@import url(https://fonts.googleapis.com/css?family=Source+Sans+Pro:300,400,600,700&display=swap); 11 O QUE TANGE À PRÁTICA DO PSICÓLOGO ESCOLAR?Pela sua pouca idade, a psicologia escolar ainda está em busca de identidade. Os entraves colocados pela prática institucional requerem que os profissionais desta área se questionem cotidianamente a respeito do sentido de sua prática. Fica claro que o sujeito da clínica não é o mesmo sujeito da instituição, pois buscando \u2018enquadrar\u2019 o estudante nas teorias da personalidade o psicólogo escolar comete um grande equívoco ao descartar as interferências dos atores sociais presentes na escola.Durante o seu percurso institucional, a psicologia escolar reafirmou as ideologias próprias do sistema liberal que viam na sua prática a possibilidade de reforçar a função corretiva dos professores sobre os estudantes. A ideologia liberal defende a ideia de que todos possuem igualdade de oportunidade no mundo capitalista e que as diferenças existem em função de questões de ordem individual. A psicologia escolar, portanto, concentra seus esforços sobre os problemas de aprendizagem da criança. Sua prática corrobora com a ideia de que aluno-problema é problema do aluno. Testando, medindo, psicodiagnosticando, assinando laudos o psicólogo escolar profetiza destinos e estigmatiza indivíduos e delimita futuros. Ocupa-se, pois, em manter os excluídos, excluídos.Pode parecer algo contundente as afirmações feitas acima, mas é necessário que os profissionais que atuam na instituição tenham um conhecimento muito mais amplo do que aquele que nos fala dos desejos ou das fases do desenvolvimento infantil, ou de uma teoria do desenvolvimento. Ao atuar além dos muros do consultório particular, o psicólogo precisa reconhecer que seu arcabouço teórico não dá conta de \u2018ler\u2019 a realidade que lhe é apresentada.Após algum tempo atuando na zona de conforto de subjetivação das queixas escolares sobre o ponto de vista dos conflitos intrapsíquicos, o psicólogo começa a sentir um incômodo, uma vez que a sua atuação é pouco valorizada e compreendida por pais, estudantes, professores e diretores. Ao levantar-se da poltrona confortável do consultório particular e circular por salas e corredores de uma escola, o psicólogo reconhece a diversidade do universo que a escola teima em reduzir à queixa \u2018aluno problema\u2019.Podemos reconhecer fortemente que a ideologia liberal ao reduzir as diferenças a um problema individual reforça e é reforçada pelas ideias próprias da abordagem inatista-maturacionista sobre a qual falamos no módulo anterior. E, ao reconhecer que a ação dos professores deveria ser \u2018corretiva\u2019 também entra em concordância com a abordagem comportamentalista. Não se trata aqui de nos posicionarmos a favor ou contra qualquer teoria que busque compreender o processo de aprendizagem. A questão é polarizar nossa posição profissional. Quando nos encontramos em um polo ou em outro, perdemos a riqueza daquilo que está \u2018entre\u2019 os pólos.Porém, ao assumir um papel problematizador das queixas, o psicólogo, segundo Kupfer (In Machado e Souza, 1997) passa a enfrentar dois problemas: o da demanda e o da técnica. Como participar ativamente do universo escolar se o lugares colhido para a psicóloga é o de testar, discriminar e expulsar as crianças com problemas comportamentais ou de aprendizagem? Além disso, como sustentar outra prática sem visualizar os instrumentos teóricos e metodológicos necessários para tal? Esses questionamentos são próprios ao processo de transição, onde sabemos que é necessário sair de um lugar conhecido, mas pouco funcional e migrar para outro lugar que não sabemos qual nem como é. É comum neste processo, recuarmos e voltarmos ao antigo lugar, pois pelo menos nele nós sabemos o que e como fazer. Podemos ilustrar esta ideia com a fala de Kupfer (In Machado e Souza,1997, p. 52):(...) Sua voz oscila frequentemente de um registro grave para um agudo, oque decididamente não facilita sua participação no coro da escola! Ou seja, ora aceita o seu antigo lugar de psicometrista, ora deseja participar de uma reunião de professores, \u2018interpreta-os\u2019. Quer agora ocupar o lugar do maestro do coro... A escola se fecha, o trabalho do psicólogo escolar sofre uma retração.Por outro lado, a busca por uma teoria que propicie uma leitura não adaptacionista da realidade escolar e dos problemas a ela atrelados se faz urgente, pois o que esperar de uma instituição voltada para o igual? O que esperar de uma instituição que não considere as diferenças entre os seres, premissa básica do humano? O que esperar de uma instituição que busca a unificação dos desejos e necessidades como se isso fosse realmente possível e predeterminado, como se houvesse um lugar certo para se chegar, igual para todos os estudantes, humanamente diferentes?As respostas a esses questionamentos não são nada animadoras. Quando só a repetição existir e os discursos estiverem cristalizados, os sujeitos não mais irão manifestar-se, não poderão oxigenar-se e morrerão asfixiados por uma pseudonecessidade de homogeneização para um maior controle dos sujeitos sociais permeados de desejos e necessidades. Não haverá a riqueza presente nos processos de mudança e de transformação, não havendo espaço para novas falas. Mais uma vez Kupfer (In Machado e Souza, 1997) completa nossas ideias:(...) O passo seguinte é a fixação das crianças em estereotipias, em modelos que lhe são prefixados; vem a inibição intelectual, o fracasso escolar. Para os demais grupos da instituição escolar onde não houver circulação discursiva, o resultado será a falta de oxigenação e a consequente necrose do tecido social. A falta de circulação discursiva é o início do fim de uma instituição, já que, não podendo jamais ficar parada, não lhe restará outra alternativa a não ser recuar, e iniciar a sua atrofia. Independente dos alvos a que se propõe esta instituição, eles não serão atingidos.Buscando responder à pergunta que titula este capítulo sobre o que tange à prática do psicólogo escolar, parece-nos claro, após estas reflexões, que o lugar do psicólogo neste campo de atuação ainda se encontra em construção, e, portanto, inacabado. No entanto, alguns apontamentos a respeito da prática do psicólogo na escola podem ser descritos, visando uma melhor compreensão para o nosso propósito.Necessidade de ampliar o arcabouço teórico para promover uma leitura sistêmica da realidade escolar;Compreensão da queixa escolar como bode expiatório de uma questão que é por si multideterminada;Negação do lugar profético da profissão que se reforça, a partir dos encaminhamentos nomeados de \u2018problemas de aprendizagem\u2019;Importância de ocupar o espaço da escola, onde as subjetividades são produzidas, levantando-se das \u2018salas de atendimento\u2019 e de \u2018medição de normalidade\u2019;Desenvolvimento de ações profiláticas, propiciadas pelas interrelações presentes na escola;Ruptura com o que podemos chamar de certa \u2018ingenuidade social\u2019, compreendendo que nossos atos são sempre atos políticos.
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