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FICHAMENTO HERMENÊUTICA JURÍDICA ARTHUR BASTOS A HERMENÊUTICA JURÍDICA: COMO SE PERCEBE O FENÔMENO JURÍDICO? • A hermenêutica jurídica é um campo do conhecimento que se refere à interpretação dos fatos, das normas e das circunstâncias no âmbito do direito. Ela não se limita à interpretação da norma jurídica, mas abrange a compreensão das relações sociais, dos contextos e das perspectivas de mundo que influenciam a percepção do direito. • A hermenêutica é considerada fundamental na compreensão e construção do direito, sendo uma abordagem interpretativa complexa que envolve elementos como normas, jurisprudências, cálculos, estratégias e ideologias. HERMENÊUTICA JURÍDICA E HISTÓRIA • O texto aborda a relação entre hermenêutica jurídica e história, destacando a evolução desse campo ao longo do tempo. Nas sociedades antigas, a interpretação jurídica estava intimamente ligada à religião e aos poderes políticos e religiosos. No entanto, com o surgimento do Estado moderno e a consolidação do direito positivo, houve uma busca por maior objetividade na interpretação das normas. • A partir da modernidade, com a codificação das normas e a busca por previsibilidade e controle, a hermenêutica jurídica passou a se basear principalmente na submissão dos fatos às normas, em um processo desejado como imparcial. No entanto, o texto ressalta que a hermenêutica jurídica é um procedimento social e existencial, não apenas técnico, e que as doutrinas jurídicas reconhecem essa natureza. • A Escola Histórica, representada por Savigny, defendia que as normas jurídicas devem ser interpretadas de acordo com o espírito do povo e sua cultura. Outras correntes, como o movimento do direito livre, também propuseram abordagens alternativas de interpretação. • Atualmente, a hermenêutica jurídica predominante é fortemente juspositivista, focada nas técnicas de trabalho com o texto normativo. No entanto, o texto sugere que os sistemas teóricos juspositivistas enfrentam desafios práticos e concretos. INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA E DOUTRINÁRIA • O texto aborda a teoria do direito de Hans Kelsen e sua abordagem em relação à interpretação jurídica. Antes de Kelsen, havia uma visão positivista automática da interpretação, que buscava aplicar a norma ao caso, e outras abordagens pré-positivistas ou ecléticas que consideravam as raízes históricas ou os fins do direito. • Kelsen propôs uma abordagem diferente, em que o direito deveria se desprender de valores, fatos sociais, circunstâncias e interesses individuais para alcançar um nível científico. Ele argumentou que a ciência do direito não pode determinar a melhor interpretação das normas, pois a hermenêutica não é normativa, mas sim um procedimento concreto. • Kelsen distinguiu dois tipos de interpretação: a interpretação autêntica e a interpretação doutrinária. A interpretação autêntica é feita pela autoridade juridicamente competente, como juízes e tribunais, e sua interpretação é vinculante. A interpretação doutrinária, por sua vez, é realizada por pessoas e órgãos que não possuem autoridade competente, como professores de direito, pensadores e juízes quando estão fora de seus cargos oficiais. • A interpretação doutrinária não é considerada inferior à interpretação autêntica em termos de qualidade. Embora os doutrinadores possam ter uma compreensão mais profunda e correta das normas em comparação aos tribunais, sua interpretação não tem o poder de vincular casos práticos. • Kelsen evita o problema de determinar a interpretação verdadeira ou falsa das normas. Ele se concentra na distinção entre interpretação autêntica e doutrinária, baseada na competência do órgão que a realiza, sem fazer julgamentos de valor sobre a qualidade ou correção das interpretações. • Para Kelsen, a interpretação não é um processo dedutivo automático, mas um ato de vontade. É uma escolha arbitrária do juiz dentro dos limites institucionais estabelecidos pelas normas jurídicas. As normas fornecem um quadro hermenêutico dentro do qual a interpretação é possível, mas a interpretação em si é uma questão de vontade e poder. • Em resumo, Kelsen propõe que a interpretação jurídica seja dividida em interpretação autêntica e doutrinária. A interpretação autêntica é realizada por órgãos competentes e é vinculante, enquanto a interpretação doutrinária é feita por outras pessoas e não é vinculante. Kelsen enfatiza que a interpretação jurídica não é uma questão de verdade ou correção, mas sim de vontade e poder. HERMENÊUTICA JURÍDICA E PODER • A teoria de Kelsen reconhece a interpretação jurídica como um procedimento de poder, em que o jurista interpreta a partir de sua prática de poder, envolvendo relações sociais, linguagem, referências culturais, conhecimentos e interesses. A hermenêutica jurídica não é uma mera apreensão imediata e objetiva da norma, mas sim um processo prático orientado para fins e interesses. • A interpretação jurídica não se limita apenas à norma jurídica, mas também envolve a interpretação dos fatos, sendo uma relação complexa entre normas e fatos. A hermenêutica jurídica brota do conflito e atende a determinadas posições dentro desse conflito, estando ligada ao exercício de poder. O jurista, como intérprete autorizado, possui o poder de dizer o que o direito significa, sendo assim um agente de poder na sociedade. COMPREENSÃO E HERMENÊUTICA JURÍDICA • A hermenêutica é um processo social no qual os intérpretes do direito operam a partir de um horizonte de mundo que é tanto individual quanto social. A subjetividade do intérprete é constituída socialmente e suas opções e decisões são moldadas pelas estruturas sociais. A hermenêutica jurídica envolve a compreensão existencial, onde o intérprete interpreta a norma e os fatos a partir de sua situação existencial, experiências e referências prévias. • Os filósofos Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer são importantes referências teóricas contemporâneas nesse campo. A hermenêutica jurídica não é neutra ou técnica, pois é influenciada pelos preconceitos, visões de mundo e compromissos do jurista. IDEOLOGIA E HERMENÊUTICA JURÍDICA • A hermenêutica jurídicas opera a partir de horizontes sociais estruturados como ideologia. A ideologia é constituinte da personalidade e forma a subjetividade do intérprete. Ela atua no nível do inconsciente e influencia as relações entre as pessoas, moldando suas identidades. A hermenêutica é guiada pela ideologia, que determina os parâmetros de interpretação e reproduz a lógica da sociedade capitalista. • A ideologia permeia a hermenêutica jurídica, influenciando as relações sociais, os papéis de gênero, as liberdades contratuais e a interpretação das normas. A ideologia é estrutural e domina a interpretação jurídica, sendo fundamental para compreender sua natureza. HERMENÊUTICA, JURISPOSITIVISMO E LINGUAGEM • O texto aborda a relação entre hermenêutica jurídica e linguagem no contexto do direito. Destaca-se a visão de que o direito busca estabelecer uma tecnicidade própria e controlar a interpretação, privilegiando a norma jurídica como centro da hermenêutica. O temor é que o jurista possa relativizar o direito, levando a uma indeterminação dos fatos. • A linguagem é vista como uma forma social que estrutura a compreensão jurídica, mas também é objeto de controle e padronização. No entanto, argumenta-se que a norma jurídica vai além do texto, sendo um sentido normativo que engloba aspectos sociais, ideológicos e existenciais. A interpretação linguística é relacional e não pode ser totalmente controlada. A norma jurídica também se manifesta em contextos materiais e simbólicos, não se limitando apenas às palavras. MÉTODOS DE HERMENÉUTICA JURÍDICA • O texto aborda a busca por técnicas e ferramentas para controlar a hermenêutica jurídica e interpretar as normas de maneira mais precisa. Essas ferramentas são divididas em três categoriasprincipais: interpretação gramatical, interpretação lógica e interpretação sistemática. • A interpretação gramatical envolve a compreensão do texto da norma jurídica, considerando sua estrutura sintática, palavras e verbos utilizados. A interpretação lógica utiliza ferramentas lógicas, como os princípios da identidade e do terceiro excluído, para esclarecer o sentido da norma. A interpretação sistemática relaciona a norma com outras normas do ordenamento jurídico, princípios do sistema e investiga ambiguidades, antinomias ou lacunas. • Além desses métodos textuais, existem métodos que vão além do texto da norma e consideram seu contexto. A interpretação histórica busca compreender as circunstâncias que levaram à formação da norma, analisando debates legislativos e o contexto da época. A interpretação sociológica busca entender as causas sociais que levaram à criação da norma, considerando conflitos, lutas de classe, interesses, cultura e pressões políticas, econômicas, culturais e religiosas. A interpretação evolutiva, por sua vez, busca compreender as mudanças, correções e novos entendimentos da norma ao longo do tempo, utilizando a história e a sociologia. • Em um nível mais profundo, a interpretação jurídica busca desvendar a finalidade, objetivos e valores da norma. A interpretação teleológica busca compreender os propósitos e objetivos das normas e situações jurídicas, enquanto a interpretação axiológica fundamenta-se na compreensão dos valores relacionados à norma e às questões jurídicas. • Essas diferentes abordagens hermenêuticas visam a um melhor entendimento das normas jurídicas, levando em consideração não apenas o seu texto, mas também o contexto histórico, social, os objetivos e os valores envolvidos. TIPOS DE HERMENÊUTICA JURÍDICA • Em relação aos resultados da interpretação, destacam-se três tipos principais de hermenêutica jurídica: especificadora, restritiva e extensiva. A interpretação especificadora fixa os limites de um conceito jurídico, sem estendê-lo a outras circunstâncias ou reduzi-lo. O objetivo é adequar os conceitos a situações típicas, ajustando a previsão normativa a fatos, atos, condutas ou omissões específicas. • Na interpretação restritiva, o jurista delimita a compreensão das normas jurídicas, reduzindo as hipóteses de aplicação. Se algumas situações previstas na norma são consideradas inconstitucionais ou ilegais, o jurista restringe o alcance da hermenêutica normativa. Por exemplo, se uma norma estabelecesse alíquotas mais altas de imposto para contribuintes de ascendência japonesa, o jurista faria uma leitura restritiva considerando que isso viola os direitos fundamentais de igualdade. • A interpretação extensiva amplia o campo de possibilidades hermenêuticas de uma norma jurídica. O jurista estende as previsões normativas para incluir situações não inicialmente previstas. Essa interpretação é mais comum em casos de direitos cujas determinações são vagas ou pouco regulamentadas, permitindo uma ampliação de sentidos. No entanto, em ramos como o direito penal e o direito tributário, a interpretação extensiva é geralmente evitada. • Em resumo, os métodos de hermenêutica jurídica permitem ao jurista fixar, ampliar ou restringir o entendimento das normas jurídicas. Os tipos de hermenêutica jurídica incluem a especificadora, que delimita conceitos jurídicos; a restritiva, que diminui as hipóteses de aplicação das normas; e a extensiva, que amplia o alcance das normas para incluir situações não inicialmente previstas. INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO • É costume que a teoria do direito faça uma distinção entre os métodos de interpretação e os métodos de integração do direito. Os métodos interpretativos, em geral, partiriam da própria norma jurídica, buscando fixar-lhe os conteúdos precisos. Já a integração partiria de lacunas no ordenamento jurídico, e, perante tais situações não normatizadas, o jurista busca trazer elementos novos que preencham o alegado vazio normativo. • Os métodos e tipos hermenêuticos trabalham com normas já existentes, aplicando-as a casos concretos. A integração, justamente por trabalhar em casos nos quais se alega falta de norma, busca trazer aos casos concretos outras normas, princípios ou orientações. Por não trabalhar diretamente com normas jurídicas que se refiram explicitamente a determinados casos, o jurista juspositivista tem muita desconfiança dos métodos de integração do direito, considerando-os vagos e discricionários. • Nesses casos estão em tela as questões e os problemas das lacunas. Fundamentando a discussão a respeito da possibilidade de se fazer a integração normativa está a clássica divisão liberal-burguesa dos três poderes estatais: executivo, legislativo e judiciário. O pensamento jurídico tecnicista abomina a integração porque ela constituiria uma espécie de poder legislativo dado às mãos dos juristas, que deveriam estar restritos apenas ao campo do poder judiciário. • Essa estrita divisão do Estado em três poderes é tradicionalista, conforme aos propósitos do antigo liberalismo burguês, e na realidade jurídica contemporânea já não se pode dizer que o executivo não legisle, nem se pode considerar que o campo judiciário seja uma máquina inerte que simplesmente aplica leis a casos concretos como se fosse um robô. • Mas é preciso ressaltar que tanto no caso da interpretação das normas quanto no caso da integração o jurista opera tanto com uma discricionariedade existencial quanto com uma reprodução ideológica estrutural. Constituindo sua hermenêutica jurídica a partir de relações de poder.
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