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Direito de Família de A a Z - Júlio Cesar Sanchez - 2022 (1)

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Prévia do material em texto

JÚLIO CESAR SANCHEZ
Renomado advogado militante, professor universitário e coordenador acadêmico. Mestre, doutorando,
apresentador de programas jurídicos. Editor-chefe da Complexo Educacional Brasileiro de Ensino.
Fundador do Instituto Júlio Cesar Sanchez e Escola Superior Universitária. Membro da Comissão de Direito
Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil na Coordenação de Aspectos Jurídicos das Transações
Imobiliárias.
Direito de Família de A a Z - Teoria e Prática
© Júlio Cesar Sanchez
EDITORA MIZUNO 2022
Revisão de Português: Eliane Chainça
Revisão Técnica: Júlio Cesar Sanchez
Catalogação na publicação
Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166
S211 Sanchez, Júlio Cesar
Direito de família de A a Z: teoria e prática / Júlio Cesar Sanchez.
– Leme-SP: Mizuno, 2022.
400 p.; 16 X 23 cm
ISBN 978-65-5526-461-6
1. Direito civil. I. Sanchez, Júlio Cesar. II. Título.
CDD 347
Índice para catálogo sistemático
I. Direito civil
Nos termos da lei que resguarda os direitos autorais, é expressamente proibida a reprodução total ou
parcial destes textos, inclusive a produção de apostilas, de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou
mecânico, inclusive através de processos xerográficos, reprográficos, de fotocópia ou gravação.
Qualquer reprodução, mesmo que não idêntica a este material, mas que caracterize similaridade
confirmada judicialmente, também sujeitará seu responsável às sanções da legislação em vigor.
A violação dos direitos autorais caracteriza-se como crime incurso no art. 184 do Código Penal, assim
como na Lei n. 9.610, de 19.02.1998.
O conteúdo da obra é de responsabilidade dos autores. Desta forma, quaisquer medidas judiciais ou
extrajudiciais concernentes ao conteúdo serão de inteira responsabilidade dos autores.
Todos os direitos desta edição reservados à
EDITORA MIZUNO
Rua Benedito Zacariotto, 172 - Parque Alto das Palmeiras, Leme - SP, 13614-460
Correspondência: Av. 29 de Agosto, nº 90, Caixa Postal 501 - Centro, Leme - SP, 13610-210
Fone/Fax: (0XX19) 3571-0420
Visite nosso site: www.editoramizuno.com.br
e-mail: atendimento@editoramizuno.com.br
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Apresentação
O Direito de família é o ramo do Direito Civil que trata das relações
familiares e das obrigações e direitos decorrentes dessas relações, tem
como conteúdo os estudos do casamento, união estável, relações de
parentesco, filiação, alimentos, bem de família, tutela, curatela e guarda.
As normas do direito de família possuem caráter essencialmente
provisório, sofrem constantes mutações; é o ramo que mais muda de
conceito, surgem novos conceitos, novas medidas judiciais, como exemplo,
a afetividade e ação declaratória de afetividade.
O direito de família é um ramo apaixonamente, pois “as normas
jurídicas não têm caráter estável e perpétuo”. O Direito existe para regular
o comportamento dos indivíduos dentro de uma sociedade segundo valores
preestabelecidos e vigentes à época. Acontece que os grupos sociais são
formados por indivíduos de opinião que se altera, uma vez que os
elementos intrínsecos e extrínsecos alteram-se constantemente,
acarretando uma mudança de valores com o passar do tempo.
O aspecto de família vem trazendo vários modelos, que serão
analisados com as múltiplas transformações que, ao longo dos anos, estão
acontecendo de forma gradativa. Nos dias atuais, com o avassalador
aumento do mercado de trabalho da mulher, ressalva-se sua independência,
tanto no campo financeiro, como no sustento da família, que antes era
monopólio do homem, como seu provedor e dono da razão.
Trata-se de um material diferenciado, para leitores que desejam de fato
conhecer a matéria, de verdade!
Prepare-se, leitor(a), após ler essa doutrina você será um profissional
diferenciado, melhor, capaz, seguro e conhecedor.
Vou mudar a sua forma de entender os Contratos. Boa leitura!
Sumário
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO DIREITO DE FAMÍLIA
1 Conceito de Família ou Conceitos de Famílias?
2 Princípios Peculiares do Direito de Família
2.1 Princípio da afetividade
2.2 Princípio da solidariedade familiar
2.3 Princípio da proteção ao idoso
2.4 Princípio da função social da família
2.5 Princípio da plena proteção das crianças e adolescentes
2.6 Princípio da convivência familiar
2.7 Princípio da intervenção mínima do Estado no Direito de Família
Capítulo 2
NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O CASAMENTO
1 Conceito e Natureza Jurídica
2 A Promessa de Casamento – Responsabilidade Civil por Ruptura do
Noivado
3 Formas Especiais de Casamento
3.1 Casamento por procuração
3.2 Casamento nuncupativo
3.3 Casamento em caso de moléstia grave
3.4 Casamento celebrado fora do País, perante autoridade diplomática
brasileira
3.5 Casamento celebrado fora do País, perante autoridade estrangeira
Capítulo 3
CAPACIDADE, HABILITAÇÃO E CELEBRAÇÃO MATRIMONIAL
1 Capacidade para o Casamento
1.1 Autorização para o casamento do menor de 18 anos
1.2 Antecipação da idade núbil
2 Habilitação para o Casamento
2.1 Requerimento da habilitação
2.2 Edital de proclamas
2.3 Oposição à habilitação
2.4 Certificação da habilitação
3 Celebração do Casamento
Capítulo 4
PLANO DE EXISTÊNCIA DO CASAMENTO
1 Introdução
2 Noções Gerais do Plano de Existência do Casamento como Negócio
Jurídico
2.1 Manifestação de vontade (consentimento)
2.2 Celebração por autoridade materialmente competente
Capítulo 5
PLANO DE VALIDADE DO CASAMENTO: IMPEDIMENTOS
MATRIMONIAIS
1 Conceito e Tratamento Legal
2 Análise do Art. 1.521 do Código Civil: Impedimentos Matrimoniais
2.1 Casamento entre parentes em linha reta
2.2 Casamento entre afins em linha reta
2.3 Casamento entre o adotante com quem foi cônjuge do adotado e do
adotado com quem o foi do adotante
2.4 Casamento entre colaterais
2.5 Casamento entre o adotado e o filho do adotante
2.6 Casamento entre as pessoas casadas
2.7 Casamento entre o cônjuge sobrevivente com o condenado por
homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte
2.8 Casamento entre adúlteros
3 Oposição dos Impedimentos
4 Efeitos Jurídicos do Casamento Nulo
Capítulo 6
PLANO DE VALIDADE DO CASAMENTO: CAUSAS DE
ANULAÇÃO
1 Causas de Anulabilidade no Código Civil de 2002
1.1 Nubente que não completou a idade mínima para casar
1.2 Nubente em idade núbil sem autorização para o casamento
1.3 Vícios de vontade
1.3.1 Da omissão legal de referência a outros vícios de consentimento
1.3.2 Do erro essencial sobre a pessoa de um dos cônjuges
1.3.2.1 Quanto à identidade, honra e boa fama
1.3.2.2 Quanto à existência de cometimento de crime
1.3.2.3 Quanto à existência de defeito físico irremediável que não
caracterize deficiência ou patologia transmissível
1.3.2.4 Hipóteses não mais caracterizadoras de erro essencial
1.4 Da coação
1.5 Nubente incapaz de consentir ou de manifestar o seu consentimento
1.6 Revogação do mandato no casamento por procuração
1.7 Incompetência da autoridade celebrante
2 Prazo e Legitimação para Anulação do Casamento
3 Efeitos Jurídicos do Casamento Anulável
3.1 Convalescimento do casamento anulável
3.2 Natureza jurídica da sentença anulatória do casamento
3.3 Consequências jurídicas da anulação do casamento
Capítulo 7
PLANO DE VALIDADE DO CASAMENTO: CASAMENTO
PUTATIVO
1 Conceito e Tratamento Legal
2 Reconhecimento da Putatividade
3 Efeitos Jurídicos do Casamento Putativo
3.1 Casamento inválido (putativo) contraído de boa-fé por ambos os
cônjuges
3.2 Casamento inválido (putativo) contraído de boa-fé por um dos cônjuges
Capítulo 8
PLANO DE EFICÁCIA DO CASAMENTO: DEVERES
MATRIMONIAIS E CAUSAS SUSPENSIVAS DO CASAMENTO
1 Eficácia Jurídica do Casamento: Deveres Matrimoniais
2 Os Deveres Matrimoniais no Código Civil
2.1 Fidelidade recíproca
2.2 Vida em comum no domicílio conjugal (dever de coabitação)
2.3 Mútua assistência
2.4 Sustento, guarda e educação dos filhos
2.5 Dever de respeito e consideração mútuos
3 Causas Suspensivas do Casamento
3.1 Noções gerais
3.1.1 Casamento do(a) viúvo(a), com filhosdo falecido, pendentes in
ventário e partilha
3.1.2 Casamento da viúva ou de mulher cujo casamento tenha sido nulo ou
anulado, antes do decurso de dez meses
3.1.3 Casamento do(a) divorciado(a), pendente a partilha dos bens do casal
3.1.4 Casamento do(a) tutor(a), curador(a) ou seus parentes com a pessoa
tutelada ou curatelada
3.2 Arguição das causas suspensivas
3.3 Consequências jurídicas da verificação de causas suspensivas
Capítulo 9
REGIME DE BENS DO CASAMENTO: NOÇÕES
INTRODUTÓRIAS FUNDAMENTAIS
1 Conceito e Principiologia
2 Pacto Antenupcial
3 Autorização Conjugal (“Outorga Uxória” e “Outorga Marital”)
4 Regimes de Bens no Direito Civil Brasileiro
5 Regime Legal Supletivo
6 Regime Legal Obrigatório
7 Mudança de Regime de Bens do Casamento
8 Administração dos Bens no Casamento
Capítulo 10
REGIME DE BENS DO CASAMENTO: COMUNHÃO PARCIAL DE
BENS
1 Introdução e Supletividade
2 Conceito e Disciplina Legal
3 Bens Excluídos da Comunhão
4 Bens Incluídos na Comunhão
5 Administração do Patrimônio no Regime da Comunhão Parcial de Bens
Capítulo 11
REGIME DE BENS DO CASAMENTO: COMUNHÃO UNIVERSAL
DE BENS
1 Conceito
2 Bens Excluídos da Comunhão
3 Tratamento Jurídico da Administração dos Bens
4 Extinção da Comunhão
Capítulo 12
REGIME DE BENS DO CASAMENTO: SEPARAÇÃO
CONVENCIONAL DE BENS
1 Introdução
2 Conceito
3 Administração das Despesas do Casal na Separação Convencional
Capítulo 13
REGIME DE BENS DO CASAMENTO: PARTICIPAÇÃO FINAL
NOS AQUESTOS
1 Antecedentes Históricos e Conceito
2 Diferenciação para os Regimes da Comunhão Parcial e da Separação de
Bens
3 As Dívidas no Regime de Participação Final nos Aquestos
4 A Dissolução da Sociedade Conjugal e o Regime de Participação Final nos
Aquestos
Capítulo 14
BEM DE FAMÍLIA
1 Conceito e Classificação do Bem de Família
2 Disciplina Jurídica do Bem de Família Voluntário
3 Disciplina Jurídica do Bem de Família Legal
Capítulo 15
UNIÃO ESTÁVEL E OUTRAS MODALIDADES DE ENTIDADES
FAMILIARES
1 Conceito de União Estável
2 Elementos Caracterizadores
2.1 Reflexão sobre o tema da dualidade de sexos
2.2 Elementos caracterizadores essenciais
2.2.1 Publicidade
2.2.2 Continuidade
2.2.3 Estabilidade
2.2.4 Objetivo de constituição de família
2.3 Elementos acidentais
3 Impedimentos para a Configuração da União Estável
4 Efeitos Pessoais da União Estável: Direitos e Deveres dos Companheiros
5 Efeitos Patrimoniais da União Estável: Regime de Bens
6 Conversão da União Estável em Casamento
7 Família Monoparental
8 Família Homoafetiva
9 Família Poliafetiva
Capítulo 16
DIVÓRCIO
1 Conceito de Divórcio e Tratamento Jurídico Atual
2 O Divórcio Extrajudicial
3 O Divórcio Judicial
4 Uso do Nome Pós-Divórcio
5 Divórcio em cartório
6 Divórcio judicial consensual
7 Divórcio judicial litigioso
Capítulo 17
PODER FAMILIAR E GUARDA DE FILHOS
1 Conceito de Poder Familiar
2 Exercício do Poder Familiar
3 Usufruto e Administração dos Bens de Filhos Menores
4 Extinção, Suspensão e Destituição do Poder Familiar
5 Guarda de Filhos
6 Alienação Parental
Capítulo 17
FILIAÇÃO
1 Introdução
2 A Importância do Princípio da Igualdade na Filiação e o Princípio
Específico da Veracidade da Filiação
3 Reconhecimento Voluntário
4 Reconhecimento Judicial
4.1 Noções gerais
4.2 Ação de investigação de paternidade
4.3 Paternidade socioafetiva e posse do estado de filho
4.4 Multiparentalidade
Capítulo 19
PARENTESCO
1 Conceito Jurídico de Parentesco
2 Visão Classificatória do Parentesco
2.1 Classificação do parentesco quanto à natureza
2.1.1 Parentesco natural
2.1.2 Parentesco civil
2.1.3 Parentesco por afinidade
2.2 Classificação do parentesco quanto a linhas
2.2.1 Parentesco em linha reta
2.2.2 Parentesco em linha colateral
2.3 Classificação do parentesco quanto a graus
3 Persistência do Parentesco por Afinidade, na Linha Reta, após a
Dissolução do Casamento ou União Estável
4 Restrições Legais Decorrentes do Parentesco
5 Adoção
Capítulo 20
ALIMENTOS
1 Terminologia e Conceito
2 Pressupostos e Critérios de Fixação
3 Legitimação e Características da Obrigação Alimentar
4 Classificações
4.1 Classificação dos alimentos
5 A Culpa em Sede de Alimentos
6 A Prisão do Devedor de Alimentos
7 Alimentos Gravídicos
8 Revisão, Exoneração e Extinção dos Alimentos
Capítulo 21
TUTELA, CURATELA E TOMADA DE DECISÃO APOIADA
1 Noções Introdutórias
2 Distinção Conceitual de Tutela e Curatela
3 Tutela
3.1 Sujeitos da tutela
3.2 Objeto da tutela
3.3 Cessação da tutela
4 Curatela
4.1 Sujeitos da curatela
4.2 Alguns aspectos processuais da curatela
5 Tomada de Decisão Apoiada
MODELOS DE PEÇAS
REFERÊNCIAS
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO DIREITO DE FAMÍLIA
1 Conceito de Família ou Conceitos de Famílias?
Segundo o professor Júlio Cesar Sanchez, o Direito de Família é o ramo
do Direito Civil que trata das relações familiares e das obrigações e direitos
decorrentes dessas relações, tem como conteúdo os estudos do
casamento, união estável, relações de parentesco, filiação, alimentos, bem
de família, tutela, curatela e guarda.
A Carta Magna define a família como base da sociedade, recebendo,
assim, uma especial proteção do Estado, conforme o artigo 226.
O Código Civil de 1916 somente admitia a formação de família pelo
casamento, sendo o Direito de Família um conjunto de “normas e
princípios que regulavam a celebração do casamento, sua validade e os
efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade
conjugal, a dissolução desta, as relações entre pais e filhos, o vínculo de
parentesco e os institutos complementares da tutela, curatela e da
ausência”, conforme Clóvis Beviláqua.
Hoje em dia, isso não mais acontece, tendo em vista o caráter plural das
entidades familiares, consagrado no atual Diploma Civil.
ATENÇÃO!
“Em face dessa amplitude, é fácil perceber, ainda, que as normas do Direito das Famílias implicam
efeitos pessoais, patrimoniais e sociais diversos. Para bem perceber essa situação, bastaria tomar
como exemplo a relação de casamento ou de união estável, nas quais é possível notar efeitos
pessoais (como o estabelecimento de vínculo de parentesco por afinidade), patrimoniais (dizendo
respeito, por exemplo, ao regime de bens) e assistenciais (que podem ser exemplificados pelo
reconhecimento da obrigação alimentar)”.
No Direito de Família, há um acentuado predomínio das normas
imperativas, isto é, normas que são inderrogáveis pela vontade dos
particulares. Significa, tal inderrogabilidade, que os interessados não podem
estabelecer a ordenação de suas relações familiares, porque essa se
encontra expressa e imperativamente prevista na lei (ius cogens). Com
efeito, não se lhes atribui o poder de fixar o conteúdo do casamento (por
exemplo, modificar os deveres conjugais, art. 231); ou sujeitar a termo ou
condição o reconhecimento do filho (art. 361); ou alterar o conteúdo do
pátrio poder.
ATENÇÃO!
O ordenamento visa a estabelecer um regime de certeza e estabilidade das relações jurídicas
familiares ao regular as bases fundamentais dos institutos do Direito de Família.
Dessa forma, podemos dizer que o Direito de Família é um “conjunto
de normas-princípios e normas-regras jurídicas que regulam as relações
decorrentes do vínculo afetivo, mesmo sem casamento, tendentes à
personalidade humana, através de efeitos pessoais, patrimoniais e
assistenciais”
NOTA JURISPRUDENCIAL!
Pontes de Miranda complementa que a grande maioria dos preceitos de direitos de família é
composta de normas cogentes, exceto em matéria de regime de bens, que o Código Civil deixa
margem à autonomia da vontade.
Ou seja, normas cogentes são normas obrigatórias, que não podem ser alteradas ou afastadas
pela vontade das partes.
A família é, sem sombra de dúvida, o elemento propulsor de nossas
maiores felicidades e, ao mesmo tempo, é na sua ambiência que
vivenciamos as nossas maiores angústias, frustrações, traumas e medos.
Muitos dos nossos atuais problemas têm raiz no passado, justamente
em nossa formaçãofamiliar, o que condiciona, inclusive, as nossas futuras
tessituras afetivas. Somos e estamos umbilicalmente unidos à nossa família.
O conceito de família reveste-se de alta significação psicológica, jurídica
e social, impondo-nos um cuidado redobrado em sua delimitação teórica, a
fim de não corrermos o risco de cair no lugar-comum da retórica vazia ou
no exacerbado tecnicismo desprovido de aplicabilidade prática. Nesse
ponto, perguntamo-nos se seria possível delimitar um conceito único de
família.
Não por outra razão, o Projeto de Lei n. 2.285, de 2007, é intitulado
“Estatuto das Famílias”, pois, como bem acentuou a sua comissão
elaboradora:
A denominação utilizada, ‘Estatuto das Famílias’, contempla melhor a opção constitucional de
proteção das variadas entidades familiares. No passado, apenas a família constituída pelo
casamento – portanto única – era objeto do direito de família.
Nessa ordem de ideias, portanto, chegamos, até mesmo por
honestidade intelectual, a uma primeira e importante conclusão: não é
possível apresentar um conceito único e absoluto de Família, apto a
aprioristicamente delimitar a complexa e multifária gama de relações
socioafetivas que vinculam as pessoas, tipificando modelos e estabe lecendo
categorias. Qualquer tentativa nesse sentido restaria infrutífera e
desgarrada da nossa realidade.
A par disso, registramos que, em nossas obras, preferimos utilizar a
expressão “Direito de Família” – em vez de “Direito das Famílias” – não
por um apego estéril à tradição legislativa ou adoção da equivocada ideia
unívoca do signo “família”, mas sim pelo reconhecimento de que a
expressão “família” é gênero que comporta diversas modalidades de
constituição, devendo todas ser objeto da proteção do Direito.
Assim como não precisamos pluralizar o “amor”, por sua intrínseca
plenitude, o mesmo se dá, em nosso sentir, com a noção de “família”.
Mas, a despeito dessa dificuldade conceitual apresentada, compreensível
por conta da natureza especial do núcleo familiar, cuidaremos de, sem
pretender esgotar todas as formas e todos os arranjos familiares
constituídos no seio de nossa sociedade, apresentar um conceito geral de
família, tomando por parâmetro o superior princípio da dignidade da
pessoa humana.
Antes, porém, faz-se necessário tecer algumas considerações acerca da
norma tização constitucional.
O art. 226, caput, da Constituição Federal, estabelece ser a família a
“base da sociedade”, gozando de especial proteção do Estado. Note-se a
importância dada à família, considerada como fundamento de toda a
sociedade brasileira.
Tal previsão, de per si, já justificaria a necessidade imperiosa – e
obrigação constitucional – de os governos, em suas três esferas – federal,
estadual e municipal –, cuida rem de, prioritariamente, estabelecer, como
metas inafastáveis, sérias políticas públicas de apoio aos membros da
família, especialmente a criança, o adolescente e o idoso.
Logo em seguida, mais especificamente nos §§ 1º a 4º do referido art.
226, a Constituição cuida de, explicitamente, fazer referência a três
categorias de família, o casamento, a união estável e o núcleo
monoparental:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qual quer dos
pais e seus descendentes.
ATENÇÃO!
NOTA TEÓRICA: Em razão da importância social de sua disciplina, predominam no Direito de
Família, portanto, as normas de ordem pública, impondo antes deveres do que direitos.
Daí por que se observa uma intervenção crescente do Estado no campo do Direito de Família,
visando a conceder-lhe maior proteção e propiciar melhores condições de vida às gerações novas.
Essa constatação tem conduzido alguns doutrinadores a retirar do direito privado o Direito de
Família e incluí-lo no direito público.
Outros preferem classificá-lo como direito sui generis ou “direito
social”. Malgrado as peculiaridades das normas do Direito de Família, o seu
correto lugar é mesmo junto ao direito privado, no ramo do direito civil,
em razão da finalidade tutelar que lhe é inerente, ou seja, da natureza das
relações jurídicas a que visa a disciplinar. Destina-se, como vimos, a
proteger a família, os bens que lhe são próprios, a prole e interesses afins.
Portanto, a íntima aproximação do Direito de Família ao direito público
não retira o caráter privado, pois está disciplinado num dos mais
importantes setores do direito civil, e não envolve diretamente uma relação
entre o Estado e o cidadão.
As relações adstringem-se às pessoas físicas, sem obrigar o ente público
na solução dos litígios. A proteção às famílias, à prole, aos menores, ao
casamento, aos regimes de bens não vai além de mera tutela, não
acarretando a responsabilidade direta do Estado na observância ou não das
regras correspondentes pelos cônjuges ou mais sujeitos da relação jurídica.
Nesse ponto, devemos reconhecer o grande avanço que se operou.
Isso, porque, até então, a ordem jurídica brasileira apenas reconhecia como
forma “legítima” de família aquela decorrente do casamento, de maneira
que qualquer outro arranjo familiar era considerado marginal, a exemplo do
concubinato.
Vale dizer, o Estado e a Igreja deixaram de ser necessárias instâncias
legitimadoras da família, para que se pudesse, então, valorizar a liberdade
afetiva do casal na formação do seu núcleo familiar, circunstância essa
verificada, inclusive, na Europa, conforme anota Guilherme de Oliveira:
Desde então tem se tornado mais nítida a perda do valor do Estado e da Igreja como instância
legitimadora da comunhão de vida e nota-se uma crescente rejeição das tabelas de valores e
dos ‘deveres conjugais’ predeterminados por qualquer entidade externa aos conviventes.
Na mesma linha, acompanhando a mudança de valores e,
especialmente, o avanço científico das técnicas de reprodução humana
assistida, cuidou-se também de imprimir dignidade constitucional aos
denominados núcleos monoparentais, formados por qualquer dos pais e
sua prole.
Mas teria esse sistema constitucional esgotado todas as formas de
família? Trata-se, pois, de um sistema normativo fechado ou, ao contrário, a
ordem constitucional apenas lançou as bases das categorias familiares mais
comuns, sem pretender exauri-las?
Especialmente por considerarmos – consoante afirmamos acima – que
o conceito de família não tem matiz único, temos a convicção de que a
ordem constitucional vigente consagrou uma estrutura paradigmática
aberta, calcada no princípio da afetividade, visando a permitir, ainda que de
forma implícita, o reconhecimento de outros ninhos ou arranjos familiares
socialmente construídos.
Nesse sentido, Paulo Lôbo:
Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da Constituição são
meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo
merecendo referência expressa. As demais entidades familiares são tipos implícitos incluídos
no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput.
Como todo conceito indeterminado, depende de concre- tização dos tipos, na experiência da
vida, conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductilidade e adaptabilidade.
Posto isso, é forçoso convir que nenhuma definição nessa seara pode
ser considerada absoluta ou infalível, uma vez que a família, enquanto
núcleo de organização social, é, sem dúvida, a mais personalizada forma de
agregação intersubjetiva, não podendo, por conseguinte, ser
aprioristicamente encerrada em um único standard doutrinário.
No entanto, por conta do desafio que assumimos ao iniciar esta obra, e
registrando a pluralidade de matizes que envolvemeste conceito,
arriscamo-nos a afirmar que “família é o núcleo existencial integrado por
pessoas unidas por vínculo socioafetivo, teleologicamente vocacionada a
permitir a realização plena dos seus integrantes”, segundo o princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana.
Nessa linha, é possível sistematizar o nosso conceito da seguinte
maneira:
a) núcleo existencial composto por mais de uma pessoa: a ideia óbvia é que, para ser família, é
requisito fundamental a presença de, no mínimo, duas pessoas;
b) vínculo socioafetivo: é a afetividade que forma e justifica o vínculo entre os membros da
família, constituindo-a. A família é um fato social, que produz efeitos jurídicos;
c) vocação para a realização pessoal de seus integrantes: seja qual for a intenção para a
constituição de uma família (dos mais puros sentimentos de amor e paixão, passando pela
emancipação e conveniência social, ou até mesmo ao extremo mesquinho dos interesses
puramente econômicos), formar uma família tem sempre a finalidade de concretizar as
aspirações dos indivíduos, na perspectiva da função social.
É preciso compreender que a família, hoje, não é um fim em si mesmo,
mas o meio para a busca da felicidade, ou seja, da realização pessoal de
cada indivíduo, ainda que existam – e infelizmente existem – arranjos
familiares constituídos sem amor.
O que não se pode prescindir, nesse contexto, é o seu intrínseco
elemento teleológico consistente na formação de um núcleo existencial que
tenha por finalidade proporcionar uma tessitura emocional (e afetiva) que
permita a realização da família como comunidade e dos seus membros
como indivíduos. E isso não seria possível sem uma ampla visão do instituto,
seja na sua compreensão conceitual, seja em um bosquejo histórico, o que
será objeto do próximo tópico.
2 Princípios Peculiares do Direito de Família
Nos próximos itens, dissecaremos normas de otimização específicas do
Direito de Família brasileiro.
2.1 Princípio da afetividade
Todo o moderno Direito de Família gira em torno do princípio da
afetividade. Não nos propomos, com isso, a tentar definir o amor, pois tal
tarefa afigurar-se-ia impossível a qualquer estudioso, filósofo ou cientista.
Mas daí não se conclua inexistir aquilo que não pode ser racionalmente
delineado. Isso seria um lamentável erro.
O fato é que o amor – a afetividade – tem muitas faces e aspectos e,
nessa multifária complexidade, temos apenas a certeza de que se trata de
uma força elementar, propulsora de todas as nossas relações de vida.
Nesse contexto, fica fácil concluir que a sua presença, mais do que em
qualquer outro ramo do Direito, se faz especialmente forte nas relações de
família.
Aliás, como já dissemos antes, o próprio conceito de família, elemento-
chave de nossa investigação científica, deriva – e encontra a sua raiz ôntica
– da própria afetividade.
Vale dizer, a comunidade de existência formada pelos membros de uma
família é moldada pelo liame socioafetivo que os vincula, sem aniquilar as
suas individualidades.
E, como decorrência da aplicação desse princípio, uma inafastável
conclusão é justamente no sentido de o Direito Constitucional de Família
brasileiro, para além da tríade casamento – união estável – núcleo
monoparental, reconhecer também outras formas de arranjos familiares, a
exemplo da união entre pessoas do mesmo sexo ou mesmo da união
poliafetiva.
Daí, inclusive, a opção pela expressão “união homoafetiva”, preferida
pela maioria dos autores modernos, e não “união homossexual”, pois as
pessoas que formam esse núcleo estão jungidas pelo afeto, e não apenas
pela sexualidade.
Ao encontro de tal entendimento, Maria Berenice Dias:
De forma cômoda, o Judiciário busca subterfúgios no campo do Direito das Obrigações,
identificando como uma sociedade de fato o que nada mais é do que uma sociedade de afeto.
A exclusão de tais relacionamentos da órbita do Direito de Família acaba impedindo a
concessão dos direitos que defluem das relações familiares, tais como: meação, herança,
usufruto, habitação, alimentos, benefícios previdenciários, entre tantos outros.
E ainda:
Indispensável que se reconheça que os vínculos homoafetivos – muito mais do que relações
homossexuais – configuram uma categoria social que não pode mais ser discriminada ou
marginalizada pelo preconceito. Está na hora de o Estado, que consagra como princípio maior
o respeito à dignidade da pessoa humana, reconhecer que todos os cidadãos dispõem do
direito individual à liberdade, do direito social de escolha e do direito humano à felicidade.
Com efeito, temos que, ao legislador, incumbe apenas o
reconhecimento do ente familiar, mas não a sua conceituação técnica
delimitativa, excludente de outros agrupamentos não estandardizados, pois,
se assim o fosse, estar-se-ia consagrando uma odiosa discriminação
normativa, em franco desrespeito à superior principiologia constitucional.
Nesse mesmo diapasão, descortina-se, hoje, na vereda da afetividade, o
importante reconhecimento das relações filiais desbiologizadas, mitigando-
se, assim, com justiça, o entendimento, até então dogmático, da
supremacia genética decorrente do laudo de exame de DNA, podendo,
inclusive, gerar a consequente obrigação alimentar (conforme
entendimento do Enunciado n. 341 da IV Jornada de Direito Civil).
Ainda com base na afetividade, sem pretendermos, claro, esgotar o seu
âmbito de aplicação, podemos citar as normas protetivas da criança e do
adolescente, que, em inúmeras passagens, tomam por base o afeto como
vetor de orientação comportamental dos pais ou representantes, inclusive
no que tange à inserção em família substituta, como podemos verificar da
leitura dos considerandos da Convenção de Cooperação Internacional e
Proteção de Crianças e Adolescentes em Matéria de Adoção Internacional:
Reconhecendo que, para o desenvolvimento harmonioso de sua personalidade, a criança deve
crescer em meio familiar, em clima de felicidade, de amor e de compreensão;
Recordando que cada país deveria tomar, com caráter prioritário, medidas adequadas para
permitir a manutenção da criança em sua família de origem;
Reconhecendo que a adoção internacional pode apresentar a vantagem de dar uma família
permanente à criança para quem não se possa encontrar uma família adequada em seu país de
origem;
Convencidos da necessidade de prever medidas para garantir que as adoções internacionais
sejam feitas no interesse superior da criança e com respeito a seus direitos fundamentais,
assim como para prevenir o sequestro, a venda ou o tráfico de crianças; e
Desejando estabelecer para esse fim disposições comuns que levem em consideração os
princípios reconhecidos por instrumentos internacionais, em particular a Convenção das
Nações Unidas sobre os princípios sociais e jurídicos aplicáveis à proteção e ao bem-estar das
crianças, com Especial Referência às Práticas em Matéria de Adoção e de Colocação Familiar
nos Planos Nacional e Internacional (Resolução da Assembleia Geral 41/85, de 3 de dezembro
de 1986)…
Na mesma linha, o Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção,
independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.
§ 1º Sempre que possível, a criança ou adolescente deverá ser previamente ouvido e a sua
opinião devidamente considerada.
§ 2º Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de
afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da
medida. (grifamos).
Também, na guarda de filhos, é perceptível a aplicação do princípio,
consoante se deflui da simples leitura do Código Civil:
Art. 1.584. Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo
quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-
la.
Parágrafo único. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guardado pai ou da
mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da
medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e
afetividade, de acordo com o disposto na lei específica.
Nítida, aliás, nesse ponto, é a evolução legislativa, por conta do
abandono do princípio da culpa e a substituição pela afetividade, segundo o
interesse dos filhos.
Tantas são as aplicações desse princípio que nos seria impossível esgotá-
las nesta obra.
Mas o fato incontestável, e isso deve ficar claro ao nosso amigo leitor, é
que toda a investigação científica do Direito de Família submete-se à força
do princípio da afetividade, delineador dos standards legais típicos (e
atípicos) de todos os institutos familiaristas.
E isso restou claro na doutrina de Guilherme de Oliveira, quando,
acertadamente, considera “o amor” assunto do casal e não do Estado:
Conscientemente ou não, a primeira batalha travada, com êxito, contra a legitimação externa
tradicional foi a da não discriminação dos ‘filhos ilegítimos’, com o álibi perfeito da inocência
dos filhos relativamente aos ‘pecados’ dos pais. Aqui terá começado a mostrar-se aquela
tendência.
Desde então tem-se tornado mais nítida a perda do valor do Estado e da Igreja como
instância legitimadora da comunhão de vida e nota-se uma crescente rejeição da tabela de
valores e dos ‘deveres conjugais’ predeterminados por qualquer entidade externa aos
próprios conviventes. A ‘família autopoiética’ pode receber estímulos do exterior mas todas
as informações recebidas serão reelaboradas de acordo com as modalidades internas de
comunicação. Neste sentido, pode dizer-se que o casal e a família acompanham o movimento
para a criação de ‘sistemas internamente referenciais’, característico da sociedade moderna,
e, assim, dentro do casal ‘a lei é a ausência de lei’, ‘o amor torna-se um assunto exclusivo dos
amantes’ e o casal tornou-se seu próprio legislador.
Finalmente, em conclusão a este tópico, gostaríamos de compartilhar
uma importante reflexão.
Note-se que, para uma adequada investigação da relação familiar, à luz
desse princípio matricial, afigura-se imperativo que os juízes tenham
sempre presente a necessidade de não apenas estudar atentamente o caso
concreto, ouvindo sempre as partes e os advogados, mas, também, julgar
sem a parcialidade indesejável de dogmáticas convicções pessoais, em uma
interpretação, para além de simplesmente racional e lógica, mais
compreensiva, solidária e sensível.
Nesse sentido, lembremos Mauro Cappelletti:
Em realidade, interpretação significa penetrar os pensamentos, inspirações e linguagem de
outras pessoas com vistas a compreendê-los e – no caso do juiz, não menos que no do
musicista, por exemplo – reproduzi-los, ‘aplicá-los’ e ‘realizá-los’ em novo e diverso contexto,
de tempo e lugar.
De fato, interpretar o Direito de Família, nesse panorama de
observância do princípio da afetividade, significa, em especial – mais do que
aplicar ao caso concreto uma interpretação simplesmente racional
discursiva –, compreender as partes envolvidas no cenário posto sob o
crivo judicial, respeitando as diferenças e valorizando, acima de tudo, os
laços de afeto que unem os seus membros.
Afinal, nessa dialética harmoniosa, nenhuma família é igual à outra, e
todas merecem, igualmente, ser respeitadas.
2.2 Princípio da solidariedade familiar
Outro princípio peculiar do Direito de Família, de fundamental
importância, é o princípio da solidariedade familiar.
Esse princípio não apenas traduz a afetividade necessária que une os
membros da família, mas, especialmente, concretiza uma especial forma de
responsabilidade social aplicada à relação familiar.
A seu respeito, escreveu Flávio Tartuce:
A solidariedade social é reconhecida como objetivo fundamental da República Federativa do
Brasil pelo art. 3º, inc. I, da Constituição Federal de 1988, no sentido de buscar a construção
de uma sociedade livre, justa e solidária. Por razões óbvias, esse princípio acaba repercutindo
nas relações familiares, já que a solidariedade deve existir nesses relacionamentos pessoais.
Isso justifica, entre outros, o pagamento dos alimentos no caso de sua necessidade, nos
termos do art. 1.694 do atual Código Civil. A título de exemplo, o Superior Tribunal de Justiça
aplicou o princípio em questão considerando o dever de prestar alimentos mesmo nos casos
de união estável constituída antes de entrar em vigor a Lei n. 8.971/94, o que veio a tutelar os
direitos da companheira.
Reconheceu-se, nesse sentido, que a norma que prevê os alimentos aos companheiros é de
ordem pública, o que justificaria a sua retroatividade.
A solidariedade, portanto, culmina por determinar o amparo, a
assistência ma terial e moral recíproca, entre todos os familiares, em
respeito ao princípio maior da dignidade da pessoa humana.
É ela, por exemplo, que justifica a obrigação alimentar entre parentes,
cônjuges ou companheiros, ou, na mesma linha, que serve de base ao
poder familiar exercido em face dos filhos menores.
Uma observação importante, porém, se faz necessária.
Embora a ideia de solidariedade remonte aos mais puros e nobres
sentimentos humanos, a repercussão patrimonial, no sistema normativo
brasileiro, parece evidente. É o comentário crítico de Paulo Lôbo:
O Código Civil de 2002, apesar da apregoada mudança de paradigma, do individualismo para
a solidariedade social, manteve forte presença dos interesses patrimoniais sobre os pessoais,
em variados institutos do Livro IV, no Título I destinado ao ‘direito pessoal’.
Assim, as causas suspensivas do casamento, referidas no art. 1.523, são quase todas voltadas
aos interesses patrimoniais (principalmente, em relação à partilha de bens). Da forma como
permanece no Código, a autorização do pai, tutor ou curador para que se casem os que lhe
estão sujeitos não se volta à tutela da pessoa, mas ao patrimônio dos que desejam se casar; a
razão de a viúva estar impedida de se casar antes de dez meses depois da gravidez não é a
proteção da pessoa humana do nascituro, ou a da certeza da paternidade, mas a proteção de
seus eventuais direitos sucessórios; o tutor, o curador, o juiz, o escrivão estão impedidos de
se casar com as pessoas sujeitas a sua autoridade, porque aqueles, segundo a presunção da
lei, seriam movidos por interesses econômicos. No capítulo destinado à dissolução da
sociedade conjugal e do casamento, ressaltam os interesses patrimoniais, sublimados nos
processos judiciais, agravados com o fortalecimento do papel da culpa na separação judicial,
na contramão da evolução do Direito de Família. Contrariando a orientação jurisprudencial
dominante, o art. 1.575 enuncia que a sentença de separação importa partilha dos bens. A
confusa redação dos preceitos relativos à filiação (principalmente a imprescritibilidade
prevista no art. 1.601) estimula que a impugnação ou o reconhecimento judicial da
paternidade tenham como móvel interesse econômico (principalmente herança), ainda que
ao custo da negação da história de vida construída na convivência familiar. Quando cuida dos
regimes de bens entre os cônjuges, o Código (art. 1.641) impõe, com natureza de sanção, o
regime de separação de bens aos que contraírem casamento com inobservância das causas
suspensivas e ao maior de 60 anos, regra esta de discutível constitucionalidade, pois agres-
siva da dignidade da pessoa humana, cuja afetividade é desconsiderada em favor de interesses
de futuros herdeiros. As normas destinadas à tutela e à curatela estão muito mais voltadas ao
patrimônio do que às pessoas dos tutelados e curatelados. Na curatela do pródigo, a
proteção patrimonial chega ao clímax, pois a prodigalidade é negada e a avareza premiada.
Essa crítica, embora demonstre a evidente importância dos interesses
patrimoniais na sociedade moderna, não deslustra a relevância do princípio
da solidariedade social, que acaba influenciando, inclusive, outros princípiospeculiares das relações de família, como, por exemplo, o princípio da
proteção ao idoso, tema do próximo subtópico.
2.3 Princípio da proteção ao idoso
Um tratamento respeitoso e preferencial aos idosos é, sem dúvida, um
verdadeiro dogma na disciplina atual das relações de família.
A devida reverência a todos aqueles que sobreviveram às batalhas da
vida e, agora, encontram menos vigor em seus corpos físicos é um
imperativo de justiça e uma decorrência necessária do princípio geral da
proteção à dignidade da pessoa humana, bem como, em especial, do
princípio da solidariedade social.
Nesse ponto, importa observar que a mudança no tratamento ao idoso,
em nosso País, afigurou-se imperiosa, premente e necessária.
Em poucas décadas, as famílias brasileiras tornar-se-ão mais longevas,
consoante demonstrou elucidativa pesquisa do IBGE, que merece a nossa
atenção:
IBGE lança o Perfil dos Idosos Responsáveis pelos Domicílios. A população de idosos
representa um contingente de quase 15 milhões de pessoas com 60 anos ou mais de idade
(8,6% da população brasileira). As mulheres são maioria, 8,9 milhões (62,4%) dos idosos são
responsáveis pelos domicílios e têm, em média, 69 anos de ida de e 3,4 anos de estudo. Com
um rendimento médio de R$ 657,00, o idoso ocupa, cada vez mais, um papel de destaque na
sociedade brasileira. Os resultados estão na nova publicação do IBGE que traz números sobre
a situação no Brasil, nas Grandes Regiões, nas Unidades da Federação e é acompanhado por
um CD-ROM com informações dos 5.507 municípios do País.
A maioria dos 14.536.029 de idosos vive nas grandes cidades. Nos próximos 20 anos, a
população idosa do Brasil poderá ultrapassar os 30 milhões de pessoas e deverá representar
quase 13% da população ao final deste período. Em 2000, segundo o Censo, a população de
60 anos ou mais de idade era de 14.536.029 de pessoas, contra 10.722.705 em 1991. O peso
relativo da população idosa no início da década representava 7,3%, enquanto em 2000 essa
proporção atingia 8,6%.
A proporção de idosos vem crescendo mais rapidamente que a proporção de crianças. Em
1980, existiam cerca de 16 idosos para cada 100 crianças; em 2000, essa relação
praticamente dobrou, passando para quase 30 idosos por 100 crianças. A queda da taxa de
fecundidade ainda é a principal responsável pela redução do número de crianças, mas a
longevidade vem contribuindo progressivamente para o aumento de idosos na população.
Um exemplo é o grupo das pessoas de 75 anos ou mais de idade, que teve o maior
crescimento relativo (49,3%) nos últimos dez anos, em relação ao total da população idosa.
No Brasil, em média, as mulheres vivem oito anos a mais que os homens. As diferenças de
expectativa de vida entre os sexos mostram: em 1991, as mulheres correspondiam a 54% da
população de idosos; em 2000, passaram para 55,1%. Portanto, em 2000, para cada 100
mulheres idosas havia 81,6 homens idosos.
Outra conclusão: residir na cidade pode beneficiar a idosa, especialmente aquela que é viúva,
por causa da proximidade com seus filhos, dos serviços especializados de saúde e de outros
facilitadores do cotidiano. Assim, o grau de urbanização da população idosa também
acompanha a tendência da população total, ficando em torno de 81% em 2000. A proporção
de idosos residentes nas áreas rurais caiu de 23,3%, em 1991, para 18,6%, em 2000.
Antecipando esse contexto, e verificando a compreensível
vulnerabilidade dos nossos parentes idosos, a Lei n. 10.741, de 2003
(Estatuto do Idoso), informada pelo princípio da solidariedade familiar,
cuidou de estabelecer, em favor do credor alimentando (maior de sessenta
anos), uma solidariedade passiva entre os parentes obrigados ao pagamento
da pensão alimentícia: “Art. 11. Os alimentos serão prestados ao idoso
na forma da lei civil. Art. 12. A obrigação alimentar é solidária, podendo
o idoso optar entre os prestadores” (grifamos).
Assim, poderá o alimentando idoso demandar qualquer dos legitimados
passivos, exigindo o pagamento da integral pensão devida.
Exemplifiquemos.
Caso a vovó necessite de alimentos, poderá demandar diretamente o
seu filho, seu neto ou seu bisneto, pois todos estão legal e solidariamente
vinculados ao cumprimento da obrigação. Ou seja, não existe ordem de
preferência entre eles.
Tudo por conta desse princípio da solidariedade familiar que, nesse
caso, é de percepção mais sensível, valendo lembrar, ainda, que tal
responsabilidade pode, inclusive, ser estendida ao Poder Público, na forma
do art. 14 do referido Estatuto, que assim preceitua: “Art. 14. Se o idoso ou
seus familiares não possuírem condições econômicas de prover o seu
sustento, impõe-se ao Poder Público esse provimento, no âmbito da
assistência social”.
Nesse sentido, aliás, já decidiu o STJ, em interessante acórdão da lavra
da Ministra Nancy Andrighi:
Direito civil e processo civil. Ação de alimentos proposta pelos pais idosos em face de um dos
filhos. Chamamento da outra filha para integrar a lide. Definição da natureza solidária da
obrigação de prestar alimentos à luz do Estatuto do Idoso.
A doutrina é uníssona, sob o prisma do Código Civil, em afirmar que o dever de prestar
alimentos recíprocos entre pais e filhos não tem natureza solidária, porque é conjunta.
A Lei 10.741/2003 atribuiu natureza solidária à obrigação de prestar alimentos quando os
credores forem idosos, que por força da sua natureza especial prevalece sobre as disposições
específicas do Código Civil.
O Estatuto do Idoso, cumprindo política pública (art. 3º), assegura celeridade no processo,
impedindo intervenção de outros eventuais devedores de alimentos.
A solidariedade da obrigação alimentar devida ao idoso lhe garante a opção entre os
prestadores (art. 12). Recurso especial não conhecido. (REsp 775.565/SP, Rel. Min. Nancy
Andrighi, 3ª Turma, julgado em 13-6-2006) (grifamos).
Parece-nos, sem dúvida, o melhor entendimento sobre a matéria,
homenageando o princípio mencionado.
2.4 Princípio da função social da família
Também nas relações familiares o princípio da função social se faz
presente.
No entanto, a família perdeu outras diferentes funções, que exerceu ao
longo da história, como anotam os professores da Faculdade de Direito de
Coimbra, Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira:
(…) Perdeu a função política que tinha no Direito Romano, quando se estruturava sobre o
parentesco agnatício, assente na ideia de subordinação ou sujeição ao pater-familias de todos
os seus membros. Perdeu a função econômica de unidade de produção, embora continue a
ser normalmente uma unidade de consumo. As funções educativa, de assistência e de
segurança, que tradicionalmente pertenciam à família, tendem hoje a ser assumidas pela
própria sociedade. Por último, a família deixou de ser fundamentalmente o suporte de um
patrimônio de que se pretenda assegurar a conservação e transmissão, à morte do respectivo
titular (…).
Reconhecem, no entanto, os autores, o importante papel sociocultural
exercido pela família, pois, em seu seio, opera-se “o segundo nascimento
do homem, ou seja, o seu nascimento como personalidade sociocultural,
depois do seu ‘primeiro nascimento’ como indivíduo físico”.
Numa perspectiva constitucional, a funcionalização social da família
significa o respeito ao seu caráter eudemonista, enquanto ambiência para a
realização do projeto de vida e de felicidade de seus membros,
respeitando-se, com isso, a dimensão existencial de cada um. E isso não é
simples argumento de retórica.
Como consectário desse princípio, uma plêiade de efeitos pode ser
observada, a exemplo da necessidade de respeito à igualdade entre os
cônjuges e companheiros; a importância da inserção de crianças e
adolescentes no seio de suas famílias naturais ou substitutas; o respeito à
diferença, em arranjos familiares não standardizados, como a união
homoafetiva, pois, em todos esses casos, busca-se a concretização da
finalidade social da família.
Miguel Reale, por sua vez,antevendo a consagração doutrinária desse
princípio, na seara familiar, aponta outras situações de sua aplicação:
Em virtude dessa função social da família – que a Constituição considera ‘base da sociedade’ –
cabe ao juiz o poder-dever de verificar se os filhos devem permanecer sob a guarda do pai ou
da mãe, atribuindo a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida,
de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade, de acordo com
o disposto na lei específica, ou seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de
13 de julho de 1990).
Tão forte é a compreensão social da família, que o juiz, atendendo a pedido de algum parente
ou do Ministério Público, poderá suspender o poder familiar se o pai ou a mãe abusar de sua
autoridade, faltando aos deveres a ele inerentes, ou arruinando os bens dos filhos, e adotar a
medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres.
De fato, a principal função da família é a sua característica de meio para
a realização de nossos anseios e pretensões. Não é mais a família um fim
em si mesmo, conforme já afirmamos, mas sim o meio social para a busca
de nossa felicidade na relação com o outro.
2.5 Princípio da plena proteção das crianças e adolescentes
Os filhos menores – crianças e adolescentes – gozam, no seio da família,
por determinação constitucional (art. 227 da CF), de plena proteção e
prioridade absoluta em seu tratamento. Isso significa que, em respeito à
própria função social desempenhada pela família, todos os integrantes do
núcleo familiar, especialmente os pais e mães, devem propiciar o acesso aos
adequados meios de promoção moral, material e espiritual das crianças e
dos adolescentes viventes em seu meio.
Educação, saúde, lazer, alimentação, vestuário, enfim, todas as diretrizes
constantes na Política Nacional da Infância e Juventude devem ser
observadas rigorosamente.
A inobservância de tais mandamentos, sem prejuízo de eventual
responsabilização criminal e civil, pode, inclusive, resultar, no caso dos pais,
na destituição do poder familiar.
Aliás, ao lado do que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, o
próprio Código Civil, em diversas passagens, concretiza esse princípio
tutelar, como se vê, por exemplo, na disciplina jurídica do revogado (ou
tendente ao desuso) instituto da separação consensual:
Art. 1.574. Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem
casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente
homologada a convenção.
Parágrafo único. O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se
apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos
cônjuges. (grifos nossos).
Na mesma linha, o Código estabelece como dever conjugal, também
observável na união estável, a guarda, sustento e educação dos filhos
menores:
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
I – fidelidade recíproca;
II – vida em comum, no domicílio conjugal;
III – mútua assistência;
IV – sustento, guarda e educação dos filhos;
V – respeito e consideração mútuos.
(…)
Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de leal-
dade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos. (grifos nossos).
Até mesmo no tratamento do casamento putativo, ressalva:
Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges,
o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da
sentença anulatória.
§ 1º Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a
ele e aos filhos aproveitarão.
§ 2º Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só
aos filhos aproveitarão. (grifos nossos).
Note-se, por conseguinte, que a proteção plena das crianças e
adolescentes integrantes do seio familiar – não apenas os filhos, mas
também netos, sobrinhos etc. – traduz um intransponível fundamento do
moderno Direito de Família.
No “Estatuto das Famílias”, Projeto de Lei n. 2.285/2007, cuidou-se de,
nessa mesma linha de pensamento, preservar o melhor interesse existencial
dos filhos, con forme podemos verificar na leitura dos seguintes artigos:
Art. 96. Não havendo acordo entre os pais, deve o juiz decidir, preferencialmente, pela
guarda compartilhada, salvo se o melhor interesse do filho recomendar a guarda exclusiva,
assegurado o direito à convivência do não guardião.
Parágrafo único. Antes de decidir pela guarda compartilhada, sempre que possível, deve ser
ouvida equipe multidisciplinar e utilizada mediação familiar.
(…)
Art. 103. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o
juiz deve deferir a guarda a quem revele compatibilidade com a natureza da medida, de
preferência levando em conta o grau de parentesco e a relação de afetividade.
Parágrafo único. Nesta hipótese deve ser assegurado aos pais o direito à convivência familiar,
salvo se não atender ao melhor interesse existencial da criança.
Na doutrina, lembram-nos, a respeito do tema, Flávio Tartuce e José
Simão que:
(…) o art. 3º do próprio ECA prevê que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral, assegurando-
lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade.
E, mais adiante:
Na ótica civil, essa proteção integral pode ser percebida pelo princípio de melhor interesse da
criança, ou best interest of the child, conforme reconhecido pela Convenção Internacional de
Haia, que trata da proteção dos interesses das crianças.
Em especial no caso dos filhos, logicamente, quer sejam crianças ou já
adolescentes, a incidência desse princípio se faz ainda mais presente.
2.6 Princípio da convivência familiar
Pais e filhos, por princípio, devem permanecer juntos.
O afastamento definitivo dos filhos da sua família natural é medida de
exceção, apenas recomendável em situações justificadas por interesse
superior, a exemplo da adoção, do reconhecimento da paternidade
socioafetiva ou da destituição do poder familiar por descumprimento de
dever legal.
No direito português, anotam Francisco Pereira Coelho e Guilherme de
Oliveira , que é princípio da Constituição da República, em seu art. 36, n. 5,
a inseparabilidade dos filhos dos seus progenitores, salvo quando esses não
cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante
decisão judicial.
Em nosso sistema, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a par de
regular a inserção em família substituta (arts. 28 a 32), não admite que os
filhos sejam separados de seus pais por simples motivo de ordem
econômica:
Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a
perda ou a suspensão do pátrio poder.
Parágrafo único. Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a
criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá
obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio.
Trata-se de uma importante norma, de cunho garantista.
Ao prever que a falta de recursos materiais não autoriza a perda ou a
suspensão do poder familiar, a norma estatutária está assegurando,
especialmente a famílias de baixa renda, a convivência familiar com a sua
prole, impedindo que o poder econômico seja utilizado como vetor de
determinação da guarda ou de qualquer outra medida em face de suas
crianças e adolescentes.
Entretanto, de nada adiantará o permissivo assecuratório, se não forem
efetivamente implementadas sérias políticas públicas de auxílio e reingresso
social, tarefa desempenhada, hoje, principalmente, pelos Conselhos
Municipais da Infância e Juventude e Secretarias Estaduaise Municipais em
todo o País.
E essa discussão, de natureza interdisciplinar, é muito séria, pois,
frequentemente, questões familiares são levadas às portas da Justiça, tendo
como raiz de fundo a falta de orientação social e psicológica dos atores
envolvidos num cenário familiar de dor e sofrimento.
E tal aspecto foi muito bem observado por Maria Regina Fay de
Azambuja:
Nos dias atuais, muitas demandas que são levadas ao Poder Judiciário decorrem da carência
de investimentos nas políticas sociais básicas de atendimento à criança e à família, em que
pesem as disposições constitucionais e infraconstitucionais existentes. Passa o Judiciário, por
vezes, a ser o depositário das crises e dos conflitos pessoais e interpessoais, bem como da
falência do próprio Estado, sobrecarregando as Varas de Família e da Infância e Juventude
com problemas que fogem às suas alçadas de atuação e de resolução, ao menos, em curto
prazo.
Por tais razões, estamos convictos de que o princípio da convivência
familiar necessita, para se consolidar, não apenas do amparo jurídico
normativo, mas, principalmente, de uma estrutura multidisciplinar
associada, que permita a sua plena realização social.
Mas vamos avançar um pouquinho mais na aplicação desse princípio.
Pensamos que tal direito à convivência deve se estender também a
outros integrantes da família, como os avós, tios e irmãos, com os quais a
criança ou o adolescente mantém vínculos de afetividade.
Elogiável, nesse particular, é o Projeto de Lei n. 2.285/2007, quando,
ressaltando o princípio, dispõe:
Art. 98. Os filhos não podem ser privados da convivência familiar com ambos os pais, quando
estes constituírem nova entidade familiar.
(…)
Art. 100. O direito à convivência pode ser estendido a qualquer pessoa com quem a criança
ou o adolescente mantenha vínculo de afetividade.
A despeito, no entanto, de inexistência de normas correlatas no atual
Código, é perfeitamente defensável a tese, de lege lata, no sentido da
extensão do direito à convivência familiar, com base no princípio aqui
defendido, nos termos do direito projetado.
2.7 Princípio da intervenção mínima do Estado no Direito de Família
Embora se reconheça o caráter muitas vezes publicístico das normas de
Direito de Família, não se deve concluir, no entanto, que o Estado deva
interferir na ambiência familiar, como bem acentuou Rodrigo da Cunha
Pereira:
O Estado abandonou a sua figura de protetor-repressor, para assumir postura de Estado
protetor-provedor-assistencialista, cuja tônica não é de uma total ingerência, mas, em algumas
vezes, até mesmo de substituição à eventual lacuna deixada pela própria família como, por
exemplo, no que concerne à educação e saúde dos filhos (cf. art. 227 da Constituição
Federal). A intervenção do Estado deve apenas e tão somente ter o condão de tutelar a
família e dar-lhe garantias, inclusive de ampla manifestação de vontade e de que seus
membros vivam em condições propícias à manutenção do núcleo afetivo. Essa tendência
vem-se acentuando cada vez mais e tem como marco histórico a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, votada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, quando estabeleceu em
seu art. 16.3: A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à
proteção da sociedade e do Estado.
Não cabe, portanto, ao Estado, intervir na estrutura familiar da mesma
maneira como (justificada e compreensivelmente) interfere nas relações
contratuais: o âmbito de dirigismo estatal, aqui, encontra contenção no
próprio princípio da afetividade, negador desse tipo de agressão estatal.
Nesse diapasão, ao encontro do que dissemos acima, não se poderia
admitir, por exemplo, que somente o Estado Legislador pudesse moldar e
reconhecer – em standards apriorísticos – os núcleos familiares. De maneira
alguma.
Ao Estado não cabe intervir no âmbito do Direito de Família a ponto de
aniquilar a sua base socioafetiva. O seu papel, sim, como bem anotou
Rodrigo da Cunha Pereira, traduz um modelo de apoio e assistência, e não
de interferência agressiva, tal como se dá na previsão do planejamento
familiar, que é de livre decisão do casal (art. 1.565, § 2º, do CC), ou na
adoção de políticas de incentivo à colocação de crianças e adolescentes no
seio de famílias substitutas, como previsto no Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Andou bem, pois, o codificador de 2002, quando, consciente desse
princípio da intervenção mínima, prescreveu: “Art. 1.513. É defeso a
qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de
vida instituída pela família”.
Não se conclua, no entanto, partindo-se desse princípio, que os órgãos
públicos, especialmente os vinculados direta ou indiretamente à estrutura
do Poder Judiciário, não possam ser chamados a intervir quando houver
ameaça ou lesão a interesse jurídico de qualquer dos integrantes da
estrutura familiar, ou, até mesmo, da família considerada como um todo. E
um exemplo do que se diz é a atuação do Juiz da Infância e da Juventude ou
do próprio Juiz da Vara de Família, quando regula aspectos de guarda e
direito de visitas, ou, ainda, quando adota uma urgente providência
acautelatória de saída de um dos cônjuges do lar conjugal.
ATENÇÃO!
Tipos de família
Família Matrimonial
Aquela formada pelo casamento, o que se refere tanto para casais he terossexuais quanto casais
homoafetivos.
Família Informal
É formada por uma união estável. Pode ser formada por casais heterossexuais ou por casais
homoafetivos.
Família Monoparental
É a família formada por qualquer um dos pais e seus descendentes. Ex.: uma mãe e um filho.
Família Anaparental
É aquela família sem pais, formada apenas por irmãos.
Família Unipessoal
É a família formada por uma só pessoa. Por exemplo, uma pessoa viúva que não teve filhos.
Família Mosaico ou Reconstituída
Pais que têm filhos e se separam. Podem, por eventualidade, começar a viver com outra pessoa
que também tenha filhos, porém os teve com um terceiro membro.
Família Simultânea/Paralela
É quando uma pessoa mantém duas relações familiares ao mesmo tempo. Por exemplo, a pessoa
foi casada com alguém e teve filhos, porém, se separou e formou nova família com outra pessoa.
Essa tal pessoa mantém relações familiares nos dois núcleos de convivência.
Família Eudemonista
Uma família eudemonista é uma família afetiva, composta por parentalidade socioafetiva. O
exemplo é um grupo de amigos que vivem junto e mantêm relações familiares entre eles.
Observação: O tema é dinâmico, polêmico e doutrinário.
Capítulo 2
NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O CASAMENTO
1 Conceito e Natureza Jurídica
O Professor Júlio Cesar Sanchez define o casamento como “a união
permanente entre o homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se
reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos”.
Portalis define o casamento como “a sociedade do homem e da mulher,
que se unem para perpetuar a espécie, para ajudar-se mediante socorros
mútuos a carregar o peso da vida, e para compartilhar seu comum
destino”. Críticas foram feitas a essa conceituação feita pelo autor, pois
apresenta a vida como um fardo, uma desgraça pela qual o homem deve
passar.
O casamento também pode ser conceituado como a “união do homem
e da mulher para o estabelecimento de uma plena comunidade de vida”.
Para Silvio Rodrigues, casamento é “o contrato de direito de família que
tem por fim promover a união do homem e da mulher de conformidade
com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole
comum e se prestarem mútua assistência”, conceito o qual acreditamos
adequar-se à realidade atual.
Assim, para o autor acima citado, o casamento é um contrato,
subordinado às regras de Direito de Família, já expostas no capítulo
anterior.
Neste sentido, devemos analisar cada conceito implícito na definição
dada pelo autor Silvio Rodrigues.
Explica Silvio Rodrigues que o casamento, sendo um contrato, obedece
à vontade dos contratantes, desde que essavontade não seja contrária à lei.
Assim, ainda segundo o autor, historicamente houve um conflito com o
caráter que se desejou dar ao matrimônio, de instituição, ou seja, de um
“conjunto de regras impostas pelo Estado, que forma um todo e ao qual as
partes têm apenas a faculdade de aderir, pois, uma vez dada referida
adesão, a vontade dos cônjuges se torna impotente e os efeitos da
instituição se produzem automaticamente”.
Continua dizendo que, absorvendo a natureza jurídica de contrato, o
casamento pode ser dissolvido pelos contratantes por mero distrato, o que
afasta a intenção do legislador em manter o matrimônio como uma
instituição que gera efeitos independentemente da vontade dos cônjuges. A
Constituição Federal, seguindo essa ideia, expressou, em seu artigo 226,
§6º, que o “casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia
separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou
comprovada separação de fato por mais de dois anos”, caso em que o
processo judicial também será necessário.
Dessa forma, finaliza Silvio Rodrigues, o casamento trata-se de
instituição em que os cônjuges ingressam pela manifestação de sua vontade,
feita de acordo com a lei.
Para Silvio de Salvo Venosa, pode-se afirmar que “o casamento-ato é
um negócio jurídico; o casamento-estado é uma instituição”.
Washington de Barros Monteiro resolve a questão caracterizando o
casamento como tendo sua natureza de ordem pública, pois a legislação
que versa sobre o matrimônio está acima da vontade e das convenções
particulares.
Saliente-se que a concepção que acolhe a natureza jurídica do
casamento como um contrato foi esposada pelo Código de Napoleão, o
qual dizia que ao matrimônio aplicam-se todas as regras dos contratos
comuns e que o consentimento dos contraentes é elemento essencial para
a sua existência.
Com essa explicação, entende-se que o casamento é iniciado pelo
acordo livre de vontades dos cônjuges, sendo, portanto, essa uma condição
para a sua realização, regido pelas normas cogentes ditadas pelo Estado,
que dá a forma, as normas e os efeitos que trará, o que lhe confere a
natureza de instituição, e é disciplinado por regras estritas, tendo em vista
que, uma vez aperfeiçoado o casamento, os nubentes não podem afastar-se
de normas que lhe são imputadas, tais como o dever de mútua assistência e
o dever de fidelidade, nem tampouco lhes é dado o direito de dissolução
do matrimônio por vias extrajudiciais.
Além disso, implica no dever de fidelidade de cada um dos cônjuges
com o seu parceiro, já que a violação deste dever constitui ilícito civil. A
norma que prevê o dever de fidelidade recíproca tem, segundo Silvio de
Salvo Venosa, caráter social, estrutural, moral e normativo. A transgressão
do princípio traz sanções, como a separação dos cônjuges com reflexos
patrimoniais.
A expressão “... de conformidade com a lei, a fim de regularem suas
relações sexuais, cuidarem da prole comum e prestação de mútua
assistência” se consubstancia nas finalidades do casamento, sem o qual, não
seria necessária sua existência.
O casamento pressupõe essas finalidades, pois dentro dele a satisfação
do desejo sexual é normal e inerente à sua natureza, tendo em vista a
convivência entre os cônjuges e o desenvolvimento de sentimentos afetivos
recíprocos, que levam à prestação de assistência mútua. Desse enlace,
nasce a prole, a qual prescinde de atenção, cuidados e educação, como as
palavras utilizadas por Silvio Rodrigues.
A mútua assistência, efeito jurídico do casamento, possui duplo
conteúdo. Washington de Barros Monteiro nos ensina que:
(...) no aspecto material, tem o significado de auxílio econômico necessário à subsistência dos
cônjuges.
No aspecto imaterial, consubstancia-se na proteção aos direitos da personalidade do
consorte, dentre os quais se destacam a vida, a integridade física e psíquica, a honra e a
liberdade. E é nesse aspecto, de ordem imaterial, que merece maior destaque a mútua
assistência, por exemplo, configurada na proteção ao cônjuge doente ou idoso, no consolo
por ocasião do falecimento de um ente querido, na defesa em suas adversidades com
terceiros.
ATENÇÃO!
É de se concluir que a mútua assistência não é apenas uma ajuda superficial, mas também um
auxílio de caráter moral, de transmissão mútua de valores que passam a sensação ao cônjuge de
que ele realmente está inserido em uma estrutura de bem-estar e proteção, sem a qual o
casamento não teria sentido de ser realizado, já que a felicidade, objetivo primordial do casal, não
seria alcançada com sucesso.
A felicidade não seria alcançada da maneira almejada, pois a vida é cheia
de obstáculos, dificuldades e limitações que necessitam de superação. No
entanto, para que essa superação seja feita, a mútua assistência é
primordial.
Ainda, o artigo 1566 do Código Civil, no intuito de proteger a família
iniciada pelo casamento, prevê diversos deveres dos cônjuges, a saber.
A vida em comum no domicílio conjugal: Tal previsão legal é
decorrência da união dos cônjuges, do intuito que possuem em iniciar uma
família, começando pela satisfação recíproca das necessidades sexuais. O
abandono do lar conjugal e a recusa do débito carnal são omissões do
dever de coabitação. No entanto, não pode um cônjuge obrigar o outro a
cumprir o dever, sob pena de violação do preceito constitucional da
liberdade individual.
O sustento, guarda e educação dos filhos é aspecto fundamental do
casamento, mas inerente à paternidade, pois, mesmo com a dissolução do
casamento, os pais mantêm o dever estabelecido. O Estatuto da Criança e
Adolescente, Lei 8069/90, impõe igualmente aos pais o dever de sustento,
guarda e educação da prole. O não cumprimento desse dever pode tipificar
crime de abandono material e intelectual, previsto nos artigos 244 e 246 do
Código Penal.
O respeito e a consideração mútuos, assinalados no inciso V do artigo
1566 do Código Civil, referem-se ao ambiente em que vive o casal, o qual,
explica Silvio de Salvo Venosa, não pode implicar em violação dos direitos
da personalidade ou de direitos individuais.
ATENÇÃO!
Casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil
O reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo no Brasil como entidade
familiar, segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável entre o
homem e a mulher, foi permitido pelo Supremo Tribunal Federal, em uma votação 10-0, no dia 5
de maio de 2011, no julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 4.277,
proposta pela Procuradoria-Geral da República, e da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) n° 132, apresentada pelo governador do estado do Rio de Janeiro.
Em 25 de outubro de 2011, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em uma votação 4-1,
deu provimento a um recurso especial impetrado por duas mulheres que queriam se casar. A
Corte entendeu que a Constituição assegura a casais homoafetivos o direito de se casarem, e que
o Código Civil vigente não impede o casamento de pessoas do mesmo sexo. Citando essas
decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, tribunais estaduais de
Alagoas, Sergipe, Espírito Santo, Bahia, Piauí, São Paulo, Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná,
Rondônia, Santa Catarina e Paraíba, por meio de atos normativos, autorizaram o casamento de
pessoas do mesmo sexo em suas jurisdições.
Em 14 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em uma votação 14-1, aprovou a
Resolução n° 175, que veda, em todos os cartórios do País, a recusa de habilitar e celebrar
casamentos entre pessoas do mesmo sexo e converter a união estável homoafetiva em
casamento. Isso estabeleceu o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o Brasil. A
decisão foi publicada em 15 de maio e entrou em vigor em 16 de maio de 2013.
Por que iniciarmos o estudo das entidades familiares com o casamento,
e não com a união estável?
Tal indagação seria perfeitamente compreensível, por partedo nosso
estimado leitor, tendo em vista a simplicidade da união estável em face da
complexidade formal do matrimônio, bem como pelo fato de que as uniões
livres são, naturalmente, mais antigas.
Em verdade, não se trata de um imperativo de precedência temporal ou
de importância, nem também de determinação de ordem religiosa. Não é
isso, definitivamente.
Como já dissemos, todas as manifestações de família, ou seja, todos os
arranjos de afeto, são válidos, devendo ser socialmente respeitados,
mormente por conta do sistema aberto e inclusivo consagrado pela nossa
Constituição Federal, em seu art. 226.
Nessa mesma linha é o pensamento de Maria Cláudia Crespo Brauner:
Com efeito, o reconhecimento da pluralidade de formas de constituição de família é uma
realidade que tende a se expandir pelo amplo processo de transformação global,
repercutindo na forma de tratamento das relações interindividuais. A reivindicação e o
reconhecimento de direitos de igualdade, respeito à liberdade e à intimidade de homens e
mulheres, assegura a toda pessoa o direito de constituir vínculos familiares e de manter
relações afetivas, sem qualquer discriminação.
Em verdade, a primazia de tratamento aqui conferida ao casamento
resulta de uma tradição histórica inegável, que não podemos ignorar, mas
que não traduz, logicamente, o estabelecimento de uma hierarquia.
Ademais, considerando que os primeiros dispositivos do Código Civil
brasileiro tratam justamente das disposições gerais do casamento, parece-
nos lógico adotar tal metodologia.
O casamento como instituição, por sua vez, deriva efetivamente de um
sistema organizado socialmente, com o estabelecimento de regras formais,
de fundo espiritual ou laico.
Lembra-nos a doutrina portuguesa que, em geral, as legislações no
mundo não têm se preocupado em definir o casamento:
Poucas legislações definem o casamento. P. ex., nem no Código francês, nem no espanhol,
nem no italiano, nem no alemão encontramos uma definição do acto matrimonial. E a
verdade é que esta omissão não costuma ser censurada pela doutrina. As características do
casamento – diz-se – são de tal modo conhecidas que não será possível confundi-lo com uma
união de fato.
Pensamos, aliás, não ser tarefa do legislador estabelecer essa definição,
mas sim da doutrina especializada. Em nosso Direito, luminosa é a
constelação de autores que se esforçaram em definir o ato matrimonial, em
diversas oportunidades, refletindo-se, em cada uma das definições, os
valores predominantes na época em que tais conceitos foram elaborados.
Lafayette Rodrigues Pereira, clássico do nosso Direito, escreveu: “O
casamento é o ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem
para sempre sob a promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais
estreita comunhão de vida”.
Maria Helena Diniz, por sua vez, conceitua o casamento como sendo:
“O vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa ao auxílio mútuo material e espiritual,
de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família”.
Paulo Lôbo, com habitual precisão, preleciona: “O casamento é um ato
jurídico negocial solene, público e complexo, mediante o qual um homem e
uma mulher constituem família, pela livre manifestação de vontade e pelo
reconhecimento do Estado”.
De nossa parte, pensamos que, para cunhar um conceito satisfatório de
casamento, sem descurarmos da principiologia constitucional, mister se faz
que analisemos, antes, a sua natureza jurídica.
Sob esse aspecto, observa Ruggiero que o casamento:
(...) é um instituto, não só jurídico, mas ético, social e político e é tal a sua importância que a
própria estrutura do organismo social depende de sua regulamentação. Impera nele não só o
direito mas também o costume e a religião: todos os três grupos de normas se contêm no seu
domínio e, como se verá, uma das características mais salientes da história do instituto é a luta
travada entre o Estado e a Igreja para obter a competência exclusiva para o regular.
Nesse diapasão, indaga-se: qual seria a natureza do casamento? Em que
categoria do Direito enquadra-se esse ente? Quais as suas teorias
explicativas?
Inicialmente, cumpre-nos fixar que discussão houve quanto ao
enquadramento enciclopédico do casamento, ou seja, se se trataria de
instituto de Direito Público ou de Direito Privado.
Ora, a participação de um servidor do Estado (juiz) não autoriza o
entendimento de que se trataria de um instituto de Direito Público, não
havendo, na mesma linha, razão alguma para enquadrá-lo como ato
administrativo.
Assim, encarando-o como instituto de Direito Privado, resta saber se a
sua natureza seria contratual ou não.
Na linha não contratualista, respeitáveis vozes se levantaram, com
diferentes argumentos: o casamento seria um ato-condição, ou seja, uma
manifestação de vontade que, quando emitida, consolida uma situação
jurídica impessoal; o casamento seria um negócio jurídico complexo, pois
haveria a participação de um terceiro (o juiz), em seu ciclo formativo; o
casamento seria, simplesmente, um acordo de vontades; e, finalmente,
houve quem sustentasse que o casamento seria uma instituição, ou seja, um
estatuto de normas.
Sem menoscabarmos o quilate intelectual desses autores, não
concordamos com essa corrente de pensamento e os seus argumentos
expendidos, por termos firme a ideia de que o casamento é um contrato
especial de Direito de Família.
Claro está que, ao afirmarmos a sua natureza contratual, não estamos,
com isso, equiparando o casamento às demais formas negociais, como a
compra e venda, a locação, o leasing ou a alienação fiduciária.
Seria, aliás, esdrúxulo tal paralelismo, por nos conduzir a conclusões
absurdas, como a possibilidade de se exigir “uma obrigação matrimonial
mediante o estabelecimento de multa cominatória” ou, caso a vida a dois
não ande bem, uma simples “rescisão de contrato de casamento”. De
maneira alguma.
Quando se entende o casamento como uma forma contratual,
considera-se que o ato matrimonial, como todo e qualquer contrato, tem o
seu núcleo existencial no consentimento, sem se olvidar, por óbvio, o seu
especial regramento e consequentes peculiaridades.
Aliás, no momento da realização do casamento, a autoridade celebrante
apenas participa do ato declarando oficialmente a união, uma vez que, no
plano jurídico-existencial, a sua constituição decorreu das manifestações de
vontades dos próprios nubentes, no tão esperado instante do “sim”.
A participação da autoridade, portanto, é meramente declaratória, e
não constitutiva do ato matrimonial.
Nesse diapasão, reafirmando a natureza contratual do casamento, Caio
Mário da Silva Pereira pontifica:
O que se deve entender, ao assegurar a natureza do matrimônio, é que se trata de um
contrato especial dotado de consequências peculiares, mais profundas e extensas do que as
convenções de efeitos puramente econômicos, ou contrato de Direito de Família, em razão
das relações específicas por ele criadas.
Conclui, na mesma direção, Camilo Colani Barbosa:
Em outras palavras, o casamento, devido à liberdade conferida aos nubentes, inclusive no que
concerne à sua dissolução pela separação e divórcio, possui hoje características que o
aproximam mais de negócio jurídico, do que de instituição.
Por fim, há ainda uma terceira vertente doutrinária que sustenta a
natureza mista ou híbrida do casamento: contrato na sua formação e
instituição em sua existência e efeitos.
Em nosso pensar, no entanto, o casamento, com base nos argumentos
supra-apresentados, afigura-se como uma especial modalidade de contrato,
qualificada pelo Direito de Família. Assim, fixada a sua natureza jurídica,
podemos, então, com maior segurança, definir o casamento como um
contrato especial de Direito de Família, por meio do qual os cônjuges
formam uma comunidade de afeto e existência, mediante a instituição de
direitos e deveres, recíprocos e em face dos filhos, permitindo, assim, a
realização dos seus projetos de

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