Buscar

Neurofisiologia na Educação

Prévia do material em texto

Programa de Pós-Graduação EAD
UNIASSELVI-PÓS
NEUROFISIOLOGIA
Autor: Dr. Rodrigo Sartório
612.8 
S2513n Sartório, Rodrigo.
	 	 						Neurofisiologia	/	Rodrigo	Sartório.
	 	 Centro	Universitário	Leonardo	da	Vinci	–	Indaial:
	 	 Grupo	UNIASSELVI,	2009.x	;	118	p.:	il.	
 
	 	 													 Inclui	bibliografia.	
 ISBN 978-85-7830-195-8
												 1.	Fisiologia	Humana	2.	Medicina	-	Neurofisiologia.
 I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.
 II. Núcleo de Ensino a Distância	III.	Título
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx.	P.	191	-	89.130-000	–	INDAIAL/SC
Fone	Fax:	(47)	3281-9000/3281-9090
Reitor: Prof. Hermínio Kloch
Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol
Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel
Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Profa. Bárbara Pricila Franz
 Profa. Cláudia Regina Pinto Michelli
 Prof. Norberto Siegel
Revisão de Conteúdo: Profa. Jeisa Benevenuti Sartorelli
Revisão Gramatical: Profa. Sandra Pottmeier
Revisão Pedagógica: Profa. Bárbara Pricila Franz
Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci
Copyright © Editora UNIASSELVI 2009
Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
 UNIASSELVI – Indaial.
Licenciado	em	Ciências	Biológicas	pela	Universidade	
Federal	 de	 Santa	Maria	 e	Mestre	 em	Neurociências	 e	
Comportamento	pela	Universidade	Federal	de	Santa	Catarina,	
tem	doutorado	em	Psicobiologia	 pela	Universidade	 federal	 do	
Rio	Grande	do	Norte	em	Natal,	onde	pesquisou	o	desenvolvimento	
do	comportamento	social	do	boto	cinza,	golfi	nho	muito	comum	no	
litoral	 brasileiro.	 Professor	 do	 curso	 de	 graduação	 em	Pedagogia	
nas	 disciplinas	 de	Biologia	 da	Educação	 e	Didática	 do	 ensino	 de	
Ciências,	 de	 cursos	 de	Psicologia	 com	disciplinas	 relacionadas	 à	
Neurociências	 e	 do	 curso	 de	 Licenciatura	 em	Ciências	Biológicas.	
Também	atua	em	cursos	de	pós-graduação	em	todo	o	sul	do	Brasil,	
nas	áreas	de	Psicopedagogia,	Educação	Física,	Educação	Inclusiva,	
Neuropedagogia	e	consultor	de	secretarias	estaduais	e	municipais	
de	saúde	e	educação.	Atualmente,	tem	se	dedicado	à	pesquisa	nas	
áreas	de	desenvolvimento	do	comportamento	adolescente	e	em	
Psicologia	Evolucionista,	com	publicações	sobre	a	evolução	e	
bases	neurais	da	mentira	e	do	auto-engano.	Publicou	artigos	
sobre	 brincadeira,	 cuidado	 parental,	 desenvolvimento	
neuromotor	 e,	mais	 recentemente,	 sobre	 o	 cérebro	 e	
comportamento	adolescente.
Dr. Rodrigo Sartório
Sumário
Apresentação ...........................................................................7
CAPÍTULO 1
Vida	e	Aprendizagem ............................................................... 9
CAPÍTULO 2
Tecido	Nervoso	e	Neuroplasticidade ............................... 29
CAPÍTULO 3
Estrutura	e	Funcionamento	do	Sistema	Nervoso........... 59
CAPÍTULO 4
Ontogênese	do	Sistema	Nervoso....................................... 95
CAPÍTULO 5
Neurociências	e	Educação .................................................109
APRESENTAÇÃO
Caro(a) pós-graduando(a): 
Apresentamos	 aqui,	 o	 caderno	 de	 estudos	 de	 Neurofisiologia	 voltado	
aos	 alunos	 de	 Pós-Graduação	 em	 Educação.	 Normalmente,	 nos	 currículos	
de	 educação,	 pouca	 é	 a	 ênfase	 dada	aos	 aspectos	 biológicos	 relacionados	 ao	
aprendizado.	 Algumas	 escolas	 oferecem	 disciplinas	 de	 Biologia	 da	 Educação,	
que	não	raras	vezes,	tem	em	seu	conteúdo	elementos	do	ensino	de	biologia	dos	
cursos	de	nível	médio	ou	ainda	uma	biologia	pobremente	voltada	às	necessidades	
do	educador.	Os	conhecimentos	da	biologia	da	educação	desde	Vigotsky,	Walon,	
Lúria,	Montessory	e	Piaget	avançaram	consideravelmente	nos	últimos	30	anos,	
graças	ao	advento	e	 importância	dada	à	genética,	evolução	e	neurociências	no	
entendimento	 da	 natureza	 humana	 e	 da	 aprendizagem.	 Novas	 explicações	 e	
técnicas	 baseadas	 nestes	 estudos	 têm	despontado	 na	mídia	 e	 nas	 escolas	 de	
formação	 de	 educadores,	 dando	 origem	 às	 disciplinas	 como	 Neurodidática,	
Neuropedagogia,	Neurofisiologia	da	Aprendizagem,	Biologia	da	Educação.
Por	 outro	 lado,	 questões	 antes	 paradigmáticas	 com	 relação	 ao	 herdado	 e	
adquiridas	na	aprendizagem,	 como	por	 exemplo,	 a	aparente	oposição	entre	os	
contextos	sócio-histórico-culturais	e	a	genética,	 fomentados	essencialmente	por	
motivos	 políticos	 ideológicos	 (capitalismo	 e	 a	 lei	 do	mais	 forte	 x	 comunismo	 e	
automatismos	sociais)	não	fazem	mais	sentido,	cabendo	agora,	analisarmos	até	
que	 ponto	 pode	 ser	 maximizado	 as	 capacidades	 inatas	 de	 aprendizagem	 dos	
indivíduos	 e	 facilitarmos	 assim,	 o	 desenvolvimento	 corpóreo;	 intelectual;	 ético;	
emocional.
Nosso	primeiro	capítulo	diz	respeito	à	própria	natureza	da	aprendizagem,	que	
em	muitos	aspectos	se	confunde	com	o	conceito	de	seres	vivos;	Viver	é	Aprender.	
Vamos	discutir	e	trabalhar	o	conceito	de	seres	vivos,	de	homeostasia,	sobrevivência	
e	perpetuação,	como	a	evolução	biológica	atua	sobre	a	aprendizagem	e	a	maneira	
como	nossas	ideias	acerca	do	cérebro	e	da	aprendizagem	evoluíram	ao	longo	da	
história da ciência.
O	segundo	capítulo	é	mais	 técnico,	 tratando	basicamente	das	estruturas	e	
funcionamento	do	tecido	nervoso,	das	células	do	sistema	nervoso	ao	potencial	de	
ação,	sinapses;	e,	por	último	da	plasticidade	neural.	O	educador	pouco	habituado	
ao	estudo	desta	abordagem	da	aprendizagem	deve	dar	igual	ou	maior	importância	
ao	 capítulo,	 pois	 este	 servirá	 de	 instrumento	 fundamental	 para	 o	 entendimento	
do	 restante	 do	 conteúdo	 do	 caderno,	 e	 ao	 final	 dos	 estudos,	 dará	 um	 suporte	
para	 atuar	 de	 forma	 crítica	 sobre	 aspectos	 nutricionais,	 psicofarmacológicos	
e	 as	 estimulações	 necessárias	 para	 o	 bom	 desenvolvimento	 das	 capacidades	
cognitivas.
No	 terceiro	 capítulo	 faremos	 uma	 revisão	 sistemática	 do	 sistema	 nervoso,	
com	ênfase	às	principais	estruturas	responsáveis	pelas	regulações	homeostáticas	
e	 pelo	 aprendizado,	 culminando	 no	 maestro	 da	 orquestra	 cognitiva	 que	 é	 o	
córtex	 pré-frontal,	 passando	 pelos	 mecanismos	 da	 percepção,	 cognição	 e	 os	
componentes	motores	e	hormonais	 das	 respostas	que	o	organismo	oferece	ao	
seu entorno. 
O	 quarto	 capítulo	 aborda	 o	 desenvolvimento	 e	 aprendizagem	 desde	 o	
momento	da	fecundação	até	a	fase	adulta,	a	forma	com	que	o	sistema	nervoso	
vai	adquirindo,	a	partir	de	uma	mente	inespecífica,	suas	características	especiais	
e	definindo	a	identidade	do	ser,	tornando	mais	específico	o	indivíduo	em	termos	
de	 habilidades	 ao	 longo	 da	 vida.	 Faremos	 uma	 análise	 do	 desenvolvimento	
ontogenético;	o	desenvolvimento	do	ser	ao	longo	da	sua	história	de	vida	individual.
Nosso	 quinto	 e,	 último	 capítulo,	 fará	 referência	 à	 aplicabilidade	 dos	
conhecimentos,	 conceitos,	 teorias	 e	 formulações	 apresentadas	 anteriormente,	
voltados	 aos	 ambientes	 de	 aprendizagem	 formais	 e	 não	 formais,	 abordando	
questões	 como	 memória,	 motivação	 e	 aspectos	 nutricionais	 relacionados	 à	
aprendizagem,	que	constituirão	nossas	últimas	contribuições	no	seu	aprendizado	
nesse momento. 
Bons estudos!
O autor.
CAPÍTULO 1
Vida	e	Aprendizagem
A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes 
objetivos de aprendizagem:
 Apresentar	os	princípios	básicos	que	regem	a	vida,	a	relação	entre	o	organismo	
vivo	e	seu	meio	e	a	evolução	de	nossas	ideias	sobre	a	mente	humana.
 Entender	o	conceito	de	seres	vivos	e	sua	relação	com	aprendizagem;	regulação	
homeostática	e	sobrevivência.
 Analisar	a	interface	entre	vida	e	aprendizagem	e	superar	o	paradigma	herdado	
e aprendido. 
 Entender	os	processos	evolutivos	biológicos	e	culturais.
10
Neurofi	siologia
11
VIDA E APRENDIZAGEMCapítulo	1
ConteXtualização
Para	começarmos	nossos	estudos	no	mundo	da	neurofi	siologia	é	importante	
que	 trabalhemos	 alguns	 conceitos	 básicos	 da	 biologia,	 essencialmente,	 da	
genética,ecologia,	 comportamento	 e	 neurociências.	 No	 capítulo	 que	 segue	
vamos	 discutir	 o	 conceito	 de	 homeostasia	 e	 suas	 implicações	 na	 busca	 pelo	
equilíbrio	das	estruturas	e	funções	de	todo	o	organismo	vivo	e	sua	interface	com	
os sistemas emocionais.
Todos	 nós	 algum	 dia	 já	 tivemos	 emoções	 destrutivas	 como	 a	 raiva	 e	
respondemos	de	uma	forma	negativa	a	determinado	problema,	podemos	ver	esta	
resposta	como	algo	adaptativo	em	um	universo	evolutivo.	A	expressão	da	emoção,	
em nosso caso a raiva, pode ser vista como um mecanismo de proteção contra 
alguém	que	causou	ou	causa	 injuria	ou	prejuízo,	ou	ainda,	como	algo	que	gera	
estresse	e	um	prejuízo	maior	que	seus	supostos	benefícios.	Estes	mecanismos	
e	os	processos	pelos	quais	nossos	sistemas	voltam	ao	normal	são	exemplos	de	
homeostasia no comportamento e no cotidiano das pessoas.
Também	este	capítulo	se	destaca	na	discussão	que	trava	entre	o	paradigma	
darwinista	 e	 a	 genética	 comportamental	 e	 suas	 aplicações	 no	 ambiente	
educacional	 formal	 e	 não	 formal.	 Estes	 estudos	 são	 de	 importância	 para	 o	
educador	 por	 abordar	 questões	 limítrofes	 do	 entendimento	 da	 natureza	 do	
educando	e	por	propor	refl	exões	sobre	assuntos	tabus	tais	como,	diferenças	entre	
sexos,	orientação	sexual	e	herança	ligada	ao	comportamento.
Por	 fi	m,	poderemos	discutir	 a	história	da	neurociência,	 sua	 importância	na	
evolução	do	pensamento	científi	co	e	sua	relevância	enquanto	ciência	integradora	
no	século	XXI.
Seres	Vivos,	Homeostasia	e	
Aprendizagem
Em	seu	livro	“A	origem	das	espécies”	de	1858,	Darwin	enfatiza	a	importância	
da	 luta	 pela	 sobrevivência	 e	 perpetuação	 como	 os	 caracteres	 principais	 que	
constituem a vida, todos os organismos vivos estão constantemente empenhados 
em	 sobreviver	 e	 deixar	maior	 número	 de	 cópias	 possíveis	 de	 seus	 genes	 nas	
futuras	gerações.	Seres	humanos,	enquanto	contínuo	deste	processo,	não	estão	
excluídos	deste	objetivo	último	da	vida.
Filósofos	de	 todos	os	 tempos	destacaram	este	equilíbrio	enquanto	aspecto	
constituinte	 da	 vida:	 Aristóteles	 nos	 apresenta	 em	 suas	 análises	 sobre	 ética,	
12
Neurofi	siologia
que	a	busca	pelo	bem-estar	e	a	 felicidade	constituem	ações	morais.	Descartes	
inspirou-se	nas	fontes	de	água	de	Paris	para	explicar	esta	busca	pelo	equilíbrio,	
num	 modelo	 denominado	 hidráulico.	 Descartes,	 na	 sua	 maneira	 “mecanicista”	
de	 explicar	 o	mundo,	 acreditava	 que	 os	 organismos	 humanos	 funcionavam	 de	
maneira	 semelhante	 ao	 utilizado	 nas	 fontes	 e	 buscou	 subsídios	 na	 anatomia.	
Ele	 supôs	 que	 a	 glândula	 pineal	 (que	 controla	 os	 ritmos	 diários	 do	 corpo	 e	 o	
ciclo	 sono-vigília),	 por	 fi	car	 próxima	 aos	 ventrículos	 preenchidos	 pelo	 líquido	
cérebro	espinhal	(causa	da	hidrocefalia),	bombeava	este	líquido	ativando	nervos,	
músculos	e	ossos,	de	maneira	que	o	indivíduo,	estimulado	pela	visão	da	comida	
e	 estando	motivado	 para	 comer	 se	 dirigiria	 tal	 qual	 um	 autômato	 para	 a	 fonte	
de	 comida.	 O	 sistema	 visual	 via	 nervo	 óptico,	 seria	 o	mecanismo	 eliciador	 da	
resposta	dada	pela	pineal	e	o	fi	lósofo	chegou	a	construir	um	“robô”	a	partir	deste	
modelo.	No	entanto,	seu	modelo	mecânico	não	pressupunha	um	meio	 termo,	e	
os	organismos	deveriam	chegar	ao	extremo	da	falta	de	nutrientes	no	corpo	para	
estarem	motivados	a	beber	ou	comer.	Difi	cilmente,	alguém	conseguiria	sobreviver	
se	resolvesse	buscar	alimento	apenas,	quando	sua	fome	estivesse	no	limite.
Walter	 Cannon,	 em	 1929,	 cunhou	 o	 termo	homeostasia para	 defi	nir	 esta	
busca	 por	 estados	 equilibrados	 do	 organismo.	 A	 homeostasia	 para	 Cannon	 é	
defi	nida	como	uma	oscilação	entre	dois	extremos	o	mais	próximo	possível	de	um	
ótimo	idealizado,	é	um	sistema	de	regulação	de	todos	os	processos	vivos.
Homeostasia:	 uma	 tendência	 de	 os	 estados	 fi	siológicos	 do	
organismo	manter	o	equilíbrio.
Vamos	usar	a	temperatura	corpórea	humana	como	exemplo:	existe	um	limiar	
inferior	 de	 tolerância	 que	 é	 de	 34ºC,	 um	 limiar	 superior	 que	 em	 adultos	 pode	
chegar	até	40ºC	e	uma	 temperatura	ótima	 (lembramos	aqui	 que	o	ponto	ótimo	
é	 idealizado)	que	é	de	36,5	ºC.	O	corpo	 terá	sua	 temperatura	oscilando	o	mais	
próximo	 possível	 do	 ótimo,	 então	 em	 um	 dia	 quente	 de	 verão	 vamos	 procurar	
um	 lugar	com	sombra	e	nossas	glândulas	sudoríparas	serão	ativadas	de	 forma	
a	eliminar	vapor	de	água	e	refrescar	o	organismo,	o	contrário	vai	ocorrer	se	o	dia	
estiver	frio,	nosso	cérebro	mandará	comandos	para	que	os	músculos	se	contraiam	
repetidamente	para	produzir	calor	metabólico	e	nossos	pêlos	fi	carão	eriçados	de	
maneira	a	manter	o	calor	na	superfície	do	corpo.
António	Damásio	analisando	a	natureza	das	emoções	e	sentimentos	no	livro	
“Em	busca	de	Espinosa:	prazer	e	dor	na	ciência	dos	sentimentos”	(2004,	p.	43),	
faz	uma	análise	da	vida	e	obra	do	fi	lósofo	do	século	XVII	Benedictus	Espinosa	
a	partir	 da	perspectiva	da	neurociência	e	da	biologia	moderna,	 ele	 aborda	que	
13
VIDA E APRENDIZAGEMCapítulo	1
“a	 tentativa	contínua	de	conseguir	um	estado	de	vida	equilibrado	é	um	aspecto	
profundo	 e	 defi	nidor	 da	 nossa	 existência”.	 A	 palavra	 equilibrada	 aqui	 merece	
destaque,	pois	todos	os	organismos	vivos	buscam	o	equilíbrio	para	manter	suas	
estruturas	e	funcionamento	e	sobreviver.
Figura	1	–	Esquema	representativo	da	homeostasia
Fonte:	Tortora	e	Grabowski		(2002.	p.	7).
Esquema	 representativo	 da	 homeostasia	 quando	 esta	 é	
perturbada	 por	 algum	 estímulo,	 como	 exemplifi	cado	 no	 texto,	 que	
pode	ser	a	temperatura	corporal.
13
14
Neurofi	siologia
Para	Espinosa	(apud	DAMÁSIO,	2004,	p.44)	“cada	coisa	na	medida	do	seu	
poder,	 esforça-se	 por	 perseverar	 no	 seu	 ser	 e	 o	 esforço	 pelo	 qual	 cada	 coisa	
tende	a	perseverar	no	seu	ser	nada	mais	é	o	do	que	a	essência	desta	coisa”.	As	
emoções,	neste	sentido,	nada	mais	são	do	que	ajustes	que	o	organismo	promove	
para	 manter	 a	 coesão	 das	 suas	 estruturas	 e	 funções.	 O	 aluno	 irrequieto,	 que	
chama	a	atenção	dos	colegas	e	do	professor	com	comportamentos	inadequados	
para	 a	 aula	 pode	 estar	 com	 problemas	 de	 relacionamento	 em	 casa.	 Sempre	
lembro	 dos	 alunos	 hiperativos	 nestes	 casos,	 como	 uma	 área	 do	 cerebelo	
responsável	 pela	 postura	 corporal	 e	 pela	 regulação	 da	motivação	 denominada	
vermis	é	 reduzida	na	maioria	dos	casos	 (CASTELLANOS	et.al.,	2001),	o	aluno	
fi	ca	 se	 movendo	 constantemente	 na	 cadeira;	 senta,	 levanta,	 senta,	 deita	 por	
vezes,	pois	seu	cérebro	manda	comandos	para	o	corpo	ajustar	a	postura	o	tempo	
todo,	mesmo	que	esteja	na	posição	adequada,	uma	dissonância	entre	o	que	o	
corpo	vive	e	aquilo	que	o	cérebro	acusa	que	o	corpo	vive.
As	 emoções	 constituem	 exemplos	 interessantes	 de	 como	 regulam	 os	
processos	homeostáticos.	Geralmente,	eventos	que	provocam	emoções	positivas	
levam	 a	 um	 turbilhão	 de	 pensamentos	 que	 passam	 rapidamente	 em	 nossas	
mentes,	 sem	 nos	 determos	 em	 um	 particular.	 Por	 outro	 lado,	 pensamentos	
eliciados	 por	 emoções	 negativas	 são	 “ruminados”	 por	 longos	 períodos	 e	 nos	
detemos	demoradamente	neles.	Qual	o	valor	adaptativo	desta	diferença?	
Emoções	 positivas	 como	 felicidade,	 gratidão	 e	 bem	 estar	 são	 importantes	
em	 nossas	 vidas,	 mas	 os	 estímulos	 que	 eliciam	 tais	 emoções	 não	 diminuem	
nossa expectativa de vida ou saúde; então, não há necessidade de se deter em 
solucionar	 problemas	 imediatos.	 Emoções	 negativas	 como	 nojo,	 tristeza,	 raiva,	
medos	e	 culpas	estão	 imediatamente	 relacionados	 com	a	diminuição	
do	 nosso	 sucesso,	 e,	 portanto,	 os	 pensamentos	 relacionados	 a	
estas	emoções	devem	ser	processados	em	nossas	mentes	de	 forma	
contínua,	até	termos	certeza	de	que	a	ameaça	passou	ou	o	problema	
foi	superado	(DAMÁSIO,	2004).
Sentimos	 nojo	 daquilo	 que	 possa	 nos	 causar	 doenças	 como	 as	
fezes,	que	podem	conter	parasitas	perigosos;	o	medo	pode	fazer	com	
que	 sejamos	mais	 cautelosos	 com	 relaçãoa	 	 situações	 de	 perigo;	 a	
gratidão	pode	 fazer	 com	que	eu	atue	de	 forma	altruísta	 com	 relação	
a	 alguém,	 que	 num	 momento	 de	 necessidade	 me	 estendeu	 a	 mão	
ou	 que	 poderá	me	 auxiliar	 em	 carências	 futuras.	 É	 de	 se	 esperar	 e	
avaliar,	portanto,	o	conjunto	de	emoções	e	situações	em	que	o	aluno	
está	 inserido	de	forma	a	compreender	na	sua	totalidade	as	respostas	
comportamentais	 oferecidas	 nos	 ambientes	 de	 aprendizagem,	 bem	
como sua história de vida.
O aluno que 
entra na creche 
deveria receber 
uma caderneta 
de relatos de 
professores, 
coordenadores 
pedagógicos 
e pais sobre 
alterações 
no peso, 
crescimento, o 
desenvolvimento 
psicomotor e da 
linguagem.
15
VIDA E APRENDIZAGEMCapítulo	1
Isso	refl	ete	um	outro	problema	do	ambiente	educacional:	a	descontinuidade	
e	carência	de	 informações	do	histórico	escolar	do	aluno.	O	aluno	que	entra	na	
creche	deveria	receber	uma	caderneta	de	relatos	de	professores,	coordenadores	
pedagógicos	 e	 pais	 sobre	 alterações	 no	 peso,	 crescimento,	 o	 desenvolvimento	
psicomotor	 e	 da	 linguagem,	 eventos	 de	 agressões,	 bem	 como	 amostras	 de	
trabalhos	escolares,	de	maneira	semelhante	às	cadernetas	de	saúde	e	vacinações	
oferecidas	pelas	secretarias	de	saúde.	Muito	do	que	é	diagnosticado	por	médicos,	
psicólogos	e	psicopedagogos	poderia	ter	outra	interpretação	com	base	no	histórico	
do	aluno.	Um	exemplo	é	o	alarmante	número	de	casos	de	hiperatividade,	muitas	
vezes	 erroneamente	 diagnosticados.	O	 que	 é	 um	 comportamento	 impulsivo	 ou	
eventos	de	depressão	circunstancial	ocasionado	pela	separação	dos	pais	ou	pela	
perda	de	um	ente	querido,	 poderia	 ser	 resolvido	de	maneira	 alternativa	 àquela	
proposta	 pela	 administração	 de	 fármacos.	 Este	 relatório	 poderia	 acompanhar	
o	 aluno	 ao	 longo	 da	 sua	 vida,	 auxiliando	 no	 diagnóstico	 precoce	 correto	 e	 no	
tratamento	adequado	de	 transtornos,	principalmente	na	adolescência,	momento	
crítico	de	alterações	no	sistema	nervoso,	bem	diferente	daquele	histórico	escolar	
contendo	apenas	as	médias	anuais	do	aluno,	em	determinadas	disciplinas	ou	seu	
desempenho	em	algumas	habilidades	e	tarefas.
Atividade de Estudos:
1)	 Conceitue	 homeostasia	 e	 represente	 grafi	camente	 um	 exemplo	
desse processo.
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
16
Neurofi	siologia
RelaçÕes	Entre	o	Herdado	e	o	
AdQuirido	na	Aprendizagem
Quanto	 do	 que	 aprendemos	 pode	 ser	 determinado	 por	 fatores	 biológicos	
herdados	de	nossos	pais;	e	quanto	disso,	pode	ser	delegado	a	fatores	culturais,	
sociais,	 às	 contingências	 da	 vida?	 Por	 muito	 tempo,	 antropólogos,	 sociólogos,	
biólogos	 e	 historiadores	 se	 debateram	 neste	 paradigma,	 em	 uma	 discussão	
controvérsia,	 rica	 em	 vieses,	 posições	 pessoais,	 defesas	 de	 ideologias.	 Vamos	
procurar	elucidar	um	pouco	os	contextos	biológicos	do	nosso	comportamento.
Pense	na	imagem	de	um	bebê.	Quais	as	primeiras	sensações	e	pensamentos	
lhe	 vêm	 à	 mente?	 Geralmente,	 emoções	 de	 alegria,	 ternura,	 encantamento	 e	
uma	necessidade	 incrível	de	proteção	são	eliciados	como	resposta	ao	bebê	em	
indivíduos	de	todas	as	idades	e	em	todas	as	culturas.	Será	que	estes	comportamentos	
são	aprendidos	no	processo	cultural	ou	determinados	pelo	funcionamento	de	nossas	
estruturas	nervosas	e	endócrinas?	
Podemos	pensar	 da	 seguinte	 forma:	 aqueles	 comportamentos	
que	são	fundamentais	para	a	sobrevivência	do	 indivíduo	ou	de	sua	
prole	serão	determinados	em	primeira	mão	por	fenômenos	biológicos,	
pois	o	organismo	não	poderá	esperar	que	o	contexto	sócio-cultural	
lhe	 proporcione	 o	 aprendizado	 pelo	 custo	 que	 isso	 acarretaria	 a	
sua	 vida;	 outros	 comportamentos	 que	 possibilitam	 respostas	 mais	
fl	exíveis	e	de	menor	relevância	para	a	sobrevivência,	ou	que	podem	
aguardar	do	 indivíduo	um	aprendizado	no	seu	convívio	com	outros	
apresentam	menor	determinação	biológica.
Cuidar	 dos	 fi	lhotes	 constitui	 uma	 rede	 de	 comportamentos	 complexos,	 é	
de	se	esperar	que	alguns	destes	necessitem	de	aprendizado	social,	no	entanto,	
algumas	respostas	devem	estar	pré-programadas	nas	 redes	neurais.	Existe	um	
gene denominado Fos β que	 é	 expresso	 no	 hipotálamo	 (área	 do	 cérebro	 que	
controla	 todas	 as	 glândulas	 do	 corpo	 e	 os	 comportamentos	 motivados	 como	
comer,	 beber,	 dormir,	 transar	 e	 cuidar	 dos	 fi	lhotes),	 este	 gene,	 quando	 inativo	
para	a	produção	da	proteína	 funcional	Fos β, em camundongos geneticamente 
modifi	cados,	produz	um	comportamento	de	 indiferença	aos	estímulos	olfatórios,	
sonoros	 ou	 táteis	 advindos	 dos	 fi	lhotes.	Mães	 camundongos	 com	 duas	 cópias	
inativas do gene não respondem prontamente aos chamados sonoros dos seus 
fi	lhotes	 quando	 eles	 estão	 fora	 do	 ninho,	 não	 apresentando	 a	 responsividade	
17
VIDA E APRENDIZAGEMCapítulo	1
materna	ao	chamado	dos	fi	lhotes	e	não	 recuperando	os	mesmos	para	o	ninho	
(BROWN	et. al., 1996).
A	visão	de	fi	lhotes	e	bebês	 invariavelmente,	 causa	sentimentos	de	 ternura	
e	 encantamento	 em	 pessoas	 de	 praticamente	 todas	 as	 idades,	 basta	 você	
agora,	 pensar	 em	um	gatinho	ou	 cachorrinho	brincando,	 ou	 na	 imagem	de	um	
bebê	 engatinhando	 ou	 sorrindo.	 Estes	 sentimentos	 baseiam-se	 em	 sistemas	
e processos inatos, a partir de mecanismos desencadeadores, como os 
movimentos	bruscos	e	repetitivos	tão	graciosos	dos	infantes	de	todas	as	espécies	
de	 mamíferos.	 Outras	 características	 desencadeadoras	 são	 o	 tamanho	 maior	
da	cabeça	em	relação	ao	tronco,	o	crânio	com	a	fronte	arredondada	e	saliente,	
olhos	 grandes	 situados	 abaixo	 da	 linha	médio	 do	 crânio,	 extremidades	 curtas,	
rechonchudas	 e	 arredondadas,	 bochechas	 salientes	 e	 nariz	 pequeno.	 Este	
conjunto	 de	 características	 comuns	 a	 fi	lhotes	 de	 todas	 as	 espécies,	 ao	menos	
de	mamíferos	 e	 aves,	 foram	 selecionados	 ao	 longo	 da	 evolução,	 em	 conjunto	
com	 áreas	 do	 cérebro	 para	 reconhecer	 estas	 características	 como	 eliciadores	
do	cuidado	e	proteção	aos	fi	lhotes,	num	mecanismo	coevolutivo	para	garantir	a	
sobrevivência	dos	genes	dos	organismos	portadores	destas	características.
Pensar	em	termos	evolutivos	pode	facilitar	nosso	entendimento	das	diferenças	
de	 gênero,	 da	 sexualidade,	 do	 desenvolvimento	 e	 comportamento	 diferencial	
de	meninos	 e	meninas	 nos	 seus	 ambientes	 de	 aprendizado.	Devemos	 levar	 em	
conta	mais	uma	vez	o	ambiente	ancestral	primitivo	no	qual	 cérebros	de	homens	
e	 mulheres	 evoluíram	 de	 forma	 diferente,	 pois	 utilizam	 estratégias	 reprodutivas	
diferentes.	Estes	traços	genéticos	ao	 longo	do	tempo	fi	cam	marcados	em	fatores	
ditos	culturais.	Exemplo	disso	são	os	inúmeros	tabus	em	nossas	sociedades.	O	tabu	
do	incesto	(relação	sexual	entre	parentes	consanguíneos,	afi	ns	ou	adotivos)	evitaria	
acasalamentos	 consanguíneos	 e	 diminuiria	 a	 incidência	 de	 genes	 deletérios	 em	
duplicata	(problemas	congênitos	que	precisam	de	cópias	de	genes	tanto	do	macho	
quanto	da	fêmea	para	expressarem	suas	características).	Evitar	relações	
incestuosas	 aumentaria	 a	 sobrevivência	 e	 as	 chances	 de	 reprodução	
dos	 fi	lhotes	 e	 muitas	 espéciesanimais	 apresentam	 estratégias	 para	
evitar	 o	 endocruzamento,	 seja	 por	meio	 da	 dispersão	 (fi	lhotes	 quando	
amadurecem	 se	 deslocam	para	 longe	 do	 seu	 grupo	 social	 de	 origem,	
formando	novos	bandos)	ou	por	mecanismos	de	reconhecimento	como	
ferormônios,	assinaturas	vocais	e	comportamentos.
As	 sociedades	 humanas	 primitivas	 estavam	 organizadas	 de	
maneira	 semelhante	 àquelas	 encontradas,	 ainda	 hoje,	 no	 alto	 Xingu	
ou	 na	Amazônia;	 sociedades	 de	 caçadores	 e	 coletoras,	 com	 divisão	
sexual	do	trabalho,	nas	quais	as	mulheres	fi	cavam	próximas	às	áreas	
dormitórios	 e	 estavam	 responsáveis	 pelo	 cuidado	 com	 as	 crias	 e	
com	 a	 coleta	 de	 frutos,	 brotos	 e	 sementes;	 enquanto	 os	 homens	 se	
Cérebros de 
homens e 
mulheres foram 
projetados pelo 
processo de 
seleção natural e 
as consequências 
disso, nas 
habilidades e 
comportamentos 
atuais de meninos 
e meninas.
18
Neurofi	siologia
deslocavam	 a	 grandes	 distâncias	 e	 eram	 responsáveis	 pela	 caça	 (suprimento	
protéico)	 e	 defesa	 do	 território.	A	 partir	 desta	 organização	 podemos	 pressupor	
diferentes	maneiras	pelas	quais	cérebros	de	homens	e	mulheres	foram	projetados	
pelo	 processo	de	 seleção	natural	 e	 as	 consequências	 disso,	 nas	habilidades	e	
comportamentos atuais de meninos e meninas.
Estudo	 mostrando	 preferências	 por	 brinquedos	 ditos	 “masculinos”	 como	
bolas	e	carrinhos	e	brinquedos	ditos	“femininos”	como	bonecas	e	panelas	foram	
conduzidos	com	primatas	não	humanos	pelas	pesquisadoras	Alexander	e	Hindes	
(2002).	 Elas	 usaram	 macacos	 vervets	 (Cercopithecus aethiops sabaeus) em 
experimento	em	que	machos	e	 fêmeas	eram	submetidos	a	duas	 categorias	de	
objetos	para	brincarem:	brinquedos	ditos	“masculinos”	e	“femininos”.	 Importante	
destacar	 que	 esses	 animais	 não	 são	 submetidos	 à	 estimulação	 precoce,	 que	
reforce	 preferência	 por	 brinquedo,	 e	 muito	 menos,	 eles	 podem	 apresentar	 um	
entendimento	de	suas	 identidades	de	gêneros,	apenas	podemos	dizer	que	 tais	
preferências	 evidenciam	que	 cérebros	 de	 primatas	 desenvolveram	sistemas	de	
reconhecimento	 especializados	 para	 categorias	 de	 objetos	 que	 tenham	 valor	
adaptativo,	como	expressões	faciais	das	emoções.	No	estudo,	“meninos”	vervet	
despenderam	mais	 tempo	com	bolas	e	carrinhos	de	polícia.	Este	 tipo	de	objeto	
quando	tirado	da	inércia	apresenta	um	padrão	de	deslocamento	muito	semelhante	
ao	de	uma	caça.	Quando	olhamos	um	grupo	de	meninos	atrás	de	uma	bola	e	nos	
remetemos	a	um	ambiente	de	caça	a	uma	lebre	podemos	pensar	que	a	caçada	
e	 a	 partida	 de	 futebol	 partilham	 de	 contextos	 semelhantes.	 Por	 este	 motivo	
também,	os	meninos	são	mais	hábeis	na	leitura	de	mapas	e	em	habilidades	que	
requerem	noções	espaciais	e	justifi	camos	porque	as	escolas	de	engenharia	têm	
proporcionalmente	 maior	 número	 de	 alunos	 do	 sexo	 masculino.	 As	 “meninas”	
vervets	permaneceram	mais	tempo	em	contato	com	brinquedos	ditos	“femininos”	
como	bonecas	e	panelas.	É	uma	obviedade	a	preferência	por	bonecas	e	justifi	ca	
o	 fato	 de	 as	 mulheres	 apresentarem	 estruturas	 cognitivas	 mais	 desenvolvidas	
para	a	linguagem	(mulheres	se	comunicam	mais	e	melhor	que	homens	em	geral)	
e	 serem	mais	 sensíveis	 a	 organismos	 potencialmente	 nocivos	 a	 fi	lhotes	 como	
baratas	 e	 ratos.	As	 panelas	 parecem	menos	 óbvias	 na	 preferência	 de	 vervets	
fêmeas,	mas	panelas	são	ótimos	recipientes	para	armazenar	alimentos	pequenos	
como	sementes,	frutos	e	brotos.
19
VIDA E APRENDIZAGEMCapítulo	1
Figura	2	–	Macacos	vervet	com	brinquedos	“masculinos”	e	“femininos”
Fonte:	Alexander	e	Hines	(2002,	p.	23).
Atividade de Estudos:
1)	 Apresente	 um	 exemplo	 de	 comportamento	 que	 pode	 ser	
aprendido	culturalmente,	mas	que	pode	ser	eliciado	pelos	genes, 
ou	seja,	de	forma	inata:
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
Pelos	exemplos	e	abordagens	descritas,	devemos	ressaltar	alguns	aspectos	
inerentes	 à	 aprendizagem	 e	 seus	 diferentes	 contextos	 explicativos.	 Podemos	
dizer	 que	 o	 paradigma	 inato	 versus	 aprendido,	 cultural	 versus	 genético,	 está	
ultrapassado.	
20
Neurofi	siologia
Genes não são expressos no vácuo, nem tampouco determinam 
comportamentos,	 os	 genes	 são	 responsáveis	 pela	 produção	 de	
proteínas,	 que	 são	 os	 blocos	 de	 construção	 e	 de	 regulação	 do	
metabolismo	dos	organismos	vivos.	Proteínas,	por	sua	vez,	podem	
estruturar	 áreas	 do	 cérebro	 e	 regular	 o	metabolismo	 de	 tal	 forma,	
que	 estaremos	 aptos	 ou	 não,	 a	 desempenhar	 certos	 papéis	 e	
apresentarmos	determinadas	preferências.	
A	 infl	uência	 dos	 hormônios	 masculinizantes	 (androgênicos	 como	 a	
testosterona)	 e	 feminilizantes	 (estrógenos)	 durante	 o	 desenvolvimento	 perinatal	
e	a	adolescência	podem	modifi	car	áreas	específi	cas	do	 cérebro	e	nos	habilitar	
e	proporcionar	comportamentos	característicos	da	identidade	do	gênero	ao	qual	
pertencemos.	 Comportamentos	 ditos	 femininos,	 podem	 ser	 manifestados	 por	
meninos	sem	que	estes	apresentem	preferências	sexuais	por	outros	meninos.	De	
forma	inversa,	meninos	podem	apresentar	preferências	sexuais	por	outros	meninos	
sem	que	deixem	suas	características	cognitivas	gerais	próprias	de	meninos.	Um	
problema	 bastante	 comum	 nos	 ambientes	 educacionais	 é	 a	 necessidade	 de	
enquadramento	das	crianças	em	determinados	tipos	estereotipados.	Um	exemplo	
bastante	comum	vem	dos	grandes	escritores.	Cérebros	femininos	são	mais	hábeis	
para	a	linguagem,	talvez	por	isso,	tenhamos	mais	professoras	de	Letras	a	homens	
lecionando	nesta	área,	 e	mesmo	as	escolas	de	Letras	 têm	em	suas	 fi	leiras	na	
maioria	 mulheres.	 Como	 explicar	 gênios	 da	 literatura	 fazendo	 descrições	 tão	
precisas	 inclusive	 de	 personagens	 femininos,	 como	explicar	Machado	 de	Assis	
na	 sua	 descrição	 da	 personalidade	 da	 Capitu	 em	 “Dom	 Casmurro”,	 ou	 ainda,	
João	Ubaldo	Ribeiro	em	seu	 livro	 “A	casa	dos	Budas	ditosos”	que	descreve	as	
experiências	devassas	de	uma	vida	inteira	de	uma	senhora?	Há	um	grande	erro	
em	colocarmos	 rótulos	em	nossos	alunos	a	partir	 de	 falsas	 suposições	do	que	
deveria	ser	seu	comportamento	em	relação	ao	seu	gênero.
Apesar	 da	maneira	 como	 nossos	 cérebros	 foram	 estruturados,	 a	 partir	 de	
nossa	origem	evolutiva	e	das	infl	uências	genéticas	e	hormonais	que	determinam	
nosso	comportamento,	o	cérebro	humano	é	muito	versátil	e	plástico,	e	pode	sofrer	
modifi	cações	 signifi	cativas	 quando	 submetido	 à	 aprendizagem	 e	 experiências.	
Vamos	 trabalhar	melhor	este	 tópico	adiante	no	 texto,	quando	discutirmos	sobre	
neuroplasticidade.	De	maneira	geral,	mesmo	que	tenhamos	algumas	preferências	
inatas,	 podemos	 aprender	 habilidades,	 gostos	 e	 valores,	 inclusive	 contrários	
aqueles	 aos	 quais	 somos	 predispostos	 desde	 que	 tenhamos	 motivação,	
estímulos	 e	 treino	 adequado.	Um	exemplo	 contundente	 e	 simples	 é	 a	 conduta	
homossexual	de	muitos	indivíduos	submetidos	ao	cárcere	ou	em	qualquer	evento	
21
VIDA E APRENDIZAGEMCapítulo	1
com	ausência	de	pessoas	do	sexo	oposto.	Algumas	pessoas	podem	se	submeter	
ao	homossexualidade	mesmo	sem	ter	condutas	inatas	para	isso,	ou	mesmo	sem	
nunca	 ter	 manifestado	 preferências	 por	 um	 relacionamento	 sexual	 com	 outras	
pessoasdo	mesmo	sexo,	simplesmente	porque	a	cópula	e	o	sexo	fazem	parte	do	
repertório	comportamental	de	nossa	espécie,	mas	apresenta	outras	funções	que	
não	a	reprodutiva.	Muitos	animais	apresentam	relações	homossexuais	como	parte	
do	aumento	no	vínculo	social	entre	os	indivíduos	–	se	faço	sexo	com	você,	sou	
seu	amigo	e	parceiro,	logo	poderemos	contar	um	com	o	outro.	Em	praticamente	
todas	as	espécies	de	mamíferos	 sociais	 estudadas	 temos	 registros	de	eventos	
de	 homossexualidade	 entre	 indivíduos	 próximos.	 O	 importante,	 como	 veremos	
ao	longo	do	texto,	é	que	o	educador	esteja	atento	às	preferências	e	aptidões	de	
meninos	e	meninas	para	auxiliar	no	seu	desenvolvimento,	não	gerando	frustrações	
ou dúvidas desnecessárias ao seu aprimoramento. 
Atividade de Estudos:
1)	 Quais	 estímulos	 do	 meio	 (de	 convivência)	 poderiam	 eliciar	 o	
comportamento	homossexual	e	como	estes	responderiam	a	uma	
orientação	sexual	de	caráter	inato?
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
 ______________________________________________________
HistÓrico	de	Nossas	Ideias	SoBre	a	
Mente,	CÉreBro	e	Aprendizagem
A	ideia	de	como	a	mente	funciona	e	sua	origem	orgânica	no	cérebro	data	de	
tempos	muito	remotos.	Todos	nós	temos	de	certa	forma,	uma	psicologia	intuitiva,	
ou	seja,	temos	uma	maneira	de	intuir	sobre	pensamentos,	emoções,	sentimentos	e	
prever	ações	tanto	de	nós	próprios	quanto	de	outros,	no	que	chamamos	de	“Teoria	
22
Neurofi	siologia
da	Mente”.	Nem	sempre	aquilo	que	nós	pretendemos	ser,	está	de	acordo	com	o	
que	somos,	em	um	processo	denominado	“dissonância	cognitiva”	(GAZZANIGA;	
HEATHERTON,	 2005).	 Em	 neurociências	 temos	 um	 jargão	 que	 dizemos	 sobre	
a	mente:	existem	ao	menos	três	tipos	de	mentes	que	lutam	o	tempo	todo	dentro	
de	nós	para	ser	a	mais	relevante,	aquilo	que	nós	pensamos	ser,	aquilo	que	nós	
gostaríamos	de	ser	e	aquilo	que	nós	realmente,	somos.
Para	 ilustrar	 estes	 processos	 basta	 pensarmos	 que	 colocamos	 a	mão	 em	
nossas	cabeças,	na	fronte,	quando	precisamos	tomar	uma	decisão,	exatamente	
o	 local	 do	 córtex	 pré-frontal,	 área	 de	 tomada	 de	 decisões,	 de	 planejamento,	
o	 cérebro	 executivo.	Outra	maneira	 de	 ilustrar	 a	 questão	 vem	 dos	 homens	 do	
neolítico.	Um	crânio	humano	submetido	a	uma	trepanação	(orifícios	e	perfurações	
na	caixa	craniana)	encontrado	na	Dinamarca	e	datando	de	7000	a.	C.	indica	que	
os	povos	do	neolítico	 já	sabiam	de	alguma	forma	a	existência	e	 importância	do	
cérebro	 para	 a	 fi	siologia	 e	 o	 comportamento	 humano,	 este	 crânio	 apresentava	
as	bordas	do	orifício	cicatrizadas,	o	que	indica	que	o	indivíduo	sobreviveu	muitos	
anos	após	a	cirurgia	(CLOWER;	FINGER,	2001).		No	“Papiro	cirúrgico	de	Edwin	
Smith”	escrito	no	Egito	antigo,	Século	XVII	a.	C.	temos	anotações	sobre	30	casos	
clínicos	de	traumas	cranioencefálicos	e	medular	relacionando	lesões	cerebrais	a	
disfunções	de	diversas	partes	do	corpo,	ou	ainda,	mudanças	de	comportamento	
e	humor	como	hemiplegias,	paralisias,	incontinências	urinárias	(FINGER,	1994).
Figura	3	–	Crânio	encontrado	em	sítio	asteca	submetido	à	trepanação
Fonte:	Clower	e	Finger	(2001,	p.	1417).
A	 neurociência	 tem	 reforçado	 a	 ideia	 inicialmente	 proposta	 por	Hipócrates	
(460-379	a.	C.)	de	que	o	estudo	adequado	da	mente	começa	pelo	entendimento	
de	como	o	cérebro	funciona.	Ou	seja,
Deveria	 ser	 sabido	 que	 ele	 é	 a	 fonte	 do	 nosso	 prazer,	
alegria,	 riso	 e	 diversão,	 assim	 como	 nosso	 pesar,	 dor,	
23
VIDA E APRENDIZAGEMCapítulo	1
ansiedade	 e	 lágrimas,	 e	 nenhum	 outro	 que	 não	 o	 cérebro.	
É	 especifi	camente	 o	 órgão	 que	 nos	 habilita	 a	 pensar,	 ver	 e	
ouvir,	a	distingüir	o	 feio	do	belo,	o	mau	do	bom,	o	prazer	do	
desprazer.	 É	 o	 cérebro	 também	 que	 é	 a	 sede	 da	 loucura	 e	
do	delírio,	dos	medos	e	sustos	que	nos	tomam,	muitas	vezes	
à	 noite,	 mas	 ás	 vezes	 também	 de	 dia;	 é	 onde	 jaz	 a	 causa	
da	 insônia	 e	 do	 sonambulismo,	 dos	 pensamentos	 que	 não	
ocorrerão,	 deveres	 esquecidos	 e	 excentricidades	 (FINGER,	
1994, p. 13).
Aristóteles	 divergiu	 erroneamente	 deste	 ponto	 de	 vista,	 afi	rmando	 que	
o	 coração	 era	 a	 sede	 da	mente	 e	 que	 o	 cérebro	 funcionava	 apenas	 como	um	
refrigerador	 para	 o	 sangue	 (Teoria	 do	Radiador).	No	 fi	nal,	 ele	 afi	rmava	 que	 ao	
menos	as	emoções	 teriam	sua	 fonte	no	 coração,	 de	onde	deriva	o	 símbolo	do	
amor;	um	coração,	que	na	realidade,	é	ativado	em	sua	função	simpática	pelo	nervo	
Vago,	nervo	que	controle	as	vísceras	e	é	ativado	por	núcleos	no	encéfalo.
Galeno	(130	–	200	d.	C.)	e	posteriormente	Nemésio	(320	d.	C.)	desenvolveram	
a	 ideia	de	que	os	ventrículos	seriam	os	responsáveis	pelas	operações	mentais,	
da	sensação	à	memorização	e	durante	toda	a	idade	média	a	noção	de	que	nos	
ventrículos	circulavam	os	espíritos,	 favorecidos	pela	 igreja	católica,	predominou	
do	 Renascimento	 até	 a	 ideia	 apresentada	 anteriormente,	 de	 um	 modelo	
hidráulico	para	o	 funcionamento	da	mente,	desenvolvida	por	Descartes	 (1596	 -	
1650),	que	acreditava	que	o	 “espírito	animal”	fl	uía	pelo	corpo	a	ativar	e	 regular	
o	 comportamento	 e	 as	 ações,	 sendo	 que	 	 a	 ausência,	 ou	 pouca	 atividade	 dos	
espíritos,	 	poderia	 induzir	ao	sono.	Apenas	no	século	XIX,	com	a	elucidação	da	
Teoria	 Celular	 por	 Theodor	 Schwann	 e	 os	 trabalhos	 pioneiros	 de	 coloração	 e	
descrição	 das	 células	 nervosas,	 respectivamente,	 por	Camilo	Golgi	 e	 Santiago	
Ramón	y	Cajal	é	que	foi	possível	uma	ideia	mais	acurada	sobre	a	estruturação	e	o	
funcionamento	do	tecido	nervoso	(FINGER,	1994).
Ainda	 no	 século	XIX,	 a	 escola	Frenologista	 	 (freno	 do	 latin	 signifi	ca	 alma)	
começa	a	ganhar	destaque	no	entendimento	do	sistema	nervoso,	principalmente	
pelas	 correlações	 feitas	 entre	 lesões	 no	 cérebro	 e	 problemas	 relacionados	 ao	
aprendizado,	 ao	 comportamento	 e	 memória.	 A	 escola	 frenologista	 realizava	
medições	 no	 crânio	 em	 busca	 de	 respostas	 para	 o	 funcionamento	 do	 cérebro,	
mas	foi	 longe	demais	ao	validar	preconceitos	raciais	e	de	gêneros,	necessários	
para	dar	fôlego	à	indústria	escravagista	e	a	supremacia	masculina	caucasóide	da	
época	(GOULD,	1991).	Foi	desenvolvido	um	mapa	cognitivo	do	cérebro	(fi	gura	4)	
e	uma	máquina	frenológica,	que	mensurava	a	atividade	encefálica.
Mas, como em realidade funciona o cérebro e de forma consequente, a 
mente?
Uma	primeira	 abordagem	veio	 dos	 primeiros	mecanismos	de	 computação,	
e	 as	 ideias	 de	 uma	 mente-esponja	 e	 uma	 mente-computador	 foram	 utilizadas	
24
Neurofi	siologia
até	meados	 do	 século	 XX,	 e	 ainda	 hoje,	 faz-se	 analogias	 entre	 computadores	
e	 cérebros.	 Será	 que	 é	 uma	 boa	 analogia?	 Diferentemente	 das	 máquinas	 de	
computar,	nossos	processadores	biológicos,	são	ao	mesmo	 tempo,	sequenciais	
e	 paralelos;	 e,	 com	exceção	 de	 algumas	áreas	 da	memória,	 não	 processamos	
informações	em	matrizes	binárias	do	tipo	0	-1.	Além	disso,	nossas	mentes	podem	
criar	coisas	que	não	existem	no	mundo	real,	computadores	só	podem	criar	coisas	
para	quais	foram	programados.	A	mente	pensa,	cria	e	imagina,	os	computadores	
são	apenas	executores	de	uma	tarefa.
Figura	4	–	Mapa	frenológico	das	principais	capacidades	cognitivas	e	suas	localizações
Fonte:	Kandel,	Schwartz	e	Jessell	(2003,	p.	7).
Posteriormente,	 em	 1992,	 Leda	 Cosmides	 e	 John	 Tooby	 desenvolveram	
uma	noção	bastante	diferente	de	como	a	mente	funciona,	eles	fi	zeram	analogia	
com	 um	 canivete	 Suíço,	 a	 partir	 de	 determinados	 problemas	 que	 o	 organismo	
enfrentava	 eles	 poderiam	 sacarde	 ferramentas	 específi	ca	 contida	 no	 canivete	
para	resolução	do	dado	problema	(COSMIDES;	TOOBY,	1992).	A	mente	do	tipo	
canivete	Suíço	foi	uma	variação	da	concepção	de	mente	muito	em	voga	na	década	
de	1980	que	era	a	mente	modular.	Neste	modelo,	a	mente	apresentava	entradas	
sensoriais,	 áreas	 de	memória	 e	 percepção,	 e	 saídas	motoras,	 subdivididas	 em	
módulos	com	funções	bastante	específi	cas,	uma	variação	do	 funcionamento	da	
mente	frenologista	bastante	aceita	ainda	hoje.	
25
VIDA E APRENDIZAGEMCapítulo	1
Em	seu	 livro	 “A	pré-história	da	mente:	 uma	busca	das	origens	da	arte,	 da	
religião	e	da	ciência”,	Steven	Mithen	faz	um	relato	arqueológico	do	funcionamento	
da	mente,	avaliando	as	origens	evolutivas	do	cérebro	humano,	suas	adaptações	
e	modifi	cações	e	nos	conduzindo	a	uma	busca	sobre	como	pensamos	sobre	a	
mente	(MITHEN,	2002).	Este	 trabalho	aponta	para	uma	mente	do	 tipo	“capela”.	
O	modelo	baseia-se	nas	 catedrais	 romanescas	que	apresentavam	uma	grande	
nave	 principal,	 e	 pequenas	 naves	 laterais.	A	 nave	 central	 seria	 uma	 nave	 das	
faculdades,	 habilidades	 e	 inteligências	 gerais	 e	 as	 naves	 menores,	 laterais,	
seriam	 as	 inteligências	 especializadas	 do	 cérebro.	 À	medida	 que	 o	 organismo	
se	 desenvolve	 e	 é	 exposto	 a	 experiências	 e	 aprendizagens	 e	 com	 base	 na	
sua	 constituição	 herdada	 estas	 inteligências,	 habilidades	 e	 faculdades	 se	
desenvolveriam	 ocupando	 os	 espaços	 da	 inteligência	 geral,	 produzindo	 uma	
supercapela,	denominado	“módulo	da	meta-representação”	(MITHEN,	2002).
Figura	5	–	A	mente	do	tipo	capela	e	as	fases	de	desenvolvimento	dos	planos	arquitetônicos
Fonte:	Mithen	(2002,	p.	32).
26
Neurofi	siologia
Atividade de Estudos:
1)	 Faça	uma	correlação	entre	a	mente	do	 tipo	capela	de	Mithen	e	
a	“Teoria	das	inteligências	múltiplas”	de	Howard	Gardner	(1993)	
que	divide	as	inteligências	em	sete	tipos	básicos:
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
 ____________________________________________________
Algumas	ConsideraçÕes
O	aluno	pode	observar,	ao	longo	do	capítulo,	que	existem	alguns	princípios	
norteadores do comportamento dos organismos, estes princípios não devem 
ser	 vistos	 como	 regras	 ou	 leis,	 mas	 como	 norteadores	 de	 um	 determinado	
comportamento	dependente	dos	contextos.	Um	destes	princípios	é	a	necessidade	
de	regulação	constante	do	organismo	para	que	o	mesmo	não	venha	a	perecer,	ele	
e seus genes e descendentes.
Outro	 ponto	 importante	 do	 capítulo	 é	 a	 função	 dos	 genes.	 Estes	 não	
regulam	 imediatamente	o	organismo,	mas	produzem	substâncias	 (as	proteínas)	
que	 formam	 a	 estrutura	 básica	 (por	 exemplo,	 na	 síndrome	 do	 X-frágil,	 que	 há	
27
VIDA E APRENDIZAGEMCapítulo	1
um	bloqueio	na	expressão	de	um	gene	que	produz	uma	proteína	reguladora	do	
desenvolvimento	neural).	Se	estas	proteínas,	ou	blocos	de	construção	não	forem	
expressos	de	maneira	correta	e	no	local	correto,	acarretará	mudanças	que	podem	
ser	 positivas	 ou	 nocivas	 ao	 indivíduo.	 Se	 positivas,	 os	 organismos	 sobrevivem	
e	 deixam	 fi	lhos	 com	 esta	 característica	 (observação:	 a	 característica	 poderá	
ou	não	ser	herdada	pelos	fi	lhotes),	se	negativa,	os	organismos	perecem,	e	 tais	
características	(genes)	perecem	com	ele.
ReFerências
ALEXANDER,	Gerianne	M.;	HINES,	Melissa.	Sex	differences	in	response	
to	children’s	toys	in	nonhuman	primates	(Cercopithecus	aethiops	sabaeus).	
Evolution And Human Behavior, n. 23, p.467-479, 2002.
BROWN,	J.;	BRONSON,	R.;	DIKKES,	P.;	GREENBERG,	M.	A	defect	in	nurturing	
in	mice	lacking	the	immediate	early	gene	Fos	β.	Cell, n. 86, p. 1-20, 1996.
CASTELLANOS,	F.	Xavier;	GIEDD,	Jay	N.;	BERQUIN,	Patrick	C.;	WALTER,	
James	M.;	SHARP,	Wendy;	TRAN,	Thanhlan;	VAITUZIS,	A.	Catherine;	
BLUMENTHAL,	Jonathan	D.;	NELSON,	Jean;	BASTAIN,	Theresa	M.;	
ZIJDENBOS,	Alex;	EVANS,	Alan	C.;	RAPPOPORT,	Judith	L.	Quantitative Brain 
Magnetic Resonance Imaging in Girls With Attention-Defi cit/Hyperactivity 
Disorder. Arch Gen Psychiatr, n. 58, p. 289-295, 2001.
CLOWER,	W.T.;	FINGER	S.	Discovering	trepanation:	the	contribution	of	Paul	
Broca. Neurosurgery 49(6):1417-25, 2001.
COSMIDES,	Leda;	TOOBY,	John.	Cognitive	adaptations	for	social	exchange.	
In:	BARKOW,	J.	H.,	COSMIDES,	L.,	TOOBY,	J.	The adapted mind. New	York:	
Oxford	University	Press,	1992.	p.163-280.
DAMÁSIO,	António.	Em busca de Espinosa:	prazer	e	dor	na	ciência	dos	
sentimentos.	São	Paulo:	Companhia	das	Letras,	2004.
FINGER,	Stanley.	Origins of Neuroscience:	a	History	of	explorations	into	Brain	
Function.	New	York,	Oxford	University	Press,	1994.
GARDNER,	Howard.	Frames of Mind:	The	Theory	of	Multiple	Intelligences.	New	
York:	Basic	Books,	1993.
GAZZANIGA	S.	Michael;	HEATHERTON,	Tead.	F.	Ciência Psicológica: mente, 
28
Neurofi	siologia
cérebro	e	comportamento.	2ª	imp.	rev.	Porto	Alegre:	ArtMed,	2005.
GOULD, Stepen J. A falsa medida do homem.	São	Paulo:	Martins	Fontes,	
1991.
HIPOCRATES.	Aforismos.	São	Paulo:	Martin	Claret,	2003.
KANDEL,	Eric	;	SCHWARTZ,	James	;	JESSELL,	Thomas.	Princípios da 
neurociência.	São	Paulo:	Manole,	2003.
MITHEN,	Steven.	A pré-história da mente:	uma	busca	das	origens	da	arte,	
religião	e	da	ciência.	São	Paulo:	Editora	UNESP,	2002.
TORTORA,	G.	J.;	GRABOWSKI,	S.	R.	Princípios de anatomia e fi siologia. Rio 
de	Janeiro:	Guanabara-Koogan,	2002.
CAPÍTULO 2
Tecido	Nervoso	e	Neuroplasticidade
A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes 
objetivos de aprendizagem:
 Determinar	os	princípios	básicos	de	neurotransmissão	e	as	unidades	básicas	
do	sistema	nervoso,	aspectos	nutricionais,	estimulação	e	como	os	neurônios	
se	transformam.
 Conhecer os conceitos de neurotransmissão, sistemas de neurotransmissores 
e	relação	com	psicofármacos,	nutrientes	e	estímulos.
 Construir	 um	modelo	 teórico-prático	 de	 funcionamento	 do	 tecido	 nervoso	 e	
como	este	se	transforma.
30
Neurofi	siologia
31
TECIDO NERVOSO E NEUROPLASTICIDADECapítulo	2
ConteXtualização
No	 capítulo	 anterior	 discutimos	 as	 bases	 biológicas	 do	 comportamento	
e	 do	 aprendizado,	 bem	 como	 os	 conceitos	 elementares	 em	 genética	 do	
comportamento.	Dissemos	que	os	genes	decodifi	cam	a	produção	das	proteínas.	
As	proteínas	são	os	blocos	de	construção	das	células,	e	o	conjunto	de	células	
em	 uma	 determinada	 área	 pode	 determinar	 como	 aquele	 organismo	 irá	 se	
comportar	 frente	a	determinadas	 circunstâncias.	Vamos	agora	 ver	 como	ocorre	
esta	organização	celular	e	sua	importância	no	aprendizado.
Este	 capítulo	 tem	 por	 fi	nalidade	 apresentar	 ao	 aluno	 o	 funcionamento	 do	
tecido	nervoso,	a	estrutura	dos	diferentes	tipos	de	células	nervosas	e	sua	relação	
com	as	demais	 células	do	 tecido	nervoso.	As	 células	nervosas	 são	as	unidades	
elementares	 que	 atuam	 na	 elaboração	 do	 comportamento,	 das	 sensações,	 da	
percepção	 e	 das	 emoções,	 compreendê-las	 signifi	ca	 um	 importante	 passo	 no	
entendimento	 da	 aprendizagem.	 Todas	 as	 modifi	cações	 que	 ocorrem	 durante	 a	
aprendizagem,	ocorrem	em	um	primeiro	momento	nestas	células,	em	umprocesso	
denominado	neuroplasticidade,	veremos	aqui,	 como	ocorrem	as	modifi	cações	no	
número	de	células,	bem	como,	no	número	de	conexões	entre	elas.	Estes	saberes	se	
inserem	no	processo	educacional	de	maneira	que	o	educador	e	os	administradores	
educacionais	possam	elaborar	estratégias	para	facilitar	a	aprendizagem,	bem	como	
contribuir	de	 forma	marcante	e	crítica,	na	elaboração	dos	cardápios	da	merenda	
escolar,	 na	 administração	 de	 psicofármacos	 e	 nas	 diferentes	 alternativas	 de	
estimulação	neural.	Enfi	m,	este	 capítulo	 complementa	as	 ideas	apresentadas	no	
capítulo	anterior	e	serve	de	aporte	para	os	capítulos	subsequentes.
Estrutura	e	Funcionamento	das	
CÉlulas	do	Sistema	Nervoso
As	 células	 nervosas	 surgiram	 primeiramente	 na	 história	 evolutiva	 nos	
cnidários,	que	são	representados	atualmente	por	águas	vivas	e	pólipos	de	corais	
(anêmonas),	 devido	 ao	 fato	 de	 o	 corpo	 destes	 animais	 serem	multicelulares	 e	
apresentarem	muitos	estratos	ou	camadas	diferentes,	as	células	nervosas	difusas	
destes	organismos	 faziam	a	comunicação	entre	os	diferentes	estratos	do	corpo	
do	mesmo.	 Então,	 estas	 células	 apresentam	 a	 importante	 função	 de	 transmitir	
informação	na	 forma	de	 impulsos	nervosos	de	uma	 região	do	corpo	a	outra	de	
maneira	 a	 integrar	 as	 suas	 diferentes	 estruturas.	 Neste	 sentido,	 no	 organismo	
humano,	 temos	basicamente	 três	sistemas	de	 integração:	o	sistema	nervoso,	o	
sistema	imune	e	o	sistema	endócrino.	O	sistema	circulatório	também	poderia	ser	
pensado	como	um	sistema	integrador,	por	ser	através	dele	que	os	três	outros	se	
comunicam e são nutridos.
32
Neurofi	siologia
Basicamente	uma	célula	nervosa	é	composta	de	quatro	partes	principais:
Os dendritos: são	as	portas	de	entradas	de	estímulos	na	célula,	estímulos	
estes	que	podem	vir	de	células	sensoriais	na	retina,	na	pele	ou	no	epitélio	olfatório	
no	nariz,	das	células	do	ouvido	interno	ou	ainda	das	papilas	gustativas	localizadas	
na	língua,	ou	podem	vir	de	outras	células	dos	sistemas	nervoso,	imune	ou	endócrino.
O corpo celular:	onde	encontramos	o	núcleo	e	os	principais	componentes	
celulares.	Tem	importante	função	na	fabricação	das	moléculas	comunicantes	do	
sistema,	bem	como	na	tomada	de	decisões	da	célula	neural,	de	seguir	transmitindo	
o	impulso	ou	de	bloquear	o	mesmo.
O axônio:	é	o	fi	o	condutor	de	estímulos	até	o	próximo	neurônio	ou	ainda	até	
uma	célula	muscular,	o	axônio	é	único,	mas	pode	se	 ramifi	car	em	centenas	de	
milhares	de	botões	terminais	e	estar	conectado	a	10.000	ou	até	100.000	outras	
sinápses	(fi	gura	6).	
Fendas sinápticas: são	 os	 espaços	 nos	 quais	 as	 células	 neurais	 se	
comunicam	umas	com	as	outras;	são	estreitas	conexões	entre	os	botões	terminais	
pré-sinápticos	dos	axônios	e	os	botões	pós-sinápticos	geralmente	localizados	nos	
prolongamentos	de	dendritos	e	nos	corpos	dos	neurônios	comunicantes.	Neste	
local	 são	 liberados	 pelo	 neurônio	 pré-sináptico	 os	 neurotransmissores	 que	 irão	
atuar	nas	membranas	plasmáticas	pós-sinápticas.
Figura	6	–	Neurônio	contendo	suas	principais	estruturas	citoplasmáticas
Fonte:	Carlson	(2002,	p.	28).
33
TECIDO NERVOSO E NEUROPLASTICIDADECapítulo	2
A	primeira	estrutura	a	ser	estudada	é	a	membrana	plasmática	(fi	gura	7),	uma	
fi	na	camada	dupla	de	fosfolipídios	(moléculas	contendo	ácidos	graxos	e	fósforo)	
com	 proteínas	 submersas	 na	 bicamada.	 Estas	 proteínas	 apresentam	 as	 mais	
variadas	funções,	dentre	as	quais	podemos	destacar	a	formação	de	canais	para	
a	entrada	e	saída	de	substâncias	ao	 longo	da	célula,	bem	como,	estruturas	de	
adesão	e	de	transporte.	A	membrana	plasmática	delimita	a	célula	e	decide	o	que	
entra	e	sai	da	mesma.	Este	fl	uxo	depende,	em	muito,	do	que	a	célula	carece,	do	
que	 ela	 apresenta	 em	 excesso	 ou	 do	 papel	 que	 ela	 precisa	 representar;	mas,	
ocorre	 basicamente	 a	 partir	 de	 um	 equilíbrio	 de	 forças	 e	 partículas	 dissolvidas	
em	água	dentro	e	fora	das	células.	Neste	sentido,	dizemos	que	a	mesma	é	semi-
permeável	ou	de	permeabilidade	seletiva,	ou	seja,	permite	a	passagem	livre	de	
substâncias	como	água	e	alguns	íons	e	seleciona,	ao	menos	momentaneamente,	
a	passagem	de	outros	íons	e	substâncias.	Íons	são	partículas	com	carga	positiva	
(cátions)	e	cargas	negativas	(ânions).	As	partículas	(átomos	ou	moléculas)	com	a	
mesma	carga	se	repelem	e	partículas	de	cargas	contrárias	se	atraem.	A	atração	
ou	 repulsão	das	partículas	gera	uma	 força	denominada	pressão eletrostática. 
Tal	 como	 a	 força de difusão,	 força	 que	move	 as	 partículas	 das	 áreas	 de	 alta	
concentração	 para	 as	 de	 baixa	 concentração,	 a	 pressão	 eletrostática	 empurra	
cátions	para	longe	de	regiões	com	excesso	de	cátions	e	ânions	sendo	empurrados	
para	longe	de	regiões	com	excesso	de	ânions.	A	presença	de	cargas	negativas	e	
positivas	dentro	e	fora	das	células	faz	com	que	a	membrana	plasmática	apresente	
o	 potencial	 de	 membrana,	 ou	 seja,	 a	 carga	 elétrica	 ou	 diferença	 de	 potencial	
elétrico	entre	o	interior	e	o	exterior	da	célula.
Membrana polarizada:	 quando	 a	 quantidade	 de	 cargas	
elétricas	 negativas	 está	 mais	 concentrada	 dentro	 da	 célula	 e	 as	
cargas	positivas	em	maior	concentração	fora	da	célula.	
Membrana despolarizada:	devido	a	abertura	de	canais	iônicos,	
íons	 positivos	 (cátions)	 entram	 na	 célula,	 deixando	 seu	 interior	
positivo e seu exterior negativo.
Membrana repolarizada:	após	um	potencial	de	ação,	a	bomba	
de	sódio	e	potássio	restabelece	o	equilíbrio,	diminuindo	a	quantidade	
de	cargas	positivas	dentro	da	célula.
Membrana hiperpolarizada:	 devido	 a	 abertura	 de	 canais	
iônicos	que	permitem	a	entrada	de	íons	negativos,	a	cargas	negativas	
no	interior	da	célula	fi	cam	intensifi	cadas.
34
Neurofi	siologia
Dizemos	 que	 a	 membrana	 está	 polarizada	 quando	 apresenta	
cargas	 negativas	 em	 mais	 alta	 concentração	 no	 interior	 da	 célula	 e	
cargas	positivas	em	maior	concentração	fora	da	célula.	Existe	um	limiar	
para	 isso,	 ou	 seja,	 um	 ponto	 estabelecido	 nesta	 diferença	 de	 carga	
que	 é	 de	 70	 mV	 (milivolts,	 ou	 milésimo	 de	 volts)	 aproximadamente.	
Quando	o	 interior	 da	 célula	está	 carregado	em	 -70	mV,	a	membrana	
está	em	repouso.	Se	alguma	perturbação	(impulso	elétrico	seguido	pela	
liberação	de	estímulos	químicos	como	neurotransmissores)	altera	este	
equilíbrio	 permitindo	 a	 entrada	 de	 íons	 positivos	 deixa	 a	 membrana	
despolarizada	 (um	potencial	excitatório)	quando	permite	a	entrada	de	
mais	 íons	 negativos	 dizemos	 que	 a	 membrana	 está	 hiperpolarizada	
(um	potencial	inibitório).	As	alterações	de	permeabilidade	que	resultam	
na	alteração	de	potencial	de	membrana	pós-sináptico	denominamos	de	
PPS – Potencial Pós-Sináptico: os PEPS – Potenciais Excitatórios 
Pós-Sinápticos ou PIPS – Potenciais Inibitórios Pós-Sinápticos.
Figura	7	–	Estrutura	geral	da	membrana	plasmática
Fonte:	Extraído	e	adaptado	de	Tortora	Grabowski	(2002,	p.	54).
Dizemos que 
a membrana 
está polarizada 
quando apresenta 
cargas negativas 
em mais alta 
concentração no 
interior da célula 
e cargas positivas 
em maior 
concentração fora 
da célula. 
35
TECIDO NERVOSO E NEUROPLASTICIDADECapítulo	2
Figura	8	–	Força	de	difusão	e	pressão	eletrostática	e	a	concentração	
relativa	de	alguns	íons	dentro	e	fora	da	célula
Fonte:	Extraído	e	adaptado	de	Carlson	(2002,	p.	43).
A	fi	gura	8	ilustra	algumas	forças	importantes	operando	através	da	membrana	
para	 produzir	 os	 potenciais	 de	 membrana.	 Como	 a	 vida	 nos	 seus	 primórdios	
evoluiu	no	mar,	o	meio	extracelular	de	nossas	células	lembra	a	água	do	mar,	ou	
seja,	uma	solução	de	sal	(NaCl).	Já	destacamos	que	a	membrana	plasmática	é	
semipermeável	ou	de	permeabilidade	seletiva.	
Seguindo	o	modelo	explicativo	adotado	por	Carlson	(2002),	abordaremos	os	
quatro	principais	 íons	envolvidos	na	neurotransmissão.	A	membrana	plasmática	
será	impermeável	aos	ânions	orgânicos	(A-),	moléculas	orgânicas	produzidas	ou	
assimiladas	 pela	 célula,	 estando	 estes	 restritos	 ao	 ambienteintracelular.	O	 íon	
potássio (K+)	está	em	maior	concentração	dentro	da	célula	e	a	força	de	difusão	
tende	a	empurrá-lo	para	fora,	no	entanto,	como	o	exterior	da	célula	está	carregado	
positivamente,	a	pressão	eletrostática	tende	a	forçar	os	cátions	para	o	interior	e	
as	duas	forças	opostas	se	anulam.	O	íon	cloro	(Cl-) está em maior concentração 
fora	da	célula	e	a	força	de	difusão	empurra	o	mesmo	para	dentro,	mas	como	o	
interior	é	negativamente	carregado	a	pressão	eletrostática	 força	os	ânions	para	
fora	da	célula	e	as	forças	também	se	equilibram.	O	íon	sódio	(Na+)	também	está	
mais	concentrado	 fora	da	célula	e	é	empurrado	para	dentro	da	célula	por	 força	
de	difusão,	mas	como	o	íon	sódio	é	positivo	a	pressão	eletrostática	não	impede	
que	o	Na+	entre	na	célula	e	as	cargas	negativas	do	líquido	intracelular	atraem	o	
Na+.	Como	as	concentrações	de	sódio	pouco	se	alteram	dentro	da	célula,	pode	
se	 supor	 que	 a	 membrana	 apresenta	 permeabilidade	 seletiva	 aos	 íons	 Na+. 
Uma	outra	força,	a	bomba	de	sódio	e	potássio	mantém	o	equilíbrio	empurrando	
continuamente o Na+ para	 fora	 da	 célula.	A	 bomba	 de	 sódio	 e	 potássio	 ocorre	
devido	a	presença	de	proteínas	que	funcionam	como	canais	através	da	membrana	
pelos	quais	estes	 íons	podem	passar;	a	cada	dois	 íons	K+ que	são	bombeados	
36
Neurofi	siologia
para	 dentro	 da	 célula,	 três	 íons	 Na+ são	 retirados.	 No	 entanto,	 elas	
necessitam	 de	 energia	 fornecida	 pela	 molécula	 ATP	 (adenosina	 tri-
fosfato)	que	é	uma	molécula	produzida	pelas	mitocôndrias	a	partir	da	
glicose	 e	 da	 respiração	 celular	 que	 fornece	 energia	 para	muitos	 dos	
processos	biológicos.
As	células	nervosas	atuam	por	meio	destas	mudanças	no	potencial	
de	 membrana	 disparando	 ou	 não,	 conduzindo	 informação	 ao	 longo	
das	 redes	 que	 produzem	 ou	 inibindo	 estes	 circuitos.	 Vamos	 agora,	
desvendar	o	caminho	intercelular	percorrido	para	traduzir	os	estímulos	e	
produzir	as	respostas	eletroquímicas	necessárias	à	neurotransmissão.
Existem	 inúmeros	modelos	 e	maneiras	 de	 explicar	 as	 diferentes	
estruturas	 e	 o	 funcionamento	 de	 uma	 célula,	 a	 mais	 clássica	 é	 o	
modelo	de	célula	do	tipo	“ovo	frito”,	contendo	a	membrana	plasmática,	
o	 citoplasma	 e	 o	 núcleo.	 Além	 deste	 modelo	 ser	 muito	 simplório,	
ele	 não	 faz	 jus	 à	 ideia	 que	 se	 tem	 de	 uma	 célula,	 apesar	 disso,	
metáforas	 são	 necessárias	 para	 um	 bom	 entendimento	 de	 uma	
célula	 e	 seu	 funcionamento.	 Aqui,	 usaremos	 deste	 recurso	 didático,	
e	apresentaremos	um	modelo	de	célula	do	 tipo	 “padaria”	na	 tentativa	
de	elucidar	as	diferentes	características	de	uma	célula	nervosa.	Este	
modelo	tem	a	vantagem	de	apresentar	a	célula	de	forma	muito	dinâmica,	
além	 de	 lúdico,	 claro.	 Quando	 pensamos	 em	 uma	 padaria	 devemos	
imaginar	 os	 diferentes	 setores	 que	 a	 constituem:	 os	 fornecedores	
e	 os	 diferentes	 ingredientes	 para	 produzir	 as	 mais	 variadas	 tortas,	
biscoitos,	pães,	cucas;	o	padeiro,	imprescindível;	as	fontes	de	energia;	
os	distribuidores	dos	produtos,	bem	como,	as	estradas	e	ruas	em	que	
circulam;	 e	 por	 último,	 os	 consumidores	 destes	 produtos.	Estudar	 as	
células	e	tecidos	é	um	grande	exercício	de	abstração.
Neurotransmissores:	moléculas	liberadas	dos	botões	terminais	
dos	axônios	nas	fendas	sinápticas	que	se	ligam	aos	sítios	ativos	nos	
canais	de	entrada	de	íons	(canais	iônicos)	e	que,	como	uma	chave	
em	uma	fechadura,	abrem	estes	canais	para	a	entrada	dos	íons.
Primeiramente,	neurotransmissores	são	despejados	na	fenda	sináptica,	por	
exemplo,	 a	 dopamina,	 substância	 envolvida	 no	 prazer	 e	 na	 recompensa,	 bem	
como	no	controle	da	motricidade	fi	na.	Um	dos	núcleos	produtores	de	dopamina	
é	 a	 Área	 Tegmentar	 ventral	 (entende-se	 por	 núcleo	 adensamentos	 de	 corpos	
Existem inúmeros 
modelos e 
maneiras de 
explicar as 
diferentes 
estruturas e o 
funcionamento 
de uma célula, a 
mais clássica é o 
modelo de célula 
do tipo “ovo 
frito”, contendo 
a membrana 
plasmática, o 
citoplasma e o 
núcleo. 
Modelo de célula 
do tipo “padaria” 
tem a vantagem 
de apresentar a 
célula de forma 
muito dinâmica, 
além de lúdico, 
claro.
37
TECIDO NERVOSO E NEUROPLASTICIDADECapítulo	2
de	 neurônios).	 Estes	 corpos	 de	 neurônios	 enviam	 seus	 axônios	 por	 meio	 de	
feixes	de	fi	bras	neurais	(conjunto	de	axônios	oriundos	dos	corpos	dos	neurônios	
localizados	nos	núcleos	ou	no	córtex	encefálico)	até	outro	núcleo	 localizado	na	
região	 frontal	 do	 cérebro	 denominada	 Núcleo	Acumbente	 (fi	gura	 9).	 Esta	 área	
é	que	decodifi	ca	as	mensagens	do	corpo	de	que	aquilo	que	está	sendo	 feito	é	
algo	 prazeroso	 e	 não	 doloroso.	 Quando	 realizamos	 uma	 atividade	 prazerosa	
como	 sexo,	 comer,	 atividades	 físicas,	 lúdicas	 ou	 quando	 consumimos	 drogas	
excitatórias	do	sistema	nervoso	(cocaína,	anfetaminas	e	derivados)	a	dopamina	
produzida	 pelos	 neurônios	 da	 Área	 tegmentar	 ventral	 são	 liberados	 ao	 longo	
do	axônio	e	despejados	na	fenda	sináptica	do	núcleo	acumbente	o	que	informa	
para	o	cérebro		de	que	a	atividade	é	prazerosa	a	ativa	um	mecanismo	chamado	
Sistema	de	Recompensa,	que	reforça	o	comportamento	executado.	É	o	clássico	
“de	novo”	que	as	crianças	exibem	em	 relação	ao	girar	o	corpo	sobre	o	próprio	
eixo,	correr,	brincar.
Figura	9	-	Sistema	de	recompensa,	em	destaque	a	área	
tegmentar	ventral	e	núcleo	acumbente
Fonte:	Herculano-Houzel	(2005,	p.	97).	
Os	 neurotransmissores,	 na	 fenda	 sináptica,	 ligam-se	 a	 receptores	
nas	 membranas	 pós-sinápticas,	 estes	 receptores	 quando	 acionados	 pelo	
neurotransmissor	abrem	pequenos	canais	para	a	passagem	de	íons	denominados	
38
Neurofi	siologia
canais iônicos dependentes de neurotransmissor permitindo a entrada de 
íons sódio e, posteriormente, de íons potássio. Esta entrada de cargas positivas 
nos	 neurônios	 pós-sinápticos,	 quando	 em	 quantidade	 sufi	ciente	 para	 gerar	 um	
potencial	de	ação	(de	+	70	mV)	promove	uma	cascata	de	eventos	que	culminará	
em	sinapses	nos	próximos	neurônios	da	rede	neural.
Um	importante	evento	intracelular,	devido	à	entrada	de	cargas	positivas,	que	
despolarizam	a	membrana	e	gera	um	potencial	de	ação	é	a	síntese	protéica,	via	
inúmeras	moléculas	mensageiras,	para	ativar	segmentos	do	DNA	(os	genes)	que	
decodifi	cam	peptídeos	que	são	os	precursores	das	proteínas.
Estas	moléculas	podem	ser	enzimas,	precursoras	dos	neurotransmissores,	
receptores	 pós-membrana	 e	 demais	 componentes	 necessários	 à	
neurotransmissão.	 As	 moléculas	 sinalizadoras	 da	 síntese	 poderiam	 ser	 na	
nossa	 metáfora	 da	 padaria	 os	 pedidos	 que	 chegam,	 sendo	 o	 DNA	 o	 grande	
livro	 contendo	 as	 receitas	 necessárias	 ao	 funcionamento	 celular.	 Este	 DNA	
(o	 material	 genético)	 é	 um	 livro	 muito	 grande	 e	 não	 pode	 passar	 pelos	 poros	
da	 membrana	 que	 recobre	 o	 núcleo	 celular	 (carioteca),	 portanto,	 as	 receitas	
devem	 ser	 copiadas	 em	 uma	 molécula	 menor	 denominada	 RNA	 mensageiro,	
que	 é	 como	 um	 bilhetinho	 contendo	 a	 receita	 específi	ca	 para	 a	 produção	 dos	
peptídeos,	 ou	 seja,	 os	 precursores	 e	 enzimas	 necessários	 para	 produzir	 mais	
neurotransmissor.	Este	bilhetinho	chega	até	o	padeiro,	que	em	termos	celulares	
são	os	ribossomos,	unidades	que	realizam	a	síntese	de	peptídeos	(proteínas)	e	
que	traduzem	a	linguagem	dos	ácidos	nucléicos	(DNA	–	ácido	desoxirribonucléico	
e	 RNA	 –	 ácido	 ribonucléico)	 na	 linguagem	 dos	 peptídeos	 que	 são	 sequências	
de	aminoácidos	 (são	os	diferentes	 ingredientes	 -	 farinha,	ovos,	 fermento,	água,	
leite	-	ou	blocos	de	construção	dos	peptídeos	-	os	biscoitos,	pães,	tortas	e	bolos	
da	 padaria).	 Estes	 ribossomos	 estão	 aderidos	 a	 um	 sistema	 de	 membranas	
internas	 da	 célula,	 em	 regiões	 denominadas	 Retículo	 Endoplasmático	 Rugoso	
(o	 aspecto	 rugoso	 é	 devido	 aos	 ribossomos	 aderidos	 na	 sua	 superfície),	 que	
funcionam	 como	 o	 armazém	 da	 padaria	 e	 se	 comunicam	 com	 o	Complexo	 de	
Golgi	(o	sistema	de	empacotamentoda	padaria)	e	dele	se	desprendem	vesículas	
denominadas	lisossomos	(os	pacotes	contendo	os	biscoitos,	pães,	bolos,	ou	mais	
exatamente,	os	diferentes	tipos	de	peptídeos	e	proteínas).	Muitas	vezes,	dois	ou	
mais	lisossomos	contendo	diferentes	substâncias	(precursores	como	L-DOPA	e	a	
enzima	que	transforma	L-DOPA	em	dopamina	–	a	dopa	descarboxilase)	se	unem	
para	 formar	 uma	 única	 vesícula	 contendo	 o	 neurotransmissor	 (a	 dopamina)	 e	
que	deverá	ser	conduzida	até	os	botões	terminais	da	próxima	fenda	sináptica.	As	
principais	estruturas	citoplasmáticas	envolvidas	no	processo	de	neurotransmissão	
no	corpo	celular	estão	resumidas	na	fi	gura	10.
Antes	de	deslocarmos	nossa	explicação	dos	eventos	que	ocorrem	no	corpo	
celular	para	os	eventos	que	ocorrem	ao	longo	do	axônio	e	na	fenda,	poderíamos	
39
TECIDO NERVOSO E NEUROPLASTICIDADECapítulo	2
destacar	 alguns	 pontos	 importantes.	 Todos	 os	 passos	 descritos	 ocorrem	
concomitante	 e	 continuamente,	 mas,	 a	 geração	 de	 um	 potencial	 de	 ação	 faz	
a roda girar, em um sistema denominado Lei do tudo ou nada:	ou	o	neurônio	
chega	 ao	 limiar	 de	 +70mv	 e	 dispara,	 propagando-se	 com	 a	mesma	 amplitude	
ao	 longo	de	 todo	o	axônio,	 ou	ele	 não	dispara.	Podemos	nos	perguntar,	 como	
existem	contrações	musculares	fortes	e	fracas	se	o	mesmo	mecanismo	se	aplica	
na	condução	de	estímulos	ao	longo	do	axônio	até	a	fi	bra	muscular?	O	que	resulta	
uma	contração	forte	ou	fraca	dos	músculos	não	é	a	intensidade	com	que	o	neurônio	
dispara	e	sim	a	 frequência	de	disparos	ao	 longo	de	um	axônio,	sendo	a	Lei	do	
tudo	ou	nada	suplementada	pela	Lei da frequência. Como	os	neurônios	recebem	
informações	 de	 centenas	 e	 até	 milhares	 de	 outros	 neurônios	 alguns	 podem	
gerar potenciais excitatórios (deixando entrar íons positivos) e outros podem 
enviar	mensagens	 inibitórias	(deixando	entrar	 íons	negativos	e	hiperpolarizando	
a	membrana),	 os	 potenciais	 inibitórios	 fazem	com	que	o	neurônio	 não	dispare.	
Esta	diferença	nas	sinalizações	que	o	corpo	neuronal	recebe	provoca	um	evento	
denominado Somação,	 ou	 seja,	 a	 soma	 das	 cargas	 positivas	 e	 negativas	 que	
entram	no	neurônio	(CARLSON,	2002).
Figura	10	–	Principais	estruturas	citoplasmáticas	encontradas	em	neurônio	multipolar
Fonte:	Carlson	(2002,	p.	31).
O	 local	 em	 que	 o	 axônio	 se	 liga	 ao	 corpo	 celular	 é	 denominado	 cone	 de	
implantação	do	axônio,	onde	encontramos	 inúmeras	mitocôndrias,	as	 “baterias“	
da	célula	que	fornecem	energia	na	forma	de	ATP,	discutidas	anteriormente.	Elas	
40
Neurofi	siologia
fornecem	 energia	 à	 membrana	 do	 cone	 de	 implantação	 que	 passa	 a	 realizar	
movimentos	vibracionais	que	formam	um	campo	elétrico	ao	longo	do	axônio.	Este	
disparo	elétrico	do	potencial	de	ação	se	propaga	ao	 longo	do	axônio,	mas	nos	
locais	em	que	há	a	bainha de mielina	ele	dá	saltos,	pois,	entre	um	segmento	de	
bainha	de	mielina	e	outro,	temos	os	nódulos	de	Ranvier,	espaços	sem	mielina	ao	
longo	do	axônio	onde	encontramos	novamente	os	canais	iônicos	e	onde	o	impulso	
eletromagnético	pode	ser	renovado.	Os	canais iônicos dependentes de tensão
se	abrem	para	a	entrada	de	íons	sódio	e	potássio	nos	nódulos	de	Ranvier	devido	
à	 descarga	elétrica	 gerada,	 por	 isso,	 dependentes	de	 tensão	ou	 voltagem.	Por	
este	motivo	dizemos	que	a	condução	é	Saltatória,	o	potencial	de	ação	pula	de	um	
nódulo	ao	outro	diminuindo	o	atrito	o	que	aumenta	a	velocidade	da	transmissão	
de	informação.	Veremos	adiante,	que	a	mielinização	axônica	pode	ocorrer	graças	
à	estimulação	e	treino,	sendo	aspecto	fundamental	da	aprendizagem.
Bainha de mielina: um	mecanismo	 de	 isolamento	 elétrico	 ao	
longo	 do	 axônio	 que	 facilita	 a	 passagem	 dos	 impulsos	 elétricos,	
fazendo	 com	 que	 os	mesmos	 deem	 saltos	 e	 sejam	 reforçados	 de	
tempos	em	tempos	nos	nódulos	de	Ranvier	(espaços	sem	mielina).	
Um	neurônio	mais	mielinizado	fará	com	que	a	resposta	neural	seja	
mais	rápida	e	intensa,	aumentando	a	velocidade	do	pensamento,	da	
resposta	emocional	ou	motora.
A	 entrada	 e	 dispersão	 de	 íons	 positivos	 despolarizam	 a	 membrana	 não	
revestida	 pela	 bainha	 de	 mielina	 (isolante	 elétrico)	 renovando	 e	 conduzindo	
o	potencial	de	ação	ao	 longo	do	axônio	até	o	botão	 terminal.	A	despolarização	
da	 membrana	 promove	 o	 deslocamento	 dos	 lisossomos	 ao	 longo	 do	 axônio	
por	 um	 sistema	 de	 microtúbulos	 que	 são	 as	 estradas	 que	 levam	 os	 produtos	
da	 nossa	 padaria,	 por	 estas	 estradas	 deslocam-se	 moléculas	 carreadoras	
denominadas	cinesinas	(cine	=	movimento)	que	transportam	os	lisossomos,	como	
os	carros	que	transportam	os	produtos	da	padaria	(fi	gura	11).	Quando	o	impulso	
chega	 ao	 botão	 terminal	 pré-sináptico	 até	 a	 fenda	 sináptica	 subsequente	 e	 a	
despolarização	da	membrana	no	botão	terminal	faz	com	que	as	vesículas	liberem	
os	neurotransmissores	na	fenda,	reiniciando	o	processo	em	outro	neurônio.	
41
TECIDO NERVOSO E NEUROPLASTICIDADECapítulo	2
Figura	11	–	Cone	de	implantação	e	axônio,	mostrando	os	nódulos	
de	Ranvier	ao	longo	de	sua	extensão	e	no	detalhe	moléculas	de	
cinesina	carreando	as	vesículas	ao	longo	dos	microtúbulos
Fonte:	Carlson	(2002,	p.	33).
Após	a	passagem	do	 impulso	elétrico,	a	membrana	 tende	a	se	 repolarizar	
graças	 à	 ação	 da	 bomba	 de	 sódio	 e	 potássio	 discutida	 anteriormente,	 que	
recoloca	as	cargas	positivas	para	fora	da	célula.	Os	impulsos	podem	ser	da	fração	
de	 milisegundos	 e	 o	 conjunto	 de	 impulsos	 que	 percorrem	 uma	 fi	bra	 nervosa	
(como	vimos,	um	conjunto	de	axônios)	é	denominado	ondas	eletroencefálicas	e	
podem	ser	medidas	em	Hz	(ondas/segundo)	em	um	eletroencéfalograma,	sendo	
que	as	ondas	equivalem	aos	potenciais	de	ação	em	mV.	Estas	ondas	equivalem	
às	alterações	do	potencial	de	membrana	como	pode	ser	visualizado	na	fi	gura	12.
42
Neurofi	siologia
Figura	12	-	Ondas	eletroencefálicas	em	diferentes	estágios	de	atividade	cortical
Fonte: Cardoso (1997, p. 4).
Os	 neurotransmissores	 ou	 seus	 subprodutos,	 após	 a	 liberação	 na	 fenda	
sináptica	 são	 recaptados/transportados	 de	 volta	 para	 o	 neurônio	 pré-sináptico,	
este	processo	é	importante	para	o	restabelecimento	da	atividade	sináptica	e	para	
reciclagem	das	substâncias	neurotransmissoras.
O	mecanismo	de	recaptação	é	a	principal	via	de	ação	das	drogas	
de	 abuso	 e	 dos	 psicofármacos.	 Exemplo	 interessante	 é	 a	 cocaína	
que	não	permite	a	recaptação	da	dopamina,	esta,	por	sua	vez,	fi	ca	
mais	tempo	atuando	na	fenda	sináptica	e	nos	sítios	ativos	dos	canais	
iônicos,	aumentando	a	sensação	de	prazer	para	o	organismo.	Outro	
exemplo,	 são	 os	 inibidos	 seletivos	 da	 recaptação	 da	 serotonina	
(ISRS)	utilizados	atualmente,	para	tratamento	de	distúrbios	de	humor	
como	a	depressão,	potencializando	a	ação	da	serotonina	na	 fenda	
sináptica.
Apesar	de	toda	a	ênfase	dada	aos	neurônios,	estes	constituem	uma	fração	
das	 células	 que	 compõem	 o	 sistema	 nervoso.	 A	 outra	 metade	 do	 cérebro	 é	
composta	de	células	gliais	(glia	signifi	ca	“cola”)	que	nutrem,	sustentam,	limpam,	
ligam	e	conferem	proteção	às	células	neurais.
43
TECIDO NERVOSO E NEUROPLASTICIDADECapítulo	2
Os Astrócitos	ou	Astroglia	(fi	gura	13)	nutrem	e	fornecem	suporte	físico	para	
os	neurônios,	seu	nome	faz	referência	a	sua	forma	(forma	de	astros)	eles	limpam	
os	 dendritos,	 fornecem	 algumas	 substâncias	 de	 que	 os	 neurônios	 necessitam	
(inclusive	 a	 energia	 utilizada	 pelos	mesmos,	 tendo	 em	 vista,	 os	 neurônios	 não	
serem	capazes	de	armazenagem	de	energia)	controlam	a	composição	química	do	
fl	uído	 extracelular	 e	 promovem	 a	 remoção	 ou	 liberam	 substâncias	 na	 fenda	
sináptica,	participando	ativamente	da	neurotransmissão.	O	papel	nutricional	dos	
astrócitos	 tem	como	base	o	 fato	de	que	as	células	neurais,	diferentemente	das	
células	de	outros	 tecidos	do	corpo,	não	podem	entrar	em	contato	direto	com	o	
plasma	sanguíneo,	rico	em	água	e	outras	substâncias	tóxicas	ao	neurônio.	Como	
estudamos,	a	transmissão	de	mensagens	através	do	cérebro,	dependede	um	fi	no	
equilíbrio	 entre	 as	 substâncias	 extracelular	 e	 intracelular	 nos	 neurônios,	 se	 a	
composição	 do	 líquido	 que	 banha	 os	 neurônios	 for	 minimamente	
alterada,	 poderá	 interferir	 na	 transmissão.	 Em	 todos	 os	 tecidos	 os	
capilares	 sanguíneos	 (capilares	 são	 vasos	 sanguíneos	 de	 pequeno	
calibre	 –	 vênulas	 e	 arteríolas	 -	 que	 penetram	 nos	 tecidos	 do	 corpo)	
apresentam	poros	através	do	qual	o	sangue	pode	extravasar	e	nutrir	as	
células.	No	sistema	nervoso	os	capilares	não	exibem	as	 fendas	e	as	
células	que	formam	estes	pequenos	vasos	são	fi	rmemente	ligadas,	em	
um sistema denominado Barreira Hematoencefálica. Os astrócitos são 
as	 células	 responsáveis	 por	 retirar	 os	 nutrientes	 dos	 capilares,	
transformá-los	e	distribuir	os	mesmos	às	células	nervosas.	Eles	também	
retiram	o	excesso	de	substâncias	e	o	material	excretado	pelo	neurônio	
e	 depositam	 estes	 no	 sistema	 circulatório.	Como	 podemos	 ver	 estas	
células	participam	ativamente	do	sistema	de	neurotransmissão.
A transmissão 
de mensagens 
através do 
cérebro, depende 
de um fi no 
equilíbrio entre 
as substâncias 
extracelular e 
intracelular nos 
neurônios.
44
Neurofi	siologia
Figura	13	–	Imagem	de	astrócito,	da	barreira	hematoencefálica	
e	uma	rede	interativa	entre	eles
Fonte:	Carlson	(2002,	p.	36).
45
TECIDO NERVOSO E NEUROPLASTICIDADECapítulo	2
Duas	 importantes	 células	 da	 glia	 têm	 funções	 semelhantes	 –	 os	
Oligodendrócitos	 no	 sistema	 nervoso	 central	 e	 as	 Células de Schwann no 
sistema	 nervoso	 periférico.	 Elas	 dão	 sustentação	 aos	 axônios	 e	 produzem	 a	
bainha	 de	mielina.	Os	oligodendrócitos	 formam	prolongamentos	 semelhantes	 a	
remos	que	revestem	os	axônios	em	segmentos	de	bainha	de	mielina	(composta	
de	 80%	 de	 lipídeos	 e	 20%	 de	 proteínas)	 que	 isolam	 um	 neurônio	 do	 outro	 e	
facilitam	a	transmissão	sináptica	(fi	gura	14).	Existe	uma	crescente	proliferação	da	
bainha	de	mielina	à	medida	que	usamos	uma	rede	neural,	de	forma	que	o	treino	
e	 o	 uso	 continuado	 de	 áreas	 especializadas	 do	 cérebro	 terão	 seus	 neurônios	
cada	 vez	 mais	 mielinizados,	 aumentando	 a	 velocidade	 do	 impulso	 nervoso	 e,	
consequentemente	da	resposta	neural.
Figura	14	–	Oligodendrócito	e	a	produção	da	bainha	de	mielina
Fonte:	Carlson	(2002,	p.	37).
As Micróglias, as menores células da glia,	 atuam	 como	as	 vigilantes	 do	
tecido	nervoso,	 fagocitando	 (envolvendo	e	digerindo)	neurônios	doentes	ou	em	
degeneração,	ou	ainda,	fragmentos	de	células	e	substâncias	tóxicas.	As	micróglias	
funcionam	 como	 o	 sistema	 imune	 dentro	 do	 cérebro,	 protegendo	 o	mesmo	 de	
microorganismos	invasores,	promovendo	reações	infl	amatórias	no	caso	de	danos	
ao	cérebro.
46
Neurofi	siologia
Células da glia:	 conjunto	 de	 células	 do	 sistema	 nervoso	 que	
tem	 como	 função	 nutrir,	 envolver,	 fornecer	 suporte	 físico,	 limpar	 e	
conferir	 proteção	ao	 sistema	nervoso	a	 as	 demais	 células	 neurais.	
Participam ativamente do processo de neurotrasnmissão.
Quanto	às	células	nervosas	propriamente	ditas,	elas	não	são	 todas	 iguais,	
o	 exemplo	 utilizado	 na	 explicação	 do	 funcionamento	 da	 célula	 neural	 é	 de	 um	
neurônio	multipolar	ou	de	associação.	Os	três	 tipos	principais	de	neurônios	são	
os	neurônios	unipolares	(com	apenas	um	axônio	originando-se	do	corpo	celular),	
bipolares	(um	axônio	e	um	dendrito	originando-se	do	corpo	celular)	e	multipolares	
(um	axônio	e	muitos	dendritos	originando-se	do	corpo	celular)	como	visualizado	
na	fi	gura	15.
Os	neurônios	multipolares	são	encontrados	em	maior	quantidade	no	sistema	
nervoso	 e	 têm	 importante	 papel	 na	 integração	 neural,	 sendo	 funcionalmente	
denominados	interneurônios	ou	neurônios	de	associação.	Os	neurônios	bipolares	
são	neurônios	sensoriais	encontrados	nos	sistemas	visuais,	auditivos,	enquanto	
os	 neurônios	 unipolares	 podem	 ser	 encontrados	 no	 sistema	 somatossensorial	
(soma	=	corpo)	como	o	tato,	dor.	Os	neurônios	podem	ser	classifi	cados	quanto	a	
sua	função,	sendo	que	os	neurônios	sensoriais	transformam	estímulos	mecânicos	
(tato,	 audição),	 químicos	 (gustação,	 olfação)	 e	 luminosos	 (visão)	 em	 impulsos	
nervosos em um processo denominado transdução do sinal.	 Os	 neurônios	
motores	 determinarão	 a	 contração	 de	 um	 músculo	 ou	 a	 secreção	 de	 uma	
glândula,	 enquanto	 os	 interneurônios	 ou	 neurônios	 de	 associação,	 localizados	
inteiramente	no	sistema	nervoso,	farão	as	inúmeras	conexões	entre	os	diferentes	
sistemas.	Voltaremos	a	discutir	e	utilizar	estas	classifi	cações	no	capítulo	3	sobre	
as estruturas do sistema nervoso.
47
TECIDO NERVOSO E NEUROPLASTICIDADECapítulo	2
Figura	15	–	Diferentes	tipos	de	neurônios.	Em	A:	neurônio	motor,	em	B	e	C:	neurônios	
do	sistema	sensorial,	em	D:	diferentes	tipos	de	neurônios	de	associação
Fonte:	Kandel,	Schwartz	e	Jessell	(2003,	p.	24).
48
Neurofi	siologia
Principais	Sistemas	de	
Neurotransmissão	e	Mecanismos	de	
Ação	dos	PsicoFármacos
Os	 neurotransmissores	 apresentam	mecanismos	 de	 produção	 e	 ação	 que	
podem	ser	alterados	por	inúmeras	substâncias	e	drogas.	As	drogas	que	facilitam	
ou	 potencializam	 os	 efeitos	 de	 um	 determinado	 neurotransmissor	 na	 célula	
pós-sináptica são denominadas Agonistas,	 como	 o	 exemplo	 da	 cocaína,	 que	
é	um	agonista	dopaminérgico.	As	drogas	que	difi	cultam	ou	 inibem	os	efeitos	de	
um	 determinado	 neurotransmissor	 na	 célula	 pós-sináptica	 são	 denominadas	
Antagonistas,	 como	o	 curare,	 uma	 droga	 utilizada	 por	 índios	 amazônicos	 que	
atua	 inibindo	a	ação	da	acetilcolina	(responsável	pelas	contrações	musculares),	
portanto,	imobilizando	o	animal	durante	a	caça.
As	 substâncias	 que	 atuam	 no	 sistema	 nervoso	 proporcionam	 dois	 efeitos	
gerais	já	discutidos;	ou	eles	despolarizam	a	membrana	(PEPS)	ou	hiperpolarizam	
a	 mesma	 (PIPS).	 Os	 dois	 principais	 neurotransmissores	 no	 cérebro	 são	 os	
aminoácidos	 glutamato	 (excitatório)	 e	 o	 GABA	 -	 ácido	 gama	 amino	 butírico	 –	
(inibitório).	Os	demais	sistemas	de	neurotransmissores	 têm	função	moduladora.	
Por	 exemplo,	 a	 acetilcolina	 ativa	 o	 córtex	 cerebral	 e	 facilita	 a	 aprendizagem,	
mas	a	aprendizagem	e	memorização	em	si	ocorrem	via	neurônios	que	secretam	
glutamato	e	GABA.	Algumas	drogas	podem	atuar	sobre	estes	sistemas	específi	cos	
de	neurotransmissão,	outras	atuam	sobre	os	sistemas	mais	gerais	GABAérgicos	
e	glutamatérgicos.	A	fi	gura	16	apresenta	os	principais	mecanismos	de	ação	das	
drogas	e	complementam	nosso	modelo	explicativo	do	funcionamento	das	células	
nervosas. Ergon	é	a	palavra	grega	para	“trabalho”,	por	este	motivo	designamos	
o	 nome	 do	 neurotransmissor	 seguido	 do	 sufi	xo	 érgico,	 então	 glutamatérgico,	
serotoninérgico,	acetilcolinérgico	e	assim	por	diante.
A Acetilcolina	 é	 um	 dos	 principais	 sistemas	 de	 neurotransmissão.	 Ela	
participa	 de	 todos	 os	 processos	 de	 contração	 muscular,	 inclusive	 do	 sistema	
nervoso	visceral	(controle	das	vísceras).	Os	sistemas	acetilcolinérgicos	são	todos	
facilitadores	sinápticos,	aumentando	a	potenciação	sináptica.	São	 responsáveis	
por	muitas	das	características	do	sono	REM	(o	sono	com	sonhos)	e	envolvidos	
com	 a	 ativação	 do	 córtex	 cerebral	 e	 consequentemente	 da	 aprendizagem,	
principalmente	a	perceptual.	Controlam	o	ritmo	do	hipocampo,	área	responsável	
pela	aquisição	de	muitos	dos	tipos	de	memória.	A	acetilcolina	é	composta	de	duas	
partes:	a	colina,	encontrada	em	grande	quantidade	nos	ovos,	e	o	acetato,	que	é	
transferido	de	uma	molécula	de	acetil-CoA,	que	faz	parte	de	muitas	das	reações	
das	células,	inclusive	no	metabolismo	da	glicose.	
49
TECIDO NERVOSO E NEUROPLASTICIDADECapítulo	2
A	 epinefrina,	 norepinefrina,	 a	 dopamina	 e	 a	 serotonina	 pertencem	 a	 uma	
família	 de	 compostos	 denominados	 Monoaminas,	 sendo	 que	 algumas	 drogas	
podem	ter	efeitos	sobre	estes	quatro	sistemas	de	neurotransmissão.
Figura	16	–	Exemplos	das	diferentes	etapas	da	transmissão	sináptica	e	como	
algumas	drogas

Continue navegando