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PROCESSO DE TRABALHO EM SERVIÇO SOCIAL Daniela Quadros da Silva A gestão no processo de trabalho do assistente social Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir gestão no processo de trabalho do Serviço Social e suas implicações. Descrever o processo de inserção do Serviço Social nos espaços de gestão. Reconhecer a gestão como atribuição do assistente social. Introdução O Serviço Social é uma profissão de caráter interventivo que atua nas expressões da Questão Social materializadas em amplos segmentos societários. Dessa forma, intervém em múltiplas situações de desi- gualdades sociais e no conjunto de resistências e rebeldias por parte daqueles que as vivenciam. A intervenção profissional ocorre nos mais distintos espaços sócio-ocu- pacionais e requer um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes por parte do assistente social. O profissional pode operar tanto no campo da execução das políticas sociais como também no âmbito da sua gestão. Neste capítulo, você vai conhecer a gestão como espaço sócio- -ocupacional do assistente social. Também vai identificar alguns limites e possibilidades desse espaço no processo de trabalho do Serviço Social. Além disso, você vai estudar as particularidades do exercício profissional nesse campo tão desafiador. A gestão no processo de trabalho do Serviço Social O Serviço Social é uma profi ssão de caráter eminentemente interventivo. Essa intervenção caracteriza-se pelo atendimento às mais distintas demandas dos sujeitos. A partir disso, podem ser produzidos resultados concretos e objetivos, como também resultados no nível da subjetividade. Estão envolvidas condições materiais, sociais, políticas e culturais, sempre permeadas pelo acesso aos direitos de cidadania. Enquanto profissional inserido na divisão social e técnica do trabalho, o assistente social pode desenvolver sua intervenção na execução direta de serviços, programas, projetos e benefícios sociais. Além disso, pode atuar no planejamento e na gestão desses elementos, bem como na gestão dos recursos voltados a eles, tanto na esfera pública quanto na privada. Assim, o exercício profissional ganha materialidade por meio de três dimensões constitutivas: a ético-política, a teórico-metodológica e a técnico-operativa. Essas dimensões devem ser compreendidas de forma articulada para que não haja dicotomias entre teoria e prática durante a intervenção profissional. A dimensão ético-política do trabalho profissional expressa o dire- cionamento que suas atividades tomam no sentido de defesa dos direitos e interesses da classe trabalhadora. Já a dimensão teórico-metodológica diz respeito aos pressupostos teóricos e reguladores da profissão. A dimensão técnico-operativa, por sua vez, refere-se ao instrumental que a profissão mobiliza para intervir. Uma atenção especial deve ser dada à discussão em torno da dimensão técnico-operativa. Tal discussão deve ultrapassar o discurso sobre as técnicas e instrumentos isoladamente para garantir que se realizem as devidas aproxima- ções entre o conjunto de instrumentos, a bagagem teórica e o direcionamento político que orienta a intervenção profissional. A discussão sobre a dimensão técnico-operativa no Serviço Social ainda pressupõe reconhecer os muitos espaços sócio-ocupacionais em que os assistentes sociais podem se inserir, o que acarreta especificidades para as intervenções, especialmente no que se refere à natureza das ações profissionais requisitadas em cada espaço. Um exemplo disso é a possibilidade de o profissional atuar no campo da gestão das políticas sociais e também na execução direta dos serviços, programas, projetos e benefícios que as compõem. A gestão no processo de trabalho do assistente social2 Leia o artigo de Regina Celia Tamaso Mioto e Vera Maria Ribeiro Nogueira intitulado “Política Social e Serviço Social: os desafios da intervenção profissional”, disponível no link a seguir. https://goo.gl/2vbzpP Antes de você conhecer as especificidades do trabalho do Serviço Social nos espaços de gestão, deve relembrar alguns importantes marcos do percurso histórico de consolidação da profissão no Brasil. Seu surgimento no País data de meados da década de 1930, quando se acirram conflitos de classe decorren- tes das mazelas sociais contrapostas ao desenvolvimento capitalista daquele período. Na Era Vargas, criam-se as primeiras intervenções estatais voltadas ao atendimento de algumas das necessidades da população, especialmente aquelas relacionadas às situações de desemprego e pobreza. Contudo, os assistentes sociais, enquanto agentes ligados à Igreja Católica, agiam a partir de um viés moralista e conservador, no intuito de assegurar a ordem vigente. Na década de 1980, o chamado movimento de reconceituação (iniciado em 1960) ganha consolidação e contribui para amplos e intensos debates no interior da profissão. Tais debates culminaram na ruptura com as práticas conservadoras que marcaram o surgimento do Serviço Social. Nesse período, alteraram-se as bases teóricas que norteavam as análises e intervenções no real, que já não se orientavam mais a partir da doutrina social da Igreja Católica, e sim a partir de uma perspectiva social crítica de base marxista. Ao buscar a qualificação e a reorientação profissional para intervir nas complexas expressões da Questão Social, a profissão vai ganhando maior reco- nhecimento da sociedade, não somente de seus usuários, mas também de seus empregadores. Alteram-se as relações de trabalho envolvendo o Serviço Social, que passa a contar com instrumentos reguladores e balizadores, a exemplo da Lei de Regulamentação Profissional (Lei nº 8.668/1993) e do Código de Ética. Ao legitimar-se como profissão inserida na divisão sociotécnica do trabalho, partícipe da produção e da reprodução das relações sociais, o Serviço Social amplia seus espaços de trabalho, bem como as demandas tradicionalmente atendidas. Na atualidade, há profissionais desempenhando atividades ligadas à execução direta de serviços sociais e também profissionais atuantes no âmbito da organização institucional desses mesmos serviços. Isto é, o profissional não é mais unicamente 3A gestão no processo de trabalho do assistente social um executor direto. Ele também pode intervir nas seguintes modalidades inter- ventivas: planejamento, avaliação, assessoria, consultoria e gestão. A gestão começa a ganhar maior visibilidade enquanto espaço sócio- -ocupacional para os assistentes sociais na década de 1980, justamente no período em que têm início os debates acerca do trabalho profissional. O termo “gestão” é derivado da área da administração e diz respeito ao ato de gerenciar (NOGUEIRA; SAUER, 2016), representando um conjunto de técnicas para racionalizar e otimizar o funcionamento das organizações. A gestão social, por sua vez, corresponde a processos que visam a alguma transformação societária. Para Maia (2005), esse termo refere-se a um conjunto de processos potentes para o desenvolvimento social emancipatório. O exercício profissional do assistente social nos espaços de gestão Os assistentes sociais que assumem espaços de trabalho vinculados à gestão precisam assumir também o compromisso de efetivar uma gestão democrática. A ideia é que estejam alinhados com os pressupostos ético-políticos que orientam seu fazer profi ssional. Assim, no trabalho dos assistentes sociais, a gestão pode sinalizar possibilidades concretas de viabilizar o projeto ético-político profi ssio- nal, contrapondo-se aos imperativos neoliberais que em grande parte ditam os direcionamentos das políticas sociais voltadas à operacionalização de direitos. No cotidiano da intervenção profissional, devido a determinações societárias que condicionam o mundo do trabalho e, particularmente, o desenvolvimento do trabalho em Serviço Social, é comum que os profissionais se questionem sobre as reais e efetivas mudanças que podemempreender ao assumir o campo da gestão. Contudo, importa considerar as pequenas alterações que eles podem realizar no seu contexto ocupacional. A ideia é concretizar seus compromissos ético-políticos, pois essas mudanças certamente culminarão em conquistas a médio e longo prazo que trarão impactos para a vida dos sujeitos beneficiários das intervenções. Tendo em vista a formação profissional dos assistentes sociais e seus conhecimentos sobre a realidade e os direitos sociais, ao ocupar espaços de gestão, há muitas potencialidades para promover rupturas com certas dinâmicas institucionais que reiteram a subalternidade dos sujeitos e em nada contribuem para o atendimento de suas reais necessidades. Contudo, certamente há muitos desafios presentes nesse trabalho. Por exemplo: os conflitos de interesses no interior das organizações; as disputas por espaços de controle; as divergências entre os objetivos institucionais e os profissionais; a efetivação do trabalho A gestão no processo de trabalho do assistente social4 em redes intersetoriais; a necessidade de busca por novos conhecimentos; e o gerenciamento de recursos (humanos e financeiros), muitas vezes escassos em relação à complexidade das demandas postas na realidade. De qualquer forma, é importante que o Serviço Social contribua para ampliar os movimentos de defesa e garantia de direitos e para propor novas alternativas de trabalho em quaisquer espaços sócio-ocupacionais em que se insira. Têm destaque aqueles espaços em que o assistente social é requisitado a atuar para além da operacionalização e da execução direta, contemplando intervenções voltadas à formulação, ao planejamento e à gestão das políticas sociais. Isso porque a gestão acaba direcionando o desenvolvimento das demais atividades que repercutem na vida cotidiana dos sujeitos demandatários das intervenções. Independentemente do espaço sócio-ocupacional em que os assistentes sociais inter- vêm, seu objeto de trabalho sempre é a Questão Social. Ela se apresenta de diferentes formas em cada espaço, podendo variar as suas expressões na vida dos usuários e no próprio ordenamento institucional. Lembre-se de que a Questão Social diz respeito ao conjunto de desigualdades sociais e resistências oriundas das contradições do modo de produção capitalista. Nesse sistema, as riquezas produzidas coletivamente são apropriadas por uma pequena parcela societária. O exercício no âmbito da gestão requer dos assistentes sociais diferentes saberes para o reconhecimento das especificidades desse campo de trabalho, para que seja possível a construção de respostas profissionais efetivas. Seu trabalho na gestão é cada vez mais requisitado, tendo em vista os elementos constitutivos de sua formação, que permite ao assistente social reconhecer e analisar com propriedade as necessidades sociais apresentadas pelos usuários. Como características do trabalho de gestão executado pelos assistentes sociais, você pode considerar os elementos de participação social, compar- tilhamento de poder, horizontalidade nas relações, autonomia dos sujeitos, liberdade e articulação de redes. O desenvolvimento da chamada gestão social torna-se um meio de exercitar, constantemente, as práticas democráticas nas organizações. Portanto, o compromisso ético-político profissional e o conjunto de conhecimentos gerais que esse profissional tem — devido à sua base de formação técnico-operativa, ético-política e teórico-metodológica — fazem 5A gestão no processo de trabalho do assistente social com que os espaços de gestão que ele ocupa tornem-se ricos em possibilidades de fortalecimento de práticas democráticas e emancipatórias. Ao legitimar-se socialmente como uma profissão assalariada e inserida na divisão social e técnica do trabalho, o Serviço Social ganha respaldo legal para suas intervenções por meio de instrumentos reguladores e balizadores. Nesses instrumentos, verificam-se, entre outros aspectos, as suas competências e atribuições privativas, as quais extrapolam o campo da execução direta de serviços, programas, projetos e benefícios, contemplando outras possibilidades interventivas, como você vai ver a seguir. A gestão como atribuição dos assistentes sociais A gestão é uma atribuição e também uma competência dos assistentes sociais. Ela é reconhecida nos instrumentos reguladores e balizadores de seu exercício profi ssional. Além disso, a gestão das políticas sociais é um importante campo de trabalho. Veja o que está disposto na lei de regulamentação da profi ssão quanto às competências do assistente social: I – Elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos da administração pública, direta ou indireta, empresas, entidades e organizações populares; II – Elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade civil (BRASIL, 1993, documento on-line). Agora veja o que diz a lei a respeito das atribuições desse profissional: I – Coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos, programas e projetos na área de Serviço Social; II – Planejar, organizar e administrar programas e projetos em Unidade de Serviço Social (BRASIL, 1993, documento on-line). Diante disso, não restam dúvidas de que o desenvolvimento de atividades ligadas à gestão se trata de uma prerrogativa dos assistentes sociais. Para isso, esses profissionais devem aliar seus princípios ético-políticos profissionais aos princípios que nortearão os serviços, programas, projetos e benefícios que estiverem sob sua gestão. Também devem ter clareza sobre a diferença entre os objetivos institucionais e os objetivos profissionais. Isto é, nem sempre os objetivos da instância empregadora estão coesos com os objetivos profissionais A gestão no processo de trabalho do assistente social6 voltados à justiça social, à emancipação dos indivíduos sociais e ao acesso a seus direitos de cidadania, indo além das rotinas institucionais e burocráticas. Nisso reside um grande desafio para a profissão, já que na sociabilidade capitalista os interesses do capital estão sobrepostos ao âmbito social. Entre as principais atividades que o profissional vinculado à gestão desen- volve estão a avaliação de programas e projetos sociais, a captação de recur- sos, a gestão de pessoas, a socialização de informações e de conhecimentos, além da articulação das redes intersetoriais. Na particularidade dos espaços da gestão pública, o profissional deve mobilizar esforços para a garantia da gestão democrática, contribuindo para que os serviços sejam prestados com qualidade e efetividade àqueles segmentos societários que os demandam. O Estado é um dos maiores empregadores do Serviço Social. A gestão e a administração do sistema público envolve planejar, avaliar e monitorar as políticas de atendimento ao cidadão. Nesse sentido, na gestão pública, os assistentes sociais articulam e negociam o atendimento dos interesses da classe trabalhadora por meio da atuação do Estado via políticas sociais. Como você sabe, o Estado brasileiro possui fortes traços de autoritarismo que desarticulam a sociedade civil. Contudo, tais entraves, historicamente constituídos no âmbito estatal, reforçam o dever de os assistentes sociais prezarem pelo cumprimento do que está previsto nas normativas legais que orientam seu exercício profissional, especialmente no que diz respeito à sua intervenção na gestão. Ao discutir a gestão das políticas sociais, seja no âmbito público, seja no privado, não se podem jamais desconsiderar as dimensões sociais, econômicas, políticas e culturais que perpassam o contexto sócio-histórico, cenário de mate- rialização dessas políticas e, consequentemente, de efetivação ou supressão de direitos. Os dispositivos legais do Serviço Social reconhecem seus profissionais como agentes capazes de compreender e intervir na realidade social, sobretudo no campo dagestão, com atividades de planejamento das políticas sociais. Para haver possibilidades concretas de o Serviço Social intervir na gestão de forma verdadeiramente democrática, os profissionais devem buscar a clareza sobre o alcance de seu trabalho. Também devem ter em mente as competências e atribuições que seus instrumentos reguladores lhes impõem, sob o risco de intervirem de modo desconexo com o projeto societário que defendem. Assim, o instrumental que o assistente social mobiliza em um atendimento direto com os usuários é diferente daquele necessário para a gestão. O assistente social gestor deve mediar os interesses da classe trabalhadora com o Estado, sendo um ator fundamental para a implementação de políticas que viabilizem os direitos dessa classe. 7A gestão no processo de trabalho do assistente social Como você viu ao longo deste capítulo, a gestão no Serviço Social não implica novas competências profissionais, pois já está interligada à capacidade do assistente social de planejar e gerenciar ações que dizem respeito ao seu espaço e ao seu campo de atuação. Apesar de não ser nenhuma novidade para o trabalho em Serviço Social, a gestão deve ser desempenhada de forma a extrapolar os procedimentos burocráticos e administrativos que também se presentificam nesse espaço sócio-ocupacional. A ideia é articular um perfil inovador e crítico que mobilize diferentes abordagens. BRASIL. Lei n. 8.662, de 7 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ LEIS/L8662.htm>. Acesso em: 14 dez. 2018. MAIA, M. Gestão social: reconhecendo e construindo referenciais. Textos & Contextos, n. 4, dez. 2005. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/fass/ojs/index.php/ fass/article/view/1010/790>. Acesso em: 14 dez. 2018. NOGUEIRA, V. M. R.; SAUER, M. A efetividade da gestão social e a prática do assistente social na proteção social especial de média complexidade. Textos & Contextos, v. 15, n. 2, p. 450 - 458, ago./dez. 2016. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/ index.php/fass/article/viewFile/22604/15303>. Acesso em: 14 dez. 2018. Leituras recomendadas CARDOSO, D. C.; FAGUNDES, H. S. A atuação do assistente social na gestão municipal da política pública de assistência social: desafios e possibilidades. 2013. 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