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Eliezer Nascimento - Livro - Experiencias inovadoras na agricultura familiar brasileira

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1
EXPERIÊNCIAS INOVADORAS
NA AGRICULTURA FAMILIAR BRASILEIRA:
ATORES, PRÁTICAS E PROCESSOS
PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL
COLECCIÓN
Buenas Prácticas
en Agricultura Familiar
EXPERIÊNCIAS INOVADORAS
NA AGRICULTURA FAMILIAR BRASILEIRA:
ATORES, PRÁTICAS E PROCESSOS
PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL
© Universidad CLAEH, Programa Fidamercosur CLAEH
© 2017 Grupo de Estudos e Pesquisas Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural, 
 Universidade Federal do Rio Grande do Sul (GEPAD-UFRGS)
Programa Fidamercosur CLAEH
Edificio Mercosur
Luis Piera 1992, piso 2
Montevideo, Uruguay
Tel./Fax: (598) 2413 6411 / 2413 6381
info@fidamercosur.org
www.fidamercosur.org
Grupo de Estudos e Pesquisas Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural, 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (GEPAD-UFRGS)
Av. João Pessoa, 31
CEP 90040-000
Porto Alegre - RS, Brasil
Telefone: (51) 3308-3281
Fax: (51) 3308-3458
http://www.ufrgs.br/agriculturafamiliar/home.php
Organización y revisión de contenidos
GEPAD-UFRGS
Edición editorial
Departamento de Publicaciones del CLAEH
Diseño de portada, maquetación
Eliana Gonnet
ISBN colección 978-9974-614-73-4
ISBN volumen 978-9974-614-74-1
Edición digital
Colección Buenas Prácticas en Agricultura Familiar, n.º 2
Las organizaciones editoras no asumen responsabilidad ni comparten necesariamente 
las opiniones expresadas por los autores de los artículos firmados.
Prefácio ........................................................................................................................... 8
Introdução ..................................................................................................................... 10
Parte I Construção social de mercados ................................................................. 14
CAPÍTULO 1 
A construção de mercados pela pecuária familiar no sul do Brasil: 
o caso do território Alto Camaquã ................................................................................. 15
Da criação de ovelhas para lã à produção de cordeiros de alto padrão ............................ 16
A distinção social ........................................................................................................... 16
O papel das políticas públicas ......................................................................................... 17
Lições e ensinamentos ................................................................................................... 18
CAPÍTULO 2
Agregação de valor e criação de mercados para a pecuária familiar 
da região centro sul do Rio Grande do Sul ..................................................................... 19
Aspectos ambientais: o papel da pecuária familiar na conservação do Pampa ................. 20
Fluxos e conexões a partir do foco de trabalho em pecuária familiar ............................... 20
A Associação, a Marca e o Remate ................................................................................. 21
Unidades de experimentação participativa (UEP) ............................................................. 21
A Feira de Ovinos, o Concurso de Cordeiros, o Jantar e o Repasse de Carneiros ............. 22
Considerações sobre um trabalho em evolução .............................................................. 23
CAPÍTULO 3 
Mercados na pecuária familiar no sul do Brasil: O Programa Nacional de Alimentação
Escolar como dispositivo para a construção de novas formas de comercialização ............ 24
Pecuária familiar no sul do Brasil .................................................................................... 25
O cordeiro Cacimbinhas ................................................................................................. 26
A construção de autonomia com a emergência de novas formas de mercado ................ 28
Parte II Diversificação produtiva e agregação de valor .................................... 29
CAPÍTULO 4 
Diversificação da produção e políticas públicas ............................................................... 30
A Família Sperandio e as estratégias de diversificação ..................................................... 31
O primeiro passo para a diversificação produtiva: 
consciência da necessidade de maior autonomia e renda ............................................... 31
Segundo passo da diversificação: 
apoio institucional no acesso a canais de comercialização .............................................. 32
Experiência transformada em lição ................................................................................. 32
4
SUMARIO
CAPÍTULO 5 
Caminhos da diversificação produtiva – o exemplo que vem da fumicultura 
no sul do Brasil .............................................................................................................. 34
Cadeia produtiva do tabaco ........................................................................................... 35
Pressões externas: Convenção-Quadro e o papel das políticas públicas ........................... 35
Experiência 1: Produção agroecológica e sementes crioulas ............................................ 35
Experiência 2: Escolas agrícolas e juventude no campo ................................................... 36
Experiência 3: Mercados institucionais e autonomia produtiva ........................................ 37
O que podemos aprender? ............................................................................................ 37
CAPÍTULO 6
Substituindo a produção de tabaco por cultivos alimentares: a exitosa experiência de 
uma cooperativa de agricultores familiares com os mercados institucionais no sul do Brasil ....38
As pesquisas sobre produção e consumo do tabaco ....................................................... 39
A experiência em Porto Vera Cruz .................................................................................. 39
A grande mudança: o acesso aos mercados institucionais .............................................. 40
Os frutos colhidos pela COOPOVEC ............................................................................... 40
Parte III Agroecologia e desenvolvimento rural sustentável ........................... 42
CAPÍTULO 7
Frutas nativas do Rio Grande do Sul: 
possibilidade de geração de renda conciliada à conservação da biodiversidade ............... 43
Possibilidade de geração de renda conciliada à conservação da biodiversidade ............... 43
O começo ...................................................................................................................... 44
O nascimento do empreendimento “Encontro de Sabores” ............................................ 45
Marca criada para o empreendimento “Encontro de Sabores”, em 2001 ....................... 45
Um avanço .................................................................................................................... 45
Papel das políticas públicas ............................................................................................ 46
A avaliação dos agricultores ........................................................................................... 46
A prática e o aprendizado .............................................................................................. 47
CAPÍTULO 8 
Sistemas agroflorestais como estratégia de reprodução da agricultura familiar ............... 48
O bioma floresta atlântica e a legislação ambiental ............................................................ 49
A produção de banana no litoral norte ............................................................................... 49
Os sistemas agroflorestais (SAF) .......................................................................................... 50
5
CAPÍTULO 9 
Projeto Sustentare: trabalhando para e com os agricultores do município de Sobral, 
Ceará, em busca do desenvolvimento sustentável .......................................................... 52
Projeto Sustentare: resultados da primeira fase ...............................................................53
Uma nova agenda para o projeto ................................................................................... 54
Promoção da autonomia: o caso do Chiquinho .............................................................. 55
Comunicação e fortalecimento da autonomia como diferenciais .................................... 56
CAPÍTULO 10 
A agroindustrialização familiar ecológica como estratégia de melhoria 
da qualidade de vida e da renda nos espaços rurais ........................................................ 57
A tradição repassada de mão em mão... ........................................................................ 58
Transformando alimentos, transformando vidas... .......................................................... 59
O que estes dois casos de sucesso nos ensinam para o desenvolvimento rural? .............. 60
Parte IV Multifuncionalidade do espaço rural e desenvolvimento territorial .. 61
CAPÍTULO 11 
Agroturismo como estratégia de fortalecimento da agricultura familiar: o caso 
do roteio agroturístico “Acolhida na Colônia” em Santa Rosa de Lima, Santa Catarina ...... 62
As primeiras iniciativas: a agricultura orgânica como principal atrativo turístico .............. 63
Os esforços iniciais para o agroturismo: do passado ao futuro ........................................ 64
Organização local e as políticas públicas ......................................................................... 64
Aprendizados e perspectivas para as futuras gerações .................................................... 64
CAPÍTULO 12 
Estratégias de inovação na Cooperativa dos Produtores Ecologistas 
de Garibaldi (COOPEG) .................................................................................................. 66
O contexto institucional para agroindústrias familiares no Rio Grande do Sul .................. 67
História de inovações, desafios e resultados ................................................................... 68
CAPÍTULO 13 
Vales da Uva Goethe: do vinho comum ao território singular .......................................... 71
O Brasil vitivinícola ......................................................................................................... 71
Políticas de reconversão produtiva .................................................................................. 72
O que fazer com as uvas comuns? ................................................................................. 72
Os Vales da Uva Goethe ................................................................................................. 73
Qualidade e território ..................................................................................................... 74
Indicação de procedência ............................................................................................... 74
Desenvolvimento territorial ............................................................................................ 75
6
Parte V Reconectando produtores e consumidores .......................................... 76
CAPÍTULO 14 
Parcerias saudáveis entre agricultores e consumidores: o caso dos grupos 
de consumo responsável ................................................................................................ 77
Os grupos de consumo responsável no Brasil ................................................................. 78
MICC, Associação de Integração Campo-Cidade ............................................................ 79
Grupo de Integração Agroecológica (GIA) ...................................................................... 80
Benefícios gerados ......................................................................................................... 80
CAPÍTULO 15 
Muito além de ingredientes: A contribuição da gastronomia para o fortalecimento 
da agricultura familiar – o caso da relação entre chefs, agricultores e 
consumidores do Instituto Maniva, no Rio de Janeiro ..................................................... 81
A experiência: o caso do Instituto Maniva ...................................................................... 82
Uma receita de sucesso: a parceria entre Instituto Maniva e os agricultores familiares ..... 83
O olhar dos agricultores frente ao circuito gastronômico ................................................ 84
A gastronomia como estratégia de valorização para a agricultura familiar ...................... 84
CAPÍTULO 16 
A emergência da diferenciação agroalimentar no Pampa Gaúcho: 
reconectando agricultores e consumidores ..................................................................... 86
De “chacareiros” a “hortaleiros” ................................................................................... 87
Dispositivos de construção de novos mercados ............................................................... 88
A construção social de um sistema participativo de certificação de produtos .................. 88
Ensinamentos e desafios ................................................................................................ 89
Sobre os autores ............................................................................................................ 90
7
8
É com grande prazer que o Programa Fidamer-
cosul CLAEH participa, com a Universidade Fede-
ral do Rio Grande do Sul e o GEPAD, da produção 
e edição do presente livro.
Nesta obra, reúne-se uma série de experiências 
de sucesso realizadas por mulheres e homens do 
meio rural, produtores familiares arraigados nos 
lugares em que vivem, no Sul profundo do Brasil.
Com suas conquistas, eles ajudam a construir o 
tecido social e econômico que constitui a agricultu-
ra familiar em sua dimensão socioeconômica, que 
dá coerência e consistência aos equilíbrios territo-
riais de um país. Do ponto de vista antropológico, 
a agricultura familiar reafirma a vocação da popu-
lação rural de viver em equilíbrio virtuoso com seu 
entorno, com a natureza, ao mesmo tempo em 
que contribui para a segurança alimentar e nutri-
cional dos países, e melhora as condições de vida e 
as oportunidades de emprego no meio rural.
Os sistemas produtivos familiares oferecem a 
potencialidade de uma administração apropriada 
dos recursos naturais e de resistir e se adaptar aos 
efeitos derivados da mudança climática.
A agricultura familiar não é tudo em matéria 
de desenvolvimento de territórios e comunidades 
rurais, mas é uma parte muito importante disso.
Se há algo que aprendemos nos últimos 15 
anos na América Latina – e, especialmente, na 
sub-região do Mercosul ampliado – é que se com-
prova, com evidência empírica concreta e visível, 
que a mudança de paradigma que se gestou nesta 
década e meia é real. A agricultura familiar não é 
a causa da pobreza rural, senão que, pelo contrá-
rio, é uma parte muito poderosa da sua solução.
Essa certeza se baseia em realidades tangíveis 
como as apresentadas neste livro, que são uma 
amostra muito pequena de todas as que, diaria-
mente, acontecem no Brasil e nos demais países 
da região.
A agricultura familiar precisa de políticas públi-
cas bem desenvolvidas, e ainda melhor executa-
das, para poder expressar todas as suas potencia-
lidades no plano produtivo, comercial, econômico 
e social. Mas não depende delas, porque essa 
categoria socioeconômica de uma parte da popu-
lação rural tem capacidades construídas, investi-
mentos realizados e um apego cultural e histórico 
ao seu território.
Oferece pontos fortes e padece pontos fracos. 
Os pontos fortes permitem o desempenho nos 
mercados de alimentos e nas estratégias de se-
gurança alimentar e nutricional. Os pontos fracos 
geram riscos e incertezas em relação ao acesso 
a fatores de produção chaves, como a terra e a 
água. No acesso a mercados como o financeiro, o 
tecnológico, o de insumos etc., é onde as políti-
cas públicas devem atuar, nivelando capacidades 
e dando acesso a novas oportunidades.
O Programa Fidamercosul CLAEH ‹www.fida-
mercosur.org› tem como principal objetivo facilitare potencializar um diálogo político de qualidade 
entre as organizações da sociedade civil, repre-
sentativas da agricultura familiar, e as instituições 
de governo responsáveis pela política pública nes-
se setor. Isso vem implicando promover espaços e 
plataformas para o diálogo e dar-lhes consistência 
e continuidade, construir capacidades nos líderes 
rurais e visibilidade pública e política para a agri-
cultura familiar. A visibilidade não pode acontecer 
de forma abstrata, e é muito importante retirar do 
PREFÁCIO
9
anonimato centenas ou milhares de agricultores 
familiares que têm empreendimentos de sucesso, 
como os que são apresentados nesta publicação.
Reunimos e difundimos de forma sistemática, 
ao longo de cinco anos, mais de uma centena de 
experiências como as que podem ser vistas neste 
livro. São uma amostra insignificante, em compa-
ração com os quase seis milhões de agricultores 
familiares registrados pela Reaf na sub-região do 
Mercosul ampliado. Mas indicam uma realidade 
que pretende chamar a atenção de líderes políti-
cos, sociais e econômicos nesses países e mostrar, 
com rigor, que há pessoas – mulheres e homens – 
que conseguem encontrar a maneira de aproveitar, 
da melhor forma possível, oportunidades de mer-
cado e políticas públicas para gerar renda, me-
lhorar diariamente sua qualidade de vida e ajudar 
seus semelhantes no meio rural.
Nossa expectativa é que a leitura deste material 
e o conhecimento das experiências aqui mostra-
das despertem o interesse acadêmico e também 
político. Interesse que leve ao aprofundamento 
em temas relacionados à agricultura familiar e 
à sua contribuição para o desenvolvimento com 
equidade em territórios rurais, em particular, e na 
economia dos países, em termos gerais.
Álvaro Ramos 
Unidade de Coordenação Regional 
Programa Fidamercosul CLAEH
10
Experiências de sucesso na agricultura familiar 
estão sendo construídas e realizadas neste mo-
mento em todo o território brasileiro. Malgrado 
seu enorme impacto positivo no local ou na re-
gião em que transcorrem, tais experiências muitas 
vezes ficam confinadas a essa escala, recebendo 
menos reconhecimento e valorização do que de-
veriam. Mas o mais grave e até lamentável é que 
essa relativa invisibilidade acaba não permitindo 
que se possa aprender com esses casos e usar sua 
expertise e trajetória para entender como proces-
sos de desenvolvimento rural foram criados.
Este livro tem o propósito de dar visibilidade 
e colocar em destaque essas experiências. Mas 
nem de longe temos a intenção de que elas sir-
vam como modelos que possam ser replicáveis 
e/ou usados como padrões a serem seguidos ou 
simplesmente imitados. Estamos convencidos de 
que essas experiências podem servir como lições 
e oferecer aprendizagens sobre as ações e o pro-
tagonismo de atores sociais que lograram inovar 
na busca por alternativas em meio ao contexto 
de confluências de crises globais de ordem eco-
nômica, ambiental, energética e alimentar. Consi-
deramos que a multiplicidade de vivências alcan-
çadas por meio da coesão entre diferentes atores, 
imersos em processos e em práticas que visam ao 
desenvolvimento rural confluem em experiências 
singulares, refletindo trajetórias que promovem 
transformações sobre a realidade e resultam na 
constituição de novos conhecimentos.
Assim, As experiências aqui descritas evi-
denciam a capacidade dos atores sociais em cons-
truir respostas a condições nas quais os meios 
para a promoção do desenvolvimento rural são, 
por vezes, restritos ou inexistentes. A partir de 
novos olhares da sociologia do desenvolvimento, 
procuramos explorar o modo como os agriculto-
res e suas organizações sociais reagem a situações 
adversas e encontram espaços para construir no-
vas estratégias de reprodução social, inovando no 
uso de recursos materiais (tecnologias, paisagem, 
sementes etc) e simbólicos (saber-fazer, tradições, 
costumes etc). Ao mesmo tempo, essas experiên-
cias revelam a teia de relações sociais que susten-
tam os processos de inovação. Para além dos agri-
cultores e suas organizações (grupos, associações, 
cooperativas), as novas estratégias se amparam 
no suporte de extensionistas rurais, pesquisado-
res, gestores públicos, técnicos, e vários outros 
mediadores e atores.
É crescente a demanda por identificar e com-
preender a participação desses diferentes atores 
nas ações de desenvolvimento rural. Este interesse 
reflete o novo momento e a nova forma com que 
diferentes organizações estão atuando, buscando 
valorizar o conhecimento dos agricultores e de-
mais agentes que trabalham e produzem saberes 
cotidianamente. Trata-se de um exercício que tem 
sido chamado de “encontro de saberes”, que faz 
com que pesquisadores, formuladores de políti-
cas, extensionistas e agricultores partilhem seus 
conhecimentos e busquem novos aprendizados a 
partir da troca de experiências. Muitos dos casos 
descritos neste livro mostram como esse processo 
ocorreu e quem foram os seus promotores.
O objetivo central deste livro é, portanto, divul-
gar experiências bem sucedidas de inovação para 
o desenvolvimento rural. Apesar de uma miríade 
de casos e atores, o que há em comum entre os 
capítulos é o fato de que todos focalizam o uni-
verso social da agricultura familiar. Não quer dizer 
que não haja interfaces das formas familiares de 
trabalho e organização da produção com outras, 
tais como a forma assalariada, a empresarial ou 
a cooperativa. Mas o enfoque do livro recai so-
INTRODUÇÃO
Alessandra Matte
Paulo André Niederle 
Sergio Schneider
11
bre as práticas dos agricultores familiares, pesca-
dores, extrativistas, pecuaristas e pequenos em-
preendedores rurais que realizam suas atividades 
econômico-produtivas sob a égide do trabalho e 
da gestão familiar. 
Apesar de escrito por pesquisadores, este livro 
não tem uma pretensão eminentemente acadê-
mica. A rigor, ele foi escrito para dialogar com o 
público em geral, mas focalizando gestores pú-
blicos, extensionistas rurais e agentes de desen-
volvimento rural. Esperamos que esses leitores 
possam identificar nessas experiências algumas 
chaves para desencadear os processos e as prá-
ticas que levam à melhoria das condições de vida 
dos inúmeros grupos sociais que habitam o meio 
rural brasileiro e quiçá latinoamericano.
A elaboração desse livro é fruto de uma par-
ceria entre o Programa Fidamercosul CLAEH) e o 
Grupo de Estudos em Agricultura Familiar e De-
senvolvimento Rural (GEPAD), da Universidade 
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no Brasil. 
O GEPAD é um grupo que vem desenvolvendo 
pesquisas interdisciplinares sobre os processos de 
desenvolvimento rural em âmbito nacional e in-
ternacional. Essas pesquisas focalizam as dinâmi-
cas sociais, econômicas, culturais e políticas das 
formas familiares de produção, em especial da 
agricultura familiar. 
Em decorrência dessa parceria, nos dois úl-
timos anos foram produzidos relatos de expe-
riências de sucesso entre formas familiares de 
produção para difusão on line na Plataforma Fi-
damercosul. Foi a partir da ampla repercussão e 
do propósito de reunir em um único documento 
o conjunto de experiências que este livro tomou 
forma. Portanto, Experiências inovadoras na 
agricultura familiar brasileira: atores, práticas e 
processos para o desenvolvimento rural é uma 
obra que reúne relatos de experiências que ti-
veram resultados positivos para os envolvidos e 
que repercutiram no contexto em que estão in-
seridas, sendo possível conhecer parte das práti-
cas e dos processos que envolveram cada caso. 
Ao todo são apresentados dezesseis relatos de 
experiências, distribuídos em cinco partes.
Na primeira parte, intitulada Construção so-
cial dos mercados, são apresentados três capítu-
los que versam sobre experiências de construção 
de mercados na pecuária familiar. Assinado por 
Alessandra Matte, o primeiro capítulo apresenta 
a experiência da construção de mercado para a 
carne ovina no Território Alto Camaquã, no es-
tado do Rio Grandedo Sul, Brasil. Essa carne de-
riva da produção de pecuaristas familiares, mas 
a viabilização da comercialização conta com a 
ação coletiva entre produtores e instituições de 
ensino e pesquisa. A experiência ilustra a impor-
tância da ação coletiva, da constituição de atri-
butos diferenciais de qualidade e da valorização 
da produção local. 
O segundo capítulo, de autoria de Marcelo 
Porto Nicola e Flávia Charão Marques, aborda a 
constituição de uma rede de atores entre pecua-
ristas familiares, prefeituras municipais e exten-
sionistas rurais. A atuação conjunta desses atores 
possibilitou a criação da Associação Regional de 
Ovinocultores, da Marca Coletiva, e do Remate 
Regional da Pecuária Familiar, no estado do Rio 
Grande do Sul. Entre os principais resultados al-
cançados estão a agregação de valor ao produto 
e a criação de novos mercados. 
O terceiro capítulo, também de autoria de 
Alessandra Matte, apresenta a experiência em 
que um grupo de produtores familiares constitui 
um núcleo e, por meio desse, obtém a conces-
são e administração do frigorífico municipal. Essa 
organização inicial, aliada à criação do Programa 
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), oportu-
niza a comercialização de carne ovina e bovina 
para o abastecimento da alimentação escolar. O 
caso sistematiza o percurso para a criação de um 
mercado em que o controle de toda a cadeia é 
realizado pelos próprios pecuaristas familiares. 
A segunda parte do livro reúne três capítulos 
vinculados à temática da Diversificação produ-
tiva e agregação de valor. Assim, tomando por 
base a realidade do estado brasileiro do Espírito 
Santo, Celia Jaqueline Sanz Rodriguez e Carlos 
Alberto Sangali de Matos apresentam a expe-
riência de uma família de agricultores familiares 
12
que optou pela diversificação produtiva, adicio-
nando o cultivo de orquídeas à produção de café 
e uva. Os autores debatem a importância do en-
volvimento de uma rede de instituições para a 
viabilidade dessa estratégia. 
Para o quinto capítulo, Tanise Dias Freitas e 
Sergio Schneider nos trazem a experiência da 
diversificação produtiva em meio à realidade de 
agricultores familiares que cultivam tabaco. Entre 
as estratégias ilustradas estão a inserção da pro-
dução ecológica e de sementes crioulas, ações em 
escolas agrícolas com viés para a juventude rural, 
assim como a entrada em mercados institucionais. 
O caso apresenta um panorama da realidade dos 
fumicultores e as estratégias de diversificação em 
curso no estado do Rio Grande do Sul.
Encerrando a segunda parte, Vanderlei Franck 
Thies e Marcelo Antonio Conterato apresentam a 
experiência de agricultores familiares que substi-
tuem o cultivo de tabaco por cultivos alimentares. 
O principal fator de mudança está relacionado 
à criação dos programas institucionais de com-
pra de alimentos, que conduziu a Cooperativa 
dos Agricultores Porto Vera Cruz (COOPOVEC) 
a orientar suas ações para esse novo mercado. 
O relato apresenta importantes elementos sobre 
cooperação e mudanças produtivas. 
A terceira parte do livro compila quatro capí-
tulos imersos nos debates em torno da Agroeco-
logia e desenvolvimento rural sustentável. Dan-
do início a esse bloco, Ana Lúcia Oliveira da Silva 
e Leonardo Xavier da Silva relatam a experiência 
do mercado de produtos derivados de frutas na-
tivas e a consequente criação do empreendimen-
to Encontro de Sabores. Entre os benefícios des-
sa atividade está a geração de renda conciliada 
à conservação da biodiversidade. A iniciativa se 
consolida ao realizar a conexão entre os diferen-
tes agentes da cadeia.
O oitavo capítulo, redigido por Carolina Braz de 
Castilho e Silva e Daniela Garcez Wives, tem como 
cerne a implantação de sistemas agroflorestais para 
agricultores familiares e sua ação enquanto estra-
tégia de reprodução social. A experiência mostra 
como a produção ecológica de banana tornou-se 
estratégia de autonomia e melhoria na qualidade 
de vida dos agricultores familiares. O texto contri-
bui com informações sobre os processos associati-
vos e organizativos para a viabilidade de um mer-
cado para produtos agroecológicos. 
Adriana Brandão Nascimento Machado e Jor-
ge Luis de Sales Farias assinam o nono capítulo, 
no qual apresentam a realidade da agricultura 
familiar do estado do Ceará. A experiência des-
taca resultados do Projeto Sustentare, que bus-
ca promover o desenvolvimento sustentável em 
comunidades rurais. O projeto é desenvolvido 
pela Embrapa e contou com ações de capacita-
ção sobre manejo dos recursos naturais e ações 
de promoção de autonomia dos agricultores. En-
tre as contribuições da experiência estão o uso de 
ferramentas participativas como instrumento de 
promoção de autonomia. 
Com enfoque na agroindustrialização fami-
liar ecológica, Marcio Gazolla e Carolina Brignoni 
apresentam resultados de duas experiências de 
agroindústrias familiares no sul do Brasil. Entre os 
potenciais desse processo para agricultores fami-
liares está o acesso a novos mercados, a agrega-
ção de valor e o consequente aumento de renda. 
O capítulo contribui ao apresentar os benefícios 
diretos e indiretos que o processo de agroindu-
trialização pode alcançar na agricultura familiar. 
A quarta parte desse livro, intitulada Multifun-
cionalidade do espaço rural e desenvolvimento terri-
torial, compreende a apresentação de três experiên-
cias. Abrindo esse bloco, com o capítulo 11, Mayara 
Roberta Martins e Carlise Schneider Rudnicki tra-
zem a experiência de agroturismo no estado de 
Santa Catarina. O texto apresenta etapas estrutu-
rantes para o sucesso desses empreendimentos, 
sobretudo no que se refere ao levantamento de 
atrativos turísticos disponíveis no contexto de im-
plementação. A associação de práticas socioam-
bientais, de aspectos culturais e do saber-fazer da 
agricultura familiar estão entre as contribuições 
da experiência. 
13
No capítulo seguinte, Ana Paula Matei e Ana 
Lúcia Oliveira da Silva oferecem informações so-
bre as estratégias de inovação em ação coope-
rativa de produtores familiares. Os desafios e as 
conquistas no processo de inclusão de inovações 
estão entre os elementos que ilustram o caminho 
percorrido pela Cooperativa dos Produtores Eco-
logistas de Garibaldi (COOPEG). Políticas públicas 
de incentivo à inovação, aliadas à promoção do 
envolvimento cooperativo, estão entre os resulta-
dos de sucesso dessa experiência.
Fechando esse bloco, Paulo Niederle relata o 
processo de mudança nas interpretações de quali-
dade atribuídas à produção de uvas e a seu princi-
pal produto final, o vinho. A partir da ação coletiva 
de produtores, foi estabelecida a demarcação de 
um território com atributos singulares na produção 
de vinhos, criando os Vales da Uva Goethe em San-
ta Catarina. Em particular, essa experiência apre-
senta resultados de um processo de valorização da 
produção local que tem representado um impor-
tante combustível ao desenvolvimento territorial. 
Por fim, o último bloco desse livro, Reconec-
tanto produtores e consumidores, compreende 
três experiências. No capítulo 14, de autoria de 
Potira Viegas Preiss e Flávia Charão Marques, é 
apresentada a constituição e o funcionamento de 
grupos de consumo responsável no Brasil. Nessas 
iniciativas produtores e consumidores estabele-
cem arranjos específicos para comercialização di-
reta de alimentos e de outros produtos. O caso 
contribui ao ilustrar um mecanismo em expan-
são no território brasileiro e que tem viabilizado 
a aproximação entre consumidores e produtores 
enquanto nova oportunidade de mercado, de 
qualificação da produção e de geração de renda.
Em seguida, Tainá Zaneti e Sérgio Schneider 
apresentam uma estratégia em que a gastrono-
mia tem atuado no fortalecimento da agricultura 
familiar, expondo o caso do Instituto Maniva, no 
Rio de Janeiro. Constata-se que há uma amplia-
ção dos espaços de comercialização resultante da 
relação entre chefs e agricultores familiares. A ex-
periência mostra que essa relação tem resultadona valorização de produtos tradicionais, artesa-
nais e locais, conferindo-lhes traços de singulari-
zação e distintividade.
Fechando o livro, o capítulo assinado por 
Márcio Zamboni Neske e Cláudio Becker retrata 
a emergência da produção e da comercialização 
por horticultores familiares que vêm diversifican-
do a produção. Em busca de valorização, a apro-
ximação desses produtores a outras entidades lo-
cais tem fomentado ações de construção de um 
mecanismo coletivo para formalização de novos 
circuitos de comercialização. O principal fruto dis-
so é a criação de um espaço de comercialização 
direta entre produtores e consumidores.
PARTE I 
CONSTRUÇÃO SOCIAL 
DE MERCADOS
14
PARTE I
CONSTRUÇÃO SOCIAL 
DE MERCADOS
15
A questão dos mercados e do acesso aos ca-
nais de comercialização tornou-se um tema de 
grande interesse dos agricultores familiares, de 
suas organizações e dos formuladores de políticas 
públicas. No Brasil, tem-se falado cada vez mais 
em construção social de mercados, o que significa 
dizer que os mercados são espaços de interação e 
troca entre produtores e consumidores e, portan-
to, configuram uma relação social.
Neste trabalho pretendemos descrever um 
caso bem sucedido de construção de mercados 
que se refere a experiências dos pecuaristas fami-
liares da região sul do Rio Grande do Sul. Nesse 
estado encontram-se algo em torno de 60.000 
famílias de pecuaristas familiares, categoria que 
apenas recentemente vem sendo estudada. Os 
pecuaristas familiares podem ser definidos como 
pequenos criadores de bovinos de corte e de ou-
tros animais em sistemas de criação de menor es-
cala (ovinos, suínos, aves) e de pequenos sistemas 
de cultivos voltados basicamente para a subsis-
tência (feijão, milho, batata-doce, mandioca etc.), 
tudo isso fazendo uso de mão de obra familiar 
associada com a troca de serviços.
Esse texto apresenta a descrição de uma expe-
riência envolvendo a construção social de merca-
dos da pecuária familiar no território do Alto Ca-
maquã, localizado no extremo sul do estado do Rio 
Grande do Sul, Brasil. Nesse território, a pecuária 
de corte, há mais de três séculos, desde o período 
de colonização, é a atividade produtiva predomi-
nante, sendo desenvolvida majoritariamente por 
pequenos produtores denominados como pe-
cuaristas familiares. Do ponto de vista produtivo, 
a criação de animais (bovinos e ovinos, principal-
mente) criados sobre pastagens naturais do bioma 
Pampa representa a principal atividade produtiva.
Como forma de criar novos espaços e abor-
dagens de entendimento e representação da 
pecuária familiar e do desenvolvimento para o 
Alto Camaquã, em 2008, a Embrapa (Empresa 
Brasileira de Pesquisa Agropecuária) desenvolve 
um projeto denominado de Projeto Alto Cama-
quã. Trata-se de um projeto concebido desde 
uma abordagem territorial para pensar e promo-
ver estratégias de desenvolvimento na região. 
O Projeto Alto Camaquã interliga uma rede de 
multiatores e são parceiros, além da Embrapa, a 
CAPÍTULO 1
A construção de mercados pela pecuária familiar 
no sul do Brasil: o caso do território Alto Camaquã
Alessandra Matte
15
16
Emater (Empresa de Assistência Técnica e Exten-
são Rural), associações de pecuaristas familiares, 
representações sindicais (Fetag, Sindicatos dos 
Trabalhadores Rurais), governo municipal e es-
tadual e algumas universidades. Os processos de 
ação do Projeto têm criado estratégias de desen-
volvimento que visam a vincular seus produtos e 
serviços à imagem e atributos (sociais, econômi-
cos, culturais, ecológicos) locais.
Da criação de ovelhas 
para lã à produção de cordeiros 
de alto padrão
As ações do Projeto Alto Camaquã ocorrem 
em forma de rede, onde, em diferentes momen-
tos, sua ampliação tem visado o seu fortalecimen-
to. No ano de 2009, foi criada a Associação para 
o Desenvolvimento Sustentável do Alto Camaquã 
(ADAC), a qual representa juridicamente o con-
junto das associações de pecuaristas familiares do 
território. Em 2011 é criada a Rede de Produtores 
do Alto Camaquã (REAC), que passou a congre-
gar o conjunto das associações filiadas à ADAC. 
Atualmente, a REAC é constituída por 20 associa-
ções comunitárias de pecuaristas familiares, o que 
representa em torno de 420 famílias.
As primeiras iniciativas para acessar mercados 
com os produtos do Alto Camaquã iniciaram em 
2011. Através de diferentes encontros da REAC, 
foram sendo coletivamente definidos os produtos 
para iniciar a comercialização por meio do uso da 
marca territorial coletiva.
A carne de cordeiro foi o produto que obte-
ve um processo mais acelerado e fortalecido de 
comercialização, isso porque a produção ovina é 
praticada em 100 % das propriedades familiares 
que participam do Projeto Alto Camaquã, o que 
amplia a possibilidade de inserção nos mercados 
por boa parte dos pecuaristas. Cabe destacar que 
a definição de cada produto, enquanto potencial 
para comercialização, envolve uma decisão parti-
lhada entre pecuaristas das distintas associações 
e demais atores de agências já mencionadas. En-
tre algumas das características definidas na esco-
lha dos produtos estão aspectos relacionados ao 
saber-fazer, produtos ecológicos (sem uso de in-
sumos externos) e adaptados ao local, paisagem 
e recursos naturais preservados. A carne de cor-
deiro vem sendo comercializada por um pequeno 
frigorífico local, com sede no município de Encru-
zilhada do Sul, o qual passou a ser responsável 
pelo abate e comercialização dos cordeiros.
A distinção social
O diferencial desse mercado é a coletividade de 
seu funcionamento, em que os diferentes atores 
definiram estratégias de industrialização e comer-
cialização da carne de cordeiro com a marca co-
letiva do território Alto Camaquã. Esse mercado 
funciona da seguinte maneira: a cada semana uma 
associação é responsável pela comercialização dos 
animais, os quais são reunidos, pesados e levados 
diretamente para o frigorífico. O transporte dos 
animais até o frigorífico é realizado por caminhão 
próprio da associação, e o preço praticado foi es-
tipulado de maneira que o produtor possa receber 
um valor maior que o do mercado convencional. 
Cabe destacar que a aquisição do caminhão pela 
associação só foi possível mediante apoio de políti-
cas públicas que permitiram aos pecuaristas fami-
liares comprarem o caminhão em nome da associa-
ção. A imagem a seguir é de um pecuarista familiar 
acompanhando carregamento de seus animais, em 
que o transporte é realizado por caminhão adquiri-
do pela Rede de Produtores do Alto Camaquã, em 
registro divulgado pelo Alto Camaquã.1
A carne de cordeiro do Alto Camaquã pos-
sui aspectos que a tornam diferente das demais 
1 O projeto e as ações dos pecuaristas familiares são divulgados 
por meio das instituições envolvidas no projeto e em uma rede 
social, a qual pode ser acessada no link a seguir: 
‹https://www.facebook.com/territorioaltocamaqua/timeline›.
16
https://www.facebook.com/territorioaltocamaqua/timeline
17
carnes de ovinos comercializadas no Brasil. A 
qualidade da carne está relacionada às qualida-
des presentes em ativos culturais, sociais, eco-
nômicos, produtivos, institucionais e ambientais 
presentes no local, os quais estão sendo mobi-
lizados para a diferenciação dos produtos e dos 
processos de comercialização. O campo nativo 
e o modo de criação dos animais (saber-fazer 
dos pecuaristas) representam importantes ele-
mentos de qualidade da carne de cordeiro. Nes-
se sentido, os cordeiros produzidos sobre essas 
áreas de campo nativo possuem diferenciais em 
seu sabor se comparados a animais que têm em 
seu sistema de criação uma alimentação pré-
-elaborada pela indústria.
Os atores sociais passaram a definir uma ima-
gem dos produtos do território como naturalmen-
te único, pois são produtos integrados a processos 
produtivos em que a cultura pecuária desenvol-
veu formas específicas de relação com a natureza, 
mantendo preservados ao longo do tempo a pai-
sagem e os recursos naturais. Essa característicarepresenta um dos atributos da carne de cordeiro 
do território do Alto Camaquã como uma estraté-
gia de valorização dos recursos locais e naturais, 
portanto, um elemento de valorização da origem 
do alimento. Assim, com base nesses aspectos, a 
rede de atores e processos que compõem o Proje-
to Alto Camaquã vem trabalhando em uma pro-
posta de localismo do desenvolvimento, pautado 
pela valorização dos ativos do território.
O papel das políticas públicas
Assim, a construção social desse mercado tem 
permitido a edificação de processos coletivos de 
comercialização por meio dos quais pecuaristas 
e demais atores sociais locais apoiam-se mutua-
mente na logística, no transporte, na produção 
e na comercialização, promovendo, assim, a or-
ganização social do mercado. Recentemente tem 
se visualizado a possibilidade de acesso a novos 
mercados para a pecuária familiar, estando em 
curso um processo de organização para o aces-
so aos mercados institucionais do PAA (Programa 
de Aquisição de Alimentos) e PNAE (Programa 
Nacional de Alimentação Escolar). Entretanto, 
essa experiência ainda não foi viabilizada, sendo 
a conquista de novos canais de comercialização 
um desafio para esse mercado. Além disso, ou-
tros produtos vêm sendo comercializados com o 
uso da marca coletiva, entre eles estão produtos 
artesanais confeccionados com lã e couro, doces 
e pães, turismo rural, entre outros, conforme ima-
gens divulgadas pelo projeto.
A partir dessa organização de atores sociais 
de distintos âmbitos, têm sido ampliadas as 
atenções para a própria categoria de pecuaristas 
familiares. A maneira como estes se relacionam 
com os recursos naturais e a forma como ma-
nejam os animais em conformidade com o am-
biente são aspectos que permitem que seja atri-
buído um valor intrínseco ao produto, riqueza 
gerada em nível local, fruto dos conhecimentos 
tácitos dos produtores, bem como das caracte-
rísticas do alimento.
17
18
Lições e ensinamentos
Os resultados observáveis dessa experiência 
envolvendo a construção social de mercados 
não dizem respeito apenas à possibilidade de 
acessar novos mercados para a pecuária familiar. 
Essa, certamente, é uma questão importante a 
ser considerada, já que a venda de cordeiro tem 
redundado em uma melhor valorização e remu-
neração aos pecuaristas familiares. No entanto, 
os resultados que estão colocados a partir dessa 
experiência para os atores envolvidos dizem res-
peito a representatividade de uma categoria so-
cial que ocupa um território que por muito tem-
po foi estigmatizado por instituições de ensino 
e desenvolvimento e pelo poder público como 
pobre e atrasado. A principal vantagem estraté-
gica desse mercado é que o produto gerado está 
associado a um conjunto de valores premiados 
pelo mercado, como tradição, natureza, modo 
de produção artesanal e local. O sucesso dessa 
experiência permite afirmar que é possível sua 
reprodução em outros espaços, desde que siga 
os princípios da construção coletiva na presença 
de distintos atores e instituições envolvidos com 
o grupo social, podendo ser reelaborada para 
outros produtos.
Além disso, desconstruir a noção de pobreza foi 
e continua sendo uma premissa que tem orienta-
do a base das ações de desenvolvimento do Projeto 
Alto Camaquã, o que evidencia que o desenvolvi-
mento rural não é uma mera aplicação de ações e 
políticas modernizantes na tentativa de corrigir pro-
blemas. Os desafios colocados ao Alto Camaquã 
estão em expandir e enriquecer essa experiência de 
desenvolvimento, conservando o conjunto de ativos 
locais para convertê-los em potencial para o dese-
nho de alternativas à lógica homogeneizadora do 
desenvolvimento. Nesse sentido, o caso do mercado 
de cordeiro evidencia a relocalização da produção e 
abastecimento de alimentos, demonstrando que a 
construção social de mercados é uma estratégia im-
portante de práticas enriquecidas de alteridade. Por 
isso, o slogan de divulgação da carne de cordeiro do 
Alto Camaquã é “Carnes únicas de lugares únicos”.
Aos interessados em conhecer mais detalhes 
sobre a experiência aqui relatada, informações po-
dem ser encontradas no artigo “Mercado de ca-
deias curtas na pecuária familiar: um processo de 
relocalização no território Alto Camaquã no Sul 
do Rio Grande do Sul/Brasil”, redigido por Ales-
sandra Matte e colaboradores, publicado na Re-
vista do Desenvolvimento Regional (REDES), fruto 
da discussão inicial apresentada nesse relato.
18
19
CAPÍTULO 2
Agregação de valor e criação de mercados para a pecuária 
familiar da região centro sul do Rio Grande do Sul
Marcelo Porto Nicola 
Flávia Charão Marques
O caso descrito aqui apresenta três atores cen-
trais que atuam em sinergia, embora estejam in-
seridos em uma rede mais ampla: os pecuaristas 
familiares, as prefeituras e os extensionistas rurais 
da Emater do Rio Grande do Sul.
O pecuarista familiar é um tipo de agricultor 
familiar que obtêm sua renda principal da pecuá-
ria (i. e. criação de bovinos, ovinos, caprinos, bu-
balinos) em pequenas áreas de terra (i. e. até 300 
hectares), com uso predominante de mão de obra 
familiar, tendo como local de moradia a unidade 
de produção ou a comunidade próxima.
O trabalho com os pecuaristas familiares, re-
conhecidos como um segmento específico dentro 
do contexto heterogêneo da agricultura familiar 
se deu a partir de diagnósticos da realidade da 
pecuária familiar na segunda metade dos anos 
1990, e pela concepção de políticas públicas lo-
cais nos municípios em que esse público era, 
quantitativamente, mais expressivo. Essas ações 
têm impactado fundamentalmente no melhora-
mento genético dos animais (ovinos e bovinos), 
e na criação de canais de comercialização mais 
adaptados às especificidades da pecuária familiar.
As atividades locais são reforçadas por políticas 
públicas estaduais e federais, que foram efetiva-
mente operacionalizadas nos anos 2000. O que 
chamamos de atividades locais são as interven-
ções planejadas para a pecuária familiar que in-
cidem em local definido, tal como o trabalho na 
região centro sul. Neste caso, a tomada de cons-
ciência a respeito da virtude do escopo regional 
para as ações é um ponto de inflexão importante 
no revigoramento do trabalho de viabilização so-
cioeconômica da pecuária familiar.
O vigor deste trabalho é resultado do dina-
mismo das associações comunitárias rurais e dos 
pecuaristas familiares, da inserção qualificada de 
agentes de desenvolvimento locais, e da sinergia 
entre atores e políticas nas instâncias local, regio-
nal e nacional.
Entre as iniciativas regionais vamos apresentar 
a Associação Regional dos Ovinocultores, a Mar-
ca Coletiva, e o Remate Regional da Pecuária Fa-
miliar. No âmbito local, destacam-se também as 
Unidades de Experimentação Participativa, a Feira 
de Ovinos, o Concurso de Cordeiros, o Jantar do 
Cordeiro e do Vinho, e o Repasse de Carneiros, 
19
20
bem como suas repercussões extralocais. Salien-
tamos que a priorização deste segmento, no que 
tange às políticas públicas, tem, ainda, um des-
dobramento importante na dimensão ambiental 
de preservação das regiões campestres do Estado. 
Hoje, se estima um contingente superior a 1.200 
famílias de pecuaristas na região centro sul, das 
quais 800 estão diretamente envolvidas na pre-
sente experiência.
As interações entre os múltiplos atores se in-
tensificam em um espaço geográfico caracte-
rizado pelo adensamento de comunidades de 
pecuária familiar, majoritariamente, situado nos 
municípios de Butiá e São Jerônimo, no estado do 
Rio Grande do Sul/Brasil. A partir deste espaço se 
irradiam ações e experiências que repercutem e se 
articulam com outras práticas estabelecidas nos 
municípios da região.
Aspectos ambientais: o papel da 
pecuária familiar na conservação 
do Pampa
Os ecossistemas campestres da região sul do 
Brasil estão sendo ameaçados pelo avanço dos cul-
tivos anuais de grãos e da silvicultura em regime de 
monocultura, além da degradação relacionada ao 
uso inadequado dosrecursos e invasão de espécies 
vegetais exóticas. A pecuária fortemente assenta-
da no recurso forrageiro nativo (e. g. 70 % da su-
perfície em pecuária familiar na região está sobre 
áreas de campo nativo) tem sido reconvertida para 
outras explorações econômicas aparentemente 
mais rentáveis no curto prazo, fato que ocasionou, 
em décadas recentes, a supressão de metade da 
superfície original dos campos do estado.
Por outro lado, pesquisas científicas ressal-
tam a ligação potencialmente promissora entre 
a exploração pecuária, entendida como uma 
atividade multifuncional, e a conservação e uso 
sustentável dos Campos Sulinos. Na realidade 
local, verifica-se que onde há concentração de 
pecuaristas familiares a paisagem rural ainda en-
contra-se livre da predominância quase exclusiva 
das plantações de soja e de florestas exóticas, di-
ferentemente do que acontece nas regiões cuja 
estratificação fundiária pende para as fazendas 
de médio e grande porte.
Fluxos e conexões a partir do foco 
de trabalho em pecuária familiar
A partir do foco do trabalho em pecuária fa-
miliar, preponderantemente, nos municípios de 
Butiá e São Jerônimo, emanam fluxos e conexões 
para a região. Os resultados do conjunto de ações 
para têm impactado duas dimensões importantes 
e interdependentes do desenvolvimento rural: a 
agregação de valor aos produtos da pecuária, em 
especial os ovinos, mas também bovinos, e a cria-
ção de canais de comercialização.
A interação entre Associações Rurais das Lo-
calidades, Entidades Representativas de Produ-
tores, Prefeituras, Conselhos Municipais, Emater, 
Instituições de Ensino e Pesquisa, e Secretarias 
e Setores dos Governos Estadual e Federal têm 
proporcionado a construção de políticas públi-
cas, práticas e trajetórias em instâncias distintas, 
que, no entanto, convergem para o atendimento 
de algumas das necessidades dos pecuaristas fa-
miliares. Em seguida, são trazidos exemplos re-
levantes a nível regional (a Associação, a marca 
própria e o remate), além de outros mais locali-
zados e suas repercussões.
20
21
A Associação, a Marca e o Remate
A Associação Regional de Ovinocultores foi 
fundada em 2011, fruto dos desdobramentos 
do Projeto de Desenvolvimento da Ovinocultura. 
Trata-se de uma associação civil sem fins lucrati-
vos, tendo como sede a localidade da Quitéria, 
em São Jerônimo.
A associação percebe a ovinocultura além da 
estrita dimensão econômica, na medida em que 
é uma atividade que faz parte do modo de vida 
de centenas de famílias de pecuaristas familiares 
e sua abrangência congrega 16 municípios na re-
gião centro sul e um em General Câmara, região 
do Vale do Rio Pardo. Normativamente, o escopo 
regional pode ser verificado no seu conselho con-
sultivo, composto pelas Secretarias Municipais de 
Agricultura, Sindicatos de Trabalhadores Rurais e 
Escritórios da Emater dos dezessete municípios. 
Entre seus objetivos estão: valorizar a produção 
sustentável; abastecer o mercado regional, e a 
merenda escolar com uma marca coletiva.
A marca coletiva constitui-se em um dos prin-
cipais propósitos, tendo em conta que se percebe 
grande potencial na exploração comercial das ca-
racterísticas singulares de sabor na carne do cor-
deiro criado em campo nativo na região. Apesar 
de alguns técnicos e produtores avaliarem que 
serão necessárias algumas melhorias em organiza-
ção social e na produção primária. De modo geral, 
a expectativa é boa, devido a alguns acertos já en-
caminhados, como a instalação do frigorífico para 
abate. A alteração do comércio de animais vivos 
para carne processada e embalada será um salto 
importante no que se refere à agregação de valor.
O Remate Regional da Pecuária Familiar é um 
evento anual, que teve sua quarta edição em 
2016. O crucial motivo para a sua organização foi 
o fato de que a comercialização de animais vem 
de longa data se apresentando como problemáti-
ca. Problemas como calote, intermediação e discri-
minação são especialmente sentidos por aqueles 
produtores com baixa escala de produção e menor 
conhecimento sobre os meandros do mercado.
Para adaptar esta modalidade tradicional de 
venda de animais às especificidades dos pecuaris-
tas familiares, os organizadores promoveram uma 
série de negociações e rearranjo de recursos para 
isentar os custos de frete dos animais até a pista; 
diminuir a porcentagem de corretagem do leiloei-
ro e do aluguel do parque.
A média de participantes que ofertaram animais 
nas duas primeiras edições ultrapassou 40 pecua-
ristas, oriundos de diversos municípios, expressan-
do a abrangência regional da ação. No somatório 
das duas primeiras edições foram comercializa-
dos 1.000 animais (bovinos, ovinos), arrecadados 
R$ 830.000 e o afluxo ultrapassou mil pessoas.
Unidades de experimentação 
participativa (UEP)
As UEP, três em operação e duas em instala-
ção, são estabelecidas em propriedades rurais, 
sendo potencialmente capazes de incrementar 
trocas de conhecimentos, aprendizagens coletivas 
e incremento de informação sobre conservação e 
manejo adequado de sistemas pastoris nativos 
com ovinos e bovinos.
Nas unidades, além da ênfase no manejo do 
campo nativo, são desenvolvidos, de forma dife-
renciada, o melhoramento genético e o aprimo-
ramento do manejo do rebanho ovino e bovino. 
Para evidenciar as pressões ambientais sobre o 
‘Pampa’ (campo nativo), duas UEP foram sele-
cionadas por se apresentarem como um contra-
ponto a uma paisagem circundante fortemente 
21
22
dominada pelos maciços florestais exóticos, com 
muitos de seus lindeiros explorando com exclusi-
vidade está alternativa econômica.
Cabe realçar, contudo, que as potencialidades 
das UEP ainda não foram completamente desen-
volvidas, uma vez que têm funcionado apenas 
como unidades de demonstração. Para ir além, 
será importante ampliar as formas de participa-
ção de grupos de pecuaristas no planejamento, 
implantação e no acompanhamento de ações de 
experimentação propriamente ditas.
A Feira de Ovinos, o Concurso de 
Cordeiros, o Jantar e o Repasse de 
Carneiros
A Feira Assistida de Ovinos caminha para a 
7ª edição, envolvendo produtores de São Jerô-
nimo, vendedores de genética (os chamados ca-
banheiros) e compradores de vários municípios, 
tem tido repercussão importante na qualidade do 
rebanho, e serviu de modelo para uma nova feira 
em Barão do Triunfo. Ela tem a denominação de 
‘assistida’, porque é também realizado assessora-
mento técnico-social às famílias que estão inscri-
tas no evento.
Na edição de 2015, quinze produtores expuse-
ram animais. A presença de público que visitou o 
evento ficou acima de 600 pessoas, e aproxima-
damente 400 ovinos (cordeiros, ovelhas, borregos) 
foram expostos, com taxa de comercialização ao 
redor de 80 %.
O Concurso de Cordeiros, hoje na 11ª edição, 
envolve análise morfológica (animais vivos) e de 
carcaças. Foi criado com a intenção de estimular 
o melhoramento genético e a introdução de prá-
ticas adequadas de manejo. Uma consequência 
desse concurso é o Jantar do Cordeiro, Uva e Vi-
nho, também na 11º edição, que foi planejado, 
inicialmente, como a festa de premiação dos ven-
cedores, transformando-se depois em uma das 
tradicionais e prestigiadas festas de Butiá. Essa 
ação, conforme a percepção dos atores locais, 
elevou a visibilidade e a cidadania de um segmen-
to social até pouco tempo atrás, sem voz, invisí-
vel, e pouco atendido, o pecuarista familiar.
O Repasse de Carneiros, já na 7ª edição, é 
coordenado pela Prefeitura de Butiá e o Sindicato 
22
23
dos Trabalhadores Rurais e surgiu em consequên-
cia do Concurso de Cordeiros. Com orçamento 
ao redor de R$ 15.000/ano, é avaliado como uma 
novidade promissora, com resultados em agrega-
ção de valor pela melhoria genética dos rebanhos 
e peso médio dos cordeiros, influenciando inicia-
tivas em vários rincões, como Barão do Triunfo 
e São Jerônimo, que estudam a implantação, e 
Dom Feliciano, que já iniciou um programa si-
milar. Seu objetivo é repassar carneiros comalto 
valor zootécnico para carne ou lã em condições 
de preço e formas de pagamento subsidiados aos 
pecuaristas familiares.
Considerações sobre 
um trabalho em evolução
Os resultados apurados com esta experiência 
podem ser observados na dimensão técnico-eco-
nômica, com agregação de valor aos produtos e 
criação de novos mercados; na dimensão social, 
com o fortalecimento da capacidade de agên-
cia dos agricultores, através de ações de orga-
nização e participação popular em conselhos e 
políticas públicas. Nessa dimensão, observa-se 
também ganhos em cidadania e reconhecimento 
dessa categoria social e das famílias envolvidas. 
Na dimensão ambiental, o conjunto do traba-
lho constitui-se como uma barreira potencial ao 
avanço da degradação dos campos. Entretanto, 
os avanços são parciais e relativos diante de uma 
dinâmica populacional decrescente dos pecuaris-
tas familiares nos espaços rurais e da degradação 
ainda acelerada dos recursos campestres. Inicia-
tivas, como as aqui apresentadas, precisam de 
continuidade e intensificação para que os resul-
tados se tornem mais abrangentes e consolidem 
a reprodução social deste segmento, sua manei-
ra de produzir e de se relacionar com a natureza, 
viabilizando, desse modo, o uso sustentável e a 
conservação do bioma Pampa.
23
24
Em recente relatório produzido no âmbito da 
Organização das Nações Unidas para Alimentação 
e Agricultura (FAO), é evidenciado o papel global 
da pecuária a partir de seu potencial em garan-
tir segurança alimentar a diversas populações no 
planeta, classificando-a como um “poderoso mo-
tor” para o desenvolvimento da agricultura e dos 
sistemas agroalimentares. Ainda segundo essa 
organização, a criação de gado é a atividade que 
ocupa maior área de terras agrícolas no mundo, 
com ampla distribuição entre os países. Outro do-
cumento, também produzido no âmbito da FAO, 
aponta que a pecuária representa atualmente 
pelo menos uma fonte parcial de rendimentos e 
de garantia de segurança alimentar para 70  % 
dos 880 milhões de pobres rurais no mundo, os 
quais vivem com menos de um dólar por dia. Por 
isso, a esse respeito tem sido desenvolvidos esfor-
ços por organizações globais e locais para reco-
nhecer o papel da pecuária também no processo 
de conservação de ambientes únicos e de sua im-
portância no que se refere ao uso sustentável de 
recursos naturais, que se mostram dependentes 
da presença dos animais e do manejo realizado 
pelo homem.
A esse respeito, o sul do estado do Rio Gran-
de do Sul, no Brasil, tem características históricas 
marcantes relacionadas à atividade pecuária, pro-
piciadas principalmente pela forma de ocupação 
e pela presença de extensas áreas de pastagens 
naturais típicas do bioma Pampa. Há registros que 
apontam que, nessa região ao sul do Brasil, a tra-
dição pecuária está presente há pelo menos 300 
anos. Entre esses produtores existe uma categoria 
social denominada pecuaristas familiares, a qual 
se distingue por características como um modo 
de vida específico, utilização quase que exclusi-
vamente de mão de obra familiar, utilização de 
áreas de terra em locais considerados marginais, 
CAPÍTULO 3
Mercados na pecuária familiar no sul do Brasil: O Programa 
Nacional de Alimentação Escolar como dispositivo para 
a construção de novas formas de comercialização
Alessandra Matte
24
25
criação especialmente de bovinos e ovinos sobre 
as pastagens naturais do bioma Pampa e, ainda, 
a presença de lógicas próprias para a comerciali-
zação dos animais.
Em razão da ressonância que a expressão “pe-
cuária familiar” passou a adquirir e a ocupar na 
agenda institucional e política no estado do Rio 
Grande do Sul, os esforços e resultados concretos 
dessas agendas passaram a dar atenção também 
à temática dos mercados. Assim, muito recente-
mente, alguns debates e experiências envolvendo 
a criação de mercados na pecuária familiar têm 
emergido. A par do crescimento e do poder de 
grandes empresas frigoríficas internacionais que 
têm expandido sua ocupação sobre o estado, mas 
também em razão das transformações do mundo 
rural, que têm exposto os pecuaristas a situações 
de vulnerabilidade (êxodo rural, envelhecimento, 
avanços dos cultivos agrícolas sobre os campos 
naturais), esses mercados emergentes têm procu-
rado atender às demandas dos pecuaristas familia-
res e de suas representações de maneira a valori-
zar e fortalecer os múltiplos ativos dessas famílias 
e dos espaços rurais nos quais estão inseridas.
A esse respeito, uma iniciativa tem ganhado 
destaque: a de um mercado de carne construído 
e realizado única e exclusivamente por um grupo 
de pecuaristas familiares no município de Pinheiro 
Machado, no sul do estado do Rio Grande do Sul. 
Tomando o caso dessa iniciativa, este texto procu-
ra apresentar a trajetória que possibilitou a cons-
trução desse mercado, as nuanças de seu funcio-
namento e, por fim, os desafios que se colocam 
para a continuidade e consolidação desse projeto.
Pecuária familiar no sul do Brasil
Os pecuaristas familiares têm, entre suas ca-
racterísticas, um modo de vida específico, em que 
suas estratégias de reprodução social estão inter-
ligadas a um repertório cultural próprio, no qual 
as relações com os mercados envolvem graus de 
autonomia. Embora ocupando posições de mar-
ginalidade no desenvolvimento das relações ca-
pitalistas pastoris, longe de ser uma categoria 
social residual, a pecuária familiar assume uma 
representação social e produtiva de destaque, 
sobretudo em municípios localizados na porção 
sul do estado, que se encontram no território do 
bioma Pampa. Estima-se que existam aproxima-
damente 60.000 famílias de pecuaristas familiares 
no Rio Grande do Sul, os quais são responsáveis 
pela produção de 40 % dos terneiros de corte (ou 
também denominados de cria) do estado. Segun-
do informações da Emater (Empresa de Assistên-
cia Técnica e Extensão Rural), a pecuária familiar 
detém algo em torno de 3 milhões de bovinos de 
corte, o que representa 21,5 % do rebanho de 
bovinos do estado.
No espaço que compreende o bioma Pampa, 
vicejou no Rio Grande do Sul, desde o período de 
colonização até o início do século XX, um modo 
de produção capitalista centrado na economia 
pecuária. Assim, a trajetória do desenvolvimen-
to do capitalismo agrário no sul do estado criou 
uma estrutura de mercados que gerou processos 
de exclusão e marginalização dos pecuaristas fa-
miliares, favorecendo principalmente os médios e 
grandes pecuaristas.
O fato de os pecuaristas familiares não atende-
rem às exigências mercadológicas estabelecidas 
pelos frigoríficos ou mesmo pelas formas emer-
gentes de mercados (como o proporcionado pela 
indicação de procedência2 que foi conferido à car-
ne do pampa), principalmente no que diz respeito 
a fatores produtivos e tecnológicos, como a capa-
cidade de ofertar escala produtiva regular (o que 
implica atender a outras exigências tecnológicas, 
investir em pastagens cultivadas etc.), restringe 
ou, em grande medida, exclui os pecuaristas des-
ses mercados. Ou seja, os pecuaristas familiares 
2 Ver mais em: ‹www.apropampa.com.br›.
25
http://www.apropampa.com.br
26
nem sempre conseguem se adequar aos regula-
mentos específicos para a comercialização da car-
ne, o que ocorre em virtude de dificuldades em 
atender a exigências como quantidade mínima de 
animais comercializados, animais com raças defi-
nidas, regularidade na oferta, medidas de tama-
nho e peso, entre outros fatores.
Por mais que possam estar circunscritos a situ-
ações que exercem pressões e exigências merca-
dológicas, historicamente os pecuaristas familia-
res têm reagido a essas pressões e, em resposta a 
elas, têm construído estratégias mercantis que vi-
sam a garantir a sua autonomia. Nesse contexto, 
cabe analisar o caso de um grupo de pecuaristas 
familiares do município de Pinheiro Machado que, 
em 2009, criou o Núcleo de Criadores de Ovinos 
e Caprinos de Pinheiro Machado com o objetivo 
principal de se organizarem,unirem forças, me-
lhorarem a forma de produção e, especialmente, 
comercializarem a carne e não somente os ani-
mais. Nas palavras de um dos membros quando 
da criação do Núcleo, “estávamos motivados por 
uma questão de ter uma melhor remuneração, 
porque até pouco tempo a gente era escravo dos 
compradores, dos atravessadores”.
O cordeiro Cacimbinhas
Constituído unicamente por produtores fa-
miliares, o surgimento do Núcleo contou com o 
apoio e incentivo da Emater municipal à época, 
que permitiu a aproximação e a organização de 
um conjunto de aproximadamente 30 famílias 
em 2009, número que, atualmente, chegou a 
42 famílias de pecuaristas familiares. Nesse pro-
cesso, o Núcleo, em colaboração com a Emater 
e a nutricionista responsável pelas compras para 
a alimentação escolar do município, deu início à 
comercialização de carne ovina junto ao Progra-
ma Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). As-
sim, em 2010, o grupo iniciou a comercialização 
de carne ovina, inicialmente abatendo os animais 
em abatedouros de outros municípios e, poste-
riormente, em um abatedouro municipal de con-
cessão privada.
Essa experiência de venda de carne ovina jun-
to ao PNAE foi a primeira registrada no estado 
do Rio Grande do Sul, e, sobretudo, foi funda-
mental para a consolidação do Núcleo e de sua 
inserção nos mercados. Em 2012 foram comer-
cializados 25 animais por mês para a alimenta-
ção escolar, totalizando aproximadamente 450 
kg/mês de carne ovina. De acordo com a nutri-
cionista responsável pelas compras, bem como 
conforme algumas merendeiras do município, a 
carne ovina é muito bem aceita entre as crian-
ças, tendo em vista que esse alimento faz parte 
da realidade dos estudantes. Para os pecuaristas 
do Núcleo, a prevalência da comercialização de 
seus produtos para o PNAE é o principal objeti-
vo, pois se trata de um mercado adequado para 
sua forma de organização produtiva e, que, difi-
cilmente terá como concorrência empresas mul-
tinacionais do setor de carnes.
26
27
No ano de 2014, o Núcleo reivindicou e ob-
teve a concessão do abatedouro municipal por 
um período de dez anos, recebendo a autoriza-
ção de controle sanitário do Serviço de Inspeção 
Municipal (SIM). Essa iniciativa permitiu que esses 
produtores pudessem realizar o abate de ovinos, 
controlando todas as etapas desse mercado, des-
de a produção até a comercialização da carne, 
incluindo o transporte. Somado a isso, iniciaram 
o abate de bovinos, também com destino para os 
mesmos mercados que a carne ovina já ocupava. 
Assim, conforme um dos sócios, a lógica do Nú-
cleo segue a premissa de fazer o “dever de casa”, 
uma vez que comercializam a carne para o comér-
cio local, com o principal propósito de remunerar 
adequadamente o produtor rural, diferentemente 
de quando comercializavam para outros canais. 
Os abates iniciaram com um animal por semana, 
pois, tratando-se de um processo novo para esses 
pecuaristas, era necessário conhecê-lo e compre-
ender como realizar a condução.
Paralelamente ao mercado proporcionado pela 
alimentação escolar, o Núcleo também comerciali-
za carne ovina em supermercados locais e possui, 
por meio de apoio da prefeitura municipal, um 
ponto de venda próximo à BR 290 no município. 
Nesse estabelecimento, é possível encontrar car-
ne e outros produtos da pecuária familiar, como 
doces, panificados, vinhos e artesanato. Nesse es-
paço há uma sala de cortes e embalagem, como 
também o escritório do Núcleo. De maneira geral, 
as escolhas e ações do Núcleo estão atreladas a 
justificativas que não envolvem apenas o preço 
pago pelo animal e pela carne, mas sim ao pro-
pósito de constituir um mercado seguro e livre de 
sabotagens, ou seja, de situações de incerteza.
No decorrer desse processo, em 2016, o Nú-
cleo obteve o registro como agroindústria familiar, 
o que permite a participação em feiras e eventos 
para além dos limites municipais. Diante dessas 
mudanças, atualmente têm sido abatidos em mé-
dia 80 ovinos e 30 bovinos por mês, e a carne 
é comercializada no comércio local para o PNAE, 
em feiras e no ponto de venda mencionado.
Em consonância com esse registro, o Núcleo 
criou a marca “Cacimbinhas” denominação que 
faz alusão ao primeiro nome do município, origi-
nário da existência de uma fonte (uma cacimba) 
que, segundo conta a lenda, vertia água milagro-
sa. A escolha do nome e da marca, que contou 
com o apoio do programa “Juntos para compe-
tir” do Senar-RS (Serviço Nacional de Aprendiza-
gem Rural do Rio Grande do Sul), é uma maneira 
de vincular a marca às origens do produto.
Atualmente, a carne “Cacimbinhas” recebe 
dois selos de procedência e qualidade. Um é o 
selo Sabor Gaúcho, atribuído pelo estado do Rio 
Grande do Sul para produtos provenientes de es-
tabelecimentos de produção artesanal. O outro é 
o do Cordeiro Gaúcho, concedido por um progra-
ma de desenvolvimento da ovinocultura realizado 
pelo governo do estado e pela Associação Brasi-
leira de Criadores de Ovinos (ARCO).
Em essência, o Núcleo tem buscado aperfei-
çoar a produção entre os sócios e comercializar 
em mercados locais e em feiras, procurando con-
tribuir principalmente no abastecimento do mer-
cado local. Além disso, todas as etapas são orga-
nizadas pelos pecuaristas familiares: a produção 
dos animais, o transporte, a agenda de vendas, 
27
28
o abate e a comercialização. Existem apenas dois 
funcionários que não são sócios: um que atua 
junto ao abate e ao corte das carnes e uma fun-
cionária que trabalha no ponto de vendas.
Em janeiro de 2016, associou-se ao Núcleo a 
Associação para o Desenvolvimento Sustentável 
do Alto Camaquã (ADAC), organização que con-
ta com mais de 280 famílias de pecuaristas fa-
miliares. Com essa aproximação, a ADAC realiza 
abate de animais e comercializa a carne de seus 
produtores em conjunto com o Núcleo. O estabe-
lecimento dessa parceria permitiu a incorporação 
de um caminhão boiadeiro e de um caminhão fri-
gorífico para transporte dos animais e da carne. A 
carne dos animais provenientes de produtores da 
ADAC recebe a marca do “Alto Camaquã”, jun-
tamente com a marca Cacimbinhas e os demais 
selos já mencionados. No que se refere à marca 
Alto Camaquã,3 cabe destacar que ela diz respeito 
ao território e não a um produto específico.
A construção de autonomia 
com a emergência de novas 
formas de mercado
Este texto está centrado na descrição de inter-
faces envolvendo a estruturação e o funcionamen-
to de um mercado da carne ovina em diferentes 
níveis (produção, transformação e distribuição), 
destacando o papel do PNAE como importante 
dispositivo responsável pelo fortalecimento desses 
mercados e na geração de autonomia de pecua-
ristas familiares. A experiência é considerada um 
caso de sucesso no que diz respeito à organização 
social envolvendo a pecuária familiar na medida 
em que evidencia a relevância da construção de 
um processo de comercialização a partir de pro-
dutores familiares, que, buscando a autonomia, 
rompem com dependências externas e garantem 
melhor preço recebido por seu produto.
A construção de novos mercados na pecuária 
familiar tem surgido principalmente das interações 
entre os pecuaristas familiares com outros atores 
sociais ligados ao campo institucional e político. A 
gênese desse processo está marcada pela neces-
sidade de ampliar os meios para comercialização 
dos produtos e de romper com a dependência de 
intermediários, uma necessidade que, no caso es-
tudado, emerge dos próprios pecuaristas.
Os atuais desafios podem ser sintetizados na 
manutenção da comercialização para o PNAE 
diante de oscilações na economia e na política 
nacional, na garantia de apoio municipal e no for-
talecimento do comércio local dos produtos. No 
sentido de superar tais desafios, a utilização de 
selos de qualidade tem se mostrado como uma 
interessante maneira de reforçar a qualidade do 
produto, evidenciando também valores tácitos e 
a qualidade única da carne. Assim, mais do que 
ampliar a escala, o objetivo do Núcleo é mantera 
qualidade já alcançada e, quiçá, ampliar a comer-
cialização para o PNAE em outros municípios.
3 Ver mais em: ‹www.altocamaqua.com.br›.
28
http://www.altocamaqua.com.br
29
PARTE II
DIVERSIFICAÇÃO PRODUTIVA 
E AGREGAÇÃO DE VALOR
30
Conhecido como um dos maiores produto-
res de café conilon do Brasil, o estado do Espírito 
Santo, região sudeste do país, é constituído por 
67.403 estabelecimentos da agricultura familiar, o 
que representa 80 % dos estabelecimentos agro-
pecuários (Censo Agropecuário, 2010). Nesse uni-
verso de propriedades, que tem como carro chefe 
o cultivo do café, a diversificação da produção se 
torna uma saída para as muitas contingências a 
que estão suscetíveis os agricultores familiares.
Foi procurando diversificar e garantir a própria 
permanência no campo que a Família Sperandio, 
residente no município de Santa Teresa, resolveu 
iniciar a produção de orquídeas. Além desta plan-
ta ornamental, a família continua a produzir o 
café e, mais recentemente, a uva.
Para entrar em novas atividades, contudo, a fa-
mília precisou contar com uma rede institucional 
de apoio aos agricultores, recorrendo ao órgão de 
extensão rural do estado, Incaper (Instituto Capi-
xaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão 
Rural), ao Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às 
Micro e Pequenas Empresas), às organizações da 
sociedade civil, bem como às políticas públicas 
como o Programa Nacional de Fortalecimento da 
Agricultura Familiar (PRONAF) e o Programa de 
Aquisição de Alimentos (PAA).
É a partir da experiência dos Sperandio que re-
fletiremos sobre a ação dos agricultores em busca 
da diversificação produtiva, bem como sobre a im-
portância e o papel das instituições e das políticas 
públicas. Ao narrar sobre a forma como acessam 
os diferentes canais de comercialização em bus-
ca de maior espaço de manobra, demonstramos 
como as estratégias de diversificação precisam es-
tar sustentadas por uma rede de instituições de 
apoio a agricultura familiar.
CAPÍTULO 4
Diversificação da produção e políticas públicas
Celia Jaqueline Sanz Rodriguez 
Carlos Alberto Sangali de Matos
30
31
A Família Sperandio 
e as estratégias de diversificação
O município de Santa Teresa, localizado na 
região Central do Espírito Santo possui área de 
671,94 km², com uma estrutura fundiária pre-
dominantemente de base familiar, sendo que 
94,1 % do seu território é ocupado com estabele-
cimentos agropecuários que tem até 72 hectares.
A cafeicultura é a principal atividade econômi-
ca do município, seguida de olericultura, fruticul-
tura, bovinocultura leiteira e silvicultura. Segun-
do dados do Censo Agropecuário de 2010, dos 
9.148 hectares de área plantada com lavouras 
permanentes, 8.663 hectares estão destinados à 
produção de café, o que equivale a quase 95 % 
da área total.
A Família Sperandio representa boa parte das 
famílias do município. De origem italiana, resi-
de no município há cinco gerações, trabalhan-
do principalmente na cafeicultura, em pequenos 
estabelecimentos de base familiar. Eles residem 
no Sítio das Orquídeas, no distrito de Alto Santa 
Maria, desde 1977, com três filhos e uma exígua 
base produtiva.
Atualmente o estabelecimento possuí área to-
tal de 3,1 hectares, abriga duas casas nas quais 
residem cinco pessoas, sendo o casal numa resi-
dência e a nora com seus dois filhos, numa se-
gunda, ambas com ótima estrutura física.
O primeiro passo para a 
diversificação produtiva: 
consciência da necessidade de 
maior autonomia e renda
O agricultor Edson Sperandio conta que os fi-
lhos perceberam a necessidade de aumentar as 
fontes de renda como forma de continuar viven-
do no campo. Passaram a se ocupar com a pro-
dução de mudas de orquídeas, inicialmente co-
letando as matrizes na mata e, posteriormente, 
dedicaram-se profissionalmente à produção, edi-
ficando estufa, comprando uma câmara de fluxo 
e investindo em qualificação profissional.
Atualmente a propriedade é mais diversificada, 
distribuindo as atividades em praticamente toda 
área: 1 hectare para a produção do café conilon; 
1 hectare de uva; 0,3 hectare dedicados à flori-
cultura (cultivo de orquídeas, casa de vegetação e 
laboratório); 0,3 hectare em matas e capoeiras e 
os outros 0,5 hectare ocupados com casas e de-
mais benfeitorias.
O café continua a ser plantado na proprie-
dade, em uma área menor que a anterior e sem 
ocupar a importância de principal atividade, em 
função dos fatores de alto custo de produção, de 
escassez de mão de obra e de preços de venda 
com baixa rentabilidade. Não há planos da famí-
lia em dispensar essa atividade, pois, como diz 
o Sr. Edson Sperandio, “o café tem raiz, não vai 
acabar nunca”.
A viticultura apresenta características diferentes 
da cafeicultura, desde a produção, até a comercia-
lização. A variedade cultivada é a Niágara rosada 
para consumo in natura. São produzidas oito to-
neladas por ano, com duas safras. Nesta atividade, 
que utiliza 1 hectare (sendo 0,5 em produção) são 
ocupadas seis pessoas da própria família.
A terceira atividade é o cultivo de orquídeas, 
considerada pelos Sperandio o carro chefe da 
propriedade, pois é a mais lucrativa e adaptada 
facilmente às pequenas áreas e à mão de obra 
disponível. Atualmente são produzidas 10.000 
mudas mensais, com 3.000 plantas floradas por 
ano. Além da mão de obra familiar, são ocupadas 
outras pessoas, a maioria mulheres que se dedi-
cam nas várias fases do processo de produção.
Essa atividade se adapta bem a realidade das 
mulheres, que têm também as atividades do lar, 
conforme salientado por Dona Lindaura Speran-
dio. Para a agricultura, a produção das orquídeas 
é uma excelente opção para as mulheres rurais, 
pois além de ocupar só uma parte do dia, é uma 
atividade que requer menos esforço físico e ga-
rante uma renda extra satisfatória.
31
32
Segundo passo da diversificação: 
apoio institucional no acesso 
a canais de comercialização
Cientes da necessidade e da importância de di-
versificar as rendas, a Família Sperandio precisou 
contar com apoio institucional que lhe permitis-
se acessar novos canais de comercialização. Se a 
comercialização do café continuou limitada aos 
compradores regionais, com uma Cooperativa 
que comercializa o produto sem oferecer melho-
res condições, as outras duas atividades mostram 
o diferencial em relação à importância do apoio 
institucional no fortalecimento e incentivo às es-
tratégias de diversificação.
A comercialização da viticultura possibilita 
maior autonomia e segurança para a família, na 
medida em que, diferentemente do café, os Spe-
randio acessam mais de um canal de comercia-
lização. Parte da produção da uva é comerciali-
zada na própria propriedade, possibilitando uma 
relação muito mais próxima entre consumidor e 
produtor. Além deste tipo de venda, a produção 
também é comercializada em feiras municipais.
Mas o mercado que garante maior demanda 
e segurança é o mercado institucional acessado 
pelo PAA, que adquire o produto in natura e tam-
bém processado (suco). O PAA é um instrumento 
de política pública no Brasil, instituído em 2003, 
que tem como objetivo garantir o acesso aos ali-
mentos às populações em situação de inseguran-
ça alimentar, ao mesmo tempo em que promove 
a inclusão social e produtiva por meio do fortale-
cimento da agricultura familiar.
Para acessar o PAA os agricultores possuem 
uma documentação específica que os certificam 
como agricultor familiar, além de fazerem parte 
de uma associação de agricultores familiares que 
viabiliza os projetos de comercialização entre a fa-
mília e o Estado.
Os aspectos de apoio institucional em tor-
no da viticultura, portanto, são mais sólidos, se 
comparados com a cafeicultura. Essa atividade 
tem o apoio da Associação dos Produtores de 
Uva e Vinho Teresense (APRUVIT) e demais par-
ceiros como o Incaper, a Prefeitura Municipal de 
Santa Teresa e o Sebrae, que exercem atividades 
importantes na organização, na produção (com-
pra de insumos, promoção de treinamentos)

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