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NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS Me. Viviam Ester de Souza GUIA DA DISCIPLINA 1 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS Objetivos Para o presente curso de Comércio Exterior a disciplina de “Negociações Internacionais” tem como principal objetivo apresentar os conceitos fundamentais das negociações nas relações multilaterais das sociedades globais, que são caracterizadas, principalmente, pelas trocas de bens e serviços no comércio internacional. Além disso, as negociações também são essenciais nas relações diplomáticas entre os países, representada por acordos, tratados e compromissos internacionais de compartilhamento de informações, transferência de tecnologias entre outras interações. Conhecer e entender as técnicas de negociação, suas peculiaridades e aplicações nas diferentes culturas dos países é essencial para que o profissional do comércio exterior desenvolva sua capacidade gerencial e visão holística dos mercados. Por fim, a disciplina busca discutir aspectos éticos destas negociações internacionais, assim como seus conflitos e disputas que normalmente acompanham interesses divergentes entre pessoas, empresas e governos dos países. Introdução A negociação é um elemento que sempre esteve presente nas relações humanas e no processo de desenvolvimento das civilizações. Foram as negociações que permitiram a interação entre pessoas, a troca de produtos e a formação das tribos nos primórdios da humanidade. Com o avanço das negociações nas interações sociais, as comunidades e o regramento social também evoluíram, permitindo o desenvolvimento dos reinos, dos impérios e das nações, que se formaram e proporcionaram maior bem-estar social (IAMIN, 2016). Tomemos alguns exemplos que caracterizam negociações na História do Brasil, como a própria chegada dos portugueses ao território brasileiro, em que os colonizadores negociaram com os índios a troca de espelhos e pentes por pau-brasil (século XVI)1. Outro exemplo é o Tratado de Methuem (1703-1836), conhecido como Tratado de Panos e 1 Esta negociação dos portugueses envolvia a cooperação voluntária dos índios e devido ao baixo valor dos objetos trocados, a exploração florestal do pau-brasil em forma extensiva era muito rentável aos portugueses (FURTADO, 2005; LACERDA, 2010). 2 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Vinhos, em que Portugal se comprometia a exportar sua produção de vinhos em troca da importação de tecidos ingleses2. Outra negociação famosa firmada entre o governo brasileiro e os bancos ingleses em 1906 foi resultado do Convênio de Taubaté (1906)3. Neste acordo o Brasil recebeu empréstimos em libras para comprar café dos produtores brasileiros, estocando alimentos e assim, reduzindo a oferta do café no mercado nacional com o objetivo principal de manter os preços do café em patamares rentáveis aos cafeicultores. É claro que muitas das negociações humanas acabaram em conflitos que geraram disputas entre indivíduos, grupos ou organizações sociais, produtores, empresários e governos, algumas delas resultando até em rupturas profundas que dividiram povos, promoveram retaliações comerciais e financeiras, além de embates militares que geraram tantas guerras ao longo das eras históricas, como no caso mais recente na Idade Contemporânea, a partir da Revolução Francesa do Século XVIII (1789 até a atualidade). Após a Segunda Guerra Mundial, as negociações dos tratados internacionais permitiram a formação dos blocos comerciais, como o caso da Comunidade Econômica Europeia (CEE) em 1957, que depois evoluiu para a integração econômica da União Europeia (EU), permitindo a livre movimentação de mercadorias, serviços, mão de obra e de capitais entre os países membros (MACHADO, 2016). Já no contexto do mundo globalizado, pós anos 80 e 90, quando a Guerra Fria acabou e promoveu-se o movimento de reabertura da economia mundial, impulsionado pelo Consenso de Washington (1988), novas negociações foram incentivadas para que o comércio internacional fosse intensificado por meio da redução de barreiras alfandegárias, além da redução das barreiras aos movimentos de capitais e incentivo ao livre mercado, com a redução da participação estatal na economia. 2 Esse acordo significou para Portugal renunciar a todo desenvolvimento manufatureiro e implicou transferir para a Inglaterra o impulso dinâmico criado pela produção aurífera no Brasil (FURTADO, 2005). 3 Acordo firmado no início de 1906, no último ano do governo Rodrigues Alves (1902-1906), pelos presidentes dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, na cidade de Taubaté (SP). Com base nesse acordo, Jorge Tibiriçá, Francisco Sales e Quintino Bocaiúva, presidentes respectivamente de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, participaram de uma reunião na cidade de Taubaté no início de 1906, da qual resultou o acordo chamado de Convênio de Taubaté, tendo como objetivo garantir o preço do café por meio da compra, pelo governo federal, do excedente da produção. O presidente Rodrigues Alves não concordou que o governo federal assumisse este ônus, mas logo em seguida, com a posse do novo presidente Afonso Pena, o acordo foi aprovado pelo Congresso (Decreto nº 1.489, de 6 de agosto de 1906). O Brasil obteve um empréstimo de 15 milhões de libras esterlinas e cobraria um imposto sobre as sacas de café para compensar o empréstimo (LARCERDA, 2010). 3 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Considerando então os anos 2000, novas negociações entre os países são conduzidas pela expansão das economias dos países emergentes (grupo do G-20) e a ascensão da China como a 2ª economia mundial e a maior exportadora do mundo, além da formação do Grupo BRICS, constituído pelos países Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)4. Porém, após a eclosão da Crise Financeira Internacional de 2008, iniciada nos Estados Unidos (EUA) e que afetou a economia mundial, especialmente o Bloco da União Europeia, emerge então uma disputa comercial entre EUA e China, que se mantêm até os dias atuais. E na Europa, a UE passou a ser questionada, resultando na saída do Reino Unido do bloco em 2020, após inúmeras negociações entre o Governo da Inglaterra, o Congresso Britânico e a União Europeia, o que foi denominado de “BREXIT”.5 Todos estes exemplos são para explicitar que a disciplina de Negociações Internacionais se insere em uma análise que envolve aspectos históricos, políticos e econômico dos países, além dos aspectos técnicos do próprio ato de negociar. Incluem-se também a reflexão sobre as diferenças culturais, sociais e éticas dos países participantes das negociações. Trata-se, portanto, de uma disciplina complexa, mas que pretendemos apresentar de forma clara e objetiva, com destaque aos itens de maior interesse ao profissional do comércio exterior. 4 BRICS é a sigla cunhada pelo Banco Americano Morgan Stanley, formada pelas iniciais dos nomes desses países, que há época eram considerados como as “novas fronteiras dos mercados emergentes”. Ou seja, eram vistos como nações “promissores e em condições de ascender economicamente para o nível de país desenvolvido em um futuro relativamente próximo” (CARVALHO, 2007, p.114). 5 A palavra BREXIT é a abreviação de “br i ta in” (Bretanha) e “exi t ” (saída) e que representou o movimento de saída do Reino Unido do Bloco da União Europeia , tendo s ido referendado com 51,9% dos votos vál idos pelo plebisc i to popular ocorr ido em 23 de junho de 2016. Com este resul tado o Pr imeiro -Ministro Br i tânico David Cameron, que apoiava a permanência do Reino Unido na EU, renunciou. A saída of ic ial do Reino Unido da EU somente aconteceu em 31 de janeiro de 2020 (RACY et.al . , 2020;BBC NEWS, 2021). 4 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1. AS NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS Considerando o âmbito dos negócios empresariais, podemos entender que toda empresa que pretende ingressar ou se manter competitiva no mercado externo precisa conhecer os fundamentos das negociações internacionais. As negociações no mercado externo diferem das negociações do mercado interno, especialmente em razão das especificidades culturais e linguísticas entre os interlocutores da negociação, sejam eles clientes, fornecedores, prestadores de serviço ou agentes governamentais. Toda negociação envolve uma relação interpessoal, com interesses diversos e expectativas sobre um resultado que possa trazer benefícios maiores do que se não existisse a negociação. E o mais interessante é que a negociação está constantemente presente nestas relações, seja antes da própria negociação em si ou depois de firmado o acordo entre as partes envolvidas. Por exemplo, o próprio processo de negociação que antecede uma reunião de negócios, já é uma negociação, pois nele será negociado o horário e a data da reunião, a pauta da reunião, ou seja, sobre quais assuntos serão discutidos, como qual o produto, seu orçamento, condições de pagamento e entrega etc. E posteriormente, a negociação deverá continuar para firmar as condições dos contratos, o pós-venda e garantias. Observe que a negociação muitas vezes se torna de longo prazo entre os seus participantes. Portanto, a duração de uma negociação pode ser imprevisível diante de inúmeras intercorrências que podem acontecer, como desavenças entre os interlocutores, problemas de comunicação, atrasos, insegurança de alguma parte e até cancelamento das negociações. Outro aspecto muito importante das negociações é a empatia entre os negociadores, o que auxilia o andamento das negociações e consiste em procurar se colocar na posição do interlocutor, de forma a avaliar suas emoções, motivações e interesses, o que pode facilitar um acordo. Entender os argumentos e as dificuldades do outro não significa, entretanto, que se deva concordar com o ponto de vista defendido pelo outro e favorecê-lo, em detrimento de sua própria opinião. O objetivo do diálogo é obter mais informações para criar e propor uma solução negociada. Em todo caso, são injustificáveis ataques pessoais durante um debate, 5 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância inclusive porque as opiniões e expectativas pessoais do interlocutor nem sempre coincidem com aquelas que ele deve apresentar e defender em uma negociação, como representante de uma organização ou de um país. Se já não é fácil estabelecer relações de empatia e cordialidade entre participantes do mesmo país diante de um conflito de interesses, o processo de negociação é ainda mais difícil com estrangeiros, com culturas e idiomas diferentes. Portanto, é ainda mais desafiador estabelecer relações de empatia em negociações multiculturais, quando estão presentes membros com opiniões, interesses e expectativas distintas, o que podem ser mais dificultadas se preconceitos e ressentimentos também entrarem na negociação. A solução e o acordo ficarão mais distantes. Neste caso, é necessário que se tenha tradutores ou profissionais que dominem outras línguas e outras culturas para que não sejam expressas atitudes preconceituosas ou ofensivas. Mais um elemento a ser considerado na negociação é a relação de poder entre os interlocutores. Este não deve gerar um desequilíbrio excessivo entre interesses e concessões dos negociadores. Logo, criar uma reputação que garanta confiança mútua entre os envolvidos é essencial para as boas negociações entre as empresas e os países. Destaca-se que todos os aspectos aqui mencionados podem ser transferidos também às negociações entre empresas com governos, governos e governos, além de países com organizações internacionais. Os fundamentos básicos das negociações podem alcançar diferentes níveis de negociação, partindo das mais simples como as negociações entre pessoas, até as mais complexas como as negociações multilaterais. 1.1. Conceitos Fundamentais Segundo Iamin (2016), existem várias formas de conceituar as negociações. Vejamos algumas delas conforme as citações dos autores: A. Negociação é um processo de comunicação bilateral, com o objetivo de se chegar a uma decisão conjunta (FISCHER et al., 2005, p.50); B. Negociação é o processo de alcançar objetivos por meio de um acordo nas situações em que existam interesses comuns, complementares e opostos, isto é, conflitos, divergências e antagonismos de interesse, ideias e posições. (WANDERLEY, 1998, p.21); 6 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância C. Negociação é o processo pelo qual duas ou mais partes tentam resolver interesses opostos (LEWICKI; SAUNDERS; BARRY, 2011, p.7); D. Negociação é o processo de comunicação de mão dupla cujo objetivo é chegar a um acordo mútuo sobre necessidades e opiniões divergentes (ACUFF, 1998, p. 28). Ainda que sejam conceitos diferentes é possível observar aspectos em comum sobre as negociações. Um deles e talvez o mais importante é que a negociação é um “processo”. Além deste, outro aspecto fundamental é a “comunicação” e sua ação “coletiva”, ou seja, a negociação não acontece individualmente, sempre prevê ao menos duas partes envolvidas ou até diversos participantes. Então, vamos conhecer cada um desses aspectos. 1.1.1. A Negociação como um Processo A negociação acontece como um processo que envolve diversas ações que objetivam algum resultado. É caracterizado por uma sequência de acontecimentos e iniciativas que conduzem a negociação para momentos de acordo ou conflito. O início de uma negociação muitas vezes não é bem definido, mas é possível afirmar que toda negociação é antecedida por movimentos que preparam o encontro entre os seus participantes. Esta fase é estratégica e envolve o planejamento da negociação, ainda que cada processo de negociação tenha suas características próprias, pessoas e contextos singulares. De acordo com Iamin (2016), é necessário que toda negociação tenha um planejamento e preparação anterior, elencando-se os argumentos próprios, as necessidades e interesses da outra parte para que assim, seja direcionado o processo de se negociar algo, considerando as próprias restrições e os limites da negociação. Há diferentes formas de se negociar algo, sendo que sempre existe no processo de negociação o desejo de se preservar os interesses das partes envolvidas (VANIN, 2013). Além da preparação, outro aspecto importante para o bom resultado de uma negociação é a identificação dos reais interesses e objetivos envolvidos no processo e não somente aqueles interesses inicialmente percebidos e visualizados. Ou seja, é preciso observar de forma holística a negociação, buscando perceber os interesses materiais e os 7 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância não materiais por trás da negociação. De acordo com Vanin (2013, p.31), “muitas vezes, por falta de abertura e de franqueza” na relação entre os participantes da negociação, por ocasião de possíveis discussões, o processo fica tenso, bloqueando resultados melhores. Isto não significa que se deva deixar de lado os “interesses estratégicos”, mas sim, que os reais interesses possam ser adequadamente expostos facilitando a conclusão dos acordos. Observa-se então, que a negociação não é fácil de se padronizar, pois são processos humanos baseados em interesses que variam quanto ao seu valor, ao relacionamento e ao envolvimento futuro. Ou seja, a variável tempo também impacta sobre o processo de negociar (VANIN, 2013). 1.1.2. A Importância daComunicação na Negociação Toda negociação envolve a capacidade dos participantes emissores de expressar e discutir suas ideias, de modo a conduzir e influenciar os receptores a um acordo. O emissor espera provocar uma reação do receptor que seja favorável aos seus interesses e objetivos estabelecidos previamente à negociação. Cada um dos participantes da negociação tem o mesmo propósito, que é o de convencer o outro a aceitar suas condições, seja por meio da comunicação escrita, falada ou visual, utilizando ou não instrumentos que sustentem seus argumentos, como documentos, relatórios, dados estatísticos, estudos científicos entre outros instrumentos, dependendo do nível de abrangência da negociação. Ou seja, independente da complexidade da negociação, o poder de persuasão do comunicador é uma condição que poderá afetar o sucesso ou não, de quem está negociando. De acordo com Iamin (2016), para que a comunicação seja eficiente é preciso que o negociador fique “atento às mensagens emitidas pela outra parte”. Ou seja, “saber ouvir e prestar atenção à linguagem não verbal do interlocutor é fator-chave para avançar no processo de negociação”. Ao reconhecer os interesses da outra parte é possível estabelecer pontos de convergência que podem ser utilizados como facilitador da negociação ao longo das ações que objetivam um acordo. E sobre a mensagem, esta também deve ser clara, sem erros e sem ruídos que possam bloquear uma possível conciliação entre os participantes da negociação. 8 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1.1.3. A Negociação como uma Construção Coletiva Este aspecto se dá em razão de que as negociações envolvem também uma “solução coletiva”, pois o compartilhamento de interesses e necessidades no processo de negociação é o que permitirá o acordo. A colaboração numa negociação também prevê a boa comunicação entre as partes como condição para a construção coletiva da convergência de interesses. Porém, é claro, muitas negociações são marcadas por divergências e conflitos que impedem que acordos sejam firmados. Para que as negociações tenham sucesso existe um esforço de se encontrar as “zonas de complementaridade” que conciliem os interesses das partes envolvidas. Segundo Iamin (2016, p.41) “de maneira figurativa”, podemos entender estas zonas como uma parte de um mapa, em que cada território demarcado representa o interesse dos negociadores. O objetivo da negociação seria o de encontrar no mapa a área que coloca a posição dos negociadores em uma zona de “interesses comuns e conciliáveis”, representando a construção da solução coletiva (Figura 1). Figura 1 - A fronteira da negociação: a zona de interesses comuns e conciliáveis Fonte: Iamin (2016, p.42). Observe que a negociação como construção coletiva somente é possível se existir um “esforço interativo”, em que os participantes busquem a coexistência entre as posições de cada um, para que o entendimento aconteça e a construção de um acordo seja possível. 9 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Ou seja, “o resultado da negociação tem de ser equilibrado e atender aos interesses de todas as partes de forma equitativa” (IAMIN, 2016, p.53). 1.2. A Complexidade das Negociações As negociações podem ser classificadas quanto a sua complexidade, sendo elas denominadas negociações bilaterais ou multilaterais (VANIN, 2013). As negociações bilaterais são aquelas que evolvem duas partes e somente estes participam das discussões e das disputas de interesses. Tendem a ser processos mais simples e diretos, ou seja, menos complexos. Já a administração de negociações multilaterais é bem mais complexa, pois envolvem uma quantidade maior de participantes e, portanto, mais interesses, posições, prioridades e assuntos acabam sendo debatidos, o que insere neste tipo de negociação maior fatores complicadores. Existe ainda a possibilidade em que as negociações sejam transferidas a terceiros, como no caso de mediadores que intermediam as negociações mais complicadas, que são marcadas por desentendimentos ou maior resistência de alguns participantes. Quando a negociação é feita por mediação, o mediador deve ser isento de envolvimento com a discussão, o que é fator determinante para o sucesso da mediação. O objetivo da mediação é facilitar os acordos em casos de desentendimentos que possam ser resolvidos por meio de concessões, ouvindo as partes e buscando atender os interesses das partes envolvidas, ao menos parcialmente. Caso a mediação não funcione na negociação, então o processo pode acabar sendo decidido por algum órgão judicial. Quando as negociações chegam aos tribunais, os interesses não necessariamente serão considerados, mas sim, a unilateralidade da legislação, o que pode não satisfazer o interesse de alguma das partes. Uma alternativa aos tribunais judiciais é o tribunal arbitral, que vem depois da mediação, sendo uma alternativa mais rápida e menos burocrática que a justiça estatal. De acordo com Vanin (2013, p.32): 10 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A negociação por meio de juízes, seja na justiça comum, seja nos tribunais arbitrais, acontece em razão do insucesso nas negociações diretas. Pode ocorrer em contatos prévios e no esforço de direcionamento da decisão quando o assunto for controverso, mas os resultados dificilmente serão conciliadores. Destaca-se que as negociações bilaterais são mais comuns no âmbito empresarial, em que duas empresas negociam acordos comerciais ou até financeiros, como no caso de empresas que negociam créditos com instituições financeiras. Ainda podem acontecer negociações bilaterais que envolvam empresas e pessoas físicas, ou empresas e empresas estrangeiras, ou ainda negociações entre empresas e órgãos governamentais. Já no caso das negociações multilaterais, esta é mais comum entre países e organismos internacionais, como as discussões na Organização Mundial do Comércio (OMC), que envolvem vários países sobre o tema dos subsídios agrícolas e as barreiras comerciais (IAMIN, 2016). Temos ainda as negociações entre os países membros da Organização das Nações Unidas (ONU), assim como outros encontros internacionais em conferências que reúnem os países para debaterem sobre questões de interesse global. 1.2.1. As Divergências nas Negociações Considerando os aspectos das negociações e sua complexidade, espera-se que acordos sejam construídos com as ferramentas do diálogo, da transparência e da empatia, que permite entender as necessidades dos envolvidos e de que forma os interesses podem se compatibilizarem em prol do sucesso de um acordo, mesmo que divergências aconteçam. Porém, segundo Iamin (2016), nem sempre as divergências podem ser resolvidas por meio de negociações amigáveis. Muitas vezes interesses opostos e conflitantes somente são resolvidos pela coerção ou pela manipulação. Vamos refletir sobre cada uma delas. 1.2.1.1 Coerção A coerção é um meio de resolução de divergências que implica na “assimetria de poder”, no qual uma das partes se impõe sobre outra utilizando ações de “constrangimento e opressão para obrigar a outra parte a executar ou entregar o que lhe interessa” (IAMIN, 2016, p.47). Ainda que a parte mais forte atinja seu interesse, a outra poderá manifestar 11 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância descontentamento e desenvolver ressentimentos que afetarão negociações futuras. Logo, nestes casos as relações entre as partes não serão duradouras. Existem vários exemplos da postura coercitiva nas relações entre empresas e países. No primeiro caso observa-se esta prática entre empresas de grande porte e pequenos fornecedores, em queo poder comercial da grande empresa se sobrepõe e as condições de preços e quantidades acabam atendendo muito mais ao interesse deste, enquanto o pequeno fornecedor não tem poder de barganhar nesta negociação. No caso de divergências entre países, o poder econômico é que irá ditar as condições das negociações e por isso, as nações mais pobres ou menos desenvolvidas acabarão cedendo às imposições dos países mais ricos, caso contrário, poderão em certos casos até receber embargos econômicos que impõe barreiras comerciais e financeiras a certos países (divergências diplomáticas, ideológicas e guerras comerciais). Ainda de acordo com Vanin (2013), no caso das negociações com diferenças expressivas de poder entre os participantes, recomenda-se à parte mais fraca que: A. Abstenha-se de utilizar um piso mínimo e de informá-lo imediatamente: negociar apresentando as condições mínimas que a parte mais fraca está disposta a conceder, pode não deixar margem de negociação; B. Estabeleça uma margem e se mantenha firme na discussão, avaliando o que a outra parte pensa: não ceder com facilidade ajuda a parte mais fraca a conseguir alcançar seus interesses, investindo em tempo e conhecimento, mesmo que a outra parte não concorde. Nessa situação, muitas vezes, será possível proteger os interesses até o final sem precisar cedê-los. 1.2.1.2 Manipulação A manipulação é utilizada como uma “forma muito mais sutil de atingir objetivos previamente definidos, aparar arestas e solucionar divergências” (IAMIN, 2016, p.48). Pode ser entendida como uma estratégia dissimulada em que uma das partes convence a outra a ceder aos interesses deste negociador, sem que outro tenha completa noção desta manobra. A parte que recebe a manipulação acredita ter ganhos relevantes na 12 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância negociação, mas na prática está atendendo muito mais aos interesses que foram previamente definidos pela parte manipuladora. No caso da manipulação com objetivos comerciais é observada a utilização de métodos persuasivos que se sustentam em argumentos aparentemente coerentes, mas que não encontram validade técnica. Isto pode levar pessoas ou empresas a contabilizarem perdas importantes no longo prazo, mas que inicialmente pareciam acordos vantajosos. Estes casos podem ser observados nas vendas de produtos que estão em fase de obsolescência, ou que não terão mais condições de manutenção, como na venda de automóveis. Ou mesmo nos casos em que empresas são vendidas com a promessa de gerarem resultados lucrativos, mas que acabam frustrando diante das condições de concorrência no mercado. Alertamos que no capítulo 8 estudaremos com mais profundidade as divergências nas negociações sob a concepção dos “Conflitos”, seus elementos e visões teóricas. Você sabia que os estudos acadêmicos sobre as Negociações são relativamente recentes? As principais obras originaram-se nos Estados Unidos, destacando-se o livro de Howard Raiffa (1982), intitulado The Art and Science of Negotiation, no qual o autor analisa o processo de negociação com base na estatística, economia e psicologia, o que permitiu desenvolver a análise das técnicas e estratégias de negociação, também conhecida como o “Método de Harvard” (IAMIN, 2016). Para Raiffa, em certas negociações, uma das partes terá que ceder para que se chegue a um acordo, ou em outros casos, todos os envolvidos podem ter benefícios na negociação, ou seja, há negociações em ambientes competitivos e ambientes colaborativos. Observe o clássico exemplo da laranja e as duas irmãs. Nele, ambas desejavam uma única laranja e, portanto, se espera que o resultado justo seja dividir a laranja em duas metades iguais. Porém, é possível que ao repartir a laranja alguém fique com uma parte maior, gerando um benefício desigual. No primeiro caso o ambiente é de cooperação e no segundo de competição de “soma zero” (o ganho obtido por um é equivalente à perda sofrida pelo outro). Mas e se considerarmos que o objetivo de uma irmã é utilizar a casca da laranja para fazer um bolo e a outra irmã objetiva fazer um suco de laranja? Ou seja, é possível se chegar a uma negociação em que a laranja atende aos diferentes interesses das irmãs, tornando-se então uma “negociação integrativa” (o resultado final é maior do que a soma das partes). Aplicado ao mundo real, esta analogia indica que há 13 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância diferentes possibilidades de acordos que possibilitam negociações de benefícios coletivos. Vimos que a comunicação é essencial para o processo de negociação e no caso das negociações internacionais, isto é ainda mais relevante, principalmente por que não somente a língua é um fator determinante, mas também a cultura e a forma que as outras nações pensam e se comportam (IAMIN, 2016). Todo cuidado é pouco nestas circunstâncias, especialmente na comunicação verbal, pois o uso inadequado de certas palavras pode comprometer a negociação (a pronúncia incorreta de certas palavras também pode comprometer um negócio, ou ao menos gerar constrangimento). Por exemplo, em inglês, a dicção precisa das palavras “sheet”, “peace”, “fork” e “beach” é muito importante, caso contrário, a pronúncia pode fazer parecer que estamos falando outras palavras com significados diferentes e até inapropriados. E no mundo dos negócios, além da comunicação, também é primordial uma “boa apresentação pessoal”, por isso, atenção com a vestimenta. Bom senso e elegância são pontos positivos em uma negociação que ocorra presencialmente. 14 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 2. O PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO E SUAS ETAPAS De acordo com Voges (2012, p.156), todo processo negocial apresenta cinco elementos essenciais que são: A. Duas ou mais partes envolvidas; B. Uma forma de comunicação; C. O ambiente; D. Interesses e objetivos envolvidos; e E. Um acordo. A partir destes elementos que compõe o processo de negociação, um conjunto de estratégias e técnicas deverão embasar a tomada de decisão dos negociadores, sejam eles pessoas, empresas ou governos. Trata-se, portanto, de um processo decisório racional, constituído de 04 etapas, sendo elas (CRUZ et al., 2014, p.159): 1. A definição do problema ou objetivo; 2. Estabelecimento das alternativas; 3. Avaliação das alternativas escolhidas; e 4. A escolha da melhor alternativa para a negociação 5. A seguir vamos conhecer cada uma destas etapas. 2.1. Definição do Problema ou Objetivo Identificar qual é o problema que motiva um processo de negociação é a primeira etapa a ser aplicada na verificação de uma situação real que criou um obstáculo na relação entre as pessoas, empresas ou governos. Esta situação problema impulsionará a busca de soluções e exigirá a definição de um objetivo, que basicamente, será resolver o problema identificado (CRUZ, et al., 2014). Agora, se o que está impulsionando a negociação for uma transação comercial, por exemplo, as tratativas de um contrato de compra e venda, então firmar este contrato será o objetivo deste processo de negociação. Esta racionalidade do processo decisório dos agentes econômicos, segue o princípio denominado funcional ou instrumental, que determina a antecipação dos objetivos pretendidos ou do problema a ser resolvido. No caso da definição de objetivos sequenciais, 15 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância estes devem ser ordenados por prioridades e organizados considerando a variável “tempo”, com definição de prazos a serem cumpridos na negociação (IAMIN, 2016). E outra situação possível é a definição de problemas ou objetivosconcomitantes, que simultaneamente deverão ser identificados e organizados de modo a combinar o processo de negociação de cada um deles, garantindo o cumprimento dos objetivos definidos. Basicamente, esta etapa se refere à preparação inicial da negociação (VANIN, 2013). 2.2. Definição das Alternativas Diante da conclusão da primeira etapa que definiu o problema, ou estabeleceu os objetivos da negociação, agora a próxima etapa é definir as alternativas da negociação, ou seja, as possibilidades disponíveis para se chegar a um acordo. Todo problema ou objetivo pode apresentar diferentes alternativas a serem seguidas pelo negociador, seja propor uma ou até mais alternativas que serão apresentas a outra parte envolvida na negociação. Identificar a possibilidade de um caminho para a negociação é importante para que não ocorram escolhas precipitadas, no qual a primeira alternativa é simplesmente escolhida sem ter noção efetiva se esta será mesmo a melhor alternativa (IAMIN, 2016). Podem existir alternativas à negociação e defini-las é primordial para esta etapa que se refere à estruturação do que se pretende negociar (VANIN, 2013). 2.3. Avaliação das Alternativas Definidas quais as alternativas possíveis na estruturação da negociação, a etapa seguinte é avaliar quais os resultados que cada uma das alternativas identificadas poderá gerar (CRUZ, et al., 2014). Nesta fase, ter acesso às informações sobre o objeto da negociação torna-se uma condição essencial. E mais do que isso, ter conhecimento sobre as informações que realmente contribuem para a avaliação das alternativas. Sem isso, avaliar as alternativas 16 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância pode ser somente algo aleatório e sem base técnica para dar maior transparência e consistência à parte que irá negociar. É nesse ponto que será mais necessário o domínio das informações e conhecimento dos elementos envolvidos na negociação. Avaliar significa também preparar simulações para cada alternativa, avaliando os resultados que possivelmente deverão ocorrer, caso aquela alternativa fosse escolhida (IAMIN, 2016). 2.4. Escolha da Melhor Alternativa Depois de identificadas e avaliadas as alternativas que estão disponíveis para resolver um problema, ou atingir certo objetivo na negociação, a escolha da melhor alternativa é a etapa final deste processo. Pode parecer a etapa mais simples, porém, segundo Cruz et al. (2014), muitas vezes isto não é verdadeiro. Em princípio, implica escolher a alternativa que maximiza o resultado esperado, ou minimize um problema, mas para isso também é preciso uma visão estratégica do todo que envolve a negociação (IAMIN, 2016). Ou seja, existem ainda outras condições que precisam ser consideradas neste processo. De acordo com Cruz et al. (2014, p.160), “podem existir limitações práticas, lógicas e humanas em relação a escolhas maximizantes e minimizantes. Há também dilemas (insolúveis) e axiomas (inexplicáveis) na escolha da melhor alternativa nos processos racionais de decisão”. Esta etapa envolve as estratégias da negociação. Toda negociação apresenta estratégias que irão ditar o ritmo e a força que uma negociação poderá exercer sobre a outra, ou as outras partes envolvidas. É sobre este aspecto que o próximo capítulo irá tratar. Você conhece a chamada “Árvore de Decisão”? Ela é uma representação diagramada que descreve as relações entre o objetivo pretendido (ou o problema a ser resolvido) e o sistema de alternativas disponíveis, com cada uma das possíveis consequências que a decisão escolhida poderá gerar (CRUZ et al., 2014). Esta metodologia pode ser utilizada para ilustrar uma negociação (simples ou complexa), com suas etapas e os resultados esperados em cada fase. Este método foi desenvolvido a partir da década de 70, com o objetivo de auxiliar na tomada de decisões os gestores que precisavam ter racionalizada no enfrentamento de problemas que exigiam maior complexidade estratégica, devido aos conceitos de risco e retornos esperados (SILVA et al., 2008). 17 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Pense em uma decisão diante de um problema militar, ou uma decisão sobre um negócio empresarial ou mesmo uma negociação entre países. Vejamos um exemplo desta árvore (Figura 2) aplicado ao caso de decisões em uma empresa que tem como objetivo maximizar os lucros em 05 anos (este método pode ser aplicado a inúmeros tipos de cenário). Figura 2 – Árvore de Decisão sob Regime de Incerteza Fonte: Cruz et al. (2014, p.181). Agora vejamos outro exemplo, em que o objetivo da empresa que está negociando é decidir pela opção que oferece maior rendimento dentre as condições das diferentes tecnologias disponíveis (Figura 3). Figura 3 – Árvore de Decisão sob Regime de Incerteza Tecnológica Fonte: Cruz et al. (2014, p.176). 18 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3. AS ESTRATÉGIAS DE NEGOCIAÇÃO De acordo com Vanin (2013), a organização do processo de negociação se dá por meio de quatro estratégias que se baseiam em interesses, relacionamento, tempo e expetativas de ganhos com a negociação. É a partir destes aspectos que o estilo da negociação é construído, definindo os rumos das próximas etapas da negociação. Ainda que a negociação seja difícil de se padronizar, a preparação e estruturação da negociação é necessária para orientar os negociadores quanto a dois critérios: a manutenção de relacionamento futuro e o grau de conflito que se deseja assumir (VANIN, 2013, p.40). A partir destes critérios podemos observar a seguinte matriz estratégica proposta por Mello (2005), conforme apresentada na Figura 4. Lembrando que toda matriz está disposta em dois eixos cartesianos, um horizontal (x) e outro vertical (y). Na figura seguinte da matriz é possível observar as linhas centrais dos eixos no plano cartesiano, dividindo a matriz em 04 quadros, sendo que o quadro superior esquerdo e o quadro inferior direito representam uma situação de “alta intensidade” da estratégia de negociação. Inversamente, o quadro superior direito e o quadro inferior esquerdo representam situações estratégicas de “baixa intensidade” na negociação. Vamos conferir cada uma destas estratégias nos tópicos seguintes. Figura 4 – Matriz de Estratégia de Negociação Fonte: Mello (2005) apud Vanin (2013, p.40). 19 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3.1. Estratégia de Relacionamento A Estratégia de Relacionamento pode ser entendida como aquela que considera muito importante as relações futuras das negociações e que por isso, evita se envolver em conflitos (intensidade baixa quanto ao grau de conflito que se deseja assumir). Neste tipo de estratégia são concentrados esforços na preservação das relações de longo prazo, apresentando algumas características como (VANIN, 2013, p.41): A. Possibilidade de se “abrir mão’ de ganhos imediatos; B. Concordância em fazer aquisições muitas vezes desnecessárias; C. Fechamento de operações com claro favorecimento da outra parte. Podemos observar que na estratégia de relacionamento existem relações de interdependência entre as partes envolvidas, como no caso das relações comerciais e financeiras entre empresas e dentro das empresas, assim como nas relações entre países que comercialmente são parceiros. Mas também podemos considerar esta estratégia nas relações pessoais e familiares, quando existe muita proximidade entre indivíduos. Ainda de acordo com Vanin (2013, p.41), são exemplosde situações em que a estratégia de relacionamento da negociação está presente: A. Em investimentos com entregas de bens em diversas etapas futuras; B. Relações entre corporações, quando uma é fornecedora de itens importantes na cadeia produtiva da outra; C. Relações profissionais internas entre filiais, ou na mesma dependência, considerando que as relações profissionais geralmente são de longo prazo; D. Instalações comerciais em imóveis de terceiros, como shopping centers; E. Situações de relacionamentos iniciais entre casais até a situação de noivado, por exemplo;6 F. Países aliados diplomaticamente, com base na identidade econômica e ideológica que foi construída ao longo da história. 6 No caso das relações pessoais, as s i tuações de namoro e noivado são e xemplos em que a estratégia de relacionamento prevalece, pois ao mesmo tempo em que existe a al ta preocupação com o relacionamento futuro, a to lerância à confl i tos é menor, pois ainda não foram f i rmados compromissos formais. Já no caso do casamento é possível observar uma mudança para o quadrante da estratégia de cooperação, no qual os interesses do casal se convergem e a to lerância a confl i tos aumentam. Por f im, na s i tuação de divórcio, esta negociação se al tera para a estratégia competi t iva, v is to que ainda se mantem a to lerância a conf l i tos, porém, com baixa preocupação com os relacionamentos no futuro, já que as re lações foram quebradas (VANIAN, 2016). 20 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A preparação desta estratégia prevê o profundo conhecimento do negociador sobre o negócio envolvido ou o objeto alvo da negociação, assim como do histórico comportamental dos negociadores e dos resultados obtidos em negociações anteriores. Segundo Vanin (2013, p.41): Nas estratégias de relacionamento, embora muitas vezes possa aparentar que esteja ocorrendo perda por uma das partes, o quadro se reverte na visão de longo prazo, isto é, abre-se mão de alguma vantagem inicialmente com vistas a recompor essas perdas por meio do relacionamento de longo prazo que estará se sedimentando. Portanto, esta estratégia objetiva preservar relacionamentos. 3.2. Estratégia de Cooperação Na Estratégia de Cooperação os critérios de importância de relacionamento futuro e o grau de conflito que se deseja assumir são de intensidade alta. Ou seja, a cooperação busca equilibrar os resultados de modo a atender mutuamente os interesses das partes envolvidas na negociação, mas sem deixar de enfrentar o desgaste de possíveis conflitos, desde que mantido os objetivos e resultados esperados. A estratégia de cooperação em comparação à de relacionamento é mais rígida, visto que os negociadores assumem o risco de enfrentar conflitos. Já a estratégia de relacionamento não está disposta a comprometer suas relações futuras em razão dos conflitos que podem ocorrer nas negociações presentes. De acordo com Vanin (2013, p.42), a estratégia de cooperação apresenta as seguintes características: A. Refere-se a situações comerciais em que os envolvidos se unem para a busca de resultados imediatos e futuros; B. Tem relacionamento crescentemente sólido com ganhos igualmente crescentes; C. As partes não “abrem mão” de ganhos conjuntos, ao contrário, unem-se para otimizar resultados. Já como exemplos de estratégias cooperativas podemos citar (VANIN, 2013, p.42): A. Relações contratuais entre franqueador e franqueado, considerando a forte interdependência entre si, porque o primeiro depende fundamentalmente do sucesso do segundo para receber os royalties contratados e melhorar os resultados; 21 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância B. Parcerias comerciais do tipo joint venture;7 C. Sociedades entre duas empresas; D. Países que cooperam para manter relações comerciais que beneficiam suas balanças comerciais. É importante destacar que a característica primordial comportamental dos envolvidos nas negociações de estratégias de cooperação é a ocorrência da “confiança mútua”. Sem este tipo de confiança o alto nível de “importância de relacionamentos futuros” não poderá coexistir com o alto nível de “conflitos assumidos” (VANIN, 2013). Portanto, esta estratégia objetiva cooperar para alcançar seus objetivos. 3.3. Estratégia de Indiferença A Estratégia de Indiferença é aquela em que a negociação apresenta baixo nível de preocupação com os relacionamentos futuros, assim como também tem baixo grau em assumir conflitos (quadrante inferior direito da matriz). Trata-se de uma estratégia pouco comum, pois os negociadores dificilmente assumem posturas “indiferentes”. Ainda assim, é possível citar os seguintes exemplos de estratégia de indiferença: A. Promoções em lojas e supermercados em que o consumidor tenta negociar mais algum desconto diretamente com o gerente do estabelecimento, podendo ter ou não uma resposta positiva; B. A determinação do pagamento de impostos aos governos, no qual não existe a possibilidade de negociar diretamente, somente em caso de ações judiciais (não existe a preocupação com o relacionamento e o grau de negociação do conflito é baixo, logo, uma das partes pode optar pela intermediação judicial); C. Multas e retaliações entre países, sem que existam a preocupação real de negociação entre as partes. Portanto, esta estratégia objetiva que uma transação comercial, financeira ou tributária aconteça, independente de relacionamentos futuros e com o mínimo de conflitos. 7 A Joint Venture é uma modal idade de empresa em que a base do negócio se dá pela união entre um invest idor detentor do capi ta l e um outro invest idor detentor de uma tecnologia. Desta união uma at iv idade empresar ia l poderá ser explorada no mercado (VANIN, 2013). 22 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3.4. Estratégia de Competição A Estratégia de Competição está posicionada na matriz de estratégias em “alto grau de conflito a ser assumido” e “baixa importância do relacionamento futuro”, indicando que neste tipo de negociação os agentes estão dispostos a assumir os riscos de um conflito, pois sua preocupação com o relacionamento futuro não é prioridade, até porque, se o negociador detém condições mais favoráveis na negociação, provavelmente este irá desejar se impor como negociador, assumindo mais conflitos mesmo com os riscos de comprometer o relacionamento futuro. De acordo com Vanin (2013, p.44), os aspectos importantes a serem considerados sobre a estratégia de competição são: A. Visa a obtenção de alta vantagem financeira; B. Não há preocupação quanto à manutenção de relacionamento futuro; C. Possivelmente ocorrerá negócio único com a outra parte. A característica de existência de alto grau de conflito não significa desavença, pois podemos interpretar a situação conflituosa como utilização de instrumentos de pressão, como oferta de outras condições melhores de preço de produto similar, localização melhorada de imóvel em negociação, detalhes de ofertas de bens substitutos, tudo isso com formato de pressão para obtenção de maiores ganhos. Tradicionalmente, podemos considerar que toda negociação que envolva algum tipo de aquisição de bens ou serviços, no qual valores financeiros estão sendo disputados, sejam em negociações entre empresas, empresas e pessoas, ou ainda empresas e governos, ou governos e governos, são caracterizadas pela competição que estrategicamente, busca um resultado monetário satisfatório. Por exemplo, aquisição de imóveis, negociações entre fornecedores, contratação de obras públicas, leilões de privatização e até o caso mais recente da negociação que envolve países e os laboratórios de fabricação e distribuição de vacinas para o combate à Pandemiada Covid-19. Portanto, esta estratégia objetiva concretizar negociações comerciais, financeiras e até pessoais, que independem da preservação de relacionamentos futuros, mas que possam assumir conflitos desde que os objetivos sejam alcançados. 23 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Você já ouviu falar que “não é possível que duas partes ganhem numa negociação”? Pois bem, alguns autores discordam desta premissa e acreditam que esta afirmação é uma inverdade (VANIN, 2013). A expressão “ganha-ganha” foi difundida pela Havard Law School a partir da publicação, em 1992, do livro Negociação “Ganha-Ganha” do americano Ronald Shapiro. Neste livro o autor apresenta a negociação “ganha-ganha” como um processo viável em que “ambas as partes podem saírem vitoriosas” (ALMEIDA; SANTOS, 2020, p.4). A negociação “ganha-ganha” prevê que as relações entre os negociadores envolvam “confiança” e um processo de “persuasão para conseguir alcançar de forma prática, objetiva e positiva, a finalidade proposta pelo modelo”. Portanto, o “convencimento é o meio pelo qual os negociadores, juntos, selecionam e validam dados, alternativas e critérios para a tomada de decisão num processo ‘ganha-ganha’” (ALMEIDA JÚNIOR, 2005 apud ALMEIDA; SANTOS, 2020, p.4). Veja a Figura 5 sobre a Matriz de Estratégias de Negociação com base na literatura de Lewicki et.al (1996). Observe que o ganha-ganha na negociação está no quadrante superior direito da matriz, no qual a Importância dos Resultados está combinada com a Alta Importância do relacionamento (Cooperativo), enquanto do lado oposto está a estratégia “perde-perde” que deve ser evitada. Figura 5 – Matriz de Estratégias de Negociação Fonte: Lewicki et al. (1996) apud Anjos (2018, p.9). 24 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 4. TÉCNICAS DE NEGOCIAÇÃO Neste capítulo vamos conhecer as principais técnicas de negociação aplicadas ao mercado, a partir dos fundamentos que já foram trabalhados nos capítulos anteriores. Destacamos que as técnicas de negociação vão se aprimorando com o tempo e que as empresas precisam ser eficientes na capacidade de adaptação às mudanças no mercado internacional. Cada negociação deverá atender as necessidades das partes envolvidas na transação, incorporando técnicas de negociação em conformidade com a estratégia escolhida (BRITO, 2011). Ser capaz de conduzir uma boa negociação está diretamente ligado à capacidade de comunicar-se de maneira eficaz. A comunicação eficaz deve ser assertiva, ou seja, objetiva e clara para gerar entendimento e resposta, persuadindo a outra parte a colaborar com a negociação. Dentro das técnicas de negociação, fatores estratégicos como habilidades pessoais, planejamento e organização, treinamento e disciplina, autodesenvolvimento, visão, determinação, inovação, alianças, flexibilidade e adaptabilidade, são alguns exemplos de desenvolvimento das estratégias de uma boa negociação (SANTOS, 2009). É necessário também que se tenha uma boa e adequada postura, que mantenha contato visual e que esteja atento à própria expressão e, também, à expressão da outra parte, sempre buscando uma empatia que acarretará ganho de credibilidade e consenso. Ou seja, estar preparado para a negociação. A preparação permite que o negociador ganhe confiança e naturalidade. É preciso buscar entender o real interesse da negociação. A posição da outra parte é sempre clara e muitas vezes facilmente perceptível, enquanto as motivações estão normalmente ocultas. É justamente na motivação, que é o real interesse da outra parte, que se deve concentrar (BRITO, 2011). Outro aspecto importante da preparação da negociação é ter um roteiro das ideias, para organizar e definir como se pretende desenvolver a negociação, facilitando a fluência e a concisão das informações, evitando falas desnecessárias. 25 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Para o bom negociador, a negociação começa muito antes. É necessário planejamento, identificação de objetivos e muito estudo a respeito dos fatores envolvidos na negociação (BRITO, 2011, p.22). Estes fatores são: A. Quem são os participantes da negociação; B. O que será negociado; C. Qual a melhor opção caso não haja acordo; D. Qual o preço de reserva para um acordo (ex. Preço máximo no caso de uma compra e preço mínimo no caso de uma venda). Note que estamos aqui considerando negociações que envolvem operações comerciais, pois existe a troca de produtos por retornos financeiros. Podemos entender que nem sempre o objeto de negociação é um produto e seu preço, mas também pode ser de outro tipo e natureza, como por exemplo: trocas de tecnologias entre países ou empresas; concessões econômicas em troca de apoio militar; negociações sobre fusões e aquisições entre empresas, entre tantas outras negociações. O importante é que o negociador esteja sempre preparado e atento a todos estes fatores. 4.1. Tipos de Negociação Para uma boa negociação é necessário o uso de técnicas adequadas para se chegar aos resultados esperados. Sob esta perspectiva, os tipos de negociação podem ser (BRITO, 2011, p.22): A. Ganha-ganha: este tipo de negociação promove resultados interativos, no qual as partes envolvidas alcançam seus objetivos no processo negocial, identificando e antecipando as situações desfavoráveis e ajustando as oportunidades que satisfaçam a todos. Este resultado depende de cooperação, flexibilização e relação de confiança; B. Ganha-perde ou perde-ganha: neste tipo de negociação o foco do negociador é no próprio resultado e nos seus objetivos. Sendo um ambiente competitivo, a outra parte também terá o mesmo pensamento e os resultados da negociação terá ganhos e perdas (resultado de soma zero); C. Perde-perde: neste caso todas as partes envolvidas na negociação saem insatisfeitas, por exemplo, uma negociação orçamentária em que todos tem cortes de verbas. Em algumas circunstâncias, a negociação perde-perde pode ser entendida como uma alternativa ainda melhor que o resultado de ganha- 26 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância perde, pois todos entendem que as perdas são inevitáveis e que, portanto, é melhor perdas distribuídas, do que perdas consideradas injustas; D. A negociação não acontece: nenhuma das partes envolvidas aceita as condições da negociação e por isso, nenhum acordo é firmado. 4.2. Elementos Essenciais da Negociação São considerados elementos essenciais de uma negociação o tempo, a informação e o poder. No caso do elemento tempo, segundo Brito (2011), para que o negociador usufrua do tempo é necessário que: A. O negociador seja paciente; B. Se for melhor negociar rapidamente, venda a ideia para a contraparte; C. Prazos podem ser mudados ou eliminados; D. Negociar devagar e com perseverança. Já no caso da informação, se torna essencial pois: A. O lado mais informado terá melhor resultado; B. A preparação deve ser com antecedência, pois a outra parte deverá omitir informações no processo de negociação. Quanto ao poder, este poderá ser excessivo em relação a outra parte, o que gerará situações de tensão ou ressentimento. As técnicas de negociação não recomendam a utilização do poder econômico, comercial ou técnico de forma abusiva. O poder aqui é determinado pela habilidade de influenciar pessoas ou situações, não abusando da autoridade e identificando os pontos fortes e fracos da negociação em favor do êxito dos resultados. De acordo com Vanin (2013, p.31), é importante “colocar-se no lugar do outro, ouvir dando atenção aos demais interlocutores, o que não quer dizer aceitar tudo, criar confiança e respeito utilizando instrumentoscomo transparência e honestidade, ser amistoso com as pessoas”. Criar um clima favorável à negociação permitirá a continuidade das relações entre os negociadores 27 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 5. MODALIDADES DE NEGOCIAÇÃO O negociador pode utilizar-se de diferentes estilos na negociação para conseguir atingir seus objetivos. Ao definir suas estratégias de negociação, o negociador adotará também um modelo de comportamento que se adeque melhor ao ambiente e o fortaleça no processo negocial. Segundo Martin (1982) e Junqueira (1998), é possível classificar o negociador da seguinte forma: A. Catalizador: ênfase na inovação, criatividade, exclusividade, grandes projetos, ideias. Tem como ponto forte a clareza e como problema a credibilidade; B. Apoiador: ênfase no trabalho em equipe, preocupação com pessoas, no bem- estar geral, na eliminação de conflitos e problemas. Tem como ponto forte a receptividade e como ponto fraco a coerência; C. Controlador: ênfase em redução de custos, tempo, prazos, resultados, metas, independência em relação aos outros. Tem como ponto forte a coerência e como problema a aceitação; D. Analítico: ênfase em informações, dados, detalhes, perfeição, preocupação com o micro, segurança, garantia. A credibilidade é o ponto forte e o problema a sinceridade. Ainda segundo Oliveira (1994), o negociador pode apresentar os seguintes estilos: A. Estilo restritivo: este estilo mostra como os indivíduos combinam o controle com a desconsideração com o outro. Os negociadores que adotam esse estilo agem apenas conforme seus interesses; B. Estilo confrontador: o confrontador combina controle com confiança no outro. Trabalha em colaboração; C. Estilo ardiloso: a desconsideração aliada à deferência pressupõe que os negociadores devem ser evitados ou mantidos à distância, pois representam uma fonte de aborrecimentos. Para o ardiloso a negociação é sempre com base em regras e procedimentos; D. Estilo amigável: o negociador amigável combina a consideração com a confiança para manter um relacionamento cooperativo e simpático com seu oponente, independente do fato de alcançar ou não seus objetivos. 28 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância No caso de um ambiente de negociações mais colaborativo, baseado na cooperação dos participantes, as principais características de um bom negociador, segundo Vanin (2013, p.55), são: 1. Resolve conflitos: um negociador com boa estrutura psicológica está preparado para solucionar conflitos, mesmo em negociações competitivas, porque sabe que eles são fonte de diferenças e impedem que determinadas negociações obtenham resultado; 2. Apresenta comunicação natural: esse aspecto denota preparo, autenticidade e segurança, tanto para a defesa da sua ideia quanto para a outra parte. Tal característica só é possível quando há profundo conhecimento da causa em discussão; 3. É planejador: prepara-se muito bem, buscando informações tanto sobre o assunto a ser tratado quanto sobre a outra parte, conhecendo assim os seus estilos, o que lhe gerará uma posição mais confortável; 4. Negocia por princípios: esse posicionamento passa um sentido ético às partes envolvidas, gerando confiança; 5. Sabe ouvir: pode parecer típico de negociações cooperativas, porém, essa característica é importante também nas negociações competitivas, porque o negociador pode colher informações valiosas em seu benefício, fortalecendo o processo de negociação; 6. Concilia posições e interesses: o negociador que consegue fazer uma leitura do que acontece pode facilitar a condução do processo. Essa característica proporciona posições criativas que, não raramente, auxiliam na solução de impasses, criando possibilidades de ganhos mútuos; 7. Apresenta flexibilidade e criatividade: proporciona a eliminação de impasses porque pessoas com essas características visualizam alternativas em situações de difícil solução; 8. Tem compromisso: característica fundamental, porque durante a condução de um processo de negociação, pessoas comprometidas não apresentam alternativas de difícil cumprimento, visto que têm o posicionamento firme de cumprir o que foi acordado; 9. Preocupa-se com a satisfação: o bom negociador preocupa-se com a satisfação, tanto da pessoa que representa quanto da outra parte; 10. É ético: está sempre presente em qualquer estilo de negociação. Não passa pela cabeça de uma pessoa ética conduzir negociações traiçoeiras; 29 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 11. Coloca-se no lugar do outro: tem empatia. É importante destacar que é difícil encontrar um negociador que reúna em alto nível, todas essas características ao mesmo tempo, pois o negociador também é uma pessoa com limitações e emoções, ainda que preparada profissionalmente para isso. Quanto mais desenvolvida for cada uma das características citadas, maior capacidade o negociador terá de desenvolver processos negociais de sucesso. Para exemplificar um caso de pesquisa sobre o Modelo de Estilos de Negociador, vamos conhecer o estudo de Godinho e Macioski (2005), que utilizou a metodologia de Junqueira (1998) para analisar e classificar um grupo de treze países (Brasil e doze parceiros comerciais). Por meio de questionários coletaram dados para classificá-los quanto ao perfil negociador, conforme coordenadas na matriz indicada na Figura 6. E os resultados alcançados podem ser observados na Figura 7 da Matriz de Negociação, que por meio das coordenadas de identificação, localizaram em cada um dos quadrantes a posição do país quanto ao seu estilo (observe que a coordenada “4;8” se refere à localização na matriz do estilo catalisador e a coordenada “8;4” é do estilo analítico). Figura 6 – Determinação do Estilo Negociador Fonte: Godinho; Macioski (2005). 30 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Figura 7 – Estilos de Negociação para os Países Fonte: Godinho; Macioski (2005). Segundo o método de identificação do estilo de negociação proposto por Junqueira (1998), os treze países analisados ficaram agrupados em: A. Catalisadores: os negociadores de Brasil, Estados Unidos, México, China e Itália; B. Controladores: os negociadores de Alemanha, França e Rússia; C. Analíticos: África do Sul, Espanha, Japão e Reino Unido; D. Apoiadores: os negociadores da Índia foram os únicos de todos os treze países analisados. 31 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 6. ASPECTOS CULTURAIS DAS NEGOCIAÇÕES As negociações em âmbito internacional são comumente mais complexas quando comparadas às negociações domésticas, pois envolvem um número maior de variáveis que influenciam as negociações externas, como o ambiente político e econômico das regiões envolvidas. Além desses, devem ser observados com atenção nas negociações internacionais a compreensão das diferenças culturais entre os países e respeito a valores sociais e religiosos. No caso das empresas que decidem ampliar seus mercados de atuação, ultrapassando as fronteiras geográficas do seu país, saberá que enfrentará barreiras, ainda que naturais, nos mercados externos. Como consequência, a primeira preocupação de quem está pensando em desenvolver sua atividade de negócios em âmbito internacional deverá ser a realização de uma adequada e abrangente análise do contexto mercadológico e econômico em que irá atuar, para poder compreender melhor quais são as principais características do ambiente de negócios do outro país (IAMIN, 2016). O desafio para as pessoas que de alguma forma precisam se relacionar com o mercado internacional é fazer a leitura das variáveisculturais e conseguir interpretá-las para moldar sua forma de agir e suas estratégias e, com isso, abordar de maneira adequada e mais eficiente as partes envolvidas em uma negociação. As empresas que souberem como lidar com os aspectos peculiares dos países com os quais pretendem desenvolver negócios certamente terão vantagens entre as demais, além de alcançarem estratégias de negociação mais colaborativas (VOGES, 2012). Portanto, a cultura e seus reflexos nos mercados é um dos aspectos mais importantes e, também, um dos mais difíceis do comércio internacional. O exportador, importador ou o profissional que negocia com pessoas de países com hábitos e costumes muito diferentes, precisa adotar uma atitude aberta e de respeito a essas culturas, caso contrário, dificilmente terá êxito em seus negócios. 6.1. O Contexto Cultural Segundo Martinelli (2014), a cultura tem seu alicerce no desenvolvimento das sociedades, pois pode ser considerada a memória coletiva de um grupo, com suas experiências e aprendizados que acabam por deixar marcas que são repassadas pelas 32 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância pessoas por várias gerações. Sendo assim, a cultura envolve uma interação social, ou seja, a forma comum com que as pessoas interagem e reagem, e esta é capaz de ser aprendida, assimilada pelo indivíduo, já que ele está imerso em um ambiente onde existem crenças, costumes, valores, normas e outros hábitos demonstrados constantemente em seu dia a dia (VOGES, 2012). Portanto, o contexto em que se insere os aspectos culturais de uma sociedade, permite entender a própria construção das relações humanas. De acordo com Floriani (2002), quanto ao contexto, existem dois tipos de culturas: 1. Cultura de alto contexto: as palavras escritas têm menos importância do que o contexto. Nestas culturas se utilizam menos os documentos legais e a palavra é determinante, o que faz com que as negociações sejam muito mais lentas. A posição social é determinante e o conhecimento sobre ela também. O Japão, grande parte da Ásia, África, países árabes e, em geral, todos os países latinos são exemplos destas culturas (os negócios são mais lentos, já que é necessário estabelecer uma relação pessoal para que a confiança seja criada entre as partes envolvidas); 2. Cultura de baixo contexto: as palavras transmitem a maior parte da informação, as mensagens são explícitas. Os documentos legais são considerados indispensáveis. A Europa (países anglo-saxões) e os Estados Unidos são exemplos destas culturas (os detalhes do negócio são analisados de modo mais objetivo e rápido). Entender o conceito de contexto cultural baixo ou alto é uma primeira observação que o negociador aplicar para estabelecer suas estratégias de comunicação. Como já estudamos anteriormente, a comunicação e seus padrões é um elemento essencial para a existência e o desenvolvimento do processo de negociação. Vejamos alguns exemplos (VOGES, 2012, p.165-167): A. Os latinos, geralmente, são muito expressivos e calorosos, gostam de manter certa proximidade entre as pessoas, que por vezes ainda se tocam. Aperto de mão e abraços fortes, tapas nas costas são gestos comuns para brasileiros, italianos, espanhóis e mexicanos; 33 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância B. Os anglo-saxões pensam muito antes de falar, pois valorizam o que é falado, por isso são articulados, porém, normalmente mais contidos em suas expressões (ingleses e alemães); C. Os árabes também apresentam padrões de comunicação bastante expressivos, como os latinos. É muito comum o contato físico entre dois homens árabes, a entonação de voz mais alta e gestos mais exagerados, porém, tudo isso respeitando os valores religiosos do islamismo; D. Os africanos são, em sua maioria, povos bastante calorosos, hospitaleiros e amigos, gostam de demonstrar cortesia e suas emoções; E. Os orientais já se demonstram bem mais reservados, principalmente no que se refere ao contato físico. Os japoneses são ainda mais reservados, discretos, falam baixo e são cerimoniosos. A reverência com a cabeça é a reação e o cumprimento mais comum na cultura nipônica. O contato visual é algo raro, para não caracterizar desrespeito nem enfrentamento. A forma como cada sociedade lida com o fator tempo também é outro aspecto que interfere nos negócios internacionais. As culturas que são mais imediatistas, que tendem a buscar respostas e procedimentos mais rápidos e práticos, apresentam maior objetividade na negociação. É o que acontece, normalmente, na sociedade norte-americana. Já os chineses, diferentemente dos americanos, costumam adotar o princípio de que a paciência é uma virtude, e ainda gostam de preservar rituais, acreditam que as coisas acontecem ao seu tempo e na hora certa. Logo, as negociações com estas culturas tendem a serem mais longas. Destaca-se que os comportamentos descritos aqui são baseados em padrões tradicionais, mas que podem ocorrer variações dependendo de cada caso. Por isso, ainda que a cultura de um país possa ser reconhecida como tal, é preciso analisar cada negociação de modo particular e dentro do contexto em questão. 34 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Um caso de empresa brasileira que se adequou ao mercado de um país com cultura muito diversa da brasileira é a Odebrescht. Lembra-se dela? A Odebrecht como empresa do segmento de serviços na construção, atuou há muitos anos no mercado árabe e adaptou suas atividades à realidade de países islâmicos, incorporadas hábitos destes mercados a sua cultura organizacional. No Ramadã, por exemplo, período em que os muçulmanos praticam o jejum e não podem comer ou beber enquanto há luz do dia, os funcionários são liberados mais cedo. A companhia ainda permite a paralisação das frentes de trabalho para as cinco orações diárias, além de ter a sexta-feira como o feriado semanal. Por isso, antes de caminhar internacionalmente, é preciso alinhar o propósito, as pessoas envolvidas e o processo de negociação às regras de jogo e à realidade de cada país (VOGES, 2012). 35 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 7. ÉTICA NAS NEGOCIAÇÕES O conceito mais amplo de ética pode ser entendido como o conjunto de valores que orientam as ações humanas, estabelecendo limites do que é considerado certo ou errado pela sociedade, buscando o bem-estar social e o equilíbrio das relações humanas (GARBELINI, 2016). Na prática, a sociedade vive em constante reflexão sobre como as interações humanas devem se dar em razão do reconhecimento de que todas as pessoas merecem ter garantias dos seus direitos básicos. Segundo Kesselring (2018, p.84): As pessoas podem mutuamente se ameaçar, agredir, prejudicar, mas elas também podem mutuamente se apoiar, auxiliar, estimular. Tudo isso são formas de interação. Algumas dessas interações, por exemplo, como cooperação e negociação, têm o caráter de um jogo com soma positiva. Para todas essas interações existem, em geral, algumas regras não escritas, cujo sentido mais profundo consiste, entre outros aspectos, em proteger o mais amplamente possível, os direitos básicos. E quais direitos são estes? Eles surgem da própria interação humana, caracterizada pelas relações pessoais ou conjuntas, na cooperação, no intercâmbio e na concorrência entre empresas e países. Nas sociedades baseadas nos princípios do liberalismo econômico, a concorrência e a troca como formas básicas da convivência humana representa um direito básico que deve ser preservado e incentivado pelos agentes econômicos. Por outro lado, a corrente mais protecionista na economia, defenderá que, primeiramente, os seres humanos devem ter garantiade uma existência segura e protegida contra agressões e ameaças à sua existência. A fundamentação alternativa a essas duas primeiras é a cooperação entre as pessoas, pois a partir das garantias dos direitos básicos são criadas as condições para ações cooperativas, que facilitam a convivência humana (KESSELRING, 2018). Trazendo esses conceitos para o ambiente empresarial, de acordo com Arruda (2002), as empresas devem contribuir com as sociedades competitivas, compartilhando rendimentos e benefícios sociais para a manutenção dos negócios e do funcionamento dos mercados, seja gerando produção e renda, seja promovendo sustentabilidade e qualidade no trabalho dos colaboradores. 36 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Ainda de acordo com Garbelini (2016, p.165), “a competição faz parte do mundo dos negócios e, por isso, não pode ser predatória nem destrutiva, mas deve acontecer dentro dos padrões éticos estabelecidos”. Segundo Almeida e Martinelli (2009), os fatores básicos que justificam as preocupações éticas são: A. a necessidade espontânea e natural de maior humanização; B. a reação diante da crise moral que se verifica em nossa sociedade, além de reação intensa ante os perigos de uma degradação moral; C. o fato de que a internacionalização e a globalização significam também integração dos diversos sistemas culturais; D. grande mudança em termos culturais nas organizações, além de intensa alteração nos valores pessoais. Como verificamos, os fatores citados são ainda muito presentes nas sociedades atuais, devendo também ser considerados nas negociações, sejam sobre os aspectos dos interesses de ganhos financeiros, sejam pela competição, mas também pela justiça social (GARBELINI, 2016). Ao negociar, podem surgir inúmeras dificuldades e questionamentos ao longo do processo de negociação, o que muitas vezes levam os agentes a deturparem os padrões éticos a serem seguidos. Por isso, é importante que os participantes das negociações se orientem e tomem decisões a partir de critérios éticos (ALMEIDA; MARTINELLI, 2009). Na Figura 8 são apresentados 04 enfoques de critérios éticos, sendo eles: o utilitário; o individualista; o moral; e a justiça. 37 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Figura 8 – Critérios na Tomada de Decisões Éticas Fonte: Garbelini (2016, p.168). É possível observar que os critérios descritos têm em comum a noção de um equilíbrio coletivo diante dos direitos individuais. Sem estes critérios na tomada de decisões e nas negociações, os conflitos e as divergências seriam ainda maiores. Ainda sobre a figura 8, trazendo uma reflexão mais aprofundada, Voges (2012) destaca que o enfoque utilitário nos coloca diante do questionamento antigo sobre a visão de que os “fins justificam os meios”, pois se a ideia é escolher a opção que traga benefícios ao maior número de pessoas, qual o peso dos mecanismos usados para se alcançar este objetivo? Por essas e outras razões, muitos autores enfatizam que, mesmo que as táticas pouco éticas possam trazer vantagens a curto prazo e que um comportamento ético pode colocar um negociador em uma situação vulnerável, ainda assim vale a pena apostar na conduta ética, pois assim conseguimos evitar quatro consequências negativas que podem aparecer em uma negociação quando uma das partes julga antiética a postura da outra: A. rigidez em futuras negociações com esta parte; B. destruição da relação com a outra parte; 38 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância C. criação de uma reputação negativa; D. perda de oportunidades (não identificar assuntos que poderiam se revelar benéficos para ambas as partes em um segundo momento). Umas das táticas antiéticas que por vezes permeia as negociações são as ameaças. Através de palavras ou ações, uma parte pode exercer uma pressão com intensidade tal que a outra parte se sente coagida, intimidada a tomar uma decisão ou aceitar uma proposta que em outra situação não seria aceita. Outras táticas escusas que podem ser consideradas incorretas sob o ponto de vista ético, dizem respeito à guerra psicológica, falsidade, ataques pessoais e comportamentos ambíguos. De qualquer forma, isso também vai sofrer interferência do que cada grupo ou sociedade considera como certo ou errado, adequado ou inadequado (VOGES, 2012). Também no contexto dos mercados globais, as empresas necessitaram se adequar aos padrões internacionais de ética nas negociações e na sustentabilidade dos negócios. O conhecimento técnico das negociações passou a ser moldado por conceitos éticos que são constantemente aperfeiçoados, conforme avançam as relações internacionais. Diante disso, os profissionais do comércio exterior e sua participação nas negociações, devem além de considerar os aspectos culturais, entender os padrões éticos em cada país, pois este elemento também irá afetar as relações entre as empresas e entre governos. Ou seja, os aspectos culturais estudados anteriormente, também determinarão os padrões éticos no comércio internacional. Reconhecer e entender estes padrões em cada negociação, tornou-se então uma exigência constante dos profissionais que atuam no comércio exterior. Vamos entender mais um aspecto da ética nas negociações, que está relacionada ao elemento do ambiente legal. Segundo Voges (2012), e como foi estudado, a ética analisa os códigos de valores que determinam o comportamento e influenciam a tomada de decisões de uma pessoa em um determinado contexto. Por outro lado, o aspecto legal está relacionado àquilo que está formalizado pelo conjunto de leis, normas e regras impostas aos indivíduos de determinada sociedade para que se possa manter a ordem e a justiça. Assim, se a legislação de um país não é cumprida pelos seus cidadãos, 39 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância estes podem ser penalizados, uma vez que existe um código estabelecendo qual a conduta legal a ser tomada. Então, é possível relacionar estes dois conceitos? Seria factível um comportamento atender apenas, parcialmente, as questões éticas e de legalidade? Ou existem manifestações que permitem um confronto entre as duas teorias? A Figura 9 apresenta uma matriz que busca ilustrar estes dois aspectos: Figura 9 – Questão Ética e Legal Fonte: Lewicki et al. (2002, p.217) apud Volge (2012, p.207). Podemos observar que existem comportamentos que atendem tanto às normas legais quanto aos valores do grupo em que o indivíduo está inserido. E, contrapondo esta postura, também existem atos que podem ser imorais e ainda ilegais. Mas o que deixa o tema mais complexo é o fato de existirem situações, onde a atitude de uma pessoa pode ser considerada correta ou aceitável pela sociedade, porém, pode infringir a lei. Por exemplo: ultrapassar o sinal vermelho no trânsito às 3 horas da manhã em uma grande cidade é ilegal, a lei de trânsito prevê penalidade para esta infração, independente do horário ou local em que ela ocorra, mas a sociedade aceita este tipo de ação por considerar perigoso ou imprudente ficar parado na madrugada em um cruzamento em áreas onde a violência urbana pode trazer consequências sérias para o indivíduo no que diz respeito à sua integridade. Resultado: a atitude é ilegal, porém não é considerada imoral (VOGES, 2012). 40 Negociações Internacionais Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Um caso emblemático de negociação internacional, marcado por acusações de falta de ética na negociação, foi a transferência do jogador Neymar do Santos Futebol Clube para o Barcelona da Espanha
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