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TRANSTORNOS SOMATOFORMES Entrevista Psiquiátrica A postura do médico deve ser de suporte e compreensão, garantindo ao paciente um ambiente seguro em que ele possa se abrir, mesmo quando houver pouco tempo disponível. Inicialmente se costuma deixar o paciente falar livremente, expondo sua queixa, enquanto já se avalia seu psiquismo. Num segundo momento, o médico deve inquirir detalhes e esclarecer pontos que tenham ficado obscuros; as perguntas devem ser no início de caráter mais geral, aprofundando-se conforme a entrevista progride. As perguntas mais dirigidas devem ser preferencialmente feitas de modo confirmatório, evitando a indução de respostas (por exemplo: “O senhor quer dizer com isso que está sentindo tristeza?” ao invés de “O senhor está triste?”). Após formular as hipóteses diagnósticas, deve-se expô-las de forma clara e inteligível, bem como qual a conduta a ser tomada, sendo útil reservar um momento final para as inevitáveis dúvidas que surgirão. Tais momentos devem ser dosados e divididos conforme as características do paciente, do médico e do contexto em que ocorre a anamnese. Manejo do Tempo, Setting e Anotações O tempo utilizado para entrevista costuma variar muito, não apenas de acordo com o local da entrevista (ambiente hospitalar, pronto-socorro, consultório), mas também com a dificuldade em estabelecer as hipóteses diagnósticas e o plano terapêutico. Não obstante as limitações que existam, o médico deverá cuidar sempre do setting da entrevista, isto é, do ambiente físico e emocional onde é realizada a avaliação. É de fundamental importância a privacidade do local (muitas vezes difícil em ambiente hospitalar), pois permite ao paciente maior tranquilidade para revelar sentimentos mais íntimos. Deverá sempre que possível tentar entrevistar o paciente a sós, mesmo quando acompanhado por familiares íntimos, solicitando que estes retornem à sala para acrescentar informações que se façam necessárias. Pacientes agressivos ou potencialmente suicidas merecem atenção especial, como veremos adiante. Preconiza-se que o entrevistador não faça anotações prolongadas durante a avaliação, pois poderá comprometer a relação com o paciente e a observação de suas reações. No entanto, é fundamental o relato completo da anamnese e das condutas tomadas em documento adequado ao final da entrevista para fins assistenciais e eventualmente judiciais. História Psiquiátrica Como regra geral, a entrevista psiquiátrica segue as mesmas linhas da entrevista médica. Assim, após a apresentação do entrevistador (nome, função e objetivo da abordagem) e a identificação do paciente (nome, idade, proveniência, ocupação, situação conjugal, religião), permite-se o relato ou a queixa principal, isto é, o motivo pelo qual procura ajuda. Naturalmente, a entrevista deverá caminhar para a história da doença atual, caracterizando o início dos sintomas, apresentação, periodicidade e possíveis tratamentos medicamentosos ou internações prévias. É de fundamental importância, ainda neste momento, a caracterização dos antecedentes biográficos, como seu comportamento durante a infância e adolescência, história ocupacional e conjugal, padrão de relacionamentos interpessoais e características de personalidade pré-mórbida. Os antecedentes pessoais clínicos (doenças de base, traumatismos, cirurgias), bem como os hábitos (em especial uso de drogas), devem ser abordados tal qual em uma entrevista clínica, investigado possível correlação temporal entre eles (um traumatismo cranioencefálico na adolescência, por exemplo) e os sintomas da doença. Por último, a história familiar deve ser investigada, com ênfase na presença de doenças psiquiátricas e dependência de drogas entre os parentes. Essa etapa da entrevista é também oportuna para a compreensão do contexto familiar e social do entrevistado. Vale lembrar que a vivência subjetiva é de fundamental importância na história psiquiátrica; pois muitas vezes, o que diferencia o normal do patológico é a forma como o paciente vivencia a situação, não seu mero relato. Situações de Entrevista A despeito da estruturação bem estabelecida da entrevista psiquiátrica, esta é muitas vezes dificultada pela não- colaboração do paciente ou por sua dificuldade de prestar informações. Tais situações, contudo, tornam-se por si só informações sobre o estado mental do paciente, como nível de consciência ou agitação psicomotora. Para tais pacientes idealmente conta-se com o auxílio de um informante, que será o responsável pelo fornecimento de detalhes no que alguns autores denominam história objetiva, em contraponto à história subjetiva, contada pelo paciente. Dois aspectos potencialmente complicadores da entrevista psiquiátrica devem ainda ser considerados: a dissimulação e a simulação. Dissimulação: ocorre quando algum sintoma questionado é negado, apesar de sua existência. Se o paciente nega a presença de um sintoma por medo ou embaraço, essa informação só será obtida se o médico conseguir transmitir confiança e aceitação, sem julgamento. Isso ocorre frequentemente em pacientes com pensamentos obsessivos obscenos ou bizarros, sendo comum que tenham vergonha de relatá-los. Cabe ao médico, se suspeita de dissimulação, inquirir a presença de tal sintoma por outros meios, tangencialmente, para se certificar da sua presença ou não. Simulação: ocorre o contrário, pois o paciente procura relatar sintomas que, de fato, não existem. É frequente a simulação em casos de pacientes beneficiários de afastamentos temporários por doença que não queira perder, por exemplo. Quando há suspeita de simulação, a entrevista deve ser mais refinada, procurando encontrar inconsistências na história ou na forma como o sintoma relatado é vivenciado. É de grande importância, contudo, ter em mente que há sempre a possibilidade de a suspeita de simulação ser infundada e haver, de fato, a presença dos sintomas referidos. Por último, e não menos importante, ressaltam-se os cuidados diante de pacientes potencialmente agressivos ou com ideação suicida. Nos casos em que o médico se depara com um paciente violento em ambiente hospitalar, deve decidir se pode ser realizado um contato verbal efetivo com o paciente ou se seu senso de realidade está tão prejudicado a ponto de impossibilitar uma entrevista eficaz. Nesse caso, o paciente deverá ser medicado ou mesmo contido fisicamente até mostrar-se mais calmo, cuidando o médico de manter o melhor contato possível com o paciente, esclarecendo o motivo de precaução de danos das atitudes tomadas. Nos casos de pacientes potencialmente suicidas, deve-se cuidar para que a entrevista se dê em ambiente seguro, com grades nas janelas e sem materiais pontiagudos. Deverá o paciente ser hospitalizado ou protegido de outra forma (internação domiciliar, mediante compromisso escrito dos responsáveis), não podendo jamais ser subestimado o risco de suicídio por parte da equipe médica e dos familiares. EXAME PSÍQUICO Para facilitar o entendimento de algo tão complexo como o psiquismo humano, divide-se em funções, que, embora na prática funcionem em conjunto, podem ser descritas de forma independente. À medida que o examinador faz cada pergunta, deve pensar quais poderiam ser as possíveis respostas de uma pessoa razoável naquele contexto. No prontuário, o médico pode se abster de usar termos técnicos na descrição do exame psíquico, valendo-se de descrições pormenorizadas daquilo que percebeu durante a avaliação. Tal postura costuma prover uma descrição mais rica e evitar confusões diagnósticas por uso de termos imprecisos. O mais importante é ser capaz de esboçar um painel aproximado de como está o psiquismo do paciente no momento da entrevista, lembrando que ela faz um recorte transversal da apresentação,cabendo à anamnese a visão longitudinal do caso. As funções psíquicas principais e os sintomas que podem advir de suas alterações são listados a seguir de forma relativamente hierarquizada: assim, em primeiro lugar deve- se avaliar se o paciente está consciente, pois se não o estiver todas outras funções serão afetadas. De igual modo, se não estiver com a atenção preservada a memória será prejudicada, e se o afeto estiver muito deprimido a psicomotricidade estará lentificada, e assim por diante. Consciência Para o exame psiquiátrico importa o nível de consciência, de alerta, de quão desperto e funcionante está o sistema nervoso central. Normalmente vai do grau de maior alerta, o estado vigil, passando pela sonolência, torpor (obnubilado), estupor (semicomatoso) e coma, que são graus de rebaixamento do nível de consciência, quando o paciente é dito confuso. • O paciente sonolento usualmente oscila entre dormindo e acordado, e com algum esforço desperta e estabelece contato. • O torporoso acorda com dificuldade, não plenamente despertando e permanecendo algo confuso. • O estuporoso só acorda mediante estímulos muito vigorosos, não sendo capaz de se manter alerta espontaneamente. • O comatoso não acorda, apresentando o maior grau de rebaixamento do nível de consciência. Além das alterações quantitativas, a qualidade da consciência eventualmente se encontra alterada. O paciente pode apresentar estreitamento da consciência, quando o foco fica restrito, quer por alta ansiedade, intoxicações ou crises epilépticas; dissociação da consciência, quando vivencia momentos dos quais não se lembra ao retomar a integridade da consciência. Fazem parte ainda das alterações qualitativas os estados crepusculares, vistos em quadros orgânicos como epilepsia. Atenção e Concentração É a capacidade de focalizar um objeto de maneira intencional. Pode ser de natureza voluntária (ativa), quando se pretende direcionar a atenção a este objeto (lendo este texto, por exemplo), ou involuntária (passiva ou espontânea), dirigida a um foco que não é o principal, denotando a capacidade de mudar de foco (notar ruídos da rua enquanto continua lendo). Quanto maior o grau de atenção voluntária, menor o de atenção involuntária e vice-versa. A concentração reflete a capacidade de manter a atenção voluntária. Orientação É a capacidade de um indivíduo estimar precisamente o tempo, o espaço e as pessoas, inclusive a si mesmo, em seu ambiente corrente. A orientação temporal (capacidade de se localizar adequadamente quanto a datas, dias, horários) é facilmente perturbada pela concentração profunda, emoção forte ou quadros orgânicos. A orientação espacial (saber onde mora, onde está) é alterada mais tarde no processo mórbido. A orientação autopsíquica refere-se ao conhecimento do próprio nome e da identidade pessoal e é prejudicada nos casos avançados de deterioração orgânica. Memória Clinicamente é subdividida em memória de longa duração, de curta duração e imediata. A memória de longa duração, ou remota, refere-se aos fatos gravados há mais tempo, às recordações antigas, e pode ser avaliada enquanto o paciente conta sua história; a de curta duração, ou recente, trata de dados a serem mantidos por pouco tempo, como um número de telefone até que ele seja discado. A memória imediata, chamada memória de trabalho, permite, por exemplo, que um leitor entenda a coerência de uma frase, embora já não lembre exatamente de quais eram as primeiras palavras lidas. Está intimamente ligada à atenção. As memórias podem ser medidas com testes simples específicos, como gravar palavras ou nomes. Os déficits podem dar ensejo a confabulações, que são falsas memórias criadas pelo paciente para suprir as lacunas abertas na memória, sendo associadas a quadros de amnésia orgânica, como nas demências. Pensamento A forma de acessar o pensamento do paciente é, sobretudo, por meio do discurso, cuja avaliação acaba tento, por conseguinte, muitos pontos em comum com a avaliação do pensamento. Deve-se analisá-lo quanto a forma, curso e conteúdo. A forma do pensamento diz respeito à maneira como as ideias são encadeadas ao longo do raciocínio. As alterações formais ocorrem principalmente nos quadros psicóticos ou maniformes: afrouxamento de associações (ideias relacionadas de forma pobre entre si), arboriforme (tendência à desorganização, mas mantendo ainda a meta do raciocínio), fuga de ideias (ideias levam a novas ideias, perdendo a meta, típica dos quadros maniformes) e desagregado (quando há perda completa da relação aparente entre as ideias). O curso e a velocidade do pensamento também se alteram, podendo haver aceleração, principalmente em síndromes maníacas, ou lentificação, quando o pensamento vai mais devagar, comum em depressões. Outros fenômenos podem ocorrer, como bloqueio e roubo do pensamento: no primeiro caso, o fluxo é interrompido abruptamente; no segundo, o paciente interpreta tal fenômeno como se o pensamento lhe houvesse sido roubado. Inserção de pensamentos, também típicas de esquizofrenia, é a vivência de um pensamento não próprio ocorrendo ao paciente, interpretado como inserido por terceiros. A sonorização do pensamento tem um componente também de alucinação auditiva, pois o paciente ouve um som que não foi produzido (seu pensamento). O conteúdo do pensamento é praticamente ilimitado, pois tudo pode estar contido no pensamento. Aqui, o que se deve avaliar é se há algum tema prevalente, que domine e sobrepuje a ocorrência de outros temas. O valor atribuído ao conteúdo, que pode conferir caráter delirante ao pensamento, é avaliado em uma função à parte, o juízo, que veremos adiante. O adoecer do pensamento, embora teoricamente extenso, na prática gravita em torno de poucos temas: culpa e pecado, religiosidade, sexualidade, morte, riqueza e poder ou ruína, perseguição ou adoecimento. Linguagem Avaliada principalmente em seu componente verbal, devem considerados também a forma e o conteúdo. Quanto à forma, analisa-se a velocidade do discurso, que pode estar lentificado, caso em que normalmente se nota a latência de resposta, definida como uma pausa acima do normal entre as perguntas feitas pelo entrevistador e a resposta do paciente. É comum ocorrer nas depressões ou em casos de desorganização do pensamento, pois o paciente demora-se ao procurar as respostas em meio à desorganização em que se encontra. Em casos extremos de depressão e em casos de catatonia, verifica-se mutismo. Entretanto, o discurso pode estar acelerado; quando o paciente, além de falar rapidamente, fala em grande quantidade, dizemo-no logorreico; se associada à logorreia houver fala em alto volume e ininterrupta, fala-se em pressão de discurso, sendo usual ocorrer em mania e em quadros ansiosos mais graves. Mussitação, verbigeração e ecolalia são automatismos verbais, semelhantes a uma reza contínua em voz baixa, no primeiro caso; no segundo, trata-se da repetição sem sentido de frases ou palavras incessantemente; no último, da repetição automática das palavras pronunciadas pelo interlocutor. O conteúdo do discurso acompanha usualmente o conteúdo do pensamento, devendo ser descritos eventuais temas prevalentes. Ressaltamos a importância de afastar quadros de afasias com propedêutica adequada no exame da linguagem, que podem confundir o médico que não considerar a possibilidade de tais quadros. Sensopercepção As alucinações são definidas como a presença de uma percepção sensorial na ausência de um estímulo real. Podem ser visuais, auditivas, olfativas, gustativas, das sensações corporais, estas últimas subdivididas em cinestésicas (músculos e articulações), viscerais (órgãos internos) ou superficiais (hápticas). A investigação de cada uma dessas alucinações passa peloconteúdo (por exemplo, o que as vozes falam), duração do fenômeno, circunstâncias em que ocorrem etc., procurando sempre o maior detalhamento possível. Quando o paciente vivencia as alucinações mas sabe que não são reais, percebe que são “coisas da sua cabeça”, costuma- se chamar de alucinose, comum em síndrome de abstinência alcoólica. Finalmente há que se diferenciá-las das ilusões, que são distorções da percepção, ou seja, o estímulo existe, mas é percebido de forma diferente pelo paciente. Chamamos ainda de pseudo-alucinações aquela que ocorre no espaço subjetivo interno, isto é, não é percebida pelos órgãos dos sentidos. O paciente relata ocasionalmente uma experiência “como se”: é “como se estivesse ouvindo uma voz”, é “como se estivesse vendo uma cobra” etc. Juízo e Crítica O juízo é a capacidade de dar valor a fatos e ideias, e apresenta-se alterado no paciente que tem delírios. Estes são certezas subjetivas de algo, não encadeadas no fluxo normal de pensamentos, não compartilhadas (não fazem parte de um conjunto de crenças culturalmente aceitas), irrefutáveis e de conteúdo improvável. Embora normalmente de conteúdo bizarro, podem ser plausíveis, como no exemplo do alcoolista traído que tem delírios de ciúme. Por isso é importante determinar a forma de surgimento da idéia em questão: o delírio surge por interpretação delirante, quando o paciente interpreta fatos corriqueiros de forma psicótica; por intuição delirante, caso em que o delírio simplesmente surge, como uma revelação inquestionável que não carece de explicação; ou por percepção delirante, quando, ao receber um estímulo qualquer, o paciente o entende como explicação para os delírios, como quando, ao ver a garrafa de cerveja na mesa, o paciente descobre que a mulher o estava traindo. Os delírios podem incluir os mais diversos temas, mas os mais comuns são os místicos, de persecutoriedade e de grandeza. Crítica é definida arbitrariamente como a capacidade do paciente de entender sua condição, ter insight sobre seu estado, podendo estar preservada, abolida ou ser parcial, quando o paciente entende que algo está diferente, mas não consegue definir bem o que ocorre. Afeto e Humor Afeto é a manifestação da resposta emocional de alguém a eventos internos e externos, pensamentos, ideias, memórias evocadas e reflexões. Mostra o momento do indivíduo, podendo, quanto à qualidade, ser de alegria, raiva, tristeza, ansiedade, interesse, vergonha, culpa, surpresa. No que se refere ao tônus afetivo, ou seja, ao volume do afeto, pode estar aumentado, diminuído ou embotado, o que define o estado de quase ausência de afetos ou de modulação e ressonância afetiva. Modulação é a capacidade de variar entre afetos; ressonância é a capacidade de sintonizar com o ambiente, reagindo adequadamente à situação em que se encontra. Ambos podem ser aumentados ou diminuídos, sendo caracteristicamente menores nas depressões, maiores na mania e praticamente ausentes na esquizofrenia, daí o descrever como embotamento afetivo. O humor é o todo da vida emocional, a disposição afetiva de fundo, algo como a média dos afetos, podendo, portanto, estar polarizado (para depressão, hipomania ou mesmo mania); se mantém-se levemente deprimido de forma constante, pode-se considerá-lo distímico. Hipertímico, por sua vez, é a manutenção de um estado de leve elevação constante. Finalmente diz-se eutímico do humor sem clara tendência para um ou outro lado ao longo do tempo. Volição, Impulso e Prospecção Vontade é um empenho ou intenção dirigida ao objetivo, com base em motivação cognitivamente planejada. A redução ou abolição da vontade, em quadros de grande desânimo, denominam-se hipobulia ou abulia, respectivamente. Impulso é a inclinação para satisfazer certas necessidades primárias. Atos impulsivos podem ser esporádicos ou repetidos, com os mais diversos fins – impulso suicida, impulsos de compra, de roubo, alimentares, de fuga etc. Prospecção é a capacidade de projetar os desejos para o futuro; fica limitada em diversas síndromes psiquiátricas. Psicomotricidade É a exteriorização comportamental motora dos estados psíquicos; divide-se entre as síndromes hipercinéticas e hipocinéticas. Nas primeiras, em que há aumento da atividade motora, o paciente pode se apresentar inquieto – com dificuldade de permanecer parado, senta-se e levanta- se repetidas vezes, mexe-se constantemente na cadeira (usual em quadros ansiosos) – ou agitado – quando já perdeu o controle de seu comportamento, podendo ser desde agitação leve até grave, em que ocorrem atos agressivos e destrutivos. As hipocinéticas são caracterizadas por inibição motora, com lentificação, inibição, até catatonia – quando há total ausência de atividade motora concomitantemente à flexibilidade cérea (em que o paciente assume a posição em que é deixado como se fosse um boneco de cêra) –, e catalepsia – em que há aumento do tônus e rigidez muscular. Inteligência Embora algumas vezes possa-se solicitar ao paciente que interprete provérbios populares para se inferir sua capacidade de abstração (reduzida na oligofrenia e em algumas formas de esquizofrenia), normalmente a inteligência não é testada de forma estruturada no exame psíquico; uma idéia do seu nível já é dada no decorrer da própria entrevista, contudo. As funções mentais também podem ser agrupadas de acordo com o modo como são acessados durante a entrevista. Assim, a aparência, o nível de consciência e o comportamento psicomotor serão imediatamente perceptíveis à observação. Durante a conversação, poderão ser avaliados atenção e concentração, fala, linguagem e pensamento, orientação, memória e afeto. Mediante exploração ativa, por fim, serão analisados humor e volição, percepção, conteúdo do pensamento, crítica e julgamento. Poderão ainda ser realizados testes breves para melhor avaliação de memória e orientação, bem como pensamento abstrato e inteligência, quando necessários. Transtornos de Sintomas Somáticos / Somatoformes Definição Os transtornos de sintomas somáticos (TSS), anteriormente conhecidos como somatoformes, são caracterizados por um ou mais sintomas somáticos acompanhados por pensamentos excessivos, sentimentos e atitudes em relação aos sintomas somáticos, com procura significativa de atenção médica, em particular em departamentos de emergência (DEs). Os termos “somatização” e “transtorno somatoforme” têm sido evitados, pois são considerados por muitos autores como pejorativos e imprimem um rótulo nos pacientes, devendo ser evitados. Além disso, os sintomas causam sofrimento e/ou disfunção significativa. Os sintomas somáticos podem ou não ser explicados por uma condição médica geral reconhecida. Os pacientes com TSS apresentam múltiplos sintomas físicos na ausência de doenças físicas detectáveis e levam a excessivas preocupações que são expressas emocional, cognitiva e comportamentalmente. Ocorre uma grande confusão entre o TSS e o termo “hipocondria”, que representa a má interpretação de um ou mais sintomas somáticos como representando uma séria doença. Dos pacientes rotulados como apresentando hipocondria, 75% apresentam TSS. Os indivíduos com TSS apresentam uma ampla gama de sintomas que poderiam representar patologias graves, incluindo dor torácica, sintomas gastrintestinais, cardiovasculares, sexuais e sintomas pseudoneurológicos, que causam persistente preocupação, angústia e disfunção social, embora o paciente não necessariamente acredite ter uma doença grave. A somatização é melhor entendida focando nas anormalidades da resposta do paciente a seus sintomas somáticos, e não na ausência de uma causa médica discernível para esses sintomas. A resposta pouco adaptada do paciente aos sintomas somáticos é a razão que faz com que esse comportamento seja classificadocomo um distúrbio psiquiátrico. Os transtornos somatoformes, devido à sua natureza e apresentação, têm consistentemente tido diagnósticos difíceis de serem realizados com alguma certeza, mesmo depois de várias visitas com o mesmo médico de atenção primária. É, portanto, um diagnóstico desafiador dentro dos limites ocupados de uma breve visita ao DE. Para pacientes com sintomas funcionais, a estratégia de buscar uma causa médica com procedimentos diagnósticos invasivos, cirurgias desnecessárias e medicamentos mal direcionados pode ser fatal, e os custos injustificados dessas medidas pioram a situação. O TSS é, tipicamente, mais comum em mulheres de baixo nível socioeconômico, que apresentam entre 20 e 30 anos de idade, com alta incidência de comorbidades como ansiedade ou depressão; o diagnóstico de TSS é realizado quando existem queixas persistentes e clinicamente significativas, acompanhadas por excessivas e desproporcionais preocupações, pensamentos, sentimentos e comportamentos relacionados à saúde em relação a esses sintomas. Fatores de Risco Sexo feminino Menos anos de estudo Status socioeconômico mais baixo ou outros estressores sociais História de doença crônica na infância História de abuso sexual ou outros traumas na infância e na idade adulta Distúrbios médicos gerais concomitantes (especialmente em pacientes idosos) Ansiedade de saúde Transtorno psiquiátrico concomitante (especialmente transtornos depressivos ou de ansiedade) História familiar de doença crônica Patogênese Vários fatores psicossociais podem estar envolvidos na patogênese do transtorno de sintomas somáticos Fatores de desenvolvimento - A má consciência das emoções e níveis mais elevados de emoções negativas durante a infância estão associados a sintomas somáticos em crianças, e a tendência de relatar sintomas funcionais ou somáticos muitas vezes persiste desde a infância até a idade adulta. Além disso, ter um familiar com doença crônica durante a infância pode ser um precursor da somatização na idade adulta. Experiências infantis de negligência ou indiferença dos pais, como alimentação, roupas inadequadas ou interesse no bem-estar da criança, podem estar associadas à somatização durante a idade adulta e visitas frequentes a ambulatórios médicos gerais. A parentalidade negativa ou imprevisível durante a infância pode levar a um apego inseguro (proximidade emocional); um modelo propõe que os sintomas somáticos representam um comportamento de busca de cuidados em pacientes com apego inseguro. Abuso físico e sexual – O abuso sexual infantil e a exposição recente à violência física ou sexual estão consistentemente associados à somatização em mulheres adultas. Distorções cognitivas e perceptivas e anomalias comportamentais – A somatização pode envolver um conceito demasiado inclusivo ou irrealista de boa saúde, suposições disfuncionais sobre a prevalência e transmissibilidade de doenças graves, maior atenção aos processos corporais para detectar possíveis sinais de doença, interpretações catastróficas de sensações corporais , expectativas problemáticas sobre sintomas somáticos e o curso e tratamento de doenças, e dificuldade com processamento de informações. A percepção dos sintomas afeta a forma como eles são relatados, e a percepção é influenciada por atitudes, crenças e sofrimento psicológico. Sensações somáticas benignas e sintomas físicos podem ser amplificados por alguns pacientes, como aqueles com baixos limiares de dor, pacientes que se tornaram sensibilizados à dor (isto é, têm uma resposta intensificada à dor devido a experiências anteriores de dor) e pacientes que prestam mais atenção às suas sensações corporais. Sensações corporais normais podem, portanto, ser percebidas como anormalmente intensas e atribuídas erroneamente a doenças médicas graves. O paciente pode então buscar garantia de boa saúde. Dificuldades de autoexpressão - Os sintomas físicos podem oferecer um meio de expressar angústia quando os pacientes não expressam facilmente emoções em palavras (alexitimia). Os pacientes também podem apresentar queixas físicas a médicos não psiquiátricos quando os sintomas psiquiátricos são considerados estigmatizantes ou quando os médicos parecem desinteressados em ouvir sobre problemas psiquiátricos. Transtornos de ansiedade e / ou transtornos depressivos são provavelmente comuns no transtorno de sintomas somáticos, e estudos sugerem que pode haver um componente genético envolvido na co-ocorrência de ansiedade e depressão com sintomas somáticos. Apresentação Clínica Sinais e sintomas - Existem duas características principais que ocorrem no transtorno de sintomas somáticos: • Um ou mais sintomas somáticos atuais que são de longa duração e causam sofrimento ou prejuízo psicossocial. Múltiplos sintomas geralmente estão presentes, mas um sintoma grave (por exemplo, dor) é suficiente para fazer o diagnóstico. • Pensamentos, preocupações ou comportamentos excessivos (tempo e energia) relacionados aos sintomas somáticos ou a problemas de saúde. Os sintomas somáticos que são comuns no transtorno de sintomas somáticos incluem: Sintomas de dor – Dor nas articulações, dor nas pernas/braços, dor nas costas, dor de cabeça, dor no peito, dor abdominal, disúria e dor difusa Sintomas inespecíficos – Fadiga, síncope e tontura Sintomas gastrointestinais – Náuseas, vômitos, dor abdominal, distensão abdominal, gases e diarreia Sintomas cardiopulmonares – Dor no peito, falta de ar e palpitações Sintomas neurológicos – distúrbios do movimento, perda sensorial, fraqueza e paralisia Sintomas de órgãos reprodutivos – Dispareunia, dismenorreia e disfunção erétil Diagnóstico Os critérios diagnósticos pelo DSM-V para TSS são os seguintes (sendo um ou mais sintomas somáticos que causam sofrimento ou prejuízo psicossocial) pensamentos, sentimentos ou comportamentos excessivos associados aos sintomas somáticos, conforme demonstrado por um ou mais dos seguintes: • pensamentos persistentes sobre a gravidade dos sintomas; • ansiedade severa e persistente sobre os sintomas ou a saúde geral; • tempo e energia dedicados aos sintomas ou preocupações com a saúde excessivos. Embora os sintomas somáticos específicos possam mudar com o tempo, o distúrbio é persistente (em geral, mais de 6 meses). O TSS pode ser graduado conforme a presença dos critérios diagnósticos citados. O número de sintomas somáticos também é usado para determinar a gravidade. Assim, tem-se o seguinte: TSS leve: apenas um sintoma está presente (por exemplo, tempo excessivo e energia dedicada ao sintoma somático). TSS moderado: dois ou mais sintomas estão presentes (por exemplo, pensamentos persistentes e ansiedade severa). TSS grave: duas ou mais das características estão presentes; além disso, o paciente manifesta múltiplas queixas somáticas (por exemplo, fadiga, tontura e desconforto gastrintestinal) ou um sintoma somático muito grave. TSS persistente: o curso da doença dura mais de 6 meses; o funcionamento psicossocial está bastante prejudicado e a gravidade atual é classificada como grave. Triagem Atualmente, tende-se a valorizar menos o número de sintomas associados, com maior valorização da angústia causada por esses sintomas e as consequências deles. Sendo assim, uma forma de classificar a gravidade do TSS é com escores específicos como o Somatic Sympton Scale-8, que utiliza 8 sintomas específicos e gradua sua intensidade. Esses incluem sintomas gastrintestinais, lombalgia, dores em membros ou articulações, cefaleia, dor torácica, dispneia, tonturas e sensação de perda de energia. Os sintomas são graduados em: 0: sem sentir incômodo pelo sintoma 1: leve incômodo 2: algum incômodo 3: incômodo significativo 4: incômodo muito significativo Por esseescore, pode-se classificar o TSS como: 0 a 3: pouca relevância 4 a 7: baixo impacto 8 a 11: moderado impacto 12 a 15: alto impacto ≥16: impacto muito alto O TSS faz parte de um grupo de transtornos psiquiátricos que inclui: • TSS • Transtorno de ansiedade de doença (anteriormente, hipocondria) • Transtorno neurológico funcional sintoma (anteriormente, transtorno conversivo) • Transtorno factício • Fatores psicológicos que afetam outras condições médicas • Outro sintoma somático especificado e desordens relacionadas • Sintoma somático não especificado e distúrbios relacionados Uma forma mais branda do TSS pode se manifestar em um interesse exagerado na função do corpo e na saúde. Tipicamente, o paciente com transtorno de ansiedade de doença reclama de forma detalhada, usando o jargão médico. Como parte de sua sintomatologia, esses pacientes muitas vezes acreditam que perderam o controle de suas vidas e, às vezes, fazem um esforço óbvio para dominar a relação médico-paciente. Consequentemente, os médicos percebem pacientes com transtorno de ansiedade de doença como mais irritadiços e hostis do que outros. A terminologia de pacientes com sintomas neurológicos que permanecem inexplicados mesmo após investigação médica apropriada sofreu uma série de mudanças. Uma vez referido como histeria, neurose e, mais tarde, como transtorno de conversão, esse subconjunto particular de TSS é agora denominado “distúrbios neurológicos funcionais”. Transtornos neurológicos funcionais são caracterizados sobretudo por sintomas de alteração motora ou sensorial que não são melhor explicados por uma condição médica ou neurológica que causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo. A desordem pode ser subcategorizada em: fraqueza ou paralisia movimentos anormais deglutição disfonia ou fala arrastada ataques ou convulsões anestesia distúrbios visuais, olfativos ou auditivos Normalmente, os pacientes apresentam um início súbito e drástico de um único sintoma, simulando algum distúrbio neurológico para o qual não existe uma explicação fisiopatológica ou anatômica. Alguns desses sintomas podem proporcionar gratificação para o inconsciente, necessidades de dependência, enquanto outros podem fornecer estímulos emocionais dolorosos. Comorbidades diagnósticas típicas incluem transtornos de humor, transtorno de pânico, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de estresse pós-traumático, transtornos dissociativos e transtornos obsessivo- compulsivos. Pacientes com transtorno de sintomas funcionais (transtorno de conversão), em geral, apresentam história de abuso físico ou sexual. Embora a descrição clássica desses pacientes seja uma falta de preocupação, o déficit neurológico súbito (la belle indifference), as apresentações são, de fato, raras e não devem ser consideradas necessárias para o diagnóstico. Diagnóstico Diferencial É importante lembrar que existem distúrbios psiquiátricos diferente do TSS inicialmente trazidos à atenção médica como sintomas somáticos, incluindo transtorno depressivo maior e transtornos de ansiedade. Além disso, existem vários outros diagnósticos médicos, que podem ter apresentações muito sutis com múltiplos sintomas físicos, incluindo esclerose múltipla, porfiria, hiperparatireoidismo, lúpus eritematoso sistêmico, distúrbios da tireoide, entre outros. Em muitos casos, o distúrbio de sintomas somáticos acompanha um distúrbio médico geral ou outro distúrbio psiquiátrico. Distúrbios médicos gerais — A presença de sintomas somáticos “clinicamente inexplicáveis” não é por si só suficiente para diagnosticar transtorno de sintomas somáticos; outros critérios também são necessários. Por exemplo, muitos pacientes com distúrbios de etiologia obscura, como fibromialgia e síndrome do intestino irritável, não satisfazem o critério que estipula que os pacientes manifestam pensamentos, sentimentos ou comportamentos excessivos associados aos sintomas somáticos. Por outro lado, a presença de um distúrbio médico reconhecido que possa causar os sintomas do paciente não exclui o diagnóstico de transtorno de sintomas somáticos se todos os critérios diagnósticos forem atendidos. Transtornos psiquiátricos - Os sintomas do transtorno de sintomas somáticos podem se sobrepor aos sintomas de outros transtornos psiquiátricos. • Transtorno de adaptação • Transtorno dismórfico corporal • Transtorno de conversão • Transtorno delirante, subtipo somático • Transtornos depressivos • Transtorno de ansiedade generalizada • Transtorno de ansiedade de doença • Transtorno obsessivo-compulsivo • Transtorno de pânico • Fatores psic. que afetam outras condições médicas Avaliação Diagnóstica É difícil avaliar um paciente que pode, ao mesmo tempo, ter risco de vida e um diagnóstico psiquiátrico como TSS. Exames complementares repetitivos ou extensos raramente excluem doença orgânica com absoluta certeza e podem produzir resultados falso-positivos, aumentando a confusão do diagnóstico e a ansiedade do paciente em relação aos sintomas. Exames complementares só devem ser realizados para diagnósticos que são apoiados por uma história e exame físico cuidadosamente realizados, com exceção eventual de sintomas neurológicos, pois várias doenças neurológicas têm apresentações sutis como a esclerose múltipla. Na abordagem, deve-se manter uma postura empática de forma a não fazer o paciente se sentir humilhado pela suspeita diagnóstica de TSS. Manejo O objetivo do tratamento é melhorar o enfrentamento dos sintomas físicos, como a redução da ansiedade em relação à saúde e os comportamentos relacionados aos sintomas, em vez de eliminar totalmente os sintomas. O sucesso ou o fracasso do manejo de pacientes com TSS no DE depende da capacidade de manter uma relação com o paciente. Os pacientes com esses distúrbios podem ser mais desafiadores para cuidar do que aqueles com a maioria dos outros transtornos psiquiátricos; portanto, conhecimento médico e atitudes são fundamentais. É importante construir e manter o vínculo com o paciente, ouvindo-o atentamente e encorajando-o para descrever seus sintomas. Após desenvolver bom relacionamento, deve-se legitimar as queixas e depois limitar as investigações diagnósticas para abordar apenas achados específicos com base em uma história cuidadosa e exame físico. Deve-se evitar confrontar ou desafiar o paciente; mas sim, concordar que existe um problema e trabalhar com o paciente para formular um plano de cuidados. A prioridade é ouvir o paciente e comunicar uma compreensão do que ele está sentindo e a extensão do comprometimento funcional que ele está experimentando. O sofrimento é um fenômeno subjetivo e, nesse sentido, é genuíno nesses casos. É apropriado legitimar os sintomas do paciente e, em seguida, tentar caracterizar o diagnóstico de TSS, explicando-o para o paciente, o que pode ajudar a construir uma aliança terapêutica com ele. Os esforços terapêuticos incluem terapia cognitiva, técnicas, psicoterapia e, em alguns casos, a utilização de medicamentos psicotrópicos. Se um diagnóstico de TSS for seriamente considerado pelo emergencista, esses pacientes precisarão de atenção primária e, posteriormente, de consulta psiquiátrica para avaliação e manejo. Os pacientes devem ser informados a respeito de que diagnósticos que representem uma ameaça grave à vida foram descartados no DE e que novos testes e exames adicionais e medicamentos não são indicados nesse momento. Também é apropriado salientar que os cuidados continuados e a reavaliação periódica são indicados, embora não no DE. Pacientes com ansiedade ou depressão devem receber consulta psiquiátrica ou encaminhamento, especialmente quando se apresentam com descompensação aguda desses sintomas.
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