lo, por isso precisam ser controlados, dirigidos, coagidos e ameaçados a fim de atingir os objetivos da organização. Além disso, eles preferem ser mandados para evitar responsabilidades. A Teoria Y pressupõe que os indivíduos gostam de trabalhar e que o trabalho faz parte da vida das pessoas. Além disso, possuem motivação interna para atingir os objetivos com que se comprometeram desde que sejam compensados. Os indivíduos possuem capacidade de inovação ao resolver problemas organizacionais e são brilhantes, desde que não tenham seu potencial subestimado. Em 1943, Abraham Maslow publicou uma teoria pioneira sobre motivação. A teoria de Maslow parte do princípio de que a motivação surge de uma série hierárquica de necessidades. Quando a necessidade de um nível é satisfeita, a pessoa passa para o próximo nível da escala, em direção ao topo. O estudo desses behavioristas e de outros como, Frederick Herzberg e Peter Drucker, possibilitam que outro tipo de análise fosse disseminada no ambiente de trabalho, correlacionando atitudes e trabalho. Cuidar do clima organizacional tornou-se uma premissa administrativa. Os estudos de Hawthorne e a escola das relações humanas desempenharam papel crucial no desenvolvimento dos fundamentos do estudo do comportamento organizacional. O comportamento organizacional começou a surgir como um campo maduro de estudos no final da década de 1950 e no início da década de 1960. Desde essa época, o comportamento organizacional, como área científica de pesquisa, tem alcançado progressos consideráveis, apesar de retrocessos ocasionais. De maneira geral, entretanto, os executivos reconhecem cada vez mais o valor dos recursos humanos e se esforçam para 22 CAPÍTULO 1 • ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS entender melhor as pessoas e os papéis que elas desempenham em organizações complexas e num ambiente empresarial competitivo. 5o Momento: Pesquisa Operacional Dentre as possibilidadesutilizadas pela administração da produção na otimização dos resultados está a pesquisa operacional. Para Ehrlich (1991, p. 13), a Pesquisa Operacional é uma metodologia de estruturar processos aparentemente não estruturados por meio da construção de modelos. Utiliza um conjunto de técnicas quantitativas com o intuito de resolver os aspectos matemáticos dos modelos. Os estudos iniciais em Pesquisa Operacionais (P.O.) advêm das décadas de 50 e 60, com o avanço matemático e computacional. Também a II Guerra Mundial alavancou o desenvolvimento da Pesquisa Operacional, pois os exércitos precisavam ser abastecidos de mantimentos e munição onde quer que estivessem – nunca as organizações enfrentaram decisões administrativas tão complexas. No decorrer do século XX, a Pesquisa Operacional foi sendo aperfeiçoada nos países do primeiro mundo, sendo utilizada como uma “nova ciência de eficácia e eficiência”. A Pesquisa Operacional caracteriza-se: 1. aborda a solução de problemas e a tomada de decisões a partir da perspectiva do sistema total; 2. recorre a técnicas de vários campos de estudo; 3. não faz experiências no próprio sistema, mas constrói um modelo de sistema sobre o qual realiza experiências; 4. a construção de modelos e a manipulação matemática constituem a metodologia; 5. foco na tomada de decisões; 6. uso extensivo de computadores. A pesquisa operacional se propõe assim, na área gerencial, à criação de modelos na solução de problemas das organizações, substituindo a tomada de decisões intuitiva por uma abordagem que identifique a alternativa ótima, por meio de análise. Porém, cita-se como limitação desta técnica a ambiguidade e subjetividade de muitas das suas decisões e a possibilidade desta não refletir a realidade da situação organizacional. Existem diversas ferramentas que auxiliam a estruturar os modelos de resolução de problemas na Pesquisa Operacional. Entre elas, estão a análise de séries temporais, a programação linear, a 23 ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS • CAPÍTULO 1 programação PERT, a Matriz Payoff e os modelos de simulação. Entre essas pode ser destacada, como de grande auxílio na otimização de recursos de produção escassos, a programação dinâmica. 6o Momento: A Revolução dos Serviços Após a II Guerra Mundial, outro fenômeno marca a administração da produção: a expansão abrupta e contínua do mercado de serviços. Gaither e Frazier (2006) descrevem alguns avanços que marcaram o desenvolvimento da Administração da Produção e Operações nas décadas de 80 e 90 relacionadas pela Harvard Business Review, em 1997. São eles: » Robótica e controle numérico. » Projeto auxiliado por computador. » Controle estatístico do processo para obter qualidade (qualidade total). » Manufatura enxuta (just in time). » Benchmarking. » Padrões ISO. » Competição baseada no tempo. » Reengenharia do processo. » Outsourcing. » Administração da cadeia de suprimentos. » Organização “virtual”. Continuamente, esses fatores se combinam para modelar como hoje administramos nossa produção e operação. A administração da produção em saúde No campo da saúde não podemos nos esquecer de que o significado do serviço prestado possui uma dimensão subjetiva, especial e sui generis para o cliente. Produzir saúde significa, em última instância, produzir bem-estar e qualidade de vida, evitando logicamente qualquer forma de sofrimento. Desta forma, antes de qualquer coisa, precisamos entender que produto singular é esse que pretendemos produzir. A começar pelos conceitos de cuidado e qualidade em saúde, verificamos que ambos têm interpretação pouco precisa. A compreensão do significado de qualidade depende de um Para refletir “Mais de 2/3 da força de trabalho americana está empregada em serviços, e mais da metade desses trabalhadores está em serviços de escritório; aproximadamente 2/3 do produto interno bruto (PIB) são produzidos pelos serviços; há um enorme superávit comercial nos serviços; e o investimento por trabalhador de escritório agora ultrapassa o investimento por trabalhador de fábrica”. GAITHER, N., FRAZIER, G. Administração da Produção e Operações. São Paulo: Thomson Learning, 2006, ps. 12-13. 24 CAPÍTULO 1 • ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS conjunto de fatores que derivam de princípios científicos, expectativas individuais e valores sociais. Podemos, em sequência, identificar uma série de outros conceitos em saúde pouco claros e, entre eles, o mais importante diz respeito ao produto final da produção em saúde. Se nosso interesse principal é entender o processo de administração da produção e operação em saúde, nos cabe identificar os pontos de similaridade entre os serviços de saúde e os outros serviços de produção de bens ou insumos e principalmente os pontos divergentes, para os quais é preciso pensar metodologias próprias. Obviamente, adaptar métodos de gerenciamento de manufatura para a área de serviços hospitalares e de saúde em geral seria muito útil, no sentido de prover flexibilidade, qualidade, melhor aproveitamento de recursos e redução de custos. Contudo, a aplicabilidade destes métodos e a eficácia de seus resultados nem sempre atendem as expectativas do gestor de saúde e de seus clientes. Marcondes (1980, p. 29) aponta que, “quando se pensa em hospital como empresa, é preciso considerar que, por si só, esta visão não leva a nenhuma definição operacional”. Precisamos compreender que o hospital e as instituições de saúde em geral são um tipo de organização cujas características diferem da maioria das organizações, possuindo formas de estruturação complexas ainda pouco estudadas, principalmente em suas especificidades administrativas e em operações. Obviamente, o campo de estudos da administração de hospitais, ainda recente, precisa definir seus produtos e, a partir desta conceituação, estabelecer estratégias de coordenação e organização de sua produção. Cardoso e Erdmann (2010), em relação às unidades de saúde, defendem que deve-se buscar aperfeiçoar os estudos e pesquisas para munir esse tipo de organização e o meio científico de informações capazes de reorganizar a estrutura funcional, melhorar a qualidade na prestação de serviços, otimizar custos. Buscar fatores que permitam, através do conhecimento do âmbito organizacional, torná- las mais competitivas/excelentes. A fim de entender melhor as especificidades de uma instituição hospitalar e, pela sua caracterização, compreender seus processos operacionais e produtivos, iremos nos remeter à Teoria de Estruturas Organizacionais de Mintzberg (livro The Structuring of Organizations, 1979). Saiba mais Henry Mintzberg (2 de setembro de 1939) é um renomado acadêmico e autor canadense que escreveu diversos livros na área de Administração. Em seu modelo, o autor considera que a estrutura de uma organização pode ser definida como “a soma total das maneiras pelas quais o trabalho é dividido em tarefas distintas e como é feita a coordenação entre essas tarefas”, e explica o seu funcionamento considerando-a em termos de configurações, onde cada uma apresentaria características, funcionamento e problemas específicos. http://pt.wikipedia.org/wiki/2_de_setembro http://pt.wikipedia.org/wiki/1939 25 ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS • CAPÍTULO 1 Mintzberg (2003) considera, então, que toda atividade humana organizada, seja de qual natureza for, dá origem a duas exigências fundamentais e opostas, que são: divisão do trabalho em várias tarefas e coordenação dessas tarefas. Essas exigências envolvem diversos parâmetros de design, assim como fatores situacionais. Dentro dessa perspectiva, Mintzberg (1988) considera que o agrupamento de fatores situacionais e parâmetros de design determinam a estrutura organizacional de uma entidade eficaz, devendo, para tanto, haver consistência entre esses elementos. Mintzberg (2003) classifica em seis as partes básicas de uma organização:cúpula estratégica, linha intermediária, tecnoestrutura, assessoria de apoio, núcleo operacional e ideologia, conforme é detalhado a seguir. Cúpula estratégica: Na cúpula encontramos as pessoas com responsabilidade global pela organização – o chief executive officer (também chamado de presidente) e outros dirigentes de alto nível com preocupações globais. A cúpula estratégica é encarregada de assegurar que a organização cumpra sua missão de modo eficaz e também que atenda às necessidades dos que controlam ou que detêm poder sobre ela (proprietários, órgãos governamentais, entre outros). Linha Intermediária: A linha intermediária representa o ponto de ligação entre a cúpula estratégica e o núcleo operacional (gerentes intermediários). O gerente da linha intermediária executa várias tarefas no fluxo de supervisão direta acima e abaixo dele: coleta informações de feedback e transfere algumas delas ao gerente acima; intervém no fluxo de decisões; fluindo para cima estão os problemas da unidade, as propostas de mudança e as decisões que requerem autorização. Núcleo Operacional: O núcleo operacional assegura os inputs para a produção, transformam os inputs em outputs, distribuem os outputs, ou seja, o núcleo operacional é responsável pela entrada de matéria-prima, pela transformação desta matéria-prima no produto da empresa e pela distribuição deste produto. Tecnoestrutura: A tecnoestrutura é responsável pela formatação do núcleo operacional, ou seja, ela define os processos, as especificações do produto e a formalização do comportamento. Assessoria de Apoio: É a área especializada, terceirizada ou não, que tem a função de apoiar a organização fora do fluxo de produção de seu produto principal. Desta forma, a assessoria de apoio dá suporte às operações da empresa. Ideologia (ou cultura): inclui os valores, as crenças e as tradições, uma espécie de personalidade da organização que a distingue de todas as outras e introduz uma certa “vida” na própria organização. A figura a seguir apresenta as seis partes da organização definidas por Mintzberg. No topo aparece a cúpula estratégica que é ligada ao núcleo operacional, que aparece na parte de baixo da figura pela linha hierárquica ou intermediária, ao centro. Nas laterais aparecem a tecnoestrutura e o pessoal de apoio. Externamente, a ideologia que influencia toda a organização. http://www.knoow.net/cienceconempr/gestao/valores_organizacionais.htm http://www.knoow.net/cienceconempr/gestao/organizacao.htm http://www.knoow.net/cienceconempr/gestao/organizacao.htm 26 CAPÍTULO 1 • ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS Figura 2. As seis partes da organização segundo Mintzberg. Fonte: <http://wagnerherrera.blogspot.com/2006/10/pensando-estrutura-organizacional.html&docid> (último acesso em 20/07/2012). Mintzberg (2003) define ainda 5 mecanismos de coordenação principais, sendo eles: ajustamento mútuo, supervisão direta, padronização dos processos, padronização dos outputs, padronização das habilidades e as normas, regras e doutrinação. Cada mecanismo é detalhado a seguir. Ajustamento mútuo: Neste caso o controle do trabalho permanece sob o controle dos trabalhadores, que se utilizam da comunicação informal para o ajustamento das atividades. Supervisão direta: Na supervisão direta fica claro o papel de uma pessoa como responsável pelas outras, orientando e monitorando suas ações. Padronização dos processos: A padronização dos processos fornece condições para que a supervisão direta tenha uma maior amplitude de controle. Padronização dos outputs: Os outputs são definidos por Mintzberg como o resultado do trabalho, podendo ser entendido também como medidas de desempenho ou determinadas especificações padronizadas. A padronização dos outputs acontece quando não há relevância para a organização a forma pela qual o resultado ou as medidas são alcançadas e sim o que foi estabelecido como objetivo final da organização. Padronização das habilidades: Existem funções dentro das organizações que, pela sua complexidade, necessitam de formação específica, de forma que as empresas não têm como definir exatamente os processos de trabalho destas atividades. Nestes casos, a organização opta por contratar profissionais especializados. Normas, regras e doutrinação: Segundo Mintzberg (2003), “algumas organizações têm como mecanismo chave de coordenação a socialização, ou se preferir, a padronização das normas – e um correspondente parâmetro de design principal, a doutrinação”. Neste caso, as normas, regras 27 ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS • CAPÍTULO 1 e doutrinação servem de importantes instrumentos de viabilização da ideologia. São estes três componentes que vão permitir que a atividade seja realizada dentro do que a ideologia principal da organização determina como importante. Para Mintzberg (2003), um número limitado de configurações ou modelos, com seus respectivos elementos constitutivos, pode explicar a maioria das tendências que levam uma organização a ser eficaz ou não. Em sua teoria a respeito das organizações, Mintzberg ainda classificou as organizações em 6 modelos básicos conforme mostra o quadro 4. As organizações do tipo burocracia profissional, entre as quais incluímos os hospitais, para funcionarem bem, dependem necessariamente de seus operadores, ou seja, de seus profissionais. Aqui o trabalho é complexo e de grande demanda. O mecanismo principal de coordenação é a padronização de habilidades, onde o saber é formalizado por meio do processo formativo e as normas definidas pelas associações profissionais (especialistas). Nessas organizações, os profissionais detém de autonomia, decorrente de seu saber especializado e da complexidade de seu trabalho, por isso não admitem influências. Tal autonomia geralmente acarreta problemas de coordenação, uma vez que esta tem de garantir a missão da organização e, para isso, precisa exercer certo controle sobre os profissionais. Tal controle somente pode ser exercido pela padronização de habilidades, que geralmente está fora da organização, já que a supervisão direta e a padronização de processos ou de saídas não se adequam a esse tipo de organização. Sendo assim é comum a relação entre autonomia e poder nestas organizações. Nelas os profissionais tentam controlar a organização para manter o poder sobre as decisões que possam afetar suas práticas. Quadro 4. Modelos Organizacionais de Mintzberg. MODELOS ORGANIZACIONAIS CONCEITOS ENVOLVIDOS Estrutura Simples Neste modelo de organização o nome já diz tudo, uma organização de estrutura simples, não muito mais que uma grande unidade consistindo de um ou alguns gerentes de cúpula, um dos quais é o líder, e de um grupo de operadores que executam a tarefa do trabalho básico. Burocracia Mecânica A organização maquinal é oriunda da Revolução Industrial, quando os empregos se tornaram altamente especializados e o trabalho, altamente padronizado. Neste modelo de organização, encontramos uma administração mais aprimorada, com uma tecnoestrutura bem desenvolvida para manutenção de seus sistemas de padronização, seja dos processos, especificações do produto ou formalização do comportamento. Burocracia Profissional Diferentemente da mecânica, neste modelo de organização predomina a padronização das habilidades e não a de processos. Por precisar depender de profissionais treinados – pessoas altamente especializadas, mas com considerável controle sobre seu trabalho, como em hospitais e universidades. 28 CAPÍTULO 1 • ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS MODELOS ORGANIZACIONAIS CONCEITOS ENVOLVIDOS Burocracia Divisionalizada Neste modelo de organização existe uma forte atração para dividir. Uma organização cria divisões principalmente por um motivo: pelo fato de suas linhas de produtos serem diversificadas. Normalmente, na matriz existe algum mecanismo de controle que é desenvolvido para que haja uma padronização mínima nas atividades dasorganizações, mas o controle maior fica a cargo de cada unidade, sendo o principal mecanismo de supervisão a padronização dos resultados. Adhocracia A atração principal deste modelo de organização é para a inovação. Estas organizações precisam inovar de maneira complexa. Possui uma estrutura organizacional altamente orgânica, com pouca formalização do comportamento, e com especialização do trabalho em sua dimensão horizontal, tendo o treinamento formal como meio para tanto. A tendência é que seus especialistas estejam agrupados em base funcional tendo em vista propósitos internos, sendo divididos em pequenas equipes de projeto, baseadas no mercado, com o objetivo de desenvolver trabalho específico. O poder de tomada de decisão é descentralizado vertical e horizontalmente, de forma seletiva. Estrutura Missionária São aquelas organizações criadas e movidas por uma ideologia e para tal, precisam de modelos de um modelo de gestão peculiar a fim de coordenar atividades de pessoas que em parte dos casos são voluntárias. Fonte: Mintzberg (2003, Ps. 174-177, 325) adaptado pelo autor. Mintzberg (p.197) aponta que a estrutura administrativa dessas organizações revela estruturas hierárquicas paralelas, “uma democrática de baixo para cima para os profissionais, e uma segunda burocraticamente mecanizada de cima para baixo para a assessoria de apoio”. Podemos exemplificar estas estruturas hierárquicas pela análise da assessoria de apoio. Nos hospitais, em geral, a assessoria de apoio é bem desenvolvida, mas seu enfoque é quase que exclusivamente para servir ao núcleo operacional e sua organização obedece a esquemas rígidos de hierarquia. Exemplos de assessorias de apoio no hospital são: o laboratório, a nutrição, a esterilização, entre outros. Há uma tentativa de adequar a produção nos hospitais ao modelo de Taylor e Fayol, utilizando influências da Teoria Geral da Administração e incorporando o modo pragmático de administrar (supervisão direta, rotinização, hierarquia rígida, subordinação, racionalização de funções). Conforme Mintzberg (p. 190), “o controle sobre seu próprio trabalho significa que o profissional atua relativamente independente de seus colegas, mas de perto com os clientes aos quais serve”. Desta maneira, se nos hospitais, organizações que se configuram como burocracias profissionais, há certa padronização, há, em contraponto, o fator complexidade e a dificuldade no controle que dificultam a coordenação do trabalho. Os hospitais convivem, assim, como resultado dessa identidade ambígua, com a padronização e a descentralização das habilidades e conhecimentos de seus profissionais (expertise). Se por um lado o poder e a responsabilidade pelo paciente estão nas mãos dos médicos e outros profissionais altamente especializados, por outro o estabelecimento de padrões e normas se originam fora da instituição. Nas organizações hospitalares, as habilidades e a formação da força de trabalho, a estrutura organizacional complexa e a especificidade dos serviços prestados tornam efetivamente difíceis o gerenciamento e o controle das atividades. 29 ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS • CAPÍTULO 1 Gerenciar a produção em uma instituição desta natureza (especializada e de difícil controle) exige a habilidade de estabelecer métodos de planejamento, programação e controle da produção que atendam as suas características e especificidades, e exige também modelos inovadores de gestão com potentes sistemas de comunicação interna, descentralização da elaboração de planos e da operacionalização dos planos, respeitando assim o alto grau de especialização. Fundamental ainda é compreender que em saúde produzimos serviços. Sendo assim, o centro de nossa atenção tem que estar nos processos. Observa-se, contudo, uma distância entre as descrições claras e objetivas dos processos nas teorias clássicas de administração e o empirismo adotado nas instituições de saúde para definição dos processos, seus tempos e suas etapas. Cardoso e Erdmann (2010) afirmam que: “durante muito tempo, procurou-se adaptar os métodos de gestão industrial, desenvolvidos principalmente para o setor de manufatura, à produção de serviços. Todavia, diante da crescente competitividade empresarial, houve um aumento da necessidade de maior profissionalismo na gestão de operações de serviços, outrossim, deve-se desenvolver conceitos e metodologias adequadas, tanto a novas estruturas organizacionais como às especificidades de suas operações.” Os autores ainda citam Corrêa et al (1994) ressaltando que “é conveniente identificar as propriedades das operações de serviços dentro da empresa, entender a enorme variedade de serviços diferentes para que os conceitos ligados à gestão de um determinado tipo de serviço não se generalizem.” Sintetizando » A velocidade das mudanças no cenário atual exigem uma profunda revisão e reestruturação produtiva nas empresas de bens e serviços. » Os serviços se diferenciam dos produtos industriais por serem intangíveis, não sendo facilmente padronizáveis e por terem sua produção altamente dependente da mão de obra. » A administração da produção consiste nas atividades de planejamento, organização, direção e controle da produção da empresa, apoiando a tomada de decisões em diversos níveis da organização. » Eficiência trata de como fazer, não do que fazer. Quando se fala em eficiência, está se falando em produtividade, em fazer mais com o mínimo de recursos possíveis. Já a eficácia trata do que fazer, de fazer as coisas certas, da decisão de que caminho seguir. A eficácia é o grau em que os resultados de uma organização correspondem às necessidades e aos desejos do ambiente externo. » As empresas precisam agregar valor no processo produtivo de forma a diferenciar seu produto e redefinir sua posição no mercado competitivo. » O desenvolvimento da Administração da Produção remonta ao século XVIII, no início da Revolução Industrial. Foi, porém com a administração científica que foram radicalmente redefinidas as formas de gestão da produção. A Escola das Relações Humanas mudou a percepção da relação entre as pessoas e o ambiente de trabalho. Recentemente, contudo, a expansão do mercado de serviços forçou as empresas a agregarem novas estratégias na sua cadeia produtiva, remodelando a produção. 30 CAPÍTULO 1 • ADMInISTRAçãO DA PRODUçãO: HISTÓRICO E COnCEITOS » No campo da saúde, a cadeia produtiva tem características próprias. O hospital é uma organização do tipo burocracia profissional, cujo principal mecanismo de coordenação é a padronização de habilidades. Contudo, as habilidades, a estrutura organizacional complexa e as especificidades dos serviços prestados tornam efetivamente difíceis o gerenciamento e o controle das atividades. 31 Apresentação Tradicionalmente, a Administração da Produção é uma área de estudo voltada para setores produtivos industriais. Contudo, considerando que os conceitos que fazem parte do campo dizem respeito a funções administrativas clássicas – planejamento, organização, programação, previsão e controle – não há como abrir mão da aplicação das técnicas e avanços para qualificação da gestão de outros setores de atividades como, por exemplo, o setor saúde. Assim, é preciso que se entenda o hospital como um sistema de produção que, para atingir a sua finalidade de atenção à saúde, necessita do funcionamento dinâmico, eficaz e competitivo. A Administração da Produção em Saúde aparece como uma função estratégica que dá ao gestor a capacidade de avaliar e utilizar continuamente os recursos que detém, os moldando e renovando para ampliar sua vantagem competitiva. Uma organização de saúde eficaz necessita: definir de forma clara os processos organizacionais e sua capacidade; planejar, identificar os resultados desejáveis, estabelecer o funcionamento operacional eficaz e sob controle. Só assim será capaz de responder às expectativas dos seus funcionários e usuários e obter sucesso no seuresultado final. Objetivos Esperamos que, após o estudo do conteúdo deste capítulo, você seja capaz de: » Analisar o processo produtivo em saúde. » Entender os conceitos de planejamento, previsão e programação da produção em saúde. » Analisar a cadeia de suprimentos de matéria-prima e de incorporação de tecnologias e mão de obra em saúde. 2 CAPÍTULO PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE 32 CAPÍTULO 2 • PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE Introdução Os serviços de saúde constituem um setor de atividades com características próprias que merecem especial atenção quanto à organização e gerenciamento da sua cadeia produtiva. Se, em teoria, muitos de seus processos e de seus produtos se assemelham aos de uma organização prestadora de serviço; na prática, as singularidades se multiplicam e exigem análises profundas e detalhadas. Para clarear nossa discussão, revisitaremos de forma breve o setor de serviços de maneira geral para, posteriormente, entrarmos nas questões referentes a planejamento e controle da produção em saúde. A figura a seguir representa algumas características da produção de serviços Figura 3. Características da produção de serviços. Fonte: KOTLER, A., 1999, p. 456, citado por SANTOS, P.R.G., Marketing nos Serviços de Saúde Conforme já tratado no capítulo anterior, o serviço possui como características importantes sua intangibilidade (são consumidos na ocasião em que são prestados e por isso não podem ser possuídos), sua inseparabilidade (em geral são vendidos e só depois produzidos e consumidos), sua variabilidade (e daí a dificuldade de padronização e o uso intenso do fator humano) e sua perecibilidade (não podem ser estocados para venda ou consumo futuros). Há três tipos de operações em serviços: 1. Quase manufatura: produção muito similar ao setor de manufatura. Ex.: Manutenção de automóveis. Para refletir Serviços constituem uma transação realizada por uma, por um grupo de pessoas ou por uma organização cujo objetivo principal não está associado à transferência de um bem para o cliente. (SANTOS, P. R. G. Marketing nos Serviços de Saúde. In GESTHOS Gestão Hospitalar, Brasília: Ministério da saúde, 2002,. p. 111) 33 PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE • CAPÍTULO 2 2. Cliente como participante: elevado grau de participação do cliente nesse tipo de operação de serviço. A venda a varejo é um exemplo desse tipo e operação em serviço. 3. Cliente como produto: Clientes são tão envolvidos que o serviço é de fato realizado no cliente. Os serviços são personalizados. Hospitais e clínicas médicas são exemplos deste tipo de operação de serviço. Ainda em relação ao setor serviço, vale lembrar dois aspetos de grande relevância para a presente discussão: a. Os serviços são produzidos e entregues por pessoas; b. O padrão de demanda para os serviços não é uniforme. Sendo assim, de uma forma geral, o principal desafio é variar a capacidade de produção para satisfazer esse padrão mutante de demanda. Vale lembrar aqui que, no caso de empresas de serviços, o estudo para administração da produção deverá estar centrado em operações e processos. Em um hospital, o cliente é o produto da operação/processo, gerador de uma demanda variável, contudo, há um mix de outras operações realizadas para atender ao cliente que podem se configurar também como operações de quase manufatura. As operações de serviço que possuem o cliente como produtos são projetadas, planejadas, controladas, analisadas e administradas com um objetivo particular que é ter clientes satisfeitos. A satisfação do cliente, contudo, é dada pela combinação de muitos fatores como: » Qualidade extrínseca dos serviços. A extensão em que o próprio serviço atinge os resultados esperados pelo cliente. » As instalações. O conforto, conveniência e clima criados pela instituição. » A relação entre o cliente e a força de trabalho que o atende. » A habilidade, competência e profissionalismo da força de trabalho. » O valor do serviço dado pelo custo do serviço em relação à quantidade de benefícios recebidos. Nos hospitais, por exemplo, embora os objetivos de eficiência de custo, relações positivas e de cortesia com o usuário sejam importantes, a principal meta é oferecer tratamentos e procedimentos médicos eficientes para os pacientes. A relação entre a expectativa do paciente com o tratamento da doença e a capacidade do serviço de responder as suas perguntas define a satisfação dos usuários deste tipo de serviço. Vale ressaltar: o paciente e seus familiares não chegam apenas com a expectativa de ser curado, mas acima de tudo de ser acolhido no seu sofrimento e de 34 CAPÍTULO 2 • PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE obter respostas para suas dúvidas. Além disso, é esperado que as tomadas de decisões sejam compartilhadas, afinal o que está em questão não é a produção de um bem puro e simples. Mesmo entendendo que o planejamento, a programação e o controle da produção assumem configurações particulares nesse tipo de serviço, iremos inicialmente detalhar os conceitos de forma geral e depois abordá-los à luz das especificidades do setor saúde, em especial a organização hospitalar. Previsão, planejamento, programação e controle da produção A previsão pode ser entendida como um primeiro passo do planejamento e tem como objetivo monitorar alterações que podem ocorrer ao longo do tempo. Prever é estimar a demanda futura por produtos e serviços e os recursos necessários para produzi-lo. As previsões de médio e longo prazo permitem aos gerentes tomar decisões estratégicas a respeito de produtos, processos e instalações. Existem dois métodos comuns de previsão: qualitativo e quantitativo. Os métodos quantitativos de previsão são modelos matemáticos que fazem uso de dados históricos. O objetivo desses métodos é utilizar dados do passado para prever valores futuros. Os métodos qualitativos são subjetivos, mas são especialmente importantes quando os dados históricos não estão disponíveis. São exemplos de modelo de previsão qualitativo os consensos em comitê executivo, método Delphi, pesquisas com clientes e equipes de venda, pesquisas de mercado. O planejamento é uma atividade administrativa, devendo ser contínua e dinâmica, que permite, a partir de uma análise de cenários, uma projeção futura e o estabelecimento de um conjunto de ações intencionais, integradas e coordenadas, orientadas para tornar realidade o objetivo traçado pela organização. As ações devem ser identificadas de modo a permitir que elas sejam executadas de forma adequada e considerando aspectos como o prazo, custos, qualidade, segurança, desempenho e outras condicionantes. Um planejamento bem realizado oferece inúmeras vantagens: » Permite controle apropriado dos processos. » Assegura maior confiabilidade de produtos e serviços, atendendo aos requisitos exigidos pelo cliente. » Permite melhor coordenação das interfaces. » Possibilita previsão e resolução antecipada de problemas e conflitos. » Propicia um grau mais elevado de assertividade nas tomadas de decisão. Peter Drucker alerta “o planejamento não diz respeito a decisões futuras, mas às implicações futuras de decisões presentes”. 35 PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE • CAPÍTULO 2 Por meio do planejamento, pretende-se determinar o que se deve fazer, quando fazer, quem deve fazer e de que maneira. Essa é a base de um conjunto de planos. Existem diversas metodologias de planejamento, do método normativo ao planejamento estratégico (hoje amplamente difundido). Todos, porém, buscam determinar meios da organização atingir seu objetivo. Os primeiros passos do planejamento envolvem a identificação de um problema e a seleção de objetivos para a organização. Uma vez determinados os objetivos, estabelecem-se programas ou operações para sua consecução de maneirasistemática. É claro que, na seleção dos objetivos e no estabelecimento das operações, o administrador deve levar em conta os recursos necessários e sua viabilidade. Para os planos elaborados para a organização como um todo ou para setores da organização, estabelecem-se prazos e determina-se o responsável de quem será cobrado o cumprimento dos planos estabelecidos. O planejamento e o controle da produção são atividades operacionais que finalizam um ciclo de planejamento mais longo que se iniciou com o Planejamento da Capacidade e teve como fase intermediária o Planejamento Agregado. O planejamento da produção visa aumentar a eficiência e a eficácia da organização. O Planejamento da Produção é uma atividade operacional definida por Erdmann (1998, p. 17) como a atividade preliminar de busca e preparação de informações que permita definir o que deva ser produzido, em que quantidade, como e com quais recursos. Ainda a esse respeito, Machline (1984, p. 251) coloca que o planejamento determina o que vai ser produzido, em que quantidades, como e com quais recursos. Os objetivos do Planejamento da Produção são: 1. Permitir que os produtos atendam a qualidade especificada. 2. Fazer com que máquinas e pessoas operem com os níveis desejados de produtividade. 3. Reduzir os estoques e os custos operacionais. 4. Manter ou melhorar o nível de atendimento ao cliente. Para refletir “Planejar é preparar-se para o inevitável, prevenindo o indesejável e controlando o que for controlável”. (Peter Drucker, 1992, foi um escritor, professor e consultor administrativo de origem austríaca, considerado como o pai da administração). Sugestão de estudo A eficiência está ligada aos meios – métodos, normas, procedimentos, programas – e a eficácia está ligada aos fins – objetivos que se pretende alcançar. (CHIAVENATO, 1990, p. 21) Procure ler mais sobre este assunto. 36 CAPÍTULO 2 • PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE Assim, o planejamento é a atividade responsável por questões essenciais relacionadas à produção. Erdmann (1998, p. 35) relaciona as principais perguntas a serem respondidas: 1. O que produzir: na etapa do planejamento da produção é preciso que seja feita a verificação dos fluxos de conceitos emergentes acerca do que produzir, avaliá-los quanto a sua viabilidade, aceitabilidade e riscos. Para tanto, é preciso que se saiba claramente o produto que se espera, quais as suas especificações técnicas de forma detalhada. Corresponde ao Projeto do Produto – detalha o produto, por meio de desenhos, descrições, modelos, acabamentos, resistências, ou seja, todas as características que possam auxiliar na garantia que seja adquirido ou produzido exatamente do que se necessita. 2. Quanto produzir: deve basear-se na capacidade, no mercado e nas razões estratégicas da administração. O quanto produzir é um cálculo dado pela relação direta entre a capacidade (recursos disponíveis) e a necessidade (demanda). A demanda deve ser estimada por métodos comprovados e seguros como, por exemplo, dados epidemiológicos e estatísticos, e a capacidade produtiva determinada de acordo com as características da empresa e da produção. Há de se atentar para a possibilidade de se produzir mais do que se necessita e gerar com isso uma oferta ociosa e desnecessária. Os custos do processo produtivo (que inclui insumos e recursos humanos e a estrutura) precisam ser analisados previamente. 3. Como e com quais recursos: como deve detalhar a produção com sua sequência necessária de etapas, deve também considerar o elemento humano, equipamentos, tempos de operação. Com quais recursos considera as necessidades de matérias-primas, investimento, pessoas, informações, capacidade. O planejamento da produção é, desta forma, uma etapa que antecede a produção propriamente dita e que define os roteiros/métodos e planificações de longo prazo. Verifica-se, contudo, que o planejamento da produção não é suficiente para responder a questões básicas no processo produtivo como: o que, quanto, como e com quais recursos produzir em determinado período. Já citamos anteriormente que todas estas perguntas serão respondidas em um processo de planejamento. Zacarelli (1987, p.1) afirma “a programação e controle da produção consiste essencialmente em um conjunto de funções inter-relacionadas que objetivam comandar o processo produtivo e coordená-lo com os demais setores administrativos da empresa”. Ao se iniciar a produção, faz-se necessário administrar o conjunto de informações que foram produzidas no processo do planejamento e transformá-las em ordens (programação) e, então, acompanhar o desenvolvimento para apurar os resultados (controle). Para refletir Produtividade: A produtividade é a relação entre as saídas e entradas no sistema de produção, ou seja, quantidade produzida em função dos recursos utilizados conceito muito próximo ao de eficiência. Você sabia? 37 PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE • CAPÍTULO 2 A programação é o que dirige ou faz acontecer o programa estabelecido no planejamento. Segundo Erdmann (1997), são objetivos da programação: 1. Buscar o cumprimento dos prazos estabelecidos. 2. Decidir os insumos necessários para a produção. 3. Alocar os recursos buscando o melhor resultado econômico. 4. Prever e contornar os pontos críticos na produção. 5. Prever a capacidade ociosa. 6. Otimizar o sequenciamento da produção. 7. Reduzir o capital aplicado em produtos em processamento. O controle é a função administrativa que consiste em medir e corrigir o desempenho para assegurar que os planos sejam executados da melhor maneira possível. Assim, por meio do controle, a gerência domina, governa e fiscaliza. O objetivo principal da função controle é verificar se tudo está sendo feito de conformidade com o que foi planejado e organizado, de acordo com os planos traçados, para identificar os erros ou desvios, a fim de corrigi-los e evitar sua repetição. Erdmann (1998) relaciona as principais etapas da programação e do controle: 1a Etapa: Definição da necessidade de produtos finais a partir da análise das vendas, da capacidade produtiva e da política administrativa. A programação inicia-se com a qualificação de cada tipo a ser produzido e também quando estiverem disponíveis. 2a Etapa: Cálculo das necessidades de material. A data programada para a disponibilidade do produto deve determinar a data da disponibilidade dos materiais. Aqui se faz o cálculo dos componentes, peças e matérias-primas necessárias. 3a Etapa: Definição dos prazos, capacidades e ajustes. O prazo das etapas intermediárias é definido pelo prazo para a disponibilidade do produto final. As divergências devem ser ajustadas no processo. 4a Etapa: Liberação da produção - início do processo do produto. 5a Etapa: Controle – Acompanhamento do que está acontecendo e comparação com o programado. As divergências exigirão correções. A finalidade da previsão, planejamento, programação e controle da produção é não apenas atuar sobre os meios de produção para aumentar a eficiência, mas também cuidar para que os objetivos da produção sejam plenamente alcançados para aumentar a eficácia. 38 CAPÍTULO 2 • PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE De um lado, a previsão, o planejamento e a programação estabelecem o que a empresa deverá produzir e, consequentemente, o que deverá dispor de matérias-primas e materiais, de pessoas, de máquinas e equipamentos, bem como de estoques de produtos acabados para suprir as vendas. Por outro lado, o controle monitora o desempenho da produção em relação ao que foi planejado, corrigindo eventuais desvios ou erros que possam surgir. Administrar a produção é, assim, uma função que atua antes, durante e depois do processo produtivo. Antes, prevendo a necessidade, planejando o processo produtivo, programando materiais, máquinas, pessoas e estoque. Durante e depois,controlando o funcionamento do processo produtivo para mantê-lo de acordo com o que foi planejado. Previsão, planejamento, programação e controle da produção em unidades de saúde Considerando o caráter multiproduto da atividade hospitalar e do setor saúde em geral, decorrente da enorme diversidade nos diagnósticos/doenças que podem ser ali tratados, a qual, por sua vez, pode ainda ser potencializada pelo diferente grau da evolução da doença torna-se importante adaptar os modelos de previsão, planejamento, programação e controle da produção hospitalar. O gerenciamento da produção em saúde deve considerar variáveis não menos numerosas que o número de indivíduos assistidos em uma instituição. Isso implica avaliar continuamente e em processo os seguintes fatores: expectativas dos usuários e dos profissionais, poder aquisitivo, experiências, questões socioculturais, compreensão de saúde e de doença e da evolução possível do quadro clínico. Contudo, se obviamente o planejamento do processo produtivo em saúde não pretende analisar e abarcar todos estes aspectos (por total incompatibilidade das metodologias com a dimensão dessa tarefa), quatro pontos não podem ser desprezados: 1. As doenças que se pretende tratar (perfil assistencial). 2. As modalidades de atendimento que se pretende ter. 3. O número de pacientes que se estima atender (demanda dada por dados epidemiológicos). 4. A gravidade dos pacientes que procuram o serviço (complexidade). A partir destes dados, é possível prever e programar a capacidade instalada de espaço e equipamentos para dimensionar (em quantidade e treinamento) a mão de obra necessária e, assim, avaliar o que será oferecido por um serviço. Um quinto aspecto também deverá ser considerado na avaliação para o gerenciamento da cadeia produtiva em saúde. Ele diz respeito aos fatores externos referentes a leis e normas que determinam regras para o funcionamento de uma unidade de saúde. Todos estes aspectos precisam ser avaliados e inter-relacionados para que sejam, posteriormente, estabelecidos os instrumentos para o planejamento e a administração do cotidiano dos serviços. 39 PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE • CAPÍTULO 2 Conforme vimos no primeiro capítulo, o processo produtivo consiste na transformação de entradas (de materiais e serviços) em saídas (de bens e serviços). Mas quais são as entradas (materiais e serviços) e quais são as saídas (serviços) do setor saúde e mais especificamente de um hospital? Podemos considerar (sem intenção de buscar a exaustão no tema) a seguinte denominação genérica: 1. Fornecedores: fornecem as entradas para o processo. De forma ampla, podemos inserir aqui todos os suprimentos necessários à produção em saúde (insumos em geral e medicamentos). 2. Clientes ou usuários dos serviços de saúde: recebem os resultados do diagnóstico, passando por tratamento a reabilitação (sem desprezarmos de maneira nenhuma o papel educativo da assistência à saúde no que diz respeito à promoção da saúde). 3. Executores (profissionais de saúde e trabalhadores em saúde): executam as atividades necessárias à produção. 4. Gatilho: É o que dispara a execução do processo. São as necessidades, demandas ou ações do cliente. Desta forma, para que a produção seja desenvolvida, são necessários insumos (bens e serviços consumíveis) e recursos (disponíveis, mas não consumíveis), fornecidos externamente pelo ambiente e internamente pelo executor do processo precedente. Vale ressaltar que se incluem nesse processo produtivo toda a cadeia de provisões desde o processo de identificação dos insumos e medicamentos necessários para o funcionamento pleno de determinado serviço até seu armazenamento e sua distribuição racional; a estrutura (estrutura; parque tecnológico - que vai da avaliação de tecnologias adequadas ao perfil de atendimento à manutenção preventiva e corretiva; espaço físico – desde a adequação do espaço planejado, passando por sua adequação às normas vigentes até sua manutenção); os equipamentos e a mão de obra (desde o dimensionamento da força de trabalho necessária - qualitativa e quantitativa, recrutamento, até a avaliação de desempenho, treinamento e políticas de retenção). Qual será, então, o papel dos gestores do processo de produção em saúde? Eles serão os responsáveis pela coordenação e controle de toda a cadeia cliente X fornecedor no que diz respeito à provisão de recursos necessários (insumos, medicamentos, mão de obra, estrutura) para que os executores possam desenvolver suas atividades de forma plena, garantindo qualidade, produtividade e atendimento à demanda. Sugestão de estudo Fonte: SANTOS, P. R. G. Desenvolvimento de Processos Organizacionais, in BRASIL, Ministério da Saúde - GESTHOS – Gestão Hospitalar – Módulo IV: Brasília, Ministério da Saúde, 2002, p. 13. 40 CAPÍTULO 2 • PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE No modelo apresentado na figura 4 podemos entender os aspectos envolvidos na prestação de serviços de saúde. Para entender o desenvolvimento do processo e da produção em saúde, precisamos considerar a seguinte cadeia: 1. O cliente/ paciente entra em busca de assistência, com expectativas e requisitos de atenção à saúde. 2. O paciente é atendido por uma equipe administrativa. 3. O paciente é atendido e avaliado por um profissional de saúde (em geral, médico) que realiza procedimentos e assiste o paciente. 4. O paciente tem seu problema diagnosticado e são definidas as medidas para o tratamento. 5. O paciente é acompanhado por uma equipe de profissionais de saúde (em geral, interdisciplinar). Figura 4. Aspectos envolvidos com a prestação dos serviços de saúde. Fonte: SANTOS, Paulo R. G. Desenvolvimento de Processos Organizacionais, In: BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE GESTHOS Gestão Hospitalar: capacitação a distância em Administração Hospitalar para Pequenos e Médios Estabelecimentos de Saúde: Módulo IV: Gestão para Qualidade em saúde/ Ministério da Saúde – Brasília, 2002. Brasília: Ministério da Saúde, 2002. Volume IV, p. 12. 6. O usuário/paciente (e sua rede social) sai do sistema com uma percepção da forma de atenção que lhe foi destinada e avalia o resultado alcançado. 41 PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE • CAPÍTULO 2 Neste modelo, aparecem como destaque: o cliente, que chega com expectativas e sai com certo grau de satisfação, e os processos que a unidade de saúde desenvolve para prestar-lhe serviços. O ambiente no qual a organização opera engloba o governo (pelas leis e normas), a comunidade, os financiadores (privados ou públicos), os fornecedores e os concorrentes. Para que os processos possam ser desempenhados necessitam de insumos como recursos humanos, materiais, medicamentos, estrutura física. O hospital, então, não produz apenas atenção e satisfação aos seus clientes, ele produz serviços que necessitam de insumos e recursos variados. Na produção em saúde é imprescindível prever, planejar, programar e controlar processos contínuos e inter-relacionados. Para fins didáticos, estas etapas são fragmentadas. Contudo, no cotidiano dos serviços, elas estão, de tal forma imbricadas que, muitas vezes, fica difícil separá-las. Em saúde, a previsão é a etapa na qual é estimada, quantitativa e qualitativamente, a produção futura. São utilizados para análise, além de dados externos ao serviço como dados epidemiológicos e avaliação da demanda e oferta, as informações produzidas pelo próprio serviço por meio da produtividade e do desempenho. Esta etapa subsidia o planejamento. O planejamento configura-se como a etapa de definição do plano a partir do que foi previsto. Aqui o plano estabelece as atividades, recursos, prazos e responsáveis para que o previsto seja executado. Desta forma, se, por exemplo, foi definida a abertura de um novo serviço assistencial, aqui serão estabelecidas as ações necessárias para sua implantação. A programaçãoé a fase que dirige ou faz acontecer o programa estabelecido no planejamento, garantindo que o plano estabelecido seja cumprido. Pela programação, serão definidas fases, prioridades. O controle é o processo de verificação do executado a partir do definido no planejamento e programação. O controle retroalimenta a cadeia e permite, no caso da abertura de um novo serviço, identificar se o plano de abertura foi executado e quais os fatores críticos impeditivos da execução do plano, estabelecendo as correções necessárias. Os indicadores de processo, produtividade, desempenho e qualidade são importantes instrumentos de apoio ao controle em saúde. O gerenciamento da produção se insere como ferramenta na avaliação constante da entrada do cliente e de sua saída do sistema. A previsão, o planejamento, a programação e o controle da produção se constituem em fases de definição de planos, metas e avaliação para as tomadas de decisão garantindo o sucesso na execução dos processos. A complexidade inerente ao sistema impõe monitoramento permanente do consumo dos recursos, do funcionamento dos processos, dos produtos gerados e da satisfação proporcionada ao cliente. Suprimento de matéria-prima em saúde O sistema de suprimento de matéria-prima e a estrutura logística são, juntamente com a força de trabalho e a administração financeira, fatores críticos para o desenvolvimento de atividades assistenciais em saúde e para o sucesso operacional da organização hospitalar. 42 CAPÍTULO 2 • PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE Infante e Santos (2007) afirmam Uma organização de saúde é um sistema produtivo de atenção à saúde, onde o setor de abastecimento integra-se como subsistema para atender as necessidades de insumos (materiais de consumo) e de equipamentos (materiais permanentes) daqueles que desenvolvem e disponibilizam os produtos, que são os profissionais de saúde. Conforme já visto, as atividades de atenção à saúde são atividades complexas, assentadas sobre uma cadeia produtiva que incorpora sequências de ações definidas para a geração de seus produtos (os chamados “procedimentos”). Cada procedimento demanda um mix específico de insumos (bens) e processos de trabalho (serviços), cuja composição pode variar entre diferentes organizações e até segundo os diferentes tipos de pacientes e profissionais de uma mesma organização. O objetivo básico da administração de materiais consiste em colocar os recursos necessários ao processo produtivo com qualidade, em quantidades adequadas, no tempo correto e com o menor custo. No hospital, os produtos ofertados são complexos e pressupõem elevada qualificação e, consequentemente, os insumos utilizados são sofisticados e muito numerosos. Estima-se que o sistema de materiais de um hospital possua entre 3.000 a 6.000 itens, que são sistematicamente adquiridos de acordo com o perfil da instituição. Estes insumos incluem materiais de consumo comuns, materiais de limpeza, alimentos, materiais de consumo médico-hospitalares, medicamentos, testes diagnósticos, além de outros materiais mais específicos como próteses e órteses. A racionalização do sistema de abastecimento em um hospital pode gerar uma economia potencial. Entender a cadeia produtiva hospitalar e organizar a partir dela o seu sistema de suprimentos é fundamental. Segundo Infante e Santos (2007), na visão ampliada da cadeia de suprimentos, uma cadeia produtiva abrange desde o desenvolvimento de um produto (que, nas atividades de atenção à saúde, corresponderia à introdução de um novo processo de trabalho e seus insumos correspondentes), passando pelo fornecedor de insumos, até a efetiva oferta do produto ao mercado consumidor. A cadeia de suprimentos integra interna e externamente os participantes de diversas etapas – “desenvolvedores” do produto, fornecedores de insumos, responsáveis pela logística de aquisição, Para refletir Dados sobre a participação dos materiais hospitalares (inclusive medicamentos) no orçamento dos hospitais no Reino Unido indicam que ela pode corresponder de 13 a 17% dos custos hospitalares, não diferindo substancialmente das estimativas nacionais, de 15% a 25% (Healthcare Financial Management Organization). 43 PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE • CAPÍTULO 2 armazenamento e distribuição dos insumos e responsáveis pela fabricação e distribuição final do produto, incluindo o próprio cliente final. A organização de uma cadeia de suprimentos em uma organização hospitalar deve partir da seguinte premissa básica: os setores clínicos e os setores administrativos precisam se comportar como uma cadeia produtiva integrada. Ou seja, há uma necessidade de estabelecer fluxos de informações confiáveis e regulares que retroalimentem o sistema de abastecimento, permitindo que os insumos e recursos disponíveis sejam condizentes com o perfil e a necessidade assistencial. Outro aspecto precisa ser considerado: conforme já estudado, na cadeia produtiva de um serviço de saúde, os produtos são praticamente “customizados” sendo adequados ou personalizados pelos profissionais de saúde de acordo com a necessidade do paciente. São constantes as mudanças nos processos de trabalho nas organizações hospitalares ocorrendo modificações de procedimentos, inclusão de novos profissionais, técnicas, equipamentos e insumos, bem como as alterações desencadeadas no plano logístico-hospitalar por mudanças do meio externo ou do meio interno. Sendo assim, é preciso que os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos de saúde) participem do planejamento e programação do sistema de abastecimento, garantindo assim o funcionamento coordenado do processo produtivo. A seguir, apresentaremos uma proposta de organização da cadeia de suprimentos na organização hospitalar, proposta por Infante e Santos (2007), a partir do enfoque do sistema produtivo. As autoras propõem que a organização do sistema de abastecimento (composto pelos subsistemas: planejamento, controle, guarda e distribuição e compras) seja feita em três etapas: 1. Implantação de um sistema de planejamento e programação para o abastecimento como canal de interlocução entre a cadeia produtiva assistencial e a cadeia de suprimentos; buscando o intercâmbio entre as equipes. 2. Organização do abastecimento buscando o ordenamento dos processos de trabalho de guarda e distribuição de insumos médico-hospitalares, de modo a assegurar que esse sistema opere no enfoque de gestão e logística do sistema produtivo. 3. Desenho da logística de distribuição interna de materiais e medicamentos que atenda às necessidades produtivas, com verificação do ponto de reposição e avaliação do uso dos materiais a partir dos dados de produtividade dos serviços. No quadro a seguir, enumeramos algumas ferramentas/estratégias propostas pelas autoras para apoio na implementação de uma cadeia de suprimento organizada a partir do sistema produtivo de um hospital. Algumas destas ferramentas serão oportunamente detalhadas mais adiante. 44 CAPÍTULO 2 • PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE Quadro 5. Ferramentas para apoio na implantação de uma cadeia de suprimento. ETAPA ESTRATÉGIAS DE APOIO 1a ETAPA Círculo de qualidade para problematização, com participação e intercâmbio das áreas administrativas com as áreas assistenciais. Criação de Comissão Permanente de Padronização de Material Médico-Hospitalar com a tarefa de gerenciar as atualizações da grade de materiais, organizar pareceres técnicos sobre materiais e construir indicadores de qualidade e produtividade, estabelecendo uma troca permanente de informações entre o abastecimento e a clínica. Pesquisa de insumos médico-hospitalares, com objetivo de mapeamento de todos os procedimentos executados pelas várias equipes de profissionais de saúde em cada setor hospitalar, a especificação de todos os insumos necessários para a produção de cada procedimento,bem como a quantificação de sua produção mensal. 2a ETAPA Técnicas da qualidade para organizar o almoxarifado e a disposição dos estoques e definição de protocolos para recebimento, conferência e classificação de materiais. Redesenho do subsistema de compras, com a elaboração de cadastros qualificados de fornecedores, a capacitação da equipe para a elaboração de editais (se for o caso) e a introdução de modalidades de aquisição de materiais que propiciassem maior agilidade nas relações com fornecedores (registro de preços, pregão) ou economias de escala (compras conjuntas com outros hospitais). 3a ETAPA Sistema informatizado que permita a atualização on-line dos estoques de materiais do almoxarifado, baseada em informações sobre procedimentos realizados lançados em prontuários eletrônicos dos pacientes. Confecção de kits de procedimentos em invólucros com códigos de barra personalizados para os setores sob sua responsabilidade. Fonte: Autor. Ao buscar um serviço de saúde, o paciente está em busca não de um produto (procedimento), mas do desfecho ou resultado advindo do consumo deste produto. O desfecho esperado do consumo de um produto ou conjunto de produtos é a melhora da saúde do paciente. A seleção de produtos a ser oferecida ao paciente, no entanto, é definida pelo profissional de saúde. Daí a importância de comprometer o profissional com uma visão racional e responsável sobre a necessidade e a melhor seleção dos produtos na perspectiva do resultado sobre a saúde do paciente. Incorporação de tecnologias em saúde A aquisição de materiais permanentes ou a incorporação de tecnologias no setor saúde pode ser considerada como outro ponto de suprimento das necessidades para a atividade final – a atenção à saúde. O processo de incorporação de novas tecnologias deve estar centrado em dois aspectos importantes: 1. Avaliação racional se haverá algum valor agregado ao produto final com a aquisição de um novo equipamento – benefício direto aos pacientes (assistência à saúde). 2. Avaliação racional se haverá algum valor agregado para o processo de trabalho desenvolvido pela instituição de saúde (redução de custos com aumento de qualidade ou melhoria nas condições de trabalho). 45 PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE • CAPÍTULO 2 Aqui retomaremos os conceitos de Planejamento, Programação e Controle na administração da Produção em Saúde como modelo de análise da incorporação de novas tecnologias. O planejamento, como etapa que antecede a produção e auxilia na tomada de decisões, deve se preocupar, no caso de incorporação de novas tecnologias, com tudo que diz respeito aos ganhos e aos riscos de tal aquisição. Camargo e Favoreto (2002, p. 73) afirmam que algumas questões precisam ser respondidas no processo de seleções de tecnologias que serão adquiridas. Em relação aos pacientes A nova tecnologia irá melhorar o atendimento, não será invasiva, trará menos riscos de complicações? Haverá menos riscos de sequelas ou redução da dor? Reduzirá o tempo médio de internação? Em relação aos serviços Tornará os serviços mais eficientes, aumentará a sua produtividade e a qualidade dos procedimentos? Em relação aos equipamentos já existentes Será que eles ainda dão respostas com qualidade à demanda existente, temos dados de demanda sobre fila para realização de exames? Em relação às instituições A nova tecnologia atende aos critérios de missão, objetivos e metas, isto é, atende às políticas institucionais da unidade? Em relação aos profissionais Serão necessárias novas qualificações para os profissionais que utilizarão a tecnologia (que serão os operadores da tecnologia) e mesmo para o pessoal de manutenção? O equipamento melhora as condições de trabalho e reduz riscos à saúde do profissional? Em relação aos custos Quais os custos da compra e quais os custos de manutenção. Existe assistência técnica em território nacional? Será preciso reformar ou construir espaços para o novo equipamento? Será necessário adquirir equipamentos adicionais ou de apoio? Qual o custo dos materiais de consumo que deverão ser agregados à grade hospitalar? As informações serão adquiridas pelos serviços que utilizam a tecnologia, pareceres de pesquisadores, pareceres de certificadores (INMETRO, INCQS), publicações em revistas de 46 CAPÍTULO 2 • PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE engenharia clínica, pesquisas sobre o uso e benefícios do referido equipamento, catálogos de fabricantes (especificações), serviço solicitante, serviço de informações do hospital (dados de produção). Somente depois de ter estas questões respondidas de forma consistente, pode-se passar adiante e tomar uma decisão eficaz em relação à aquisição. Se a decisão for pela incorporação, será preciso programar a chegada e o uso do equipamento: alocação de recursos financeiros para a aquisição, previsão de chegada, reforma de espaço físico, programação de treinamentos, compra de insumos necessários para funcionamento, divulgação da oferta para os usuários, contratação de manutenção. Caberá, então, instituir os mecanismos de controle que serão utilizados para avaliação e correção do plano estabelecido. Poderão ser utilizados nesta etapa: auditorias, acompanhamento de indicadores de processo e qualidade, satisfação dos profissionais e clientes. As divergências identificadas na comparação, na execução, na programação/previsão inicial deverão ser corrigidas. Suprimento de mão de obra em saúde O processo de trabalho realizado em uma organização hospitalar é fruto da articulação entre o trabalho humano, os insumos ou matéria-prima que serão processados, mediado por tecnologia apropriada para o alcance do produto. Conforme já vimos, em saúde, essa cadeia produtiva visa gerar atenção à saúde. A atenção à saúde é um serviço e como tal seu produto não assume forma de objeto, sendo avaliado por seu valor de uso. Na atenção à saúde, a produção e o consumo ocorrem simultaneamente. Imagine uma consulta médica prestada em um ambulatório hospitalar. Nela o paciente consome a utilidade do trabalho no ato de sua execução. Os serviços de saúde são dirigidos para atendimento a uma necessidade e caracterizam-se pela coparticipação do cliente na esfera da produção. Aqui dois aspectos precisam ser continuamente avaliados: cada paciente é um sujeito individual, com expectativas próprias e o serviço é gerido atendendo a uma série de normas e regras que definem sua qualidade. Estes aspectos, porém, produzem limitações: não é possível uniformizar de forma plena o serviço prestado e os mecanismos de controle são limitados. É preciso buscar o ponto de equilíbrio entre a individualização e a padronização, “normalizar simultaneamente o caso e individualizar a norma” (OFFE, 1989, p. 104). As principais características do trabalho em serviços de saúde são: » A divisão do trabalho é o mecanismo de cooperação, ou seja, o trabalho é fracionado e dividido entre as diversas categorias profissionais de forma horizontal. » Há uma especialização da divisão social do trabalho. » Geram produtos não materiais. 47 PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE • CAPÍTULO 2 » Produção e consumo simultâneo. » O trabalho é autônomo, mas subordinado a normas coletivas. » Há uma necessidade intensa de mão de obra, ou seja, a incorporação tecnológica não substitui a força de trabalho, pelo contrário, amplia a base técnica e demanda novas ocupações. » São muito suscetíveis à base técnica. » Participação do usuário no processo de trabalho. » Produtividade dificilmente passível de medida. Para se pensar a gestão de recursos humanos em uma organização de saúde, dois fatores são fundamentais: 1. Avaliar o quantitativo de força de trabalho necessária para a manutenção das atividades programadas. 2. Avaliar as qualificações necessárias para o exercício de determinada função. A análise do quantitativo de força de trabalhonecessária em uma instituição hospitalar, também definida como dimensionamento da força de trabalho, é feita por meio de uma relação entre carga horária dos profissionais, atividades previstas para aquele profissional, complexidade das atividades, tempo gasto na execução de cada atividade a partir do nível de cuidado exigido pelos diversos tipos de pacientes, produção esperada X produção executada. Desta forma, pretende-se analisar os dados de força de trabalho associados com a capacidade operacional, capacidade instalada, produtividade e cuidado das pessoas. Alguns diferentes modelos são propostos na literatura sobre o assunto. Aqui será apresentado um modelo considerado abrangente e com metodologia consistente. É importante lembrar que o desafio do diagnóstico da força de trabalho está focado na identificação do quantitativo dos trabalhadores por setor / área / categoria profissional / especialidade e da organização dos processos de trabalho no hospital. O modelo aqui proposto é baseado em uma metodologia com enfoque vertical que prioriza a análise da força necessária pelo ponto de vista de execução de uma atividade/serviço e não por categoria profissional. A realização da necessidade de força de trabalho, segundo modelo proposto, se dá em algumas etapas: 1a Etapa: A primeira etapa visa classificar os setores/serviços e programar o grau de complexidade de atenção a ser prestado ali (podendo classificar, por exemplo, como cuidado mínimo, cuidado intermediário e cuidado intensivo). 48 CAPÍTULO 2 • PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE 2a Etapa: Definir as categorias profissionais necessárias por setor e suas respectivas cargas horárias (considerando mercado de trabalho e legislação por categoria). 3a Etapa: Definir as atividades que serão executadas por categoria em cada setor. 4a Etapa: Definir o tempo médio a ser gasto em cada uma das atividades previstas. 5a Etapa: Definir a produtividade média esperada para o setor. 6a Etapa: Correlacionar o tempo previsto por atividade com a produtividade esperada. Em relação à qualificação da força de trabalho, será preciso planejar e estabelecer processos relacionados a: » Recrutamento e seleção: buscando adequar o perfil dos profissionais e sua qualificação às necessidades dos cargos. Função – atrair candidatos potencialmente qualificados (recrutamento) e escolher os indivíduos mais adequados às vagas existentes na organização (seleção). » Lotação: definição de cargos e categorias necessários ao bom funcionamento dos setores e desenvolvimento das atividades. Função - lotar os profissionais necessários por local de trabalho. » Avaliação de Desempenho: análise do desempenho das atividades desenvolvidas, buscando a identificação de êxitos e insucessos dos trabalhadores e ou equipes mediante comparação com as expectativas institucionais para a função. O ideal é que as metas sejam previamente definidas e de forma compartilhada com os trabalhadores. Função - buscar a melhoria contínua da qualidade indicando as necessidades de processos de preparação de pessoal, bem como o desenvolvimento do trabalhador na organização. » Capacitação e treinamento: Identificação das necessidades dos serviços e desenvolvimento de atividades de preparação da força de trabalho para qualificar as pessoas para exercer atividades no processo de produção. Função - preparar, atualizar, aprimorar os trabalhadores para sua incorporação aos serviços e suas mudanças. » Políticas de retenção ou fixação de recursos humanos: adoção de medidas para melhorar o ambiente de trabalho, motivar os funcionários e promover seu desejo de permanecer naquele emprego ou atividade. São planos de benefícios e incentivos, remuneração, planos de cargo bem delineados, desenvolvimento de carreira, modelos de gestão mais participativos, investimento em saúde e qualidade de vida do trabalhador. Função – promover bem-estar no trabalho de forma a estabelecer vínculo e identificação entre a empresa e seus trabalhadores, motivar a fixação dos trabalhadores e reter talentos. 49 PLAnEJAMEnTO E DIMEnSIOnAMEnTO DA PRODUçãO DE SERvIçOS DE SAÚDE • CAPÍTULO 2 Sintetizando » Os serviços de saúde constituem um setor de serviços com características próprias e por isso merecem atenção especial quanto à organização e gerenciamento da cadeia produtiva; » Considerando o caráter multiproduto da atividade hospitalar e do setor saúde, é preciso adaptar as funções de previsão, planejamento, programação e controle; » O gerenciamento da produção deve considerar as doenças que se pretende tratar (perfil), as modalidades de atendimento (oferta), a procura do serviço (demanda); a gravidade dos pacientes (complexidade); » As etapas de previsão, planejamento, programação e controle compõem as funções de acompanhamento e avaliação do processo produtivo. Uma organização de saúde eficaz necessita definir seus processos organizacionais e sua capacidade; planejar, identificar os resultados desejáveis, estabelecer o funcionamento operacional eficaz e sob controle; » Os recursos humanos, tecnológicos e os suprimentos são os recursos que dão suporte à cadeia produtiva nos hospitais. Estes aspectos precisam ser tratados com as especificidades que este setor de serviços exige. 50 Apresentação O cenário mercadológico atual condiciona a empresas a preocupar-se continuamente pela busca de otimização dos processos organizacionais, bem como da sua adequação e funcionamento, visando garantir a estabilidade no segmento de mercado e diferenciais competitivos que a destaquem dos demais concorrentes. Na cadeia produtiva de um hospital, a gestão dos processos dá suporte ao desenvolvimento organizacional. Mais uma vez é importante lembrar que, em empresas de serviços, a administração da produção deve se preocupar centralmente com os processos organizacionais e com sua integração e coordenação. O foco central de toda atenção e motivação para o desenvolvimento de processos organizacionais é o cliente: oferecer-lhe melhor serviço, a um custo adequado e com presteza. Neste capítulo, apresentaremos os principais conceitos relacionados aos processos organizacionais e métodos de gestão das ações cotidianas. Entender o desenvolvimento dos processos em uma organização hospitalar significa aumentar a chance de tomada de decisões acertadas que terão impacto no sucesso do produto final. Objetivos Esperamos que, após o estudo do conteúdo deste capítulo, você seja capaz de: » Entender Processo como um importante componente do contexto de Gestão das organizações modernas. » Compreender os principais conceitos e fundamentos da estrutura e processos organizacionais. » Compreender a diferença entre a abordagem criativa no desenvolvimento de processos e a abordagem normativa no desenvolvimento de processos. » Compreender, explicar e prever maneiras de estruturar os processos organizacionais. » Entender e aplicar alguns métodos de gestão e desenvolvimento de processos organizacionais. 3CAPÍTULOPROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS 51 PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS • CAPÍTULO 3 Introdução O desenvolvimento de uma empresa apoia-se fortemente na gestão dos processos organizacionais. As empresas são organismos complexos formados por divisões, setores e departamentos. Na prática, são composições de três fatores: pessoas, ferramentas e processos. Um processo é uma cadeia de ações, tarefas, atividades e decisões que produz determinados resultados ou produtos. Utilizadas na entrada (input), agregam determinado valor e geram uma saída (output) para um cliente específico interno ou externo, utilizando os recursos da organização para gerar resultados concretos. Pode ser uma informação ou um serviço. Alguns processos são simples, como preencher uma requisição, e outros mais complexos como, por exemplo, uma cirurgia. A gestão da produção se dá como um macroprocesso administrativo responsável pela articulação e harmonização dos microprocessosorganizacionais promovendo um ambiente propício para a obtenção de um resultado eficaz. Estudar os microprocessos e desenvolvê-los configura-se como um caminho na direção do sucesso organizacional. Um erro comum é confundir método de produção com processo, pois enquanto o primeiro define a técnica pela qual se produz algo, o segundo define a forma como esta técnica é empregada. Todo trabalho realizado faz parte, obrigatoriamente, de algum processo organizacional, visto que não existe um produto ou serviço oferecido por uma empresa sem um processo. Da mesma forma, não faz sentido existir um processo organizacional que não ofereça algum produto ou serviço. A Gestão e Desenvolvimento de Processos é uma série de atividades relacionadas que são desempenhadas para alcançar um resultado desejado. Os componentes de um processo incluem: » cliente claramente definido; » objetivos especificados; » atividades numa sequência lógica; » entradas e saídas definidas; » responsabilidade por resultados. Neste capítulo, apresentaremos algumas noções de gerenciamento do cotidiano de processos em uma organização hospitalar. O ajuste da organização às necessidades e regras impostas pelo Para refletir Processos: Para a Administração de Produção, o conceito de processo está associado a um conjunto de atividades (passos, tarefas e atividades) que processam as “entradas” e geram resultados para o cliente. Os processos são, assim, responsáveis pela transformação (incluindo preparação, tratamento) das entradas em saídas. 52 CAPÍTULO 3 • PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS mercado e órgãos de controle e seu desenvolvimento para as mudanças do ambiente interno são condições para seu sucesso. A organização deverá criar mecanismos de análise, avaliação e controle constantes de seus processos internos, a fim de promover correções ágeis nas eventuais falhas. Segundo Peduzzi e Schreiber (2009, p. 323), o conceito de processo de trabalho em saúde refere-se à dimensão microscópica do cotidiano do trabalho em saúde, ou seja, à prática dos trabalhadores/profissionais de saúde inseridos no dia a dia da produção e consumo de serviços de saúde. O trabalho em saúde é sempre relacional, sendo consumido no momento em que é realizado e cujo usuário se apresenta como vulnerável. A avaliação do processo de trabalho deverá sempre ser feita considerando-se as relações entre trabalhadores e destes com os usuários. Todos os processos compartilham determinadas características, que são: » todos os processos têm clientes e fornecedores. » eles consistem em múltiplas etapas, tarefas, operações ou funções executadas em sequência, ou às vezes em conjuntos de tarefas, operações ou funções executadas simultaneamente ou sequencialmente. » utilizam recursos e insumos. » eles geram um resultado ou produto identificável, que pode ser um produto físico, um relatório, dados/informações verbais, escritos ou eletrônicos, um serviço ou qualquer produto final identificável de uma série de etapas. » o resultado / produto tem um receptor identificável, que define sua finalidade, suas características e seu valor, seja esse receptor um cliente externo ou interno. » podem ser de natureza interna (quando têm início, são executados e terminam dentro da mesma empresa) e externa (quando têm início dentro da empresa, são executados e terminam fora da empresa). » interfuncionalidade, pois embora alguns processos sejam inteiramente realizados dentro de uma unidade funcional, a maioria dos processos atravessa as fronteiras das áreas funcionais. A figura 5 facilita o entendimento do conceito de processo no campo da saúde, e a identificação dos atores e a sequência produtiva, também denominada cadeia cliente x fornecedor. 53 PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS • CAPÍTULO 3 Figura 5. Conceito de processo no campo da saúde. Fonte: SANTOS, Paulo R. G. Desenvolvimento de Processos Organizacionais, In: GESTHOS Gestão Hospitalar, Brasília: Ministério da Saúde, 2002. p. 111) No desenvolvimento dos processos na cadeia produtiva em saúde, o gatilho disparará a entrada do cliente no sistema. O cliente é submetido a uma série de ações denominadas subprocessos, estabelecidas na relação entre o cliente (paciente) e o fornecedor (profissional de saúde/hospital). O processo é dependente do consumo de recursos e insumos de diversas naturezas. As metodologias utilizadas no desenvolvimento dos processos, em geral, avaliam de maneira dinâmica e multissetorial os processos organizacionais e propõem como operações básicas de intervenção: Definir - Análise das necessidades do negócio e identificação dos processos críticos. Medir - Medir o desempenho dos processos permitindo a visualização de seu estado atual para a definição das metas de aprimoramento. Analisar - Identificar a causa-raiz dos problemas. Melhorar - Aperfeiçoar os processos – correção de erros ou desenvolvimento de nova solução. Controlar - Manter aprimoramentos obtidos e desenvolver novos padrões. Para administrar adequadamente, cada organização precisa conhecer seus processos, isto significa mapear cada um deles, entender e diagnosticar quais são as atividades e tarefas desenvolvidas e executadas por pessoas (elemento chave de toda organização), bem como os envolvimentos 54 CAPÍTULO 3 • PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS existentes em cada etapa. Isto possibilita facilitar, com maior grau de precisão, a intervenção, alteração e modificação dos elementos identificados em cada processo. Conceitos Os processos podem ser categorizados basicamente em: 1. Processos Primários › Processos de negócio ou de cliente – intrínsecos ao ramo em que a organização atua, suportados por processos internos, resultam em produtos ou serviços que o cliente espera receber. Atua diretamente com o cliente, para o cliente. É a essência do funcionamento e a principal singularidade de cada organização. 2. Processos de suporte – apoia o funcionamento adequado dos processos primários: › Processos organizacionais – focados na organização, orientados à integração organizacional, coordenando sistemas e fluxos necessários para garantir o desempenho geral da empresa, proporcionando suporte adequado aos processos de negócio. Essenciais para a administração do negócio, por vezes não perceptível ou visível aos clientes externos. › Processos gerenciais – focados nos gerentes e suas relações, que adicionam ações de medição e desempenho da organização, possibilitando ajustes e melhoria aos demais processos. O emprego da tecnologia pode ocorrer tanto nos processos primários como nos processos de suporte. Os processos gerenciais e organizacionais fundamentam os processos de informação e decisão, que podem ser: » Horizontais – correspondem ao fluxo de trabalho. Organizados por equipes ou trabalho individual voluntário, definidos formalmente e coordenados entre diversas equipes funcionais. São processos de informação e decisão que coordenam atividades por várias unidades funcionais da organização. Também chamados de processos laterais, desenvolvidos ortogonalmente à estrutura vertical das organizações funcionais. » Verticais – relacionados ao planejamento e orçamento empresarial, relacionados aos recursos – materiais ou humanos. Quanto ao contexto de atuação, os processos podem ser: » Internos – são iniciados, processados e finalizados na própria organização. » Externos – iniciados externamente, processados internamente ou compartilhados com o meio e finalizados para o meio externo. 55 PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS • CAPÍTULO 3 A maioria dos processos primários ou de negócios permeia as unidades organizacionais, caracterizando a transversalidade, interfuncionalidade ou interdepartamentalidade. Os processos têm uma cadeia ou fluxos de valor que atravessam toda a organização de ponta a ponta até a entrega do produto ou serviço ao cliente. Constituídos por elementos como reuniões, tarefas, decisões, metas e resultados. Os processos são dinâmicos, variando como tempo, e distintos de organização, independente do ramo de atuação da empresa. Nas empresas que entregam produtos, parte dos processos fica transparente aos clientes. Diferentemente, ocorre nas empresas que entregam serviços, os quais são constituídos por atividades necessárias para realizar transações e prestar o serviço. As atividades são mais valorizadas à medida que apresentar em maior conteúdo intelectual. Alguns outros conceitos são fundamentais para entendermos o desenvolvimento dos processos: MACROPROCESSO: Grandes conjuntos de atividades pelas quais a organização cumpre a sua missão, gerando valor. Correspondem às funções da organização que devem estar alinhadas aos objetivos de suas unidades organizacionais. PROCESSO: Sequência de atividades que recebe entradas, agrega-lhes valor e as transforma em resultados. Têm início e fim bem determinados, numa sucessão clara e lógica de ações interdependentes que geram resultados. SUBPROCESSO: Processos em um nível maior de detalhamento, que demonstram os fluxos de trabalho e atividades sequenciais e interdependentes, necessárias e suficientes para a execução de cada processo da organização. ATIVIDADE/AÇÃO: É a ação executada que tem por finalidade dar suporte aos objetivos da organização. As atividades correspondem a “o que” é feito e “como” é feito durante o processo. EVENTOS: Controlam ou influenciam as atividades do processo, disparando a execução de uma ou mais delas. São resultados de alguma atividade/ação ou são utilizados para representar acontecimentos temporais. Os principais componentes de um processo são: » entradas - são os insumos necessários ao funcionamento do processo. » saídas - são os produtos e informações geradas pelo processo; procedimentos de operação- são as várias operações, estruturadas de maneira lógica e preconcebida, que garantem a transformação dos insumos em produtos. » critérios de controle - são os elementos de avaliação, baseados em padrões de desempenho preestabelecidos, que permitem a mensuração de resultados e o controle pelos gestores do processo. » recursos humanos - são as pessoas envolvidas nas várias etapas de operação do processo. 56 CAPÍTULO 3 • PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS » infraestrutura - são os recursos materiais que criam as condições básicas para a operação do processo, como instalações, equipamentos, materiais de consumo. » tecnologia - são os recursos tecnológicos empregados, incluindo tanto os recursos físicos (computadores, máquinas) como as técnicas e softwares. De acordo com Peduzzi e Schreiber, no estudo do processo de trabalho em saúde, Mendes Gonçalves (1979,1992) analisa os seguintes componentes: o objeto de trabalho, os instrumentos, a finalidade e os agentes. 1. Objeto: O objeto será aquilo sobre o qual incide a ação do trabalhador. O que vai ser transformado - a matéria-prima (matéria em estado natural ou produto de trabalho anterior), e, no setor saúde, necessidades humanas de saúde. 2. Instrumentos de trabalho: Os instrumentos de trabalho tampouco são naturais, mas constituídos historicamente pelos sujeitos que, assim, ampliam as possibilidades de intervenção sobre o objeto. O meio ou instrumento de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas que o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve para dirigir sua atividade sobre esse objeto (Marx, 1994). Mendes Gonçalves (1979, 1992, 1994) analisa, no processo de trabalho em saúde, a presença de instrumentos materiais e não materiais. Os primeiros são os equipamentos, material de consumo, medicamentos, instalações, entre outros. Os segundos são os saberes, que articulam em determinados arranjos os sujeitos (agentes do processo de trabalho) e os instrumentos materiais. Além disso, constituem as ferramentas principais do trabalho de natureza intelectual. O autor salienta que esses saberes são também os que permitem a apreensão do objeto de trabalho. 3. Agente de trabalho: Objeto e instrumentos de trabalho só podem ser configurados por referência à sua posição relacional, intermediada pela presença do agente do trabalho que lhe imprime uma dada finalidade. Por meio da presença e ação do agente do trabalho, torna-se possível o processo de trabalho – a dinâmica entre objeto, instrumentos e atividade. Portanto, o agente pode ser interpretado, ele próprio, como instrumento do trabalho e, imediatamente, sujeito da ação, na medida em que traz, para dentro do processo de trabalho, além do projeto prévio e sua finalidade, outros projetos de caráter coletivo e pessoal, dentro de um certo campo de possíveis (PEDUZZI, 1998). Os autores salientam que esses elementos precisam ser examinados de forma articulada e não em separado, pois somente na sua relação recíproca configuram um dado processo de trabalho específico. Para refletir O trabalho constitui o processo de mediação entre homem e natureza, visto que o homem faz parte da natureza, mas consegue diferenciar-se dela por sua ação livre e pela intencionalidade e finalidade que imprime ao trabalho. Portanto, o trabalho é um processo no qual os seres humanos atuam sobre as forças da natureza submetendo- as ao seu controle e transformando- as em formas úteis à sua vida, e nesse processo de intercâmbio, simultaneamente, transformam a si próprios. http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/protrasau.html 57 PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS • CAPÍTULO 3 Modelos normativos de gestão de processos x modelo criativos de gestão de processos Gerenciar processos produtivos no campo da saúde e mediar conflitos é um desafio. A gestão, inovação e desenvolvimento de processos, produtos e serviços podem utilizar ferramentas e técnicas por meio de uma abordagem criativa ou ferramentas e técnicas através de uma abordagem normativa. Os modelos propostos, em geral, não são contraditórios ou opostos; contudo, há um domínio de certo modo de fazer e desenvolver processos na gestão. Na gestão criativa, há uma crescente demanda por inovação no ambiente empresarial e uso da criatividade para explorar oportunidades, solucionar problemas e tomar decisões. Aqui a gestão é compreendida como processo coletivo gerador de sujeitos protagonistas, aptos a contribuir na solução de problemas. O processo de solução de problemas é compartilhado e compreende- se a solução com alternativas múltiplas, e não com uma única solução. Desta forma, alguns instrumentos aparecem como ferramentas que produzem e permitem um dinamismo na gestão. Nesta abordagem, há a aposta que a realização de trabalhos em equipe pode aperfeiçoar as relações interpessoais, incentivar o desenvolvimento de habilidades, a solução de problemas, a capacitação interfuncional, a criatividade, a coordenação e o planejamento. O desenvolvimento dos processos se dá na mediação entre o conhecimento e a ação. O poder não está baseado no comando e controle e sim na negociação e na colaboração. Neste contexto, valorizam-se a legitimidade do processo de organização dos serviços, a comunicação como ferramenta estratégica, o relacionamento (interação para consenso), o comprometimento e a responsabilidade. A abordagem normativa - no desenvolvimento dos processos há uma concepção que o processo de gestão e tomada de decisões é racional e deve ter um caráter prescritivo. Aqui não há preocupação em compreender a opinião de indivíduos envolvidos no processo na resolução de problemas. As orientações são feitas de maneira simétrica e vertical. Em geral, o gestor assume o papel de comando e estabelece os meios para execução de tarefas e resolução de problemas. Entendem-se os processos como frutos de raciocínio racionais e técnicos. No campo da saúde, as especificidades exigem do gestor a capacidade de estabelecer normas e controles, mas não há como abrir mão do aspecto artesanal e coletivo do trabalho em saúde. Merhy (1997) aborda o trabalho em saúde usando o conceito de trabalho vivo em ato. Para o autor, o “trabalho vivo em ato” é composto pela dimensãoda atividade como construtora de produtos, ligada à realização de uma finalidade para o produto, e outra dimensão que é relacional, pois vincula o produtor do ato, o trabalhador aos produtos produzidos, bem como as relações estabelecidas com outros trabalhadores e com os usuários de seus produtos. Merhy ainda acentua que o “trabalho morto” é a cristalização do trabalho vivo. No cotidiano do trabalhador em saúde, Provocação “O cérebro verdadeiramente original não é o que enxerga algo novo antes de todo mundo, mas o que olha para coisas velhas, conhecidas, já vistas e revistas por todos, como se fossem novas.” Nietzsche. 58 CAPÍTULO 3 • PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS quanto mais pautadas forem suas ações no trabalho vivo, maior a liberdade e a criatividade nas suas ações e possibilidades de criação de vínculos. Enquanto pautado no trabalho morto, irá produzir certo grau de aprisionamento no seu processo produtivo, dificultando a realização do encontro com os usuários. Nas organizações de saúde, a principal finalidade é cuidar da saúde da população, contribuindo para que as pessoas aumentem sua autonomia cuidando de sua vida. Outra finalidade é levar/permitir ou promover os trabalhadores de saúde para que assumam de forma consciente e responsável os processos de trabalho. Se uma das características da organização de saúde é o elevado grau de especialização e autonomia dos profissionais, não há como deixar de utilizar essa potência para gerar benefícios para a organização e, consequentemente, seus usuários. Cabe, entretanto, ressaltar que se a identificação e aceitação das especificidades são fundamentais para a definição do modo de identificar, executar, desenvolver e controlar processos em saúde, a compreensão da saúde como um negócio a ser gerido com certa racionalidade e normatização é determinante na eficácia do produto gerado. Compete ao gestor buscar meios de flexibilizar a gestão sem perder de vista a necessidade de se estabelecer mecanismos de controle. Vale reforçar, no campo da saúde, o melhor resultado é gerado pela capacidade de reconhecer o diferencial e a individualidade e agregar certas regras e padrões que possam estabelecer controle e eficácia aos serviços. Método para abordagem dos processos organizacionais A seguir, será apresentada uma metodologia para abordagem dos processos organizacionais. A metodologia proposta se insere numa perspectiva de mudança e desenvolvimento organizacional a partir da melhoria contínua das operações. Pode ser utilizada tanto por uma abordagem criativa na gestão, com modelos alternativos de avaliação e controle, quanto de maneira mais normativa e vertical, preestabelecendo padrões e normas. Vale lembrar, entretanto, que parece imprescindível reconhecer que o envolvimento dos trabalhadores e profissionais de saúde nas decisões pode imprimir à gestão componentes fundamentais que possuem relação com a própria autonomia característica dos serviços. Conforme dito anteriormente, a organização de saúde deve ser organizada e gerida através de um processo dinâmico que considere a natureza peculiar do produto gerado sem perder de foco a necessidade de normas e padrões. SANTOS, P. R. G. (2002) propõe uma metodologia para abordagem dos processos organizacionais, a qual denomina Metodologia de Análise e Melhoria de Processos (MAMP). O método, baseado no ciclo PDCA, popularizado por Deming, auxilia os gestores na identificação, avaliação, escolha dos processos a serem desenvolvidos e em seguida melhorados. 59 PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS • CAPÍTULO 3 O método proposto por Santos é composto por quatro macroetapas: 1. Diagnóstico e análise do ambiente. 2. Determinação dos processos críticos. 3. Escolha do processo a ser trabalhado. 4. Aplicação da metodologia para análise e melhoria dos processos. A proposta é que a unidade de saúde seja decomposta num conjunto de processos e que sejam determinados aqueles que são críticos para melhorar a qualidade, a produtividade e atender a demanda. Desta forma ajudará no estabeleciemnto de uma escala de prioridades para abordagem dos problemas, alocando os recursos na solução daqueles mais prementes. Uma vez escolhido o processo que será trabalhado, a metodologia de Análise e Melhoria de Processos (MAMP) sugere técnicas e instrumentos que propiciarão máxima eficiência na sua remodelação, visando resolver os problemas identificados. A seguir, serão apresentadas as etapas propostas. Os exempos utilizados serão de uma unidade de saúde, facilitando assim a compreensão do campo estudado. 1a ETAPA: Diagnóstico para o desenvolvimento de processos organizacionais O ambiente externo à unidade prestadora de serviços – seja a organização como um todo ou uma das subdivisões internas - contemplada condiciona até certo ponto seu funcionamento, pois lhe repassa insumos e cobra resultados. Assim, é importante que seja determinado de forma clara o ambiente em que está inserida a undiade contemplada, delimitando as “fronteiras”, os insumos e os resultados resperados. No diagnóstico do ambiente externo de uma unidade de saúde, é preciso identificar: » A estrutura de saúde local e regional. » Principais concorrentes. » Epidemiologia local. » População a ser atendida. » Principais fornecedores. » Fontes de financiamento. » Políticas de saúde. » Leis e regulamentos pertinentes. Saiba mais William Edwards Deming (1900 - 1993) foi um estatístico, professor universitário, autor, palestrante e consultor estadunidense. É amplamente reconhecido pela melhoria dos processos produtivos nos Estados Unidos durante a II Guerra Mundial, sendo porém mais conhecido pelo seu trabalho no Japão 60 CAPÍTULO 3 • PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS No diagnóstico do ambiente interno, o objetivo é identificar: » Serviços oferecidos. » Estrutura de poder (organogramas, descrição de cargos e funções). » Barreiras e facilitadores. » Processos desenvolvidos (assistenciais, hotelaria e administrativos). » Capacitação da mão de obra técnica e administrativa. » Estruturas de fornecimento de insumos. » Existência de planejamento da unidade (estratégico e plano de ação). » Procedimentos técnicos e administrativos. » Gaps de qualidade. » Indicadores epidemiológicos e de desempenho (produção, produtividade e qualidade). » Ética. O quadro 6 ilustra, de forma resumida, um diagnóstico com aspectos do ambiente interno e do externo de um hospital hipotético. Com certeza, um diagnóstico de uma organização hospitalar trará outras informações além das aqui contidas. O diagnóstico deverá contemplar todas as variáveis que influenciam a gestão de uma unidade de saúde como, por exemplo, número de leitos e distribuição por especialidades (as mesmas informações dos concorrentes), epidemiologia local, força de trabalho disponível e seu perfil, relações com conselhos de classe e órgãos disciplinadores da atividade. O produto desta primeira etapa é um diagnóstico da organização. 2a ETAPA: Identificação dos processos críticos Finalizado o diagnóstico, espera-se que os gestores conheçam melhor cada um dos processos e as principais variáveis envolvidas na produção dos serviços. Delimitado o ambiente, o próximo passo é identificar seus processos críticos, para posteriormente estabelecer uma escala de prioridades para a abordagem de seus problemas. Quadro 6. Diagnóstico com aspectos do ambiente interno e do externo de um hospital hipotético. AMBIENTE INTERNO » Salários inadequados, falta de plano de retenção de mão de obra. » Recursos financeiros insuficientes. » Ausência de programa de treinamento para áreas administrativas. » Equipe médica da emergência composta por médicos recém-formados, sem preparação para atendimento de grandes traumas. » Ausência de equipe completa no serviço de emergência. » Desmotivação das equipes de assistência. 61 PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS • CAPÍTULO 3 AMBIENTE EXTERNO » Construção de autoestrada que cortará a cidade.» Aumento da idade médica da população e redução da taxa de mortalidade. » Única unidade de saúde no município com emergência aberta. » Atenção à saúde no município deficiente. » Estrutura de saúde local: um hospital municipal sem emergência, um posto de saúde que funciona anexo ao hospital, um centro de saúde a 15 km do hospital, um hospital psiquiátrico, uma maternidade privada. SITUAçãO ATUAL » O atendimento do hospital é considerado de baixa qualidade pelos profissionais de saúde e pela população. Em breve, o hospital estará assumindo um novo perfil de pacientes, vítimas de acidentes automobilísticos, não possuindo para isso equipes completas nos plantões de emergência (faltam ortopedistas e neurocirurgiões). Além disso, a mudança do perfil etário da população também afetará o perfil da população atendida. Fonte: autor Em uma unidade hospitalar típica com serviço de emergência instalado, é possível identificar pelo menos seis macroprocessos principais. Estes macroprocessos podem ser desmembrados em outros processos menores, como seguem. Atendimento em emergência: Admissão, primeiros atendimentos, transferência dos pacientes para enfermarias (gerais ou de terapia intensiva), encaminhamentos, transferência para centro cirúrgico; Atendimento em ambulatório: Cadastramento de pacientes, marcação de consultas, consultas ambulatoriais especializadas, procedimentos ambulatoriais, programas de atenção primária; Atendimento em pacientes internos: Admissão e alta, cuidados na enfermaria e centros especializados, procedimentos em centro cirúrgico e central de esterilização; Apoio ao diagnóstico e tratamentos complementares: Patologia clínica, anatomia patológica, métodos de imagem, fisioterapia, quimioterapia, radioterapia, gasoterapia e hemoterapia; Serviços técnicos: Nutrição, farmácia, serviço social, psicologia, arquivo médico, controle de infecções hospitalares; Administração e finanças: gestão de pessoal, hotelaria, logística, gestão financeira e de contratos, informática, serviços gerais, segurança. Para identificar os processos críticos, é preciso: a. analisar os processos e perceber claramente sua contribuição para a consecução da missão maior e a relativa importância do papel de cada um deles. b. destacar aqueles que merecem atenção prioritária no esforço de melhoria. c. selecionar os mais promissores quanto aos benefícios obtidos com seu aprimoramento. 62 CAPÍTULO 3 • PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS Alguns instrumentos podem ser utilizados para a seleção dos processos que devem obter atenção prioritária: » Observação direta: Acompanhamento e observação do funcionamento dos processos que se candidatam a prioritários. » Análise de documentos: análise de registros de reclamações dos pacientes, dados ou relatórios de ouvidoria, prontuários médicos, índices de qualidade, produtividade e produção, índices epidemiológicos. » Entrevistas: com clientes ou gestores, para verificação de quais processos consideram críticos. » Votação simples: a equipe responsável pelo desenvolvimento da organização, por votação, indica quais são os processos prioritários. » Votação múltipla: partindo do elenco de todos os processos, em votações sucessivas, os participantes vão reduzindo a quantidade de candidatos, até chegar ao número previamente estabelecido. » Matrizes de priorização: usada isoladamente ou em conjunto com votações, permite elaborar uma lista de processos e a importância de cada um deles no contexto da organização. Posteriormente, detalharemos alguns destes instrumentos. O produto desta etapa é a relação de processos considerados críticos para o alcance de níveis de qualidade, produtividade e atendimento à demanda. 3a ETAPA: Escolha do processo a ser trabalhado A identificação dos processos críticos deve ser feita com cautela. É fundamental lembrar que o sucesso depende do apoio superior e dos recursos necessários para as intervenções propostas. Como a escolha do processo é subjetiva, alguns aspectos precisam ser considerados para garantir o sucesso na seleção: 1. O processo está bem definido e não é muito grande – projetos mais simples e menores são mais fáceis de conduzir. Se o projeto for muito longo, pode-se optar por dividi-lo em processos menores, acelerando a realização de benefícios. A demora em obter resultados pode gerar desmotivação e pressões. 2. O processo contempla um problema notável e visível na organização. A solução de um problema visível em toda a organização irá facilitar a implementação de melhorias em outros processos. 63 PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS • CAPÍTULO 3 3. A melhoria do processo será apreciada pela direção. Assegurar que o projeto atue em questões consideradas críticas pela direção vai garantir interesse e investimento. 4. A melhoria no processo será apreciada pelos clientes. O cliente deve ser foco da atenção (mesmo o cliente interno) e por isso é importante analisar reclamações e conversar com pacientes e clientes. 5. É viável melhorar e as chances de sucesso são altas. É preciso avaliar os impactos do projeto sobre o desempenho do processo e sobre os lucros do negócio (financeiros ou sociais). 6. Não há dependências externas para implementar melhorias no processo – dependências costumam atrasar o alcance de resultados. As dependências externas costumam aumentar os riscos de falhar devido a causas fora do controle. A relação de problemas mais graves deverá ser relacionada aos macroprocessos, como exemplo do quadro a seguir. Alguns problemas interferem em mais de um processo. Quadro 7. Relação problema x macroprocesso. PROBLEMA MACROPROCESSO Consulta ambulatorial não atende a demanda » Atendimento em ambulatório Filas na porta de entrada do hospital » Atendimento em ambulatório (marcação e promoção de consultas) » Diagnóstico e tratamento (exames) » Administração e finanças (segurança, logística) Cancelamento numeroso de cirurgias agendadas » Atendimento aos pacientes internos (centro especializado – centro cirúrgico) Falta de suprimentos » Afeta todos os macroprocessos Atrasos e má qualidade da dieta oferecida aos pacientes » Serviços técnicos (nutrição) Atrasos, desvios e erros na distribuição de material e medicamentos » Logística na distribuição de material e medicamentos Fonte: autor Aqui a questão a ser resolvida é qual problema deverá ser resolvido primeiro e qual processo é mais indicado para a melhoria. Continuando com o exemplo, escolhemos o problema “cancelamento de cirurgia” para ser avaliado como problema crítico e ser priorizado. Os argumentos para a escolha devem estar claros conforme relação a seguir . 64 CAPÍTULO 3 • PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS Quadro 8. Problema crítico. MACROPROCESSO: Atendimento a pacientes internos PROCESSO: Centro Cirúrgico PROBLEMA: Cancelamento de Cirurgias ARGUMEnTOS: » A interferência ocorre, primariamente, em apenas um macroprocesso. » O processo a ser trabalhado não é muito grande e pode ser decomposto em subprocessos menores. » O processo é bem conhecido pela direção e pelos executores. » O problema levantado gera prejuízos ao hospital, tanto financeiros quanto em relação à satisfação do cliente externo (paciente) e do cliente interno (equipe do centro cirúrgico). » A melhoria do processo será visível interna e externamente e permitirá melhorar substancialmente a imagem do hospital. » A análise do processo e a implementação das melhorias independem de recursos externos. » A melhoria pode ser facilmente medida e espera-se que a duração do projeto seja curta. Fonte: autor. O produto desta etapa é um processo selecionado para análise. 4a ETAPA: Metodologia para análise e melhoria de resultados A metodologia que será apresentada tem por objetivo promover a melhoria contínua do processo. Desta forma, ao final de cada ciclo, inicia-se outro, baseado na experiência e na evolução do anterior. A melhoria dos processos pretende: » Aumentar a satisfação do cliente (internoou externo, dependendo do processo), dos executores e dos fornecedores. » Entregar, em tempo hábil, os produtos e serviços. » Reduzir o ciclo de produção. » Eliminar ou reduzir desperdícios. » Reduzir a variabilidade dos processos, aumentando a confiabilidade. » Eliminar ou reduzir conflitos. » Tornar os processos flexíveis. » Melhorar os resultados ao nível de qualidade, de produtividade, de produção e de inovação. Algumas condições, entretanto, determinam o sucesso nos processos de melhoria e desenvolvimento: » Definir o processo com clareza. » Medir sua eficácia e sua eficiência. 65 PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS • CAPÍTULO 3 » Determinar se é ou não estável. » Evitar interferir no processo durante a fase de conhecimento, o que pode mascarar seu desempenho. » Eliminar as causas especiais de variação. » Reduzir as causas comuns de variação. » Observar de forma contínua as oportunidades de melhoria. Um dos métodos confiáveis para apoio na implementação em um plano de melhorias é o PDCA. O método elaborado por Shewhart e popularizado por Deming tem como principais objetivos: » Definir o processo. » Medir o processo. » Estabilizar o processo (eliminando as causas especiais de variação). » Controlar o processo (reduzir as causas comuns de variação). » Melhorar de forma contínua o processo. O PDCA é um método sistemático à base da análise e solução de problemas, que envolve repetição de passos (conforme representado graficamente na figura abaixo) num esfoço contínuo para a melhoria. O uso do PDCA permitirá identificar as causas-raízes dos problemas, e desenvolver soluções e planos de ação. O método possui quatro quadrantes que englobam cada uma de suas principais atividades: PLAN – planejamento da melhoria ou implementaçaõ da solução de problemas. DO – execução das mudanças planejadas. CHECK – verificação dos resultados obtidos. ACT – atuação corretiva. Por meio do PDCA, pretende-se reduzir a variabilidade e solucionar os problemas. Deming afirma que a qualidade do processo está diretamente associada à produção de resultados uniformemente previsíveis e que satisfaçam os requisitos e necessidades dos clientes. Para isso é preciso que o processo seja estabilizado e controlado pela eliminação das causas especiais de variação (causas externas como quebra de equipamentos, acidentes, faltas e atrasos de funcionários, greves) e redução das causas comuns de variação (causas comuns como material inapropriado, máquinas e equipamentos descalibrados). 66 CAPÍTULO 3 • PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS A Metodologia para Análise e Melhoria de Processos (AMP) é composta de seis fases, cada uma delas dando origem a um produto bem determinado. A figura 6 apresenta as fases e produtos da AMP. Figura 6. Fases e produtos da AMP. Fonte: SANTOS, Paulo R. G. Desenvolvimento de Processos Organizacionais, in GESTHOS Gestão Hospitalar, Brasília: Ministério da Saúde, 2002. p. 22 (Adaptado por Sandro Kill Nesta fase deverá ocorrer o levantamento de informações junto aos executores, aos clientes e aos fornecedores. Pela a análise das informações do processo, é possível identificar os problemas. Um problema caracteriza sempre um desvio da situação atual em relação ao estado desejado. Pode ser um erro de funcionamento ou de resultado, uma duplicidade de esforços, uma ação inútil ou ineficiente, burocracias desnecessárias, excesso ou falta de controle, desperdício, não atendimento aos requisitos do cliente. Alguns diferentes instrumentos poderão ser utilizados como o 5W1H (funciona como apoio no encadeamento do raciocínio para o levantamento de informações) ou o fluxograma (permite organizar de forma lógica as informações e sistematizá-las de maneira a ordenar e dá uma visão gráfica às atividades desenvolvidas pelo processo). Estes instrumentos serão detalhados posteriormente. Saiba mais Procure saber mais sobre o Ciclo PDCA. Este método é amplamente utilizado como ferramenta gerencial. 67 PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS • CAPÍTULO 3 O estudo realizado ajudará a identificar e caracterizar o problema, verificando se ele está localizado nas entradas, nos procedimentos ou na saída. A caracterização do problema se torna mais objetiva se for feito uso de indicadores ou medições. O indicador permite o acompanhamento da evolução do problema ao longo do tempo. Caso não haja meios quantitativos para acompanhamento, sugere-se o uso de avaliações qualitativas. 1a FASE: Conhecer e avaliar um processo existente. A avaliação do processo poderá apontar inúmeros problemas operacionais que deverão ser priorizados para eleição de qual será trabalhado primeiro, o seguinte, e assim por diante. Estrategicamente, a opinião do cliente deverá valer para a escolha dos problemas a serem priorizados. Os problemas poderão ser priorizados por meio de uma análise baseada nos critérios de gravidade, urgência e tendência. A matriz GUT (que será detalhada no próximo capítulo) é um instrumento que implementa essa abordagem. A escolha ainda pode ser baseada em instrumentos como votação simples ou votação múltipla envolvendo especialistas e clientes (internos). O produto desta fase é um problema selecionado para análise. 2a FASE: Analisar o processo existente. Depois de selecionado o problema que será tratado prioritariamente, o passo seguinte é determinar as causas e eliminá-las. Um primeiro passo é a identificação da causa do problema analisado. Para a identificação da causa, podem-se utilizar instrumentos como Brainstorming (tempestade de ideias), Diagrama de Afinidade ou Diagrama de Causa-efeito ou, ainda, a combinação dos três. Nesta fase, o foco é a análise objetiva, a gravidade e as causas do problema. Para facilitar o processo, após uma etapa de coleta de causas possíveis do problema e classificação por gravidade, é preciso organizar as causas em grupos considerando suas afinidades. As causas ainda podem ser desdobradas em subcausas e relacionadas por causa-efeito. Vale lembrar que o “efeito” pode ser resultado positivo a ser alcançado, quando então as “causas” seriam os fatores de sucesso da empresa. Partindo do princípio que algumas poucas causas contribuem para a maior parte do problema, deve ser feita a escolha, entre as causas identificadas, daquelas que reduzirão sensivelmente a extensão do problema. O Diagrama de Pareto é um instrumento interessante para esta etapa. Por meio dele é possível observar os grupos de causas que mais afetam o problema. Aqui será quantificada a frequência com que as causas ocorrem e, assim, será determinada a contribuição das causas sobre o problema. 68 CAPÍTULO 3 • PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS É preciso obter dados que permitam tomar decisões baseadas em fatos e não em opiniões. Assim, em vez de “acho que o problema é...” diremos “os fatos mostram que....”. O produto desta fase é um conjunto organizado de causas escolhidas de forma a reduzir significativamente a extensão do problema analisado. 3a FASE: Desenvolver e aprovar melhorias. Após as sucessivas filtragens descritas acima, foram escolhidos processos, seus problemas e as principais causas. A terceira fase é a fase de identificação de soluções. Alguns instrumentos podem ser utilizados: brainstorming, o benchmarking e o ábaco heurístico. Estes instrumentos podem ser utilizados isoladamente ou em conjunto. Nesta fase, vale a pena buscar reunir a opinião de executores do processo, os fornecedores de insumos e os clientes. Depois da coleta de propostas de soluções (por meio dos métodos acima sugeridos ou outros), é preciso atribuir graus de prioridade e concentrar recursos nas mais promissoras e viáveis. Para a escolha das melhores soluções, devem-se estabelecer critérios para priorização. A matriz BASICO é uma sugestão de instrumento. A matriz BASICO analisa: Benefícios, Abrangência, Satisfação, Investimento, Cliente externo satisfeito, Operacionalização simples. Feita a escolha, torna-se necessário detalhar a solução.Sugere-se a 5W2H, onde o “H” adicional refere-se a how much – custo dessa solução. Também pode ser usado o fluxograma que permite projetar em detalhes todos os passos, decisões, alternativas que compõem o funcionamento proposto pela solução em foco. As soluções propostas devem ser submetidas à aprovação dos responsáveis pelos setores envolvidos, evitando o risco de resistências na implantação. O produto desta fase é um conjunto de melhorias a serem implementadas no processo. 4a FASE: Planejar a implantação das melhorias. A proposta descrita até aqui se aplica à melhoria de processos existentes corrigindo seus desvios. O desenvolvimento de processos organizacionais não acontece apenas assim, mas também pela substituição ou reforma de processos muito deficientes e pela implantação de novos processos. Neste caso, a aplicação da metodologia começa aqui. 69 PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS • CAPÍTULO 3 Tanto para alteração de um processo já existente ou criação de um novo, é preciso ter uma descrição detalhada sobre ele: » o que será feito? » por quem? » onde? » quando? » como será feito? » quanto custará? » justificativas; » fluxograma do funcionamento; » identificação das dificuldades potenciais. O planejamento para a implantação começa pelo estabelecimento das metas desejadas para a melhoria do desempenho visada por este projeto. Devem ser projetadas novas metas de desempenho para o alcance da melhoria desejada. Nesta etapa também são identificados os recursos necessários para alcance das metas estabelecidas: recursos humanos, recursos financeiros, conhecimentos, equipamentos, instalações. Outro ponto importante é a definição do método de trabalho que será usado pra conduzir e administrar os recursos. Desta forma, serão identificadas as tarefas a serem executadas, os recursos necessários e a estratégia de implantação das melhorias. Ainda nesta fase, deve ser construído um cronograma que mostre como as tarefas irão ser encadeadas ao longo do tempo e quando os recursos devem estar disponíveis. É importante projetar possíveis dificuldades ou reações que poderão aparecer na implantação das melhorias. A identificação dos problemas potenciais deve gerar um plano de contingência. O produto desta fase é o plano de ação para implantação das melhorias e o plano de contingência. 5a FASE: Implantar melhorias e medir resultados. Nesta etapa, deverá ocorrer a execução do que foi proposto e planejado. É uma fase crítica que exige cautela para evitar erros. Algumas ações podem impedir problemas: disseminar as informações pelo grupo responsável pela implantação (comunicar com clareza todos os aspectos e benefícios das melhorias); oferecer 70 CAPÍTULO 3 • PROCESSOS ORGAnIzACIOnAIS treinamento específico todos os executantes de tarefas relacionadas com o processo implantado, promover (quando possível) execuções simuladas do novo processo; implantar mecanismos de avaliação do aprendizado permitindo correções. Só então é possível pôr o novo processo em execução. Os pontos críticos deverão ser acompanhados de perto. Os resultados devem ser regularmente levantados e comparados com as metas e indicadores estabelecidos. As medidas quantitativas oferecerão base para avaliação objetiva dos benefícios alcançados. As percepções qualitativas também devem ser consideradas. O produto desta fase são os resultados da implantação e as medidas de desempenho do processo modificado. 6a FASE: Avaliar a implementação, os resultados da melhoria e padronizar o processo. Seguindo o ciclo PDCA, devemos, ao implantar um processo, comparar os resultados com os padrões desejados. A comparação não deve ser realizada apenas com a avaliação numérica dos resultados, mas também pela análise crítica do significado dos resultados e o que representam. Os indicadores utilizados na avaliação dos processos também devem ser continuamente aprimorados e reformulados, assim como as metas, procurando torná-los sempre mais significativos e fontes úteis de informação. Assim será gerado um novo ciclo corretivo para sanar os problemas identificados ou elevar os padrões a serem perseguidos. A última fase a ser cumprida é a normalização do processo. As pessoas envolvidas devem executar o processo de forma padronizada, eliminando ou reduzindo a variabilidade. Os produtos desta fase são as medidas de desempenho e as ações corretivas se necessário. Sintetizando » As mudanças de cenários levam as organizações a buscar, em seu ambiente de atuação, formas de sobrevivência; » A gestão da produção se dá como um macroprocesso administrativo responsável pela articulação e harmonização dos microprocessos organizacionais; » Todo trabalho realizado faz parte, obrigatoriamente, de algum processo organizacional; » O trabalho em saúde é sempre relacional; » A gestão, inovação e desenvolvimento de processos podem ser feitos por meio de uma abordagem criativa (no qual os sujeitos são considerados protagonistas e aptos a auxiliar na solução de problemas) ou uma abordagem normativa (concepção de que o processo de gestão e tomada de decisões é um processo racional e deve ter um caráter prescritivo); » Santos P. R. G. propõe um método para abordagem dos processos organizacionais que denomina Metodologia de Análise e Melhoria dos Processos (MAMP), baseado no ciclo PDCA e composto por quatro etapas: (1) diagnóstico e análise do ambiente; (2) determinação dos processos críticos; (3) escolha do processo a ser trabalhado; (4) aplicação da metodologia para análise e melhoria dos processos. 71 Apresentação As ferramentas de gestão são técnicas utilizadas com a finalidade de definir, mensurar, analisar e propor soluções para os problemas que interferem no bom desempenho dos processos de trabalho. Ter domínio de ferramentas e técnicas para apoio na gestão de processos e administração da produção é fundamental para que o gestor possa se munir de informações suficientemente confiáveis para a tomada de decisões. Inúmeras são as ferramentas que podem ser empregadas na implantação e consolidação do processo de gestão de qualidade e produtividade de uma instituição. Contudo, cada ferramenta que será apresentada tem seu próprio uso, sendo que não existe uma receita adequada para saber qual a ferramenta que será usada em cada fase. Isto vai depender do problema envolvido, das informações obtidas, dos dados históricos disponíveis e do conhecimento do processo em questão em cada etapa. Objetivos Esperamos que, após o estudo do conteúdo deste capítulo, você seja capaz de: » Dominar as técnicas e ferramentas apresentadas. » Entender o uso de cada uma das ferramentas e definir em quais situações e contextos elas poderão ser utilizadas. » Utilizar as ferramentas para apoio na gestão de processos. » Conhecer métodos de administração da produção que podem ser aplicados no setor saúde. 4CAPÍTULOTÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO 72 CAPÍTULO 4 • TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO Introdução A administração da produção é um segmento do trabalho nas instituições hospitalares para os quais se produzem centenas de regulamentações, procedimentos operacionais e portarias na perspectiva de estabelecer uma potente cadeia de comando. Contudo, há de se reconhecer que as inúmeras situações multivariadas e com fluxos cruzados, geradoras de problemas pouco estruturados, fazem com que os conhecimentos instrumentais e técnicas padronizadas não tenham capacidade de abordá-los de forma efetiva. No dia a dia dos hospitais, observa-se que a coordenação necessária para o funcionamento eficaz da produção acontece muitas vezes em função dos inúmeros investimentos criativos e da aposta em práticas e ações autônomas e responsáveis. Assim, se o processo de trabalho entendido como ciclo normativo e instrumental parece diametralmente distinto do processo de criação contínua e criativa; na prática, a complexidade na qual está imersa a área da saúde exige formas mistas de lidar com o trabalho,estabelecendo estratégias constantes de mobilização de forças para cumprir as regras sem perder a capacidade de construir formas flexíveis de abordar as questões que surgem no cotidiano, numa perspectiva inventiva e fecunda. Ferla (2008), referindo-se às ofertas teóricas de Merhy, ao prefaciar o Manual do Gerente, afirma que, em alguns momentos, os gestores têm seu olhar ofuscado pelo imaginário de ferramentas no sentido físico, como tecnologia-dura ou mesmo leve-dura. Contudo, as práticas se tornam diferentes e produtoras de novos fazeres quando se busca operar utilizando de uma “caixa de ferramentas”. Segundo o autor, a Caixa de Ferramentas funciona não apenas na direção da aplicação do conhecimento formal produzido no contexto de certas relações de poder, que se tornam prevalentes em certos momentos histórico e sociais, mas quando ela suscita novos arranjos que ajudem a superar os problemas do cotidiano (FERLA, prefaciando Pessoa, 2008, p. 5). Tecnologia é aqui entendida como um conjunto de conhecimentos e agires aplicados à produção de algo. Esse conhecimento pode ser materializado em máquinas e instrumentos - tecnologias duras; saberes e práticas estruturados - tecnologias leve-duras -; e as tecnologias leves: trabalho vivo/produção de serviços/ abordagem assistencial - modos de produção de acolhimento, vínculo e responsabilização (FRANCO; MERHY, 1999). A seguir serão apresentadas algumas técnicas, ferramentas e metodologias que poderão ser úteis no dia a dia das pessoas que atuam na gestão e administração da produção. O uso desse material deve ser, contudo contextualizado e reavaliado a partir das situações e dos problemas cotidianos. Reinventar, compor, combinar são apostas válidas no sentido de potencializar e adequar. 73 TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO • CAPÍTULO 4 É importante no uso e escolha de ferramentais considerar: 1. Os fatos precisam ser entendidos. Toda ferramenta tem suas vantagens e desvantagens. Para ter sucesso você deve entender os efeitos positivos (e também os colaterais) de cada uma, para então combinar as ferramentas certas, da maneira certa, nos momentos certos. 2. É preciso promover estratégias duradouras, não modismos passageiros. Gestores que promovem modismos minam a confiança de seus colaboradores em sua capacidade de gerar a mudança necessária. 3. A escolha das melhores ferramentas para o serviço. Os executivos precisam de um sistema racional para selecionar, implementar e integrar as ferramentas que são adequadas para suas empresas. Uma ferramenta somente melhorará os resultados se ela ajudar a descobrir necessidades não atendidas dos clientes, construir capacidades diferenciadas, explorar vulnerabilidades internas e/ou dos concorrentes. 4. Adapte as ferramentas ao seu sistema de negócios (e não o contrário). Nenhuma ferramenta vem com um pacote incluindo instruções e garantia. Toda ferramenta deve ser adaptada à situação particular da empresa. O que se espera é que todos se sintam provocados a pensar e a exercer seu papel na gestão dos hospitais e serviços de saúde numa perspectiva de garantia de produtos de qualidade e que atendam efetivamente às necessidades dos usuários. Caixa de ferramentas para administração da produção Na gestão dos serviços, transformar ideias e intenções em metas e resultados é uma estratégia fundamental. As interações, relações, conversas e a aposta em um ambiente organizado e colaborativo pode transformar administração da produção que é o elo mais complexo da estrutura de gestão do sistema de saúde, em um espaço resolutivo e que dê respostas com a agilidade que a atenção à saúde exige. Abaixo, apresentaremos ferramentas escolhidas para facilitar a análise dos processos de trabalho, a fim de identificar os nós críticos existentes e propor ações para resolvê-los. Ferramentas para controle da qualidade da produção O controle de qualidade na produção depende de alguns indicadores e ferramentas de controle de qualidade que identificam possíveis falhas nos processos de produção. Estudiosos da qualidade identificam um conjunto de sete técnicas gráficas - ferramentas para controle de qualidade na produção - identificadas como sendo úteis na solução de problemas relacionados à qualidade: Diagrama de causa e efeito ou diagrama de Ishikawa, folha de verificação, histograma, gráfico de Pareto, diagrama de dispersão, fluxograma e estratificação. Para refletir “Uma teoria que opera como caixa de ferramentas não pretende esclarecer ou iluminar; pretende transformar”. (Ferla, prefaciando Pessoa, 2008, p. 5). 74 CAPÍTULO 4 • TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO Aqui apresentaremos algumas destas técnicas mais comumente utilizadas no setor saúde: Provocação Todas estas ferramentas são amplamente utilizadas em praticamente todos os setores da economia. Daremos enfoque especial aqui ao setor de saúde. FERRAMENTA 1 – Diagrama de Ishikawa (também conhecido como “Diagrama de Causa e Efeito”, “Diagrama Espinha-de-peixe) Esta ferramenta, criada pelo engenheiro químico Kaoru Ishikawa em 1943, é uma representação gráfica que nos possibilita organizar informações, auxiliando na identificação das possíveis causas de um determinado problema (efeito). Figura 7. Exemplo de Diagrama de Ishikawa desenvolvido pelo autor para o setor saúde. Cancelamento de cirurgias Paciente Outros Falta de membro da equipe Falha no apoio Ambiente Interno Ambiente Externo Indisponibilidade das Instalações Deficiência na infraestrutura Falecimento Falta permissão Estado de saúde Atraso da anterior Falta leito RPA Falta leito CTI Cirurgia de emergência Sala não descontaminada Cirurgião Anestesista Médico Enfermagem Greve Decisão médica Decisão administrativa Energia, água, climatização, gases, etc Falta de material Falta ou defeito de equipamentos Risco cirúrgico não realizado Exames não disponíveis Pacientes não preparados Fonte: autor Os passos para aplicação dessa ferramenta são: 1. Definir o problema sob estudo. http://www.qualidadebrasil.com.br/pagina/kaoru_ishikawa/114 75 TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO • CAPÍTULO 4 2. Criar a espinha de peixe identificando o problema (efeito) analisado. 3. Identificar as causas mais prováveis do problema (efeito), utilizando para esta avaliação o trabalho do grupo como pesquisa de campo, classificando pelo grau de criticidade identificado pelo Gráfico de Pareto. 4. Relacionar cada problema (efeito) para uma espinha de peixe. 5. Analisar estas causas e planejar ações. Normalmente, é elaborado a partir de um brainstorming, e permite que sejam colocadas pelos grupos as possíveis causas do problema. Esta ferramenta facilita o estudo e a identificação da causa que gera o efeito, tornando-se o início de um trabalho que origina a ação. É importante que estejam envolvidos todos da equipe deste processo para melhor aproveitamento deste estudo. FERRAMENTA 2 – Folha de verificação São formulários para coleta de dados, com o objetivo de facilitar o registro e eliminar o excesso de manuseio dos dados. Tem como prerrogativa ser um instrumento de preenchimento fácil e conciso. Seu principal objetivo é o registro dos dados dos itens a serem verificados, permitindo uma rápida percepção da realidade e uma imediata interpretação da situação, auxiliando na redução de erros e confusões. As folhas de verificação podem ser usadas para distribuição do processo de produção (coletar dados de amostras de produção), verificação de itens defeituosos (tipos de defeitos mais frequentes e números de vezes causados por cada motivo), localização de defeito (usada para localizar defeitos externos, tais como: mancha, sujeira, riscos), causas de defeitos (investigar as causas dos defeitos, sendo que os dados relativos à causa e os dados relativos aos defeitos são colocados de tal forma que se torna clara a relação entre as causas e efeitos). Os principais objetivos do uso das folhas de verificação são: » Tornar osdados fáceis de obter e de serem usados na identificação e solução de problemas. » Dispor os dados de forma mais organizada. » Registrar em tempo real a ocorrência. » Facilitar a identificação da causa junto ao problema. Antes de construir um tipo de Folha de Verificação, alguns aspectos precisam ser esclarecidos: » Qual o objetivo da coleta de dados? » Como serão coletados os dados? http://www.qualidadebrasil.com.br/noticia/qualidade_criando_um_grafico_pareto http://www.qualidadebrasil.com.br/noticia/qualidade_elaborando_um_plano_de_acao http://www.qualidadebrasil.com.br/pagina/brainstorming/231 76 CAPÍTULO 4 • TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO » Quem irá coletar os dados? » Quando serão coletados os dados? » Qual método será utilizado para coleta dos dados? » Qual a quantidade de dados que serão coletados? » Qual a frequência da coleta? » Quem irá coletar? A Folha de verificação serve também para dar subsídio para a criação de várias ferramentas, tais como: Diagrama de Pareto, Diagrama de Dispersão, Histograma. Quadro 9. Folha de Verificação - relação entre o cancelamento de cirurgias e causas declaradas. CAUSAS Ano 2012 Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Julho TOTAL Pacientes sem condições cirúrgicas IIII II IIII IIIII IIII II III IIIII IIII II II 39 Problemas na infraestrutura do Centro Cirúrgico IIII I II I III I 14 Falta de exames complementares IIIII III II IIII II IIII III IIII I IIII III IIII IIII 52 Falta de preparo de pacientes II III 5 Falta do médico III III IIII I III IIII I II III 30 Fonte: autor. O documento é um formulário em branco que é projetado para a gravação rápida, fácil e eficiente das informações desejadas, que podem ser quantitativas ou qualitativas. Quando a informação é de natureza quantitativa, a folha de verificação é chamada também de folha de registro. FERRAMENTA 3 – Gráfico de barras ou histograma O gráfico de barras ou histograma é uma ferramenta que mostra um retrato comparativo de valores de um conjunto de itens medidos. Seus principais usos são: » Exibir o sumário de grandes conjuntos, agrupando-os em classes. » Comparar diferentes processos entre si ou em relação a dados limites. » Comunicar relações comparativas com clareza, facilitando a percepção do essencial. » Exibir a distribuição e dispersão do fenômeno estudado – subsidiando decisões. O roteiro abaixo poderá ajudar na utilização da ferramenta: 1. Determinar as faixas de valores que serão representadas. 77 TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO • CAPÍTULO 4 2. Contar a quantidade de incidências (frequência) dentro de cada faixa. 3. Determinar o maior e o menor valor que se quer mostrar. 4. Desenhar o eixo horizontal com as marcações de faixas. 5. Desenhar o eixo vertical com as marcações de quantidades. 6. Desenhar as barras, com altura proporcional à contagem obtida na faixa correspondente. 7. Acrescentar o título, legenda e outras informações convenientes. Vale lembrar que atualmente programas como o Excell podem auxiliar na confeção de vários modelos de gráfico. Figura 8. Modelo de gráfico de barras. Fonte: Dados primários extraídos de CDC - <www.cdc.gov> FERRAMEnTA 4 – Diagrama de pareto Diagrama de Pareto é um instrumento gráfico utilizado para estabelecer uma ordenação nas causas de perdas que devem ser sanadas. O diagrama de Pareto tem o objetivo de compreender a relação ação/benefício, ou seja, prioriza a ação que trará o melhor resultado. O diagrama é composto por um gráfico de barras que ordena as frequências das ocorrências em ordem decrescente, e permite a localização de problemas vitais e a eliminação de futuras perdas. O diagrama é uma das sete ferramentas básicas da qualidade e baseia-se no princípio de que a maioria das perdas tem poucas causas ou que poucas causas são vitais, a maioria é trivial. É importante seguir os seguintes passos básicos: 1. Determinar o objetivo do diagrama, ou seja, que tipo de perda você quer investigar, verificando o maior e o menor valor que irá mostrar. 78 CAPÍTULO 4 • TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO 2. Calcular os percentuais da participação de cada faixa ou classe. 3. Organizar os dados em ordem decrescente. 4. Desenhar o eixo horizontal com as marcações das faixas ou classes. 5. Desenhar o eixo vertical com as marcações dos percentuais. 6. Desenhar as barras, com altura proporcional ao percentual correspondente. 7. Desenhar uma linha indicando o percentual acumulado, da esquerda para a direita. 8. Acrescentar o título e outras informações convenientes. O Diagrama de Pareto é baseado na regra 80/20, que declara que para todo problema existem poucas causas vitais e muitas triviais - 20% de causas explicam 80% dos problemas. Ao se distinguir e atacar os itens mais importantes, maior será a melhoria obtida. Figura 9. Modelo de Diagrama de Pareto. Fonte: SOUZA, M. Adequação de ferramentas de gestão da qualidade às clínicas de saúde. Artigo eletrônico. FERRAMENTA 5 – Fluxograma ou Fluxograma Analisador/Descritor Todo e qualquer processo, tanto administrativo quanto operacional, tem um fluxo das operações (entrada, processamento e saída). Para Franco e Merhy (2004), o Fluxograma Descritor é uma representação gráfica de todas as etapas do processo de trabalho, que se utiliza de símbolos previamente convencionados, permitindo a descrição clara e precisa do fluxo, ou sequência, de um processo, bem como sua análise e redesenho. Muito utilizado para avaliação das práticas assistenciais, o fluxograma pretende descrever o percurso do usuário (interno ou externo) em busca de sua necessidade. Aqui são descritos os 79 TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO • CAPÍTULO 4 lugares por onde passa e as ações executadas. O fluxograma interroga o processo de trabalho na busca de compreender como o trabalho está organizado e identificar problemas/nós críticos. Apresentamos alguns símbolos universalmente adotados na elaboração de fluxogramas que representam ação, decisão, alternativas, processamento de informação que compõem a dinâmica do funcionamento do processo. Figura 10. Símbolos adotados na elaboração de fluxogramas. Fonte: autor. A seguir apresentamos a figura 11, com um exemplo de fluxograma. Figura 11. Exemplo de fluxograma. Fonte: SANTOS, P. R. G. Desenvolvimento de Processos Organizacionais, In: BRASIL, Ministério da Saúde, GESTHOS Gestão Hospitalar: Capacitação a Distância em Administração Hospitalar para Pequenos e Médios Estabelecimentos de Saúde: Módulo IV: Gestão para Qualidade em Saúde/Ministério da Saúde – Brasília: Ministério da Saúde, 2002, p. 25. 80 CAPÍTULO 4 • TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO Atenção Elabore, com o uso dos símbolos adotados para fluxogramas, alguns exemplos para o treino desta ferramenta. Franco e Merhy (2004) propõem algumas orientações na aplicação do método: 1. O processo deve ser feito coletivamente. 2. A sistematização deve ser feita coletivamente e de forma estruturada. 3. O fluxograma pode ser diferente para os diversos problemas de saúde. 4. O fluxograma deve ser elaborado centrado no usuário do sistema. 5. No processo, os nós críticos devem ser identificados. 6. O fluxograma é mutável e pode ser reelaborado pela equipe em qualquer momento. Ferramentas para gestão/desenvolvimento de processos FERRAMENTA 1- 5W1H O 5W1H é um instrumento que ajuda a encadear o raciocínio para levantar informações necessárias no caso de avaliação de problemas ou para construção de um plano de ação considerando todas as tarefas a serem executadas ou selecionadas de forma cuidadosa e objetiva. Os elementos podem ser descritos como: WHAT - O que será feito (etapas) HOW - Como deverá ser realizada cada tarefa/etapa (método) WHY - Por que deve ser executada a tarefa (justificativa) WHERE - Onde cada etapa será executada (local) WHEN - Quando cada uma das tarefas deverá ser executada (tempo) WHO - Quem realizará as tarefas (responsabilidade) O 5W1H é utilizado para referenciar as decisõesde cada etapa no desenvolvimento do trabalho, identificar as ações e responsabilidade de cada um na execução das atividades e planejar as diversas ações que serão desenvolvidas no decorrer do trabalho. Ainda pode-se acrescentar um “H” na ferramenta criando o 5W2H, onde o H refere-se a how much – custo da solução. 81 TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO • CAPÍTULO 4 A técnica ajuda a fazer indagações com relação às entradas ou insumos do processo, aos procedimentos internos nele executados e às saídas ou resultados, ou ainda pode ser utilizada no planejamento de um novo processo a ser implantado. FERRAMEnTA 2 – Brainstorming O Brainstorming é uma ferramenta para geração de novas ideias, conceitos e soluções para qualquer assunto ou tópico num ambiente livre de críticas e de restrições à imaginação. É útil quando se deseja gerar em curto prazo (30 a 60 minutos) uma grande quantidade de ideias sobre um assunto a ser resolvido, possíveis causas de um problema, abordagens a serem usadas ou ações a serem tomadas. Alguns aspectos devem ser assegurados: » Dedique o tempo suficiente para esclarecer os propósitos da sessão de Brainstorming. » Suspensão do julgamento: estão proibidos os debates e as críticas às ideias apresentadas, pois causam inibições e desvios dos objetivos. » Quantidade é importante: quanto mais, melhor. » Liberdade total: nenhuma ideia é suficientemente ruim para ser desprezada. Pode ser que ela sirva de ponte para ideias originais e inovadoras. Quadro 10. Levantamento de informações necessárias para conhecer e avaliar um processo como “procedimento cirúrgico”. O QUÊ QUEM ONDE QUANDO PORQUÊ COMO E N T R A D A Material Central de esterilização CC 10 min antes do início da cirurgia Material necessário para a cirurgia nas embalagens programadas Resultado de exames Documentação médica Entregar ao cirurgião-chefe da equipe Dia anterior Condições do paciente (exames específicos e risco cirúrgico) Prontuário do paciente Medicamentos Farmácia CC 10 min antes do início da cirurgia Medicamentos e gases necessários nas embalagens programadas Instalações Enfermeiro do CC CC 10 min antes do início da cirurgia Verificar condições apropriadas para a cirurgia Checklist Paciente preparado Maqueiro CC 5 min antes do início da cirurgia Evitar atraso na cirurgia Transportado de maca e colocado na mesa de cirurgia Equipe Anestesista, cirurgião, Assistente, Instrumentadora, Enfermeiros CC 5 min antes do início da cirurgia Execução da cirurgia Paramentado e higienizado Indicadores Enfermeiro do CC CC Durante a cirurgia Monitoramento do paciente, do material empregado e do tempo Monitores do CC Planilhas 82 CAPÍTULO 4 • TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO O QUÊ QUEM ONDE QUANDO PORQUÊ COMO P R O C E S S O Cirurgia Planeja: cirurgião- chefe Prepara: anestesista Procedimentos Finais: cirurgião assistente Assepsia: enfermagem Monitoramento: enfermagem Suprimento: instrumentador CC Marcação de cirurgia segundo planejamento de uso do centro cirúrgico Solucionar problema do paciente através da cirurgia Métodos e técnicas cirúrgicas Guidelines cirúrgicos S A Í D A Paciente operado Leito de RPA Ao final da cirurgia Recuperação pós- anestésico Maca Prescrições CC Ao final da cirurgia Cuidados pós- operatórios Receituário Prontuário Material para exame (eventual) Anatomia patológica A qualquer momento da cirurgia Diagnóstico especializado Acondicionamento especial Resultados apurados CC Ao final da cirurgia Histórico controle administrativo Prontuário Planilhas Fonte: SANTOS, Paulo R. G. Desenvolvimento de Processos Organizacionais, in GESTHOS Gestão Hospitalar, Brasília: Ministério da Saúde, 2002. Ps. 24-25) » Mudar e combinar: em qualquer momento, é permitido que sejam trazidas ideias que sejam uma modificação ou combinação de ideias já apresentadas por outras pessoas do grupo. Contudo, as ideias originais devem ser mantidas; » Igualdade de oportunidade: assegure-se de que todos tenham a chance de apresentar suas ideias. Os passos básicos do Brainstorming são: 1. A clara definição do problema é um dos pontos mais importantes e, frequentemente, um dos mais negligenciados. Descreva o problema ou assunto para o qual estão procurando ideias e verifique se todos compreenderam. Uma boa estratégia é escrever a definição em uma folha de flipchart e deixá-la à vista. 2. Geração de ideias: Nesta etapa, as ideias são criadas e anotadas. Siga os seguintes passos: (a) Estabeleça o tempo máximo de duração da sessão de geração de ideias. Alguém deve controlar o tempo; (b) Comunique o tópico a ser analisado na forma de uma pergunta. Assegure-se de que todos o entendam. 3. Dê alguns minutos para que todos pensem sobre a pergunta e solicite que apresentem suas ideias, de forma estruturada (o facilitador define uma rotação de maneira que cada pessoa contribua com uma ideia em cada turno), ou de forma não estruturada (as pessoas apresentam suas ideias à medida que vão surgindo). 83 TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO • CAPÍTULO 4 4. Copie as ideias numa folha de flipchart e disponha-as de forma que todos possam vê-las, evitando assim duplicidades, mal entendidos e ajudando a estimular o pensamento criativo no grupo. Importante: Anote as ideias exatamente como foram faladas. Não as interprete, tente obter uma lista mais longa possível. Faça o Brainstorming até que todos os participantes tenham esgotado suas ideias ou que o tempo tenha expirado. 5. Terminada a sessão de geração, esclareça o significado de todas as ideias apresentadas, garantindo que todos tenham o mesmo entendimento. Aponte cada ideia e pergunte se alguém tem perguntas sobre seu significado. Você pode pedir ao autor da ideia que a explique melhor. 6. Elimine as duplicidades. Se duas ou mais ideias parecem ser a mesma coisa, você deve agrupá-las ou eliminar as duplicatas. É necessário obter o consentimento de seus autores de que elas têm o mesmo significado. Se não concordarem, mantenha as ideias intactas e separadas. 7. Ao final, reúna as ideias afins e as classifique em temas e categorias; dentro de cada categoria, procure combinar as ideias similares e eliminar as duplicidades; selecione as melhores ideias para serem analisadas, melhoradas e aproveitadas; dê ao grupo um feedback sobre o resultado final do Brainstorming e mostre como suas contribuições foram valiosas. Algumas variações são possíveis: » Brainwriting: as ideias são anotadas em tiras de papel e passadas ao facilitador que as anota numa folha de flipchart, sem identificar os autores. Pode-se também usar post-its que são colocados na parede ou quadro. » Brainstorming individual: Algumas pessoas pensam melhor quando trabalham sozinhas. Neste caso, elas podem usar as regras do Brainstorming para apoiar a geração de ideias. FERRAMEnTA 3 – Mapa mental Os Mapas Mentais são métodos para planejamento e registro gráfico, cada vez mais usados em todas as áreas de conhecimento humano. Esta ferramenta em forma de diagrama é utilizada na gestão de informações, de conhecimento e de capital intelectual; para a compreensão e solução de problemas; na memorização e aprendizado; na criação de manuais, livros e palestras; como ferramenta de brainstorming (tempestade de ideias); e no auxílio da gestão estratégica de uma empresa ou negócio. O método utiliza uma única figura central, a partir da qual são irradiadas as informações relacionadas, funcionando como uma representação gráfica das ideias que se organizam em torno de um determinado foco. 84 CAPÍTULO 4 • TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO Quando um mapa mental é elaborado, cada parte do mapa é associada com o restante, criando conexões entre cada conceito. FERRAMEnTA 4 – Matriz GUT Esta técnica, desenvolvida por Kepner e Trigoe (1981), é uma ferramenta utilizada na priorização das estratégias, tomadas de decisão e solução de problemas deorganizações. GUT é a sigla de Gravidade, Urgência e Tendência, onde: Gravidade: impacto do problema sobre coisas, pessoas, resultados, processos ou organizações e efeitos que surgirão a longo prazo, caso o problema não seja resolvido; Urgência: relação com o tempo disponível ou necessário para resolver o problema; Tendência: potencial de crescimento do problema, avaliação da tendência de crescimento, redução ou desaparecimento do problema. O método utilizado prevê: 1. Listar forças. 2. Dar uma nota, de 1 a 5 para a gravidade de cada força. 3. Dar uma nota, de 1 a 5 para a urgência de cada força. 4. Dar uma nota, de 1 a 5 para a tendência de cada força. 5. Multiplicar os resultados (gravidade x urgência x tendência) de cada força. 6. Fazer a média dos resultados das forças. 7. Repetir os passos acima com as fraquezas, oportunidades e ameaças. Quadro 11. Ferramenta GUT. GRAVIDADE 5 = extremamente grave; 4 = muito grave; 3 = grave; 2 = pouco grave; 1 = sem gravidade. URGÊNCIA 5 = precisa de ação imediata; 4 = é urgente; 3 = o mais rápido possível; 2 = pouco urgente; 1 = pode esperar. 85 TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO • CAPÍTULO 4 TENDÊNCIA (para melhor mensurar esse aspecto, sugere- se pensar “se nada for feito...”) 5 = irá piorar rapidamente; 4 = irá piorar em pouco tempo; 3 = irá piorar; 2 = irá piorar a longo prazo; 1 = não irá mudar. Fonte: autor. Ao final, será possível a priorização das ações nos aspectos da organização/projeto mais impactantes. Quadro 12. Modelo de aplicação de ferramenta GUT. PROBLEMAS GERAIS DE UM HOSPITAL PROBLEMA GRAVIDADE URGÊNCIA TENDÊNCIA PRIORIDADE Falta de pediatras 5 5 5 125 Refeições frias 3 2 4 24 Fila para raio X 4 5 3 60 Atrasos nas consultas ambulatoriais 3 3 4 36 Fonte: autor. FERRAMEnTA 5– votação simples A ferramenta designada votação simples é utilizada para reduzir a quantidade de itens em discussão ou facilitar a eleição de um item. Auxilia em escolhas que reflitam o conhecimento, a experiência e as preferências de uma equipe quanto à abordagem de um assunto. A técnica prevê que o assunto em pauta seja colocado em discussão e votação (pública ou secreta) - do conjunto inicialmente apresentado de itens, os atores interessados devem eleger apenas alguns elementos, considerados críticos ou de maior relevância/impacto, reduzindo-os a um conjunto menor ou a um único item. Pela votação simples, deve-se solicitar aos interessados (fornecedores e executores) para escolherem um dos problemas a ser inicialmente trabalhados. FERRAMEnTA 6 – votação múltipla A votação múltipla é uma técnica utilizada para reduzir a quantidade de itens em discussão sem definir um único que será trabalhado, ou seja, sem eleger um deles. Auxilia na escolha dos melhores itens, considerando impacto, governabilidade, preferências do grupo, interesses. Atenção Construa novos exemplos com as ferramentas que você está aprendendo para assimilar e fixar os seus conceitos. Simule situações do dia a dia numa unidade hospitalar 86 CAPÍTULO 4 • TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO Para uso da técnica, sugerem-se as seguintes etapas: 1. Atribua uma identificação a cada item do conjunto. 2. Explique aos participantes o significado exato de cada item. 3. Cada votante escolhe um subconjunto. 4. Eliminam-se os itens menos votados. 5. Repete-se a operação (votação) sobre os itens restantes, e assim por diante, até obter um conjunto do tamanho desejado. 6. Faça uma revisão crítica: o resultado obtido. FERRAMENTA 7 – Cronograma ou gráfico de GANTT O Cronograma consiste na elaboração de um gráfico, em que as atividades são listadas nas colunas e as linhas mostram o intervalo de tempo. Utilizam-se traços horizontais para indicar a duração de cada atividade. O Gráfico de Gantt, igualmente simples, também relaciona a atividade ao tempo de uma maneira muito semelhante a forma que vimos na descrição do cronograma. A técnica para sua elaboração consiste em segmentar cada atividade em seus componentes críticos e listá-los e apresentá-los graficamente em função do tempo. Pode-se acompanhar a execução do processo na prática e compará-lo com a previsão anterior. Para montar o Gráfico de Gantt, é preciso definir o intervalo de tempo para acompanhamento, a menor unidade de tempo a ser utilizada, desenhar uma matriz com o número de linhas suficiente para relacionar os eventos e as colunas para contemplar o intervalo de tempo necessário ao seu acompanhamento, relacionar na coluna o evento a ser acompanhado, marcar, pelo desenho de uma barra horizontal, o intervalo de tempo previsto para execução de cada uma das atividades, abrir uma linha que deve servir para registro do que efetivamente foi realizado (comparando com o previsto). FERRAMEnTA 8 – ábaco heurístico O Ábaco Heurístico é um método de estímulo para geração de ideias. Consiste na formação de frases aleatoriamente com base em um conjunto de palavras. Assim, formam-se frases com ou sem sentido, mas qualquer uma delas pode levar a uma discussão proveitosa. É utilizado principalmente nas situções em qu procuram soluções para um problema complicado ou novo, quando faltam propostas de solução ou quando se precisa de algo realmente inovador. Abaixo, um breve roteiro para utilização: 1. Reúna as pessoas que participarão do trabalho e explique o assunto até que todos tenham compreendido bem o objetivo pretendido. 87 TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO • CAPÍTULO 4 2. Explique o funcionamento desse método, enfatizando a necessidade de desfazer bloqueios mentais e liberar o pensamento criativo. 3. Apresente uma proposta inicial da tabela de palavras para que os participantes sugiram alterações, inclusões ou retirada de palavras. 4. Tendo chegado a um acordo sobre a tabela de palavras, os participantes formam frases combinando aleatoriamente palavras e discutem possíveis ideias despertadas por essa frase, mesmo que em si ela não faça nenhum sentido lógico. 5. Termina-se a sessão quando há um acordo comum de que foram geradas ideias suficientes. Frases: » Por que aceitar antecipado diagnóstico? » Como ajustar belo ou feio horário? » Quem destruir muito ou pouco rejeição? » Quem comprar satisfatório enfermeiro? Quadro 13. Exemplo de Ábaco Heurístico. PERGUNTAS BÁSICAS AÇÃO QUALIFICAÇÃO SUJEITO POR QUÊ? Mudar Muito ou pouco Enfermeiro OnDE? Comprar Satisfatório Atendimento QUAnDO? Destruir Incoveninete Rejeição QUEM? Ajustar Belo e feio Diagnóstico O QUE? Criar Antecipado Horário COMO? Aceitar --- --- Fonte: SANTOS, Paulo R. G. Desenvolvimento de Processos Organizacionais, In: GESTHOS Gestão Hospitalar, Brasília: Ministério da Saúde, 2002. p. 64 FERRAMENTA 9 – Diagrama de afinidade O Diagrama de Afinidade é um instrumento utilizado para organizar informações verbais, em geral obtidas em uma sessão de Brainstorming, de forma que permita uma ampla visualização de suas relações. O diagrama é montado por representação gráfica de grupos de dados afins que possuem relação natural entre si. Pelo Diagrama de Afinidade podem-se agrupar ideias aleatórias sobre determinado tema em categorias, gerais (família). Desta forma, ele é muito utilizado para reunir grupos de dados dispersos ou organizar grupos confusos de dados para temas muito grandes e complexos. Funciona de maneira inversa ao Diagrama de Causa e Efeito, que parte da categoria para vários componentes. 88 CAPÍTULO 4 • TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO É utilizado principalmente para: a. direcionar a solução de um problema. b. organizar as informações necessárias à solução de um problema. c. organizar as causas de um problema; fornecer suporte para solução de um problema; d. prever situações futuras. e. Organizar as ideias resultantes de um processo de avaliação, como na auditoria da qualidade. A construção do Diagrama de Afinidade pode seguir o seguinte roteiro: 1. Constitua um grupo que entenda do assunto e explique o objetivo pretendido. 2.Anote as ideias em papel adesivo ou em pequenos cartões. 3. Exponha as ideias em um quadro ou cole em uma parede. 4. Cada membro, na sua vez, vai colocando em colunas os itens que lhe parecem ter afinidade. 5. Outro participante pode discordar e movê-lo para outro lugar. 6. Se uma ideias pertencer a mais de uma categoria, duplique o cartão ou papel adesivo. 7. Continue classificando as ideias até conseguir consenso. 8. Titule cada categoria formada. 9. Desenhe o diagrama de afinidade. 10. Revise o diagrama se necessário. Quadro 14. Modelo de Diagrama de Afinidade. DIAGRAMA DE AFINIDADE: Causas para laboratório não atender de forma adequada a demanda do Hospital X (relação de causas obtidas através de brainstorming) MÃO DE OBRA MATERIAL MÉTODO EQUIPAMENTOS ADMINISTRAÇÃO AMBIENTE Absenteísmo: transportes, greve, desmotivação Kits inadequados Paciente não preparado Equipamentos obsoletos Extravio de material Climatização Capacitação: Qualificação técnica, Gerencial, Relacionamento Interpessoal Mau uso dos kits Amostra insuficiente Equipamentos defeituosos Extravio de amostras Falta de controle de riscos ambientais Perda da validade Método de coleta inadequado Equipamentos insuficientes Perda de laudos Instalações inadequadas 89 TÉCNICAS DE GESTÃO DA PRODUÇÃO • CAPÍTULO 4 Falta de kit Falta de informatização Retrabalho Falta preocupação com ergonomia Má conservação do kit: armazenamento Fonte: SANTOS, P. R. G. Desenvolvimento de Processos Organizacionais, In: BRASIL, Ministério da Saúde, GESTHOS Gestão Hospitalar: Capacitação A Distância em Administração Hospitalar para Pequenos e Médios Estabelecimentos de Saúde: Módulos IV: Gestão para Qualidade em Saúde/Ministério da Saúde – Brasília: Ministério da Saúde, 2002, p. 45. (adaptações feitas pelo autor) Sintetizando » As organizações devem proporcionar um ambiente para a criação de sistemas de desenvolvimento e avaliação contínua de qualidade e processos, e estimular a capacidade de trazer à luz e discutir os vários modelos mentais, desenvolver a inteligência coletiva e criar condições para que ela funcione; » As ferramentas de gestão são muito mais efetivas quando fazem parte de um projeto maior da organização; » A tomada de decisão poderá ser mais eficaz com o uso de ferramentas e técnicas de gestão de processos; contudo, é fundamental que estas estratégias sejam consideradas apenas como suporte para atingir os objetivos estratégicos; » Nenhuma ferramenta serve para solucionar todos os problemas; » Para a utilização das ferramentas de gestão: › Entenda os fatos; › Promova estratégias duradouras, não modismos passageiros; › Escolha as melhores ferramentas para o serviço; › Adapte as ferramentas ao seu sistema de negócios (e não o contrário). 90 Apresentação Assim como vimos diversas ferramentas que servem para definir, mensurar, analisar e propor soluções para os problemas que interferem no bom desempenho dos processos de trabalho, também existem ferramentas para o controle da qualidade e sua avaliação. Sem estas ferramentas, o controle torna-se difícil de ser mensurado e, até mesmo, de se tornar uma rotina na busca contínua da melhoria da qualidade nas instituições. Neste capítulo, iremos conhecer e analisar tais ferramentas, no intuito de compreendê-las e sabermos empregá-las corretamente. Objetivos Esperamos que, após o estudo do conteúdo deste capítulo, você seja capaz de: » Dominar as técnicas e ferramentas apresentadas. » Entender o uso de cada uma das ferramentas e definir em quais situações e contextos elas poderão ser utilizadas. » Utilizar as ferramentas para apoio na implantação dos processos de qualidade numa instituição. 5CAPÍTULOQUALIDADE EM SAÚDE 91 QUALIDADE EM SAÚDE • CAPÍTULO 5 Introdução Quando se trata de investir em qualidade no segmento de saúde, investe-se, na verdade, na vida. Cada melhoria é uma contribuição para alguma pessoa em algum momento. A qualidade nos serviços de saúde envolve uma correta adequação de todos os serviços prestados às necessidades que o paciente apresenta, superando as suas expectativas. Envolve, basicamente, a satisfação das necessidades do paciente, sendo algo intangível de difícil percepção por outrem. E como o paciente adquire um serviço intangível, a qualidade assume novas dimensões e perspectivas associadas a como o tratamento é conduzido durante uma hospitalização, envolvendo desde o momento do primeiro contato com o paciente até a sua saída do hospital. Devido à natureza e complexidade desse processo, torna-se difícil mensurar o grau de satisfação que está ligado à qualidade dos serviços prestados a uma pessoa. A qualidade não deveria ser um simples adjetivo e sim estar intrinsecamente embutida em todos os produtos e serviços disponibilizados ao uso e consumo. A consciência das reais necessidades dos pacientes direciona o foco de atuação dos hospitais para o objetivo da sua existência que é a recuperação do ser humano. Esse processo de qualidade precisa ser centralizado no paciente, passando pela estrutura que a produzirá e que envolve médicos, funcionários e fornecedores. A produção de serviços com alto padrão de qualidade é uma tarefa árdua, especialmente onde as relações humanas são intensivas como ocorre nos hospitais. Atividades isoladas voltadas para a qualidade nem sempre salvam uma organização em dificuldades. Pode, muito raramente, contagiarem outros a agirem de encontro às necessidades do paciente. A utilização de ferramentas de qualidade tem sido de grande ajuda nos mais diversos setores ao reduzir o índice de falhas e erros, resultando na entrega de serviços condizentes com os padrões estipulados. Vamos estudar algumas dessas ferramentas a partir daqui (GODOI, 2008). Sistemas de melhoria contínua de qualidade SISTEMA 1 – Acreditação hospitalar A Acreditação Hospitalar é uma certificação semelhante ao ISO, mas exclusiva para instituições de saúde. Trata-se de um método de avaliação voluntário, periódico e reservado dos recursos institucionais de cada hospital para garantir a qualidade da assistência por meio de padrões previamente definidos. Saiba mais A Organização Internacional para Padronização ou Organização Internacional de Normalização – em inglês International Organization for Standardization, Popularmente conhecida como ISO - é uma entidade que congrega os grêmios de padronização/normalização de 170 países e tem sua sede na Suíça. http://www.iso.org/ http://www.iso.org/ 92 CAPÍTULO 5 • QUALIDADE EM SAÚDE Por meio da Acreditação Hospitalar, a instituição de saúde tem a possibilidade de realizar um diagnóstico acerca do desempenho de seus processos, incluindo as atividades de cuidado direto ao paciente e aquelas de natureza administrativa. Quem estabeleceu um programa para a padronização de procedimentos e serviços hospitalares foi o Dr. Arthur Allen, presidente do Colégio Americano de Cirurgiões, que iniciou a criação da Joint Commission on Accreditation of Hospitals. Esse programa de padronização hospitalar também foi transferido em 1952 para a Joint Commission International (JCI). Em 1953, essa comissão criou e iniciou os padrões necessários para que uma instituição pudesse ser acreditada. Com o passar das décadas, diversas modificações foram sendo inseridas no programa para aprimorar, cada vez mais, os programas de Acreditação (GODOI, 2008). O Brasil possui uma instituição acreditadora que representa e utiliza a metodologia da JCI, que é o CBA – Consórcio Brasileiro de Acreditação. Segundo o Manual Brasileiro de Acreditação Hospitalar (1999) é um procedimento de avaliação de recursos institucionais, de caráter voluntário, periódico e reservado, que tende a garantir a qualidade da assistência por meio de padrões previamente aceitos. São estabelecidos padrões, em grau de complexidade crescente, os quais orientam a avaliação dos diversos serviços do hospital. Constitui, essencialmente, um programade educação continuada e, jamais, uma forma de fiscalização. A partir deste diagnóstico e com o desenvolvimento do processo de educação, é possível discutir os achados da avaliação e desenvolver um plano de ação capaz de promover a melhoria do desempenho da instituição, abrangendo todos os seus serviços e segmentos existentes. A Acreditação possui alguns requisitos a serem avaliados, que podem variar para cada uma das organizações certificadoras credenciadas. Em geral, dizem respeito a acesso ao cuidado e continuidade do cuidado, direitos dos pacientes e familiares, avaliação e cuidado dos pacientes, gerenciamento e uso de medicamentos e educação de pacientes e familiares, melhoria da qualidade e segurança do paciente; prevenção e controle de infecções; governo, liderança e direção; gerenciamento e segurança das instalações; educação e qualificação dos profissionais; gerenciamento da comunicação e da informação, serviços de apoio administrativos, serviço de apoio diagnóstico, pesquisa, ensino. Sugestão de estudo Os estados pioneiros na acreditação hospitalar no Brasil foram São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro, que com metodologias próprias procuravam estabelecer precedentes na qualidade do atendimento médico-hospitalar. Procure ler mais sobre este assunto. 93 QUALIDADE EM SAÚDE • CAPÍTULO 5 SISTEMA 2 – Prêmio Nacional da QualidADE (PNQ) A Fundação Nacional de Qualidade (FNQ) é um centro brasileiro que promove o estudo e o debate sobre excelência em gestão, desenvolvendo atividades voltadas à educação, à mobilização, à inovação e à premiação, vinculadas à gestão estratégica e operacional das organizações. Criada em 1991, a FNQ é uma instituição sem fins lucrativos, fundada por 39 organizações, privadas e públicas, cujo objetivo é disseminar amplamente os Fundamentos da Excelência em Gestão para organizações de todos os setores e portes, contribuindo para o aperfeiçoamento da gestão, o aumento da competitividade das organizações e, consequentemente, para a melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro. A FNQ dissemina o que denomina os Fundamentos da Excelência que são conceitos reconhecidos internacionalmente e que se traduzem em práticas encontradas em organizações líderes de Classe Mundial. São valores organizacionais facilmente percebidos como parte de uma cultura organizacional, sendo praticados por seus líderes e profissionais de todos os níveis. Foram considerados como fundamentos para formar uma cultura de gestão voltada para resultados e competitivas para o mercado os seguintes aspectos: 1. Pensamento sistêmico. 2. Aprendizado organizacional. 3. Cultura de inovação. 4. Liderança e constância de propósitos. 5. Orientação por processos e informações. 6. Visão de futuro. 7. Geração de valor. 8. Valorização das pessoas. 9. Conhecimento sobre o cliente e o mercado. 10. Desenvolvimento de parcerias. 11. Responsabilidade social. Anualmente, a Fundação realiza o ciclo de avaliação do Prêmio Nacional da Qualidade (PNQ), identificando e reconhecendo as organizações brasileiras que praticam a excelência em gestão. O PNQ é utilizado para promover a melhoria da qualidade da gestão e o aumento da competitividade das organizações. O processo de premiação do PNQ visa segundo a FNQ: » Estimular o desenvolvimento cultural, político, científico, tecnológico, econômico e social do Brasil. 94 CAPÍTULO 5 • QUALIDADE EM SAÚDE » Fornecer, para as organizações, um referencial (modelo) para um contínuo aperfeiçoamento. » Conceder reconhecimento público e notório à excelência da qualidade da gestão para organizações Classe Mundial. » Divulgar as práticas de gestão bem-sucedidas, com vistas ao benchmarking. Em função da sua flexibilidade, da simplicidade da linguagem utilizada e, principalmente, por não prescrever ferramentas e práticas de gestão específicas, o Modelo de Excelência preconizado pela FNQ é útil para avaliação, diagnóstico e orientação de qualquer tipo de organização, no setor público ou privado, com ou sem finalidade de lucro e de porte pequeno, médio ou grande. Ou seja, o Modelo de Excelência da Gestão permite que todas as organizações tenham uma visão sistêmica da gestão organizacional baseado nos Critérios de Excelência. O Modelo de Excelência da Gestão é constituído por oito critérios (Liderança, Estratégias e Planos, Clientes, Sociedade, Informações e Conhecimento, Pessoas, Processos e Resultados) e que se subdividem em 23 itens de requisitos (sendo 17 de processos gerenciais e 6 de resultados alcançados). Os oito Critérios de Excelência referem-se aos itens descritos no quadro 15 organizado pelo autor para melhor entendimento. Quadro 15. Critérios de excelência. CRITÉRIOS DE EXCELÊNCIA CONCEITO ITENS DE REQUISITOS Liderança Aborda os processos gerenciais relativos à orientação filosófica da organização e controle externo sobre sua direção; ao engajamento, pelas lideranças, das pessoas e partes interessadas na sua causa; e ao controle de resultados pela direção. » Governança corporativa. » Exercício da liderança e promoção da cultura da excelência. » Análise do desempenho da organização. Estratégias e Planos Aborda os processos gerenciais relativos à concepção e à execução das estratégias, inclusive aqueles referentes ao estabelecimento de metas e à definição e ao acompanhamento de planos necessários para o êxito das estratégias. » Formulação das estratégias. » Implementação das estratégias. Clientes Aborda os processos gerenciais relativos ao tratamento de informações de clientes e mercado e à comunicação com o mercado e clientes atuais e potenciais. » Imagem e conheci- » mento de mercado » Relacionamento com clientes. Sociedade aborda os processos gerenciais relativos ao respeito e tratamento das demandas da sociedade e do meio ambiente e ao desenvolvimento social das comunidades mais influenciadas pela organização. » Responsabilidade socioambiental » Desenvolvimento social Informações e Conhecimento Aborda os processos gerenciais relativos ao tratamento organizado da demanda por informações na organização e ao desenvolvimento controlado dos ativos intangíveis geradores de diferenciais competitivos, especialmente os de conhecimento. » Informações da organização. » Ativos intangíveis e conhecimento organizacional. 95 QUALIDADE EM SAÚDE • CAPÍTULO 5 Pessoas Aborda os processos gerenciais relativos à configuração de equipes de alto desempenho, ao desenvolvimento de competências das pessoas e à manutenção do seu bem-estar. » Sistemas de trabalho. » Capacitação e desenvolvimento. » Qualidade de vida. Processos Aborda os processos gerenciais relativos aos processos principais do negócio e aos de apoio, tratando separadamente os relativos a fornecedores e os econômico-financeiros » Processos principais do negócio e processos de apoio. » Processos relativos aos fornecedores. » Processos econômico-financeiros. Resultados Aborda os resultados da organização na forma de séries históricas e acompanhados de referenciais comparativos pertinentes, para avaliar o nível alcançado, e de níveis de desempenho associados aos principais requisitos de partes interessadas, para verificar o atendimento. » Resultados econômico-financeiros. » Resultados relativos aos clientes e ao mercado. » Resultados relativos à sociedade. » Resultados relativos às pessoas. » Resultados relativos a processos. » Resultados relativos a fornecedores. Fonte: autor. O processo de premiação A candidatura ao PNQ representa que a organização está disposta a se submeter a uma análise de sua gestão, efetuada por examinadores voluntários capacitados pela FNQ, guiados por um código de ética, obtendo-se ao final do processo um Relatório de Avaliação. Isso proporciona uma auto avaliação da gestão em todas as áreas, buscando integrar e alinhar numerosas atividades, fornecendo meios de medir a evolução da gestão organizacional.A organização recebe uma avaliação externa e independente, executada por profissionais que atuam de forma voluntária, viabilizando ações objetivas de melhoria da gestão. O diagnóstico global identifica e reforça os pontos fortes, abrindo novos caminhos para avaliar fornecedores, clientes, parceiros e até mesmo os concorrentes, proporcionando uma distinção entre o desempenho típico e o de uma organização Classe Mundial. A avaliação das empresas candidatas dura cerca de quatro meses e, ao final do processo de avaliação, todas as candidatas recebem um Relatório de Avaliação indicando a pontuação total obtida, a pontuação obtida em cada item com referenciais comparativos das demais organizações participantes, pontos fortes e oportunidades para melhoria, que poderá ser usado como material para desdobramento do planejamento estratégico. A PNQ adota três formas de reconhecimento: Organização Premiada, Organização Finalista, Organização Destaque por Critério. O diagrama representativo a seguir caracteriza o Modelo de Excelência em Gestão (MEG) que simboliza a organização, considerada como um sistema orgânico e adaptável ao ambiente externo. O MEG utiliza o conceito de aprendizado segundo o ciclo de PDCA (Plan, Do, Check, Action). 96 CAPÍTULO 5 • QUALIDADE EM SAÚDE Figura 12. Modelo de Excelência da Gestão - Uma visão sistêmica da gestão organizacional. Fonte: <http://www.fnq.org.br> Clientes O sucesso de uma organização está diretamente relacionado à sua capacidade de atender às necessidades e expectativas de seus clientes. Elas devem ser identificadas, entendidas e utilizadas para que se crie o valor necessário para conquistar e reter esses clientes. Para que haja continuidade em suas operações, a empresa também deve identificar, entender e satisfazer as necessidades e expectativas da sociedade e das comunidades com as quais interage — sempre de forma ética, cumprindo as leis e preservando o ambiente. O exemplo da figura 13, extraído do site da FNQ (www.fnq.org.br), demonstra um gráfico comparativo da pontuação de uma organização em relação às empresas do banco de dados do FNQ. Saiba mais Você sabia que o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) do Rio Grande do Sul foi um dos destaques do Ciclo de Premiação do PNQ em 2015? Leia mais sobre o processo de premiação e seus destaques. http://www.fnq.org.br/site/402/default.aspx http://www.fnq.org.br/site/402/default.aspx 97 QUALIDADE EM SAÚDE • CAPÍTULO 5 Figura 13. Gráfico comparativo da pontuação de uma organização em relação às empresas do banco de dados do FnQ. Fonte: <http://www.fnq.org.br>. A matriz taxonomia , extraída do site da FNQ, demonstra de forma dinâmica o Modelo de Excelência em Gestão preconizado pela Fundação, relacionando os fundamentos com os critérios de excelência. SISTEMA 3 – Balanced Scorecard (BSC) O Balanced Scorecard (cuja tradução é Indicadores Balanceados de Desempenho) é uma ferramenta desenvolvida pelos professores de Harvard Business School, Robert Kaplan e David Norton, em 1992. O BSC surge como uma alternativa às limitações dos sistemas tradicionais de avaliação de desempenho. Segundo Kaplan e Norton, Balanced Scorecard é uma técnica que visa a integração e balanceamento de todos os principais indicadores de desempenho existentes em uma empresa, desde os financeiros/administrativos até os relativos aos processos internos, estabelecendo objetivos da qualidade (indicadores) para funções e níveis relevantes dentro da organização, ou seja, desdobramento dos indicadores corporativos em setores, com metas claramente definidas. 98 CAPÍTULO 5 • QUALIDADE EM SAÚDE Figura 14. Matriz taxonomia. Fonte: <http://www.fnq.org.br/images/taxonomia/taxonomia_2007.htm>. O principal objetivo do BSC é promover o alinhamento do planejamento estratégico com as ações operacionais da empresa e viabilizar processos gerenciais críticos (esclarecer e traduzir a visão e a estratégia, comunicar e associar objetivos e medidas estratégicas, planejar, estabelecer metas e alinhar iniciativas estratégicas, mehorar o feedback e o aprendizado estratégico). As medidas representam o equilíbrio entre os diversos indicadores externos (voltados para acionistas e clientes), e as medidas internas dos processos críticos de negócios (como a inovação, o aprendizado e o crescimento). O BSC sinaliza em quais segmentos de mercado se deve competir e que clientes conquistar. Oferece uma visão do futuro e um caminho para chegar até ele (vimos anteriormente na abordagem sobre planejamento). O BSC deve ser utilizado pelos executivos que precisam tomar uma série de decisões a respeito de suas operações, de seus processos de produção, de seus objetivos, produtos e clientes, ou seja, visando atingir o Planejamento Estratégico da organização. O BSC é um método que auxilia o gestor a desenvolver bem uma estratégia do princípio ao fim e depois fazer com que cada um na organização esteja envolvido a implementá-la (Kaplan e Norton, 2001). 99 QUALIDADE EM SAÚDE • CAPÍTULO 5 Os indicadores devem traduzir a estratégia da empresa e devem ser utilizados para auxiliar qualquer um na organização a tentar atingir as prioridades estratégicas. Somente assim as empresas serão capazes de não apenas criar estratégia, mas também de implementá-las (Kaplan e Norton, 2001). O Balanced Scorecard é baseado em quatro perspectivas (financeira, clientes, processos internos e aprendizado/crescimento), formando um conjunto coeso e interdependente, com seus objetivos e indicadores se inter-relacionando e formando um fluxo ou diagrama de causa e efeito que se inicia na perspectiva do aprendizado e crescimento e termina na perspectiva financeira. Figura 15. Balanced Scorecard. Fonte: autor. SISTEMA 4 – Benchmarking O Benchmarking é um processo contínuo de comparação, por meio de uma pesquisa das caracterísitcas dos produtos, métodos, processos, recursos e técnicas que levam outras organizações a um desempenho reconhecidamente elevado. A técnica surgiu como uma necessidade de informações e desejo de aprender depressa, como corrigir um problema empresarial. http://www.coladaweb.com/ 100 CAPÍTULO 5 • QUALIDADE EM SAÚDE A técnica de benchmarking visa, portanto, o desenvolvimento de estudos que comparem o desempenho com a concorrência e com referenciais de excelência, objetivando o atingimento de uma posição de liderança em Qualidade. A principal finalidade é auxiliar as empresas no estabelecimento de metas de qualidade e planejamento de programas de desenvolvimento organizacional. Na área de produção é especialmente útil, visto que permite que a organização enxergue seu desempenho de forma comparativa com organizações e produções com características similares. De acordo com CAMP (1993), o processo de benchmarking consiste em cinco fases básicas. Inicia-se com uma fase de planejamento e prossegue através de análise, integração, ação e finalmente maturidade. Planejamento 1. Identificar o que marcar para referência. 2. Identificar empresas que servem como referências. 3. Determinar o método de coleta de dados e efetuar a coleta. Análise 1. Determinar a atual “falha” de desempenho. 2. Projetar futuros níveis de desempenho. Integração 1. Comunicar as descobertas do benchmarking e obter aceitação. 2. Estabelecer metas funcionais. 3. Desenvolver planos de ação. Ação 1. Implementar ações específicas e monitorar progressos. 2. Recalibrar os marcos de referência (benchmarking). Maturidade 1. Posição de liderança atingida. 2. Práticas plenamente integradas aos processos. Essas fases compõem um processo dinâmico que devem continuamente ser analisados e corrigidos se necessário. 101 QUALIDADE EM SAÚDE • CAPÍTULO 5 Métodos de administração da produção aplicados à área de saúde Santos e Maçada (1996), em um artigo apresentado no 16o Encontro Nacional de Engenharia de Produção, cujo título é “Métodos de Gestão da Produção aplicados a Área de Serviços Hospitalares”,defendem que alguns sistemas de controle aplicados às empresas manufatureiras podem ser aplicados na gestão da produção em hospitais promovendo flexibilidade, qualidade, melhor aproveitamento de recursos e redução de custos. Citando ROTH e DIERDONICK (1991), os autores identificam os seguintes métodos de gestão industrial que podem ser adaptados e aplicados com sucesso na gestão em saúde, em especial na gestão hospitalar: Planejamento dos Requisitos de Materiais (MRP), Planejamento dos Requisitos de Manufatura (MRP II), Tecnologia de Otimização da Produção (OPT) e Just in time (JIT). Dos métodos citados, o MRP, o MRP II e OPT necessitam de um sistema informatizado para funcionarem e o JIT já possui a sua versão informatizada. As técnicas são também consideradas como grandes geradoras e gerenciadoras de informação, o que proporcionará aos setores da área hospitalar a construção de uma rede de informação mais confiável. Os autores, em referência ao trabalho de DUARTE (1991), apresentam o quadro 16 no qual se estabeleceu uma analogia entre os serviços hospitalares e um sistema de produção industrial. De acordo com Duarte (1991), “a ampliação dos serviços hospitalares gerou uma nova e mais complexa estrutura, criando uma demanda maior de pessoas qualificadas e da aplicação de métodos de gestão mais aprimorados que atendam a novos padrões de exigência de atendimento.” Quadro 16. Analogia entre os serviços hospitalares e um sistema de produção industrial. INSUMOS PROCESSAMENTO PRODUTO FINAL Pessoas doentes Tratamento médico (cirurgias, procedimentos, medicamentos) Cura ou melhora do quadro clínico Fonte: Duarte (1991) In: Santos e Maçada (1996). Atenção Os métodos descritos por Santos e Maçada em 1996 (MRP, OPT e JIT) são reconhecidos hoje como plenamente eficientes na área da saúde, sendo fundamentais para as unidades hospitalares. MÉTODO 1: Planejamento dos requisitos de materiais (MRP) Os sistemas MRP são utilizados por muitas empresas industriais com sucesso, obtendo resultados almejados nos hospitais: melhor utilização de recursos e maior controle de materiais. Os sistemas MRP baseiam-se em uma lista de materiais, recursos e procedimentos necessários para a formação do produto final, a partir da qual, utilizando sistemas computacionais, geram 102 CAPÍTULO 5 • QUALIDADE EM SAÚDE a programação e planejamento das atividades para entrega do produto final em menor tempo e com menor custo (CORRÊA e GIANESI, 1992). Desta forma, as atividades hospitalares podem ser padronizadas a fim de proporcionar listas de atividades, recursos e materiais necessários para o fornecimento de serviços e sua realização, para que possam ser aplicadas ao MRP. As atividades são os procedimentos no tratamento de pacientes e todas as implicações decorrentes deste. O sistema, contudo, precisa ser adaptado para suportar as variações na atenção à saúde. Nos Estados Unidos, foi desenvolvido um sistema que busca uma definição do produto em saúde e padronização necessária ao MRP. Este sistema, denominado Diagnostic Related Groups (DRGs), é uma base de dados onde, para cada tipo de tratamento de saúde, existe uma lista com os recursos que serão necessários, e suas respectivas quantidades, como medicamentos, leitos, exames, utilização de equipamentos, tempo de internação, utilização de recursos humanos e outros. MÉTODO 2: Optmized Production Technology (OPT) O OPT (Optmized Production Technology), criado por Eli Goldrat em 1979, é um sistema computadorizado, baseado na programação linear que tem como objetivo otimizar sistemas produtivos programando-os a partir de seus recursos críticos ou gargalos do processo. O principal objetivo do OPT nas indústrias é aprimorar a utilização dos recursos disponíveis mesmo que sejam críticos, consequentemente, esta mudança de atitude propiciará um aumento nos resultados das empresas. Segundo a lógica do OPT, recursos não gargalos devem ser programados e dimensionados em relação às operações críticas e estas sim devem ser otimizadas. Na área da saúde, a programação dos seus recursos deve ser feita em relação às limitações críticas como, por exemplo, leitos hospitalares ou pronto atendimento. Alguns autores defendem o uso do OPT em conjunto com o MRP, em hospitais, a fim de combinar a necessidade de materiais com as necessidades e restrições de capacidade. MÉTODO 3: Just in Time (JIT) O Just in Time (JIT) é um sistema baseado no sincronismo da produção para eliminação de desperdícios e melhoramento contínuo do processo e qualidade. O JIT é um modelo de como pensar um sistema de produção enxuta e baseia-se em produzir apenas as quantidades necessárias no tempo necessário. Os sistemas JIT são famosos por terem como vantagens a redução de custos, a simplificação da produção, a flexibilidade, a velocidade e a qualidade. Apesar de ser um método pouco apropriado para situações de muitos produtos e mudanças no mix dos produtos (diferentemente da dinâmica de hospitais), no ambiente hospitalar, os sistemas 103 QUALIDADE EM SAÚDE • CAPÍTULO 5 JIT podem ser aplicados no controle de materiais e suprimentos, como, por exemplo, remédios, alimentos e materiais de enfermagem, pois os processos são mais simplificados e repetitivos. Sintetizando » As organizações devem proporcionar um ambiente para a criação de sistemas de desenvolvimento e avaliação contínua de qualidade; » As ferramentas existentes para este fim tornam muito mais efetiva a implantação dos processos de melhoria contínua da organização; » Devemos lembrar que nenhuma ferramenta serve para solucionar todos os problemas; » É necessária uma revisão constante das ferramentas aplicadas nas instituições. 104 Apresentação Atualmente, existe um consenso na área de economia em saúde que este mercado apresenta diversas características de mercado imperfeito no qual a competição não resulta na melhora de qualidade. Michael Porter, especialista no estudo das estruturas de mercados específicos, conhecido pela Teoria das Cinco Forças, tem contribuído nos últimos 10 anos para a compreensão de diversos aspectos da complexidade dos incentivos que levam ao elevado grau de imperfeição no mercado do setor saúde. Ao mesmo tempo, tem construído uma teoria coerente de como realinhar os objetivos e incentivos para que os atores principais possam convergir para um único objetivo capaz de gerar uma competição saudável: aumentar o valor para os pacientes. Esta teoria tem implicações diretas para o gerenciamento e a produção do cuidado em saúde, para o conceito de qualidade e para uma readequação da função estratégica das operações logísticas que compõem a cadeia de valor da produção em saúde. Objetivos Esperamos que, após o estudo do conteúdo deste capítulo, você seja capaz de: » Entender os conceitos de imperfeição no mercado de saúde a partir da abordagem de Michael Porter. » Compreender os conceitos de competição disfuncional e competição geradora de valor. » Apresentar modelos de incentivos econômicos baseados em resultados para os pacientes capazes de aumentar a eficiência do mercado de saúde. » Discutir as implicações para os conceitos de qualidade e administração da produção em saúde do modelo de Porter e Teisberg. 6CAPÍTULOCOMPETIçãO EM SAÚDE 105 COMPETIçãO EM SAÚDE • CAPÍTULO 6 Introdução Um dos pressupostos mais comuns em economia é de que a melhora da qualidade dos produtos é fruto de um mercado eficiente em que a competição quase perfeita pode ser exercida. Neste tipo de mercado, o cliente é o principal protagonista e sua percepção da qualidade do produto, aliado a uma quantidade suficiente de provedores interessados em ofertar os bens e serviços demandados, levaria em última instância a uma melhora progressiva da qualidade dos produtos e queda dos preços unitários destes elementos ofertados. Do lado do provedor, diante deste poder crescente de barganha do lado dos clientes, restam-lhe algumas estratégias para manter suas margens delucros ainda atraentes: a melhora operacional a fim de reduzir os custos e aumentar a percepção da qualidade de seus produtos, a inovação constante de seus produtos, quebrando o equilíbrio anterior e gerando um novo ciclo de produto, ou tentativas de concentração horizontal e vertical do mercado, a fim de torná-lo oligopolista. Teoricamente, esta última estratégia não estaria disponível em um mercado eficiente, seja pelas suas características intrínsecas, seja pela atuação das agências governamentais, responsáveis pela manutenção da competitividade dos mercados com vista ao interesse público. O problema é que boa parte dos pressupostos aplicados aos mercados de bens e serviços ditos eficientes são em sua maior parte frutos de teorizações utilizados em modelos simplificados para compreensão de problemas complexos em sua realidade cotidiana. Um dos pressupostos principais dos mercados eficientes, por exemplo, é a capacidade do polo demandante, cliente para todos os efeitos, de dispor de todas as informações sobre a qualidade (benefícios) e quantidade dos bens e serviços ofertados e a capacidade de realizar cálculos racionais de avaliação de custo-benefício que lhe interessa. Assim, poderá decidir pagar menos por um produto de qualidade inferior e deixar uma maior quantidade de recurso para adquirir outro bem ou serviço de que também tenha necessidade. Claro que está também pressuposto que os diversos tipos de clientes têm recursos financeiros limitados e que, portanto, têm necessidade efetiva de realizar este tipo de escolha e maximizar o benefício de sua cesta de escolha dada a esta restrição de recursos. Por outro lado, como polo ofertante, os fornecedores de bens e serviço estariam em número suficiente para garantir a competitividade do setor e que não haveria barreira para a entrada de novos fornecedores ávidos por conquistarem fatias cada vez maiores deste mercado. Parece óbvio que estes fornecedores tenderiam a reagir ofertando bens e serviço com maior percepção de benefício (qualidade) para os clientes, e para isto teriam de aliar inovação e/ou menor preço, fruto de melhora de eficiência nos processos produtivos. É claro que este processo de atração de fornecedores encontraria um equilíbrio quando a margem de lucro econômico tendesse a zero, quando o setor deixasse de ser atrativo. 106 CAPÍTULO 6 • COMPETIçãO EM SAÚDE Pois bem, esta descrição corresponde à realidade para grande parte da oferta de bens de consumo que se chama de commodities. Mercadorias cujo valor agregado é semelhantemente percebido pelos clientes, independentemente dos diferentes fornecedores. Neste tipo de mercado, as margens tendem a ser pequenas e, na prática, o mercado encontra um equilíbrio particular, no qual os fornecedores com maior capacidade de ganhar com a escala sobrevivem. A necessidade de ter capacidade de produção em maior escala acaba por funcionar como barreira de entrada de novos fornecedores e há uma tendência real de reduzir o número de fornecedores, tornando-os oligopólios em algum ponto da cadeia de suprimento. Outro exemplo real da aplicação desta modelagem do mercado eficiente é a análise da necessidade de inovação constante como estratégia para a manutenção da margem de lucro dos fornecedores. Em muitos produtos, a estratégia dos fornecedores é evitar que o cliente adquira a percepção de que os seus produtos ofereçam o mesmo valor agregado do que o concorrente, ou seja, se torne uma commodity. Para tal, modificam constantemente o valor agregado do produto ofertado pela inovação constante, procurando induzir a percepção de que se trata de um produto totalmente novo, embora na prática e na maioria das situações seja apenas mais do mesmo produto original. É claro que, para que a estratégia de inovação constante funcione, o pressuposto da capacidade do cliente em avaliar em algum grau a qualidade do bem ou serviço deve estar presente. Na verdade, como parte da estratégia de inovação, esta capacidade de avaliação deve ser objeto de intervenção, como se fosse responsabilidade da estratégia de marketing educar esta percepção na direção de interesse do fornecedor. Pois bem, em certos setores da economia, no entanto, as disfunções são tão grandes que tornam difícil utilizar os pressupostos do mercado perfeito e suas principais anomalias para empreender a análise do ponto de equilíbrio ou para construir estratégias de sobrevivência consistentes. Estes mercados são ditos imperfeitos e a competição que se observa neles é muitas vezes considerada disfuncional. O setor saúde é usualmente considerado um destes tipos de mercado, no qual a imperfeição não favorece a competição que mais interessa ao cliente e a eficiência operacional dos fornecedores em última instância. Neste mercado, a inovação tem um papel diferente e a introdução de novos produtos contribui apenas para manter a capacidade de percepção de análise da qualidade dos bens e serviço por parte do cliente ainda mais reduzida, haja vista a enorme assimetria de informação existente entre os que ofertam e os que demandam. O objetivo deste capítulo é estudar, do ponto de vista de Michael Porter, as anomalias no mercado de saúde. Veremos que, ao estudá-lo, o autor procurará nos demonstrar que a estrutura errada de incentivos leva a um tipo de competição disfuncional, que não contribui para o desenvolvimento do setor. Veremos as soluções que ele propõe para corrigir o problema pela restruturação completa do mercado a partir de uma estrutura de incentivos que busca alinhar os interesses dos atores (pacientes, médicos, planos de saúde, governo) em um objetivo comum: aumentar o valor para os pacientes. 107 COMPETIçãO EM SAÚDE • CAPÍTULO 6 A visão de Michael Porter A análise das imperfeições do mercado de saúde dos EUA é objeto do livro “Repensando a Saúde: estratégias para melhorar a qualidade e reduzir os custos!” de Michael Porter e Elizabeth Teisberg. Nele, a análise se baseia na constatação de que os problemas do alto custo do sistema de saúde e de sua baixa qualidade em geral (excetuando-se os casos de notória excelência) são fruto da falha da competição. Para explicar esta falha, os autores descrevem o conceito de competição de soma zero. Ela é um tipo de competição disfuncional, na qual a competição não gera melhora contínua de qualidade e custo para os consumidores e na qual os concorrentes excelentes prosperam, eliminando os fornecedores ineficientes. Saiba mais Michael Eugene Porter é professor da Harvard Business School, com interesse nas áreas de Administração e Economia, sendo autor de diversos livros sobre estratégias de competitividade. Teve um papel ativo na política econômica e do seu trabalho resultaram conceitos como a análise de indústrias em torno de cinco forças competitivas, e das três fontes genéricas de vantagem competitiva: diferenciação, baixo custo e focalização em mercado específico. A competição de soma zero observada é descrita como uma batalha de todos os atores (clientes, fornecedores de serviço, seguradoras) contra todos para transferir os custos para os outros, tentando maximizar seus benefícios ou ganhos. É, portanto, uma competição que não gera valor, que “corrói a qualidade, nutre a ineficiência, cria capacidade excessiva e eleva os custos administrativos, entre outros efeitos abomináveis” (p. 21). Ao longo do livro, é reconstituída a história de como os incentivos econômicos errados e falhas estruturais na divulgação de informação sobre a qualidade dos serviços prestados foram capazes de induzir este tipo de disfunção. É claro que não teremos tempo de abordar toda esta exposição de dados e causas. Apenas descreveremos as causas-raízes apresentadas para a continuação desta forma de competir e as soluções propostas para corrigir as anomalias. O objetivo de toda a intervenção seria construir o que os autores chamam de competição baseada em resultados ou baseada no valor e não nos custos, que é assim descritapor eles: “Competição saudável é aquela que melhora o valor para os clientes ou a qualidade dos produtos, ou serviços em relação ao preço. Ela leva a incessantes melhorias em eficiência. A qualidade dos produtos e dos serviços aos clientes aumenta. A inovação promove avanços no estado da arte. Os preços ajustados à qualidade caem e o mercado se expande para atender às necessidades de mais consumidores” (p. 45). https://pt.wikipedia.org/wiki/Professor https://pt.wikipedia.org/wiki/Harvard_Business_School 108 CAPÍTULO 6 • COMPETIçãO EM SAÚDE As principais causas-raízes para a existência de competição de soma zero em saúde são: 1. Concepção errada da própria assistência à saúde: a mentalidade de commodity O problema foi tratar a assistência à saúde como um único negócio em vez de várias linhas de cuidados. Isto levou à concepção de que todos os prestadores fossem equivalentes em capacidade de lidar com as diferentes condições de saúde e produzir os mesmos resultados com seus processos de trabalhos. A consequência foi não reconhecer as capacidades diferenciais e excelência entre os diversos prestadores diante das variadas condições de saúde, tornando impossível construir uma estrutura de incentivos que reconhecesse e induzisse as melhores práticas e as inovações de processos e produtos que mais beneficiassem os clientes. 2. Objetivo errado no horizonte de tempo errado Ao tratar os prestadores como iguais, o objetivo implícito do sistema foi reduzir os custos em curto prazo (principalmente para os seguradores) ou em vez de aumentar o valor para os clientes em longo prazo. Uma das consequências foi a restrição ao acesso a tratamentos mais caros e a tentativa de selecionar clientes mais saudáveis. A meta correta seria melhorar o valor, que só poderia acontecer na condição da doença ao longo do tempo em todo ciclo de atendimento (da prevenção à reabilitação), ou seja, competir para reduzir o custo total do sistema em nível da linha do cuidado das condições específicas. Isto só pode ser obtido se houver melhora na entrega de valor em cada etapa do ciclo de atendimento. Por exemplo, uma unidade monetária a mais gasta de forma eficiente na prevenção, com certeza, reduzirá várias unidades de custo no compartimento de tratamento e muitas mais no da reabilitação. Para cada AVC evitado, mesmo a custo a curto prazo aparentemente maior, várias centenas de unidades monetárias são economizadas. Assim, o custo que importa ser evitado é o custo potencial da soma de todos os custos que o sistema poderia incidir caso o paciente migrasse de um compartimento para outro (da prevenção à reabilitação). 3. Mercado Geográfico Errado A competição em saúde tende a ser realizada localmente. Isto de certa forma é natural por ser uma atividade de prestação de serviço. No entanto, este fato restringe a competição baseada em resultado porque as melhores práticas e resultados em determinada condição de saúde pode não estar localizada na mesma região ou dentro de um mesmo país. Os autores afirmam que “a competição deveria forçar os prestadores a igualar ou superar o valor criado pelo melhor prestador na sua região, nação ou mesmo em âmbito internacional” (p. 56). Muitas vezes, no entanto, o que mantém a competição em nível local é a falta de informação sobre os resultados superiores em certas condições de doença de prestadores de outras localidades. 109 COMPETIçãO EM SAÚDE • CAPÍTULO 6 4. As estratégias erradas A estratégia de competição dos prestadores de serviço tem sido a de criar unidades de saúde, em geral hospitais, capazes de atender às mais variadas condições de saúde e oferecer o maior número de especialidades e modalidade de tratamento, a fim de competir pelo maior número de consultas, internações e procedimentos. As seguradoras estão interessadas neste tipo de oferta porque, no processo de transferência de custo da competição de soma zero, podem reduzir o preço que irão pagar por estes atendimentos, uma vez que vários prestadores estão competindo por preço e não por diferenciação. Isto torna o atendimento de saúde uma commodity e cria uma tendência à oligopolização do setor e sobrevivência dos prestadores que têm capacidade de atender em escala. Como os pagamentos são feitos por atendimentos e não por seus resultados, a atitude dos prestadores é também reduzir os custos dos procedimentos, muitas vezes de forma irrefletida. A busca da qualidade é realizada através da tentativa de padronização dos processos e não pela busca de melhores resultados na condição da doença. A estratégia mais adequada para os autores seria incentivar a competição baseada em valor na condição da doença, o que faria com que os incentivos (pagamentos) devessem se basear no pagamento baseado em resultados. Isto levaria a uma especialização, inovação e melhora contínua dos processos para melhorias dos resultados em todo o ciclo de atendimento da doença, com instalações dedicadas à condição em foco, podendo gerar uma busca por melhores práticas pelos dos competidores em todos os níveis geográficos. 5. A informação errada As informações geralmente coletadas em saúde são quantitativas e não descrevem facilmente a qualidade dos serviços prestados. Além disso, os dados geralmente não estão disponíveis para o público em geral, que deveria ser o maior interessado neles. O dado que interessa divulgar, no entanto, é referente aos resultados dos tratamentos para as diferentes condições de saúde, ajustada pelo risco e o custo deste resultado. Sabemos que a falta de informação sobre a qualidade dos serviços e produtos é uma das causas mais frequentes para a existência de mercados imperfeitos, ou seja, aqueles nos quais a competição não gera o efeito progressivo de melhora da qualidade e queda do preço ao cliente. 6. A atitude errada e motivações erradas dos pacientes Segundo os autores, a atitude mais errada dos pacientes é delegar a outrem a decisão sobre o seu tratamento, sem participar de uma decisão compartilhada. Muitas vezes, os planos de saúde pressupõem erradamente que ao cliente interessa maximizar os benefícios potenciais de seus seguros e se lhe fossem aprovados todos os procedimentos propostos pelos médicos sem críticas, 110 CAPÍTULO 6 • COMPETIçãO EM SAÚDE eles irão preferir mais e mais caras intervenções. No entanto, vários estudos têm mostrado que as decisões compartilhadas entre médicos e pacientes tendem a ser mais conservadoras, baratas e eficazes. Portanto, tornar os clientes consumidores conscientes do conhecimento médico deveria ajudar a implementar a competição baseada em valor. 7. Os incentivos errados para os planos de saúde Hoje os planos de saúde nos EUA se beneficiam por aumentar continuamente a sua base de clientes e aumentar o valor do prêmio para as pessoas realmente doentes. Embora estes planos não possam se livrar deles, podem tornar suas vidas um inferno com excesso de burocracia, o que normalmente lhes toma bastante tempo. Além disso, os planos podem redefinir os prêmios dos seguros, caso algum dos segurados de um grupo ou família venha a consumir muitos serviços caros, o que pode quase que significar na prática um cancelamento do seguro. Na verdade, tudo isto acaba por funcionar como um incentivo a inscrever membros saudáveis na carteira do seguro, o que tem retardado a introdução de programas de gerenciamento de doenças, que tem se mostrado custo efetivo e capaz de melhorar a saúde e qualidade de vida. Isto porque os planos de saúde não querem ser vistos como bons gerentes para condições de saúde crônicas, com receio de atrair este perfil de clientes para sua carteira. Outro incentivo enviesado é o tempo de contrato que é renovado em bases anuais. Isto acaba por incentivar as políticas de redução de custos em curto prazo em vez de investir em serviços e terapias que aumentassem o valor de medidas por todo o ciclo da doença. Como se concentram em reduzir os custos em curto prazo, os planos se beneficiam naprática de retardos na taxa de inovação, que podem aumentar de imediato os custos, mas representarem economia substancial em longo prazo no custo total do ciclo de doença. Assim, não são aliados naturais das inovações e costumam não incentivar ou procurar retardar o uso de novas tecnologias na rotina de tratamento dos clientes. Como não estão envolvidos em uma competição baseada no valor, os planos acabam incentivando a redução do tempo de consulta do médico com o paciente, a restrição da cobertura de serviços mais caros, encorajando os prestadores a mandar os pacientes mais rápido para casa, e a restrição a tratamento fora da rede conveniada. 8. Os incentivos errados para os prestadores Os médicos, atualmente, são incentivados a proverem serviços fragmentados, em vez de competirem por valor em todo o ciclo da doença. A medicina baseada no pagamento por procedimentos dos anos 80 incentivou a fragmentação e recompensou os médicos por fazerem mais, independentemente dos resultados produzidos. Isto levou a mais procedimentos, visitas, exames, o que significa mais pagamentos para médicos e hospitais. Para deter este processo, 111 COMPETIçãO EM SAÚDE • CAPÍTULO 6 as estratégias de managed care introduziram uma nova lógica de incentivo, porém, baseada principalmente na redução de custo e não na criação de valor. Alguns planos tentaram utilizar o pagamento por cabeça com pagamentos fixos anuais por paciente coberto por ano, o que incentivaria médicos e hospitais a reduzirem procedimentos, visitas e encaminhamento para especialistas. No entanto, o pagamento por cabeça não melhorou a qualidade do serviço e não gerou uma competição baseada no valor. Na verdade, teve efeito oposto: reduziu o tempo que os médicos passavam com os pacientes, e retardou a inovação e criação de novas tecnologias de cuidado. Estudos mostram que os americanos recebem somente 55% do cuidado recomendado pelas evidências médicas estabelecidas. Outras formas de pagamento também geraram distorções. Quando se passou a pagar quantias fixas por internação sem medidas dos resultados obtidos, houve um incentivo por tentar “dar alta” o mais rápido possível ao paciente, mesmo que isto implicasse uma readmissão muito próxima. Paradoxalmente, estas tentativas geraram também incentivos a “supertratar” alguns pacientes. Em primeiro lugar, porque os prestadores são pagos para tratar e não para manter as pessoas saudáveis. Em segundo, pelo fenômeno econômico da demanda dirigida pela oferta, o que induz os prestadores a utilizarem sempre o máximo de sua capacidade instalada. Em terceiro, que a menos que os médicos tenham certeza de que um determinado tratamento não tenha nenhum efeito, eles se sentem obrigados moralmente a oferecê-lo aos seus pacientes. Isto se reforça pelo desconhecimento dos pacientes que acabam por pressionar o seu médico a utilizar tratamentos ainda não completamente testados. Infelizmente, os incentivos para “subtratar” e “supertratar” não se cancelam e o resultado de ambos é a baixa qualidade e o valor baixo, com um aumento crescente dos custos. Princípios da competição baseada em valor 1. O foco deve ser no valor para o paciente e não somente em baixar os custos Porter e Teisberg definem assim este princípio: “o objetivo correto é aumentar o valor para os pacientes, o que é a qualidade dos resultados para o paciente em relação aos dólares gastos” (p. 2108). Assim, eles definem uma equação do tipo mostrado a seguir. Valor = resultado para o paciente (custo para fornecer o resultado@) Portanto, a economia de custos deve surgir da verdadeira eficiência e não da “transferência de custo, da restrição de cuidados (racionamento) ou da redução da qualidade”. Para refletir “Geralmente a disputa entre os concorrentes do setor privado sempre impulsionou melhorias na qualidade e nos custos dos produtos e serviços. O mesmo não ocorre na área da saúde”. Pense sobre esta afirmação. 112 CAPÍTULO 6 • COMPETIçãO EM SAÚDE As medidas do valor (os resultados para os pacientes) são multidimensionais por excelência (por exemplo, tempo de recuperação, qualidade de vida, bem-estar durante todo o tratamento). A importância relativa dos diferentes resultados varia com os diferentes pacientes ao longo do tempo. Em um paciente no estágio inicial do tratamento de câncer, o que mais importa é a sobrevida e o controle dos sintomas associados à doença e ao tratamento. Para este mesmo tratamento, ao ter uma recaída com metástases, as medidas de resultado que interessam seriam outras. Assim, “o valor deve ser medido para o paciente e não para o plano de saúde, hospital ou médico”. O valor para o paciente deve ser focado na condição da doença, tais como: diabetes, câncer de mama, lesão no joelho. Somente neste nível os resultados e custo podem ser comparados para se determinar o valor. A melhora na entrega do valor deve ser avaliada ao longo do tempo e em todo o ciclo da doença, da prevenção à reabilitação. Tome-se como exemplo a introdução da cirurgia laparoscópica no tratamento dos cálculos de vesícula, que diminuiu substancialmente o número de dias de internação e reduziu as complicações pós-operatórias. A avaliação da melhora do valor ao longo do tempo e durante o ciclo completo da doença implica não querer controlar os custos em curto prazo. Por exemplo, o tratamento efetivo do AVC, por mais caro que seja, imediatamente, determina uma economia substancial de custo ao longo do tempo, ao evitar anos de invalidez e tratamento fisioterápico. A economia potencial de custos privado e público ao se prevenir um AVC deve ser computado positivamente na avaliação comparativa do valor para os pacientes. No entanto, a melhora do valor não é determinada apenas pelas novas tecnologias efetivas e testadas, mas principalmente por melhoras organizacionais e gerenciamento da oferta no ciclo completo do cuidado. Isto significa que estas medidas poderiam melhorar significativamente o valor, mesmo mantendo as conquistas tecnológicas atualmente disponíveis. 2. A competição é baseada nos resultados Isto se refere à necessidade dos prestadores competirem por resultado e pela excelência no cuidado. Para os autores, não é realista nem efetivo tentar prever ou controlar as práticas de cuidados dos prestadores do lado de fora, nem utilizar treinamento especializado ou certificação para manter os médicos atualizados. Nem seria admissível pensar que prestadores, que não soubessem com quem são comparados ou competem, procurassem os melhores resultados de ensaios clínicos na literatura para melhorarem seus resultados. Em suma, “o cuidado em saúde é simplesmente por demais complexo, sutil, individualizado, e evolui rápido demais para ser gerenciável por micro gerenciamento de cima para baixo”. Embora seguir protocolos clínicos possa contribuir para ofertar valor, os resultados em casos individuais são muito variáveis. Isto acaba por desmoralizar toda a metodologia, por ser muitas vezes decepcionante, já que se esforçam por orientar processos e escolhas terapêuticas antes de 113 COMPETIçãO EM SAÚDE • CAPÍTULO 6 se conhecer o caso real com que se terá de lidar, com todas as suas variabilidades (demográficas, comorbidades e fisiológicas) em relação ao caso ideal previsto nos protocolos. Como dizem os autores, “a verdadeira prova de sucesso é o melhor resultado para o paciente (qualidade versus custo), não a aderência a processos especificados por experts de fora ou administradores”. Por isto, os prestadores devem ser comparados pelos resultados efetivos que conseguem obter para seus pacientes e serem recompensados com mais pacientes ainda. Para isto, a informação sobre os resultados, ajustados pelos riscos, devem se tornar o direcionador crítico para os médicos, planos de saúde, pacientes e para os prestadores eles mesmos. Estes resultados devem ser usados para selecionar os melhores prestadores e as melhores práticas do sistema. A competição irrestrita baseadano valor é “a melhor e única cura para os problemas de erros médicos, subtratamento e supertratamento”. Este tipo de competição seria o único realmente efetivo para aumentar a responsabilização, motivar e informar o processo de melhora contínua de resultados e aumentar o valor para os pacientes. 3. A competição deve ser centrada na condição médica no ciclo completo do cuidado O termo “condição médica” pode significar doença, lesões ou circunstâncias naturais, como, por exemplo, gravidez. Pode também ser definida para condições concorrentes, cujos cuidados exijam cuidado coordenado e o paciente se beneficie de instalações comuns. É em relação à condição médica que o valor e o resultado devem ser medidos e promovidos. Os prestadores podem oferecer serviços para várias condições médicas, mas o valor que eles criam no geral depende de como eles lidam com cada uma separadamente. Assim, a competição também deve se basear no nível da condição médica. As condições médicas não são coisas dadas no mundo, mas devem ser definidas na perspectiva dos pacientes. Podem abranger diversas doenças ou condições de saúde que sejam mais bem gerenciadas em processos de cuidados integrados ou dedicados. Assim, por exemplo, lesões de joelho e coluna, embora normalmente vistas como doenças ortopédicas, podem ser tratadas como condições médicas separadas devido à necessidade de abordagem diversa: monitoramento, expertise diagnóstica, intervenção e técnicas de reabilitação. Além de definir o significado da condição médica que melhor interesse aos pacientes, há também a necessidade de limitar o começo e o fim do ciclo do cuidado. Por exemplo, no caso da doença renal crônica, podem-se definir os estágios iniciais da insuficiência renal como uma condição médica diferente da fase dialítica, já que as duas condições necessitam de estruturas de cuidado bem diferentes. Os prestadores deveriam organizar sua estrutura produtiva ao redor da condição médica e não por especialidades ou serviços. Os autores propõem a organização das unidades capazes de cuidar das condições médicas como Unidades de Práticas Integradas (UPI), que deveriam dispor de todos os serviços necessários para lidar com as condições médicas. Estas UPI seriam responsáveis 114 CAPÍTULO 6 • COMPETIçãO EM SAÚDE por coordenar os cuidados necessários e poderiam articular instalações de saúde a nível local, regional ou mesmo internacional. Um exemplo, é um centro de tratamento cardiológico capaz de tratar doenças coronarianas clinicamente que articula diversos serviços de cirurgia cardíaca em nível local ou nacional. A definição do início e fim do ciclo de cuidado de uma condição clínica também é importante para configurar a competição baseada em valor que interessa. A comparação entre os prestadores deve ser medida em relação ao ciclo completo de cuidado ao longo do tempo e os custos que servem de denominador na fórmula do valor, mostrada acima, deve ser calculado para todo este ciclo e não para as intervenções em particular. Os autores acreditam que a competição baseada no valor sobre todo o ciclo do cuidado levará a dar mais atenção à prevenção, detecção e gerenciamento em longo prazo de doenças do que ao tratamento e intervenções mais agudas e de emergência. 4. Cuidado de alta qualidade deve custar menos Um dos mais importantes achados do trabalho de Porter e Teisberg é que não existe um trade-off inevitável entre qualidade e custo em saúde. O tipo certo de competição descrito no seu trabalho deveria incentivar ambos o aumento da qualidade e diminuição do custo concomitantemente. Há várias oportunidades para isto mesmo antes do tipo certo de competição ser implementado. Em primeiro lugar, a análise dos prestadores no mercado de saúde do EUA sugere que a maioria deles está atrasada em relação ao estado da arte do conhecimento das melhores práticas de cuidado atualmente disponíveis. Isto por si já aumentaria a qualidade e as margens sem aumentar os preços. Em segundo lugar, pode-se aumentar a qualidade e simultaneamente diminuir os custos ao se eliminar os erros e fazer o certo da primeira vez, como em qualquer indústria e mercado. O custo de um diagnóstico errado ou de usar o tratamento errado da primeira vez pode ser enorme em saúde. Em terceiro lugar, no cuidado em saúde, existe a característica fundamental de que as melhores práticas induzem o aumento da qualidade e diminuição do custo em longo prazo. Um diagnóstico bem feito em curto prazo implica um tratamento adequado que melhora o resultado para o paciente, e assim evita a piora imediata da doença, posterga complicação, poupando anos de incapacidade e reabilitação. Os autores expõem atitudes e estratégias que produzem este tipo de círculo virtuoso: procedimentos menos invasivos que determinam recuperação mais rápida, diagnósticos e tratamento baseados na causa e não nos sintomas, melhor coordenação e integração em todo o ciclo do cuidado, melhor gerenciamento das condições crônicas, avaliação do risco e prevenção de acidentes e, finalmente, se manter saudável por si só. E mais importante ainda: o avanço da oferta do cuidado que aumenta a qualidade reduzindo ao mesmo tempo o custo não depende de descoberta ou invenções fantásticas. A mera coordenação do trabalho das equipes com maior integração e conhecimento sobre o status dos pacientes pode induzir o resultado esperado. 115 COMPETIçãO EM SAÚDE • CAPÍTULO 6 5. O valor é direcionado pela experiência, escala e aprendizado do prestador em relação à condição médica Uma das maiores quebras de paradigma do livro de Porter e Treisberg é descrito nesta frase: “o valor no cuidado em saúde é criado ao se fazer poucas coisas bem, não se tentando fazer tudo”. Embora pareça evidente, isto não é o que acontece, nem é o que é encorajado no atual sistema de incentivos em saúde. Os prestadores que concentram esforços e aprendem com a experiência em uma condição médica deveriam gerar mais valor e inovar mais rapidamente. Este tipo de prestador tenderia a atrair mais pacientes se sua experiência fosse conhecida. Escala é importante para criar equipes dedicadas, que ajudam no aprendizado conjunto, adaptar as instalações e criar redes de referências integradas. Ela também permite fluxo de caixa suficiente e constante para manter os investimentos em equipamentos e informação para manter o círculo virtuoso necessário. Um dos pressupostos da competição baseada em valor é que ela deverá significativamente reduzir o número de prestadores em uma dada condição médica, devido ao aumento da eficiência e consequente capacidade de lidar com um maior número de casos. Outra consequência é a necessidade de um melhor gerenciamento de todo o ciclo do cuidado de cada condição médica, o que implicará uma maior integração e formação de redes dedicadas. Figura 16. Ciclo do cuidado. Fonte: PORTER, Michael E. & TEISBERG, Elizabeth O. Redefining Health Care: Creating Value-Based Competition on Results. Harvard Business School Press: Boston, 2006 (e.book edition). 116 CAPÍTULO 6 • COMPETIçãO EM SAÚDE 6. A competição é regional ou nacional Como dizem os autores, “o escopo geográfico relevante para a competição na oferta de cuidado em saúde é regional, nacional ou mesmo internacional, e não somente local”. Os prestadores deveriam comparar os seus resultados ajustados ao risco com os melhores prestadores em qualquer lugar e não apenas localmente. Estes prestadores deveriam também se conectar com estes centros de excelência a nível regional ou nacional para atingir altos padrões de entrega de valor. Por outro lado, os planos de saúde deveriam ser convencidos de que os custos e a inconveniência de deslocar um paciente para um centro de excelência fora de uma região pode ser contrabalançado por um tratamento mais eficaz. Do lado do paciente, assumir que ele sempre procuraria um tratamento local para a sua condição de saúde é fruto de uma situação atual em que informações sobre os resultados dos melhoresprestadores não estão facilmente disponíveis. Se maiores e corretas informações forem sistematicamente divulgadas e as condições forem oferecidas para a realização de viagens, maior mobilidade regional, nacional ou mesmo internacional vai ser observada na procura de melhores resultados. 7. Informação sobre os resultados deve ser amplamente disponibilizada Os autores definem assim o papel estratégico e o tipo certo de informação a ser disponibilizada: competição pode produzir rápido aprimoramento quando decisões de prestadores, pacientes, suas famílias, médicos de referência e planos de saúde são baseadas em conhecimento objetivo de resultados – desfechos médicos e custo do cuidado no ciclo completo do cuidado. Sem este tipo de informação, prestadores estarão desprovidos da mais poderosa fonte de motivação e compreensão para melhorarem suas práticas. Sem a informação apropriada, os médicos de referência e o pacientes estarão no escuro, e a escolha do paciente trará benefícios marginais. (p. 2626) Em outro livro, intitulado Redefining German Health Care: Moving to a Value-Based System, que foi publicado em 2012, Porter apresenta sua compreensão atual de que tipo de sistema de informação ele tem em mente. Segundo os autores, as medidas de resultado começam a ser construídas a partir da compreensão da cadeia de causalidade que o determina . Figura 17. Modelo de sistema de informação. Fonte: PORTER, Michael E. & GUTH, C. Redefining German Health Care: Moving to a Value-Based System. Springer: New York, 2012. (e.book edition). 117 COMPETIçãO EM SAÚDE • CAPÍTULO 6 A condição inicial do paciente determina os processos de cuidado que serão adequados no seu caso. Estes processos e intervenção são as etapas efetivamente realizadas no cuidado e vão influenciar os resultados. Os indicadores aferidos são medidas do paciente que se espera serem capazes de predizer os resultados ao longo do tempo, mas eles não são os resultados em si mesmos. E, na verdade, eles não servem usualmente como preditores de todas as medidas de resultados relevantes na maioria das condições médicas. Uma abordagem completa das medidas de valor deveria também, avaliar a adesão do paciente aos processos propostos, já que eles influenciarão no resultado final e não conhecer esta dimensão pode prejudicar a avaliação da efetividade dos protocolos clínicos utilizados. Desta análise, eles concluem que não existem alternativas a não ser medir diretamente os resultados no nível da condição médica e os custos para produzi-los no ciclo completo do cuidado. Com relação a este tema, Porter, em um artigo publicado na prestigiosa revista New England Journal of Medicine, intitulado ‘What is value in healh care”, critica os atuais conceitos de qualidade: O conceito de qualidade tem se tornado ele mesmo fonte de confusão. Na prática, qualidade usualmente significa aderência a guidelines baseados em evidência e as medidas de qualidade se focam com enorme preponderância no processo do cuidado... Medidas de processo, apesar de uma estratégia interna útil para as instituições de cuidado em saúde, não são substitutos para medidas de resultado. Em qualquer sistema complexo, tentativas de controlar comportamentos sem medir resultados irão limitar o progresso em melhoras incrementais. Não existe substituto para medidas de resultados efetivos, cujo principal propósito não é comparar os prestadores, mas favorecer a inovação no cuidado. Sem este feedback, os prestadores não dispõem da informação necessária para aprender e melhorar. (p. 2478). Porter e Treiberg propõem uma metodologia para medir resultados que baseia-se em uma hierarquia de três camadas . Figura 18. Metodologia de medição de resultados. Fonte: PORTER, Michael E. & TEISBERG, Elizabeth O. Redefining Health Care: Creating Value-Based Competition on Results. Harvard Business School Press: Boston, 2006 (e.book edition). 118 CAPÍTULO 6 • COMPETIçãO EM SAÚDE Na primeira camada, ficariam medidas de resultado relacionadas ao status de saúde obtido pelos processos de cuidados empregados, sendo duas dimensões: a sobrevida e o grau de saúde ou de recuperação. Na segunda camada, estariam as medidas de resultados do processo de recuperação em si mesmo, tais como o tempo para a recuperação ou retorno às atividades normais e as disfunções ligadas ao processo de cuidado ou tratamento. Na terceira camada, as medidas de resultado relacionadas à sustentabilidade da saúde, tais como a sustentabilidade da saúde ou o tipo de recidiva que pode se suceder e as consequências em longo prazo da terapia empregada. Claro que, havendo recidiva ou complicações relacionadas ao tratamento, um novo ciclo de medidas será iniciado, envolvendo nova tentativa de remissão ou tratamento das complicações ou iatrogenias da terapia anterior. Na figura 19 apresentamos o conjunto de medidas propostas por Porter para o câncer de mama. Figura 19. Conjunto de medidas propostas por Porter para o câncer de mama. Fonte: PORTER, Michael E. “What is Value in Health Care?” In: The New England Journal of Medicine, 363:26, p.2477-2481, 23 de dezembro, 2010. Além de medir resultados, para que a equação do valor mostrada acima possa ser utilizada, devemos produzir os dados do denominador, ou seja, aferir o custo para obter os resultados. Já vimos que se trata do custo total para o ciclo completo do cuidado e deve ser medido o nível do paciente. Assim sendo, o sistema de custo proposto é muito diferente do que se usa atualmente na contabilidade gerencial das instituições de saúde, que se baseiam em aferir custo por departamento ou procedimento. O detalhamento do sistema está fora do escopo deste trabalho, mas o essencial é que os custos indiretos (rateados), que todo sistema de custo deve ter um método para ser distribuído, seja ao departamento ou procedimento, têm de ser atribuídos de forma adequada a cada ciclo de tratamento dos pacientes isoladamente. 119 COMPETIçãO EM SAÚDE • CAPÍTULO 6 novo sistema de reembolso Porter e Guth (2012), em Redefining German Health Care, (...) explicitam o tipo de modelo de reembolso que eles acham adequado para um sistema de saúde baseado no valor. Os pagamentos devem ser baseados em eventos e, diferentemente do modelo de DRG atual, devem abranger também o pagamento dos médicos no mesmo pacote. Esta etapa deveria progredir para um sistema tipo price-cap, que foi introduzido na Inglaterra como uma forma de regulação de preços em vários serviços públicos. O price-cap é calculado para cada setor, levando em conta a taxa da inflação geral, a inflação dos insumos do setor e a eficiência média nas empresas do setor no ano anterior. O sistema pretende dar incentivos aos prestadores mais eficientes, ao repassar para o prestador as economias de custos obtidas acima do previsto para o setor naquele ano, obviamente sem queda de qualidade do serviço. No próximo ano, um novo price-cap é estabelecido. Com o tempo, a tendência é que apenas os prestadores mais eficientes continuem a prestar serviço ao price-cap determinado a cada ano e ganhando em escala por acumular maiores fatias do mercado de bens públicos. Para que este sistema funcione na saúde, precisa-se, em suma, de medidas de resultado e de custo como as propostas acima. A importância do trabalho de Porter O interesse principal em se estudar os trabalhos de Porter sobre os sistemas de saúde para nós, interessados no problema das operações no sistema de saúde, podem ser divididos em duas dimensões principais. Em primeiro lugar, o problema da eficiência em si mesmo dos processos e intervenções em saúde está longe de ter chegado a um nível médio adequado. Não se pode fugir da advertência central de suas teses, procurar controlar processos sem olhar resultados pode não gerar qualidade para os pacientes e medir a eficiência global das organizações é de pouca ajuda. O foco da eficiência deve ser a condição médica no ciclo completo do cuidado. Isto é em si uma mudançade paradigma, já que boa parte dos processos de avaliação e certificação não segue esta regra. Além disso, congelar processos em demasia, burocratizar procedimentos e comportamentos pode ser deletério ao atrasar as taxas de inovações em processos e tecnologia de que o setor saúde tanto precisa. É claro que para organizações muito pouco desenvolvidas fixar processos e seguir protocolos clínicos trará ganhos imediatos de eficiência, mas em longo prazo este movimento pode gerar estagnação. Devemos nos lembrar das lições de Mintzberg que nos demonstrou que as instituições que mais inovam, que ele chama de adocracia, são muito pouco burocráticas e voltadas para o problema em questão no momento. Provocação Procure saber mais sobre o conceito de sistema tipo price-cap. Atenção Ao terminar a leitura deste texto faça um exercício de reflexão sobre tudo o que foi descrito e a relação de cada item com a questão específica do paciente e no que reside em sua cura ou na sua melhoria de qualidade de vida. 120 CAPÍTULO 6 • COMPETIçãO EM SAÚDE No caso da saúde, o problema relevante para Porter é melhorar o valor, ou seja, os resultados, para o paciente. Para isto, todas as ferramentas para melhoria de processos podem ser utilizadas desde que se entenda que não se pode perder a dimensão criativa da gestão, que é lidar coletivamente com os seus problemas mais relevantes. O segundo aspecto diz respeito à eficiência das operações logísticas dentro das organizações de saúde. Estas operações deveriam ser foco de contínuo estudo e melhora, já que o problema da eficiência de custo sempre esteve presente. No entanto, a maioria destas organizações trata de forma primária esta dimensão da gestão. É claro que se trata de um conjunto de problemas complexos, mas a complexidade não explica o atraso. A melhor explicação para esta falha sistêmica é que a busca de eficiência é um valor cultural das organizações que ou bem está no seu foco efetivo de valores ou não está. Podemos postular que a mudança de paradigma, proposto por Porter para o cuidado, acabará por contaminar também as operações logísticas da organização como um todo, já que pertencem a mesma cadeia de valor. No entanto, mesmo antes disto, já existem oportunidades de melhora desta dimensão administrativa, que tem impacto nos custos sem implicar restrição de cuidado e além do mais contribui também para a oferta mais eficiente do cuidado no nível atual. Sintetizando » Na área da saúde prevalece atualmente competição de soma zero. » Porter sugere que apenas a competição baseada em valor poderá tornar o mercado de saúde menos imperfeito. » As medidas de resultados e os custos por paciente no ciclo completo do cuidado são dados necessários para a equação de valor em saúde. » As propostas de Porter têm impacto direto na reformulação dos conceitos de qualidade e na compreensão do papel estratégico das operações logísticas e na administração da produção no campo da saúde. 121 Referências BRASIL, Ministério da Saúde. GESTHOS Gestão Hospitalar: Capacitação a Distância em Administração Hospitalar para Pequenos e Médios Estabelecimentos de Saúde: Módulo III: Gestão de Recursos nas Organizações de Saúde/ Ministério da Saúde – Brasília: Ministério da Saúde, 2002. BRASIL, Ministério da Saúde. GESTHOS Gestão Hospitalar: Capacitação a Distância em Administração Hospitalar para Pequenos e Médios Estabelecimentos de Saúde: Módulo IV: Gestão para Qualidade em Saúde/Ministério da Saúde – Brasília: Ministério da Saúde, 2002. BRASIL, Ministério da Saúde. Coleção Saúde e Cidadania. IDS. Faculdade de Saúde Pública de São Paulo: São Paulo, 1998. BRASIL, Ministério da Saúde. Manual Brasileiro de Acreditação Hospitalar. 2ª edição: Brasília, 1999. CAMARGO JR., K.R., FAVORETO, C.A.O.; Alguns desafios conceituais e técnico-operacionais para o desenvolvimento do programa de saúde da família como uma proposta transformadora do Modelo Assistencial. Physis, v.12, n.1, p.59-76, 2002. CAMP, Robert C. Benchmarking – O caminho da qualidade total. São Paulo: Pioneira, 1993. CAMPOS, V. F. TQC: Gerenciamento da rotina do trabalho dia a dia. São Paulo: Bloch, 1994. CARDOSO L.S., ERDMANN A.L., SOARES J.F.S., SANT’ANNA C..F., CEZAR-VAZ M.R. Determinantes sociais de saúde: características da comunidade e trabalho das enfermeiras na saúde da família. Ver. Gaúcha Enferm. Porto Alegre (RS) 2010 mar;31(1):92-9. CASTELAR, R. M. & Col. Gestão Hospitalar: um desafio para o hospital brasileiro. Rio de Janeiro: ENSO, 1995. CHIAVENATO, I. Iniciação ao planejamento e controle de produção. São Paulo: McGraw-Hill, 1990. CORRÊA, Henrique Luis; GIANESI, Irineu G. N. Just in Time, MRP II e OPT: um enfoque estratégico. Editora Atlas: São Paulo, 1992. CORRÊA, Henrique Luis; GIANESI, Irineu G. N. Administração estratégica de serviços. São Paulo: Atlas, 1994. DONABEDIAN, A. An introduction to quality assurance in health care. Oxford:University Press, 2003. DRUCKER, Peter. The effective executive. HarperCollins Publishers, 1993. DUARTE, Érica R. M. Gerenciamento Hospitalar através do Método da unidade de Esforço de Produção. Um estudo de caso. Projeto de dissertação. Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, setembro de 1991. EHRLICH, Pierre Jacques. Pesquisa operacional: curso introdutório. São Paulo: Atlas, 1991. ERDMANN, Rolf Hermann; GOMES, Andréa G. KOLLER, Alexandre A. MUNDIM, Rodrigo S. A. Gerenciamento da Produção e as Contingências. Florianópolis, 1997. Relatório de Pesquisa de Projeto Integrado – CNPq – Centro Socioeconômico, UFSC. ERDMANN, Rolf Hermann. Organização de sistemas de produção. Florianópolis: Insular, 1998. FERLA, A.A., CECCIM, R. B. A educação e saúde: ensino e cidadania como travessia de fronteiras. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 6 n. 3, p. 443-456, nov.2008/ fev.2009. Disponível na internet: http://www.scielo.br/pdf/ tes/ v6n3/03.pdf. Consulta em 02/12/2014. FRANCO, C. M. Fluxograma Descritor e Projetos Terapêuticos para Análise de Serviços de Saúde, em apoio ao planejamento: o caso de Luz (MG). In: MERHY, E. E. et al (orgs). O trabalho em Saúde olhando e experienciando o SUS cotidiano. São Paulo: HUCITEC, 2004, ps.161-198. GAITHER, N.; FRAZIER, G. Administração da Produção e Operações. São Paulo: Thomson Learning, 2006. 122 Referências GODOI, Adalto Felix de. Hotelaria Hospitalar e Humanização no Atendimento em Hospitais. São Paulo: Editora Ícone, 2008. GRIFFIN, Ricky W. ; MOORHEAD, Gregory. Fundamentos do Comportamento Organizacional. São Paulo: Editora Ática, 2006. HEALTHCARE FINANCIAL MANAGEMENT ORGANIZATION. HFMA´s 2005. Supply Chain Benchmarking Survey. [acessado 2005 Set 05]. Disponível em <www.hfma. org/resource/mckeeson _benchmark2005.pdf.> INFANTE, M. e SANTOS, M. A. B. A organização do abastecimento do hospital público a partir da cadeia produtiva: uma abordagem logística para a área de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 12(4):945-954, 2007 IOM, Medicare: a strategy for quality assurance, 1990. IOM JULIO, Carlos Alberto; SALIBI NETO, José (orgs.). Estratégia e planejamento: autores e conceitos imprescindíveis. São Paulo: Publifolha, 2002. (Coletânea HSM Management). MACHLINE, Claude et al. Manual de Administração da Produção. V.17a ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1984. MARCONDES, Reynaldo C. A dinâmica do ambiente interno do hospital. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, FGV, v 15. n 2. p. 28-55, abr/jun 1980. MARTINS, P. G. LANGENI, F. P. Administração da Produção. São Paulo: Saraiva, 1999. MERHY, E. E.; ONOCKO, R. (orgs.). Agir em saúde, um desafio para o público. São Paulo: Hucitec, 1997. MERHY, E. E. O SUS e um dos seus Dilemas: Mudar a Gestão e a Lógica do Processo de Trabalho em Saúde (um ensaio sobre a micropolítica do trabalho vivo). CEBES. Rio de Janeiro. 1995. MINTZBERG H. Criando organizações eficazes. Estruturas em cinco configurações. São Paulo: Atlas, 1995. MOREIRA,D. A. Administração da Produção e Operações. São Paulo: Pioneira de Adm. e Negócios, 4ª.ed., 1999. OFFE, C. Capitalismo desorganizado – transformações contemporâneas do trabalho e da política. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1989. PEDUZZI, M.; SCHREIBER, L. B. Processo de trabalho em Saúde Dicionário de Educação Profissional em Saúde. Rio de Janeiro: EPSJV/FIOCRUZ, 2009. Disponível em <http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/protrasau. html> acessado em 10/07/2012 PIANA, Janaina; ERDMANN, Rolf Hermann. What generates competitiveness In: organizations? POMS 21st Annual Conference. Vancouver: Canada, 2010. PORTER, Michael E. What is Value in Health Care? In: The New England Journal of Medicine, 363:26, p.2477-2481, 23 de dezembro, 2010. PORTER, Michael E. & GUTH, C. Redefining German Health Care: Moving to a Value-Based System. Springer: New York, 2012. (e.book edition) PORTER, Michael E. & TEISBERG, Elizabeth O. Redefining Health Care: Creating Value-Based Competition on Results. Harvard Business School Press: Boston, 2006 (e.book edition). SANTOS, Paulo R. G. Desenvolvimento de Processos Organizacionais, in: GESTHOS Gestão Hospitalar, Brasília: Ministério da Saúde, 2002. SLACK, Nigel et AL. Adminstração da Produção, São Paulo : Atlas, 1996. VECINA Neto G.; REINHARDT Filho W. Gestão de recursos materiais e de medicamentos. Série Saúde e Cidadania, vol. 12. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2002. ZACCARELLI, Sérgio Baptista. Programação e controle da produção. 8ª ed. São Paulo: Pioneira, 1987. Site FPNQ. <http://www.fnq.org.br 07 Introdução Administração da Produção: histórico e conceitos Planejamento e Dimensionamento da Produção de Serviços de Saúde Processos Organizacionais Técnicas de Gestão da Produção Qualidade em Saúde Competição em Saúde Referências