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Inserir Título Aqui Inserir Título Aqui Qualidade de Vida e Saúde Mental no Trabalho Intervenções e Práticas em Qualidade de Vida e Saúde Mental no Trabalho Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Sarajane de Fátima Lima de Oliveira Revisão Textual: Prof. Me. Luciano Vieira Francisco Nesta unidade, trabalharemos os seguintes tópicos: • Programas e Políticas de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT). Fonte: Getty Im ages Objetivos • Propor intervenções e práticas adequadas para a proteção e promoção de qualidade de vida e saúde mental no trabalho; • Favorecer um ambiente de trabalho saudável e que proporcione bem-estar aos trabalha- dores dentro das organizações. Caro Aluno(a)! Normalmente, com a correria do dia a dia, não nos organizamos e deixamos para o úl- timo momento o acesso ao estudo, o que implicará o não aprofundamento no material trabalhado ou, ainda, a perda dos prazos para o lançamento das atividades solicitadas. Assim, organize seus estudos de maneira que entrem na sua rotina. Por exemplo, você poderá escolher um dia ao longo da semana ou um determinado horário todos ou alguns dias e determinar como o seu “momento do estudo”. No material de cada Unidade, há videoaulas e leituras indicadas, assim como sugestões de materiais complementares, elementos didáticos que ampliarão sua interpretação e auxiliarão o pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois estes ajudarão a verificar o quanto você absorveu do conteúdo, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Bons Estudos! Intervenções e Práticas em Qualidade de Vida e Saúde Mental no Trabalho UNIDADE Intervenções e Práticas em Qualidade de Vida e Saúde Mental no Trabalho Contextualização Considerando que as empresas/organizações de trabalho estão, cada vez mais, bus- cando o atingimento de objetivos e metas, de modo a alcançar a tão almejada compe- titividade, faz-se necessário salientar que os trabalhadores devem ser olhados de forma humanizada e diferenciada – afinal, fazem a “máquina funcionar”. Nessa perspectiva, por vezes, a ideia inicial de algumas empresas é implantar pro- gramas de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), ou intervenções em saúde mental no trabalho que estão dando certo e trazendo benefícios a outras organizações. Ledo engano. Assim como as pessoas, as empresas também apresentam um lado sub- jetivo e nem tudo o que é bom para uma instituição necessariamente é bom para outra. Cada organização apresenta aspectos diferenciados quanto ao seu funcionamento; portan- to, a obtenção de conhecimentos quanto ao modo de diagnosticar e levantar possibilidades de intervenções em gestão de pessoas e na promoção de saúde mental nas organizações pode ser grande diferencial na sua atuação, dentro de seu ambiente de trabalho. 6 7 Programas e Políticas de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) Implantar programas de QVT nas empresas é um grande desafio, uma vez que a maioria não busca a prevenção e sim, por meio de estratégias, procura minimizar efeitos negativos sobre o clima organizacional da empresa, aumentar o nível motiva- cional dos funcionários e contribuir para a melhoria da saúde destes, visando aperfei- çoar a produtividade. Rossi, Meurs e Perrewé (2013, p. 172) reforçam que a maioria dos programas de QVT que são iniciados, apresentam como principal interesse a redução dos gastos com assistên- cia médica, bem como a preocupação dos gestores com r elação ao absenteísmo, acidentes de trabalho, afastamentos por doenças e baixa produtividade, tendo em vista que uma “[...] força de trabalho saudável e motivada é fator que faz a diferença numa organização”. Para Alves (2011), antes de pensar em desenvolver um programa de QVT as empre- sas devem realizar um diagnóstico dos problemas e das limitações das atividades ocupa- cionais, bem como dos recursos físicos e humanos de que dispõem para, então, planejar e executar ações a serem implementadas com foco na promoção da saúde. Assim, os programas de QVT devem fazer parte do planejamento estratégico das organizações, além de definirem um direcionamento específico, uma vez que não existe um padrão quando se trata de QVT, considerando que cada empresa apresenta uma especificidade. Nessa mesma perspectiva, Rossi, Meurs e Perrewé (2013, p. 162) ressaltam que para haver efetividade nos programas de qualidade de vida no trabalho, faz-se necessário rea- lizar um diagnóstico efetivo da organização e, a partir do levantamento dos aspectos que nece ssitam ser trabalhados, propiciar a reflexão e suscitar a mudança. Contudo, apon- tam como relevante o aspecto da mudança de comportamento, que está estritamente vinculada à “percepção da necessidade de mudança”. Esses autores afirmam que para ocorrer a mudança é necessário ter percepção da severidade do risco e que o nível de sensibilização para a mudança deve ser o ponto de partida para um resultado efetivo. A discussão de fatores como cultura organizacional, normas sociais, valores, crenças, suporte, sistemas de recompensa, legislação, auto- percepção, autoeficácia, entre outros, são extremamente necessários para promover a intencionalidade para a mudança (Rossi; Meurs; Perrewé, 2013). Antes de seguir nesta discussão sobre programas de QVT, talvez seja interessante abordar brevemente o que é e como se faz um diagnóstico organizacional, sendo este um processo indispensável para a elaboração de boas práticas e programas de QVT. Por isso, assista ao vídeo disponível em: https://youtu.be/p4R2BVETB_8 Em um estudo sobre QVT, Coutinho, Maximiano e Limongi-França (2010) focaram nas etapas de implantação de ações em QVT que estivessem associadas a cuidados com hábitos alimentares e de saúde, práticas de atividades físicas, gerenciamento de estresse, responsabilidade socioambiental e educação de adultos que se alinhassem à perspectiva 7 UNIDADE Intervenções e Práticas em Qualidade de Vida e Saúde Mental no Trabalho da gestão de projetos. Como resultados, identificaram que existe a necessidade de defi- nir processos com o intuito de gerenciar a implantação de ações e iniciativas de progra- mas de QVT, considerando a estrutura e as estratégias de cada organização. Nesse sentido, diagnosticaram que o gerenciamento de riscos está diretamente asso- ciado à ameaça de acidentes de trabalho e evidencia-se preocupação em preservar a in- tegridade física dos funcionários. Ao analisarem as ações desenvolvidas pelas empresas, os autores identificaram ações biológicas em maior número, sendo estas as mais bem aceitas pelos empregados, além de ações sociais concernentes a atividades de confra- ternização e eventos sociais extratrabalho, incluindo esforços de preservação do meio ambiente e abordagens solidárias. Outro achado importante desse estudo está relacionado ao fato de as empresas em- basarem os seus programas de QVT nos resultados obtidos por meio de pesquisa de clima organizacional e aplicação de outros instrumentos, tais como pesquisa de opinião, exames médicos, entre outros, com o objetivo de levantar necessidades e coletar infor- mações válidas dos empregados. No seu ponto de vista, todas as empresas se preocupam com um diagnóstico prévio para a elaboração de programas de QVT? Ainda: você sabe por qual motivo muitas organizações fracassam na implantação de pro- gramas de QVT? Inúmeras empresas, de forma imediatista, buscam programas pré-definidos, incor- porando ações de QVT que não se adequam às suas realidades, sem que haja prévio planejamento estratégico e o devido investimento. Assim, não alcançam os propósitos desejados, tendo como ineficiente o programa de QVT adotado. A maioria dos programas de QVT, conforme Rossi, Meurs e Perrewé (2013), não atingem os objetivos a que se propõem devido ao fato de serem limitados e direcionados a um único fator de risco, não atingindo aamplitude desejada na organização. Outro aspecto é a duração destes, que muitas vezes é limitada, sem que haja uma persistência em mantê-los até a obtenção dos resultados esperados. A baixa adesão por parte dos funcionár ios e o uso de estratégias que não atingem a todos os envolvidos na organiza- ção também são pontos a serem considerados no insucesso destes programas. A insistência por parte de muitas empresas, em realizar atividades que se restringem a práticas de suporte informacional, tais como palestras, distribuição de folders, carta- zes, entre outros, talvez seja um dos aspectos fundamentais na obtenção de resultados negativos e que pouco contribuem para a sustentação de uma mudança de comporta- mento, favorecendo o agravamento dos fatores de risco identificados na organ ização (Rossi; Meurs; Perrewé, 2013). Para que a implantação de um programa de QVT não seja um fracasso, existem vários aspec- tos a serem considerados. Assim, um bom diagnóstico organizacional, que permita olhar para todos os riscos psicossociais que abarcam a empresa e o uso de estratégias que atendam às demandas de todos os envolvidos são pontos de grande relevância nesse processo. 8 9 Conforme Alves (2011), muitas empresas de médio e grande porte no Brasil estão adaptando os programas de QVT advindos de organizações dos Estados Unidos, com o objetivo de reduzir custos com planos de saúde e assistência médica, redução de aciden- tes de trabalho e absenteísmo, além de potencializar ações voltadas ao bem-estar dos funcionários e melhorar a segurança, de modo amplo. Dessa forma, muitas têm obtido resultados positivos com relaç ão à adoção de programas de QVT, que podem ser consi- derados como referências e/ou até seguidos como modelos. Veja algumas sugestões de ações que empresas estão adotando para melhorar o bem-estar e a qualidade de vida de seus funcionários no vídeo disponível em: https://youtu.be/hfYPcSAVLIU A experiência de implantação da QVT deve ser única, especialmente devido às ca- racterísticas particulares apresentadas por cada empresa. Para Fernandes (1996) não adianta adotar simplesmente a sigla QVT, sem a inclusão de esforços estruturados para orientar a mudança no sistema de recompensas, na tecnologia e no ambiente de traba- lho, nos métodos de gestão para promover processos participativos e o envolvimento de todos os empregados se não houver sólida base filosófica e crença no milagroso efeito na satisfação dos trabalhadores. Buscando contribuir de maneira didática à temática, Alves (2011) elaborou um qua- dro demonstrativo de ações e/ou programas de promoção de QVT e os seus resultados com base em vasta literatura, conforme a seguir: Quadro 1 – Ações e/ou programas de promoção da QVT e os seus resultados Ações/programas Principais resultados observados Exercícios físicos – por exemplo, ginástica laboral Aumenta a disposição e satisfação dos trabalhadores; aumenta a tolerância ao estresse; redução do absenteísmo; melhora do relacionamento interpessoal; redução dos acidentes de trabalho; redução dos gastos médicos. Treinamento e desenvolvimento dos trabalhadores Aumento do capital intelectual; aperfeiçoamento das atividades; satisfação profissional; aumento da produtividade. Ergonomia Aumento do desempenho nas atividades; redução dos acidentes de trabalho. Ginástica laboral Prevenção e reabilitação de distúrbios ocupacionais; prevenção de acidentes de trabalho; melhor integração entre os trabalhadores; diminuição do absenteísmo; aumento da produtividade. Benefícios Motivação; satisfação profissional; satisfação das necessidades pessoais; aumento da produtividade. Avaliação de desempenho Aumento do desempenho do trabalhador; aumento da produtividade; aumento da satisfação profissional. Higiene e segurança do trabalho Gera um ambiente mais saudável; prevenção de riscos à saúde; diminuição dos acidentes de trabalho; diminuição do absenteísmo e da rotatividade; aumento da produtividade. Estudo de cargos e salários Preservação dos recursos humanos; aperfeiçoamento da administração dos recursos humanos; aumento da motivação e satisfação dos trabalhadores; aumento da produtividade. Controle de álcool e drogas Redução de riscos; melhora na segurança operacional e saúde dos trabalhadores; melhora na autoestima; diminuição dos acidentes de trabalho e absenteísmo. Preparação para a aposentadoria Motivação; satisfação profissional; aumento da autoestima; melhora na relação interpessoal; descobrimento de novas habilidades e competências; benefícios na vida social e familiar do trabalhador. 9 UNIDADE Intervenções e Práticas em Qualidade de Vida e Saúde Mental no Trabalho Ações/programas Principais resultados observados Orientações nutricionais Diminuição da obesidade; mudança no comportamento de risco; aumento do desempenho e da disposição; aumento da produtividade. Terapias alternativas Aumento da tolerância ao estresse; melhora no relacionamento interpessoal; aumento da produtividade. Musicoterapia Aumento da autoestima; aumento do desempenho profissional; melhora no relacionamento interpessoal; aumento da tolerância ao estresse; prevenção de doenças. Antitabagismo Aumento da autoestima; aumento do desempenho e da disposição; prevenção de doenças. Fonte: Adaptado de Alves, 2011 Conforme Fernandes (1996, p. 59-60), embora o processo de implantação de um projeto de QVT seja uma experiência singular, considerando as suas especifi- cidades é possível estabelecer algumas fases, as quais constituem um padrão para qualquer empresa: • 1ª Sensibilização: etapa em que representantes da organização, do sindicato e consultores trocam as suas respectivas visões sobre o conjunto da empresa, buscan- do, juntos, os meios para modificá-las; • 2ª Preparação: fase onde são selecionados os mecanismos institucionais necessá- rios à condução da experiência, formando-se a equipe do projeto, estruturando os modelos e instrumentos a serem utilizados; • 3ª Diagnóstico: compreende dois aspectos: a coleta de informações sobre a natu- reza e o funcionamento do sistema técnico; e o levantamento do sistema social em termos de satisfação que os trabalhadores envolvidos experimentam sobre as suas condições de trabalho; • 4ª Concepção e implantação do projeto: à luz das informações colhidas na eta- pa precedente, a equipe do projeto, dispondo de um perfil preciso da situação, estabelece as prioridades e um cronograma de implantação da mudança relativa a aspectos que se mostraram passíveis de melhorias em termos de: tecnologia, novas formas de organização do trabalho, métodos de gestão, práticas e políticas de pes- soal e ambiente físico; • 5ª Avaliação e difusão: embora a avaliação desses projetos seja tarefa difícil, de- vido à dificuldade de informações confiáveis, é necessária para prosseguir com a implantação das mudanças, além do grupo experimental, bem como para posterior difusão aos outros setores. Nenhum programa de QVT será efetivo se não houver o apoio de uma nova filosofia gerencial e o aval da alta cúpula da empresa. Guest (1979 apud Fernandes, 1996) con- sidera a competência de nível gerencial como condição básica para o sucesso de pro- gramas de QVT. Acredita que além disso se faz necessário o comprometimento da alta administração com os objetivos do programa de QVT para o êxito de tais intervenções. Aponta ainda a necessidade de preparação dos gerentes para aceitar essas mudanças, pois estes precisam entender que é necessário dar espaço para a participação dos em- pregados nas tomadas das decisões, nos moldes do estilo consultivo, ou seja, focando em uma gestão compartilhada. 10 11 Para Fernandes (1996) os programas de QVT devem: • Atingir todos os níveis e as áreas da organizaçã o; • Ser implantados com conhecimento teórico prévio; • Ser implantados pela necessidade – e não pelo modismo; • Incluir estratégias de resolução de problemas, por meio de métodos participativos; • Envolver melhorias no ambientede trabalho, seja em termos físicos, tecnológicos e psicossociais; • Reajustar o sistema de recompensas, de modo que os ganhos advindos da partici- pação sejam partilhados entre os empregados; • Treinar as chefias para aceitarem a participação dos funcionários; • Efetivar mudanças no comportamento administrativo e no clima da empresa, apri- morando a cultura organizacional. Reconhecer uma autêntica QVT demanda que os trabalhadores sejam reconhecidos e valorizados enquanto “seres humanos/p essoas” e tratados como tais, respondendo às suas necessidades psicossociais, tais como autoestima, autorrealização, relações in- terpessoais etc. Segundo Bernal (2010), tudo isso reduziria significativamente os riscos psicossociais, especialmente o estresse e assédio moral no trabalho. Propostas de Cuidado em Saúde Mental no Trabalho Zanelli e Kanan (2018) apontam que para estabelecer intervenções que visem à saúde mental do trabalhador, atingindo fatores psicossociais, dentro dos limites e alcances da gestão de uma organização, faz-se necessário ter como objetivo primordial o diagnósti- co, a análise, o planejamento de ações, execução e avaliação de situações, dificuldades e facilidades nas interações humanas que demandam adequações ou fortalecimentos. Assim, sugerem ações em diferentes âmbitos, tais como fatores inerentes ao indivíduo trabalhador; internos ao trabalho – relacionados às condições do ambiente de trabalho, das tarefas, do grupo de trabalho e da própria organização –; e fatores externos ao trabalho. Acreditam os autores que somente desta forma poderão contribuir para uma gestão preventiva de riscos psicossociais nas organizações. Ainda na perspectiva de diagnóstico, foi criado o Protocolo de Avaliação dos Riscos Psicossociais no Trabalho (Proart), de modo a realizar o mapeamento de riscos psicos- sociais no trabalho, o qual é fundamentado em abordagens críticas e clínicas do trabalho (FACAS, 2013). A sua aplicação se dá a partir de instrumentos que envolvem a investi- gação de diversas dimensões que se vinculam à relação trabalhador-organização do tra- balho e objetivam embasar ações de saúde ocupacional, qualidade de vida no trabalho, reestruturação de processos organizacionais e de estilos de gestão. De maneira específica, o Proart objetiva: • Investigar as características da organização prescrita do trabalho; • Avaliar o estilo de gestão da organização; 11 UNIDADE Intervenções e Práticas em Qualidade de Vida e Saúde Mental no Trabalho • Levantar os riscos de sofrimento patogênico no trabalho; • Identificar os danos físicos e psicossociais decorrentes do trabalho; • Comparar a relação entre as dimensões analisadas do trabalho e os diferentes gru- pos demográficos; • Identificar relações causais entre os diferentes fatores das distintas escalas; • Oferecer subsídios para etapas posteriores de pesquisa e investigação, bem como guiar a elaboração de políticas de saúde ocupacional. Vale ressaltar ser praticamente unânime o posicionamento de estudiosos a respeito dessa temática quanto à relevância de realizar um diagnóstico prévio, de modo que qualquer prática ou proposta de intervenção esteja embasada nas demandas levantadas pelos trabalhadores que fazem parte da organização em estudo. Até o momento, buscamos esclarecer a necessidade de diagnosticar para depois intervir com ações e práticas adequadas, visando à saúde mental do trabalhador. A partir de agora, conheceremos um pouco sobre a “clínica do trabalho” como forma de “dar voz ao trabalha- dor”, elencando-a como uma proposta de cuidado em saúde mental no trabalho. Em um estudo sobre propostas de práticas institucionais para a prevenção e atenção aos riscos psicossociais no trabalho dos policiais civis do Distrito Federal, Damaso e colaboradores (2014) tomaram como base a psicodinâmica do trabalho, a qual procura compreender como os trabalhadores articulam, por meio de estratégias defensivas, o sofrimento frente a situações estressantes e de desequilíbrio. Salientam que o seu foco é proporcionar um espaço de discussão, em que o trabalhador possa se manifestar livre- mente sobre as suas angústias e aflições, ou seja, dos conteúdos manifestos. Desta forma, implementaram a clínica do trabalho como uma prática interventiva, por compreenderem que ao se deparar com o sofrimento patogênico, o trabalhador busca uma via de alívio, sendo que a clínica do trabalho proporciona o espaço de fala e escuta e promove a diminuição dos riscos psicossociais, além de desenvolver o campo das saúdes mental e do trabalho e entender como as pessoas sentem e vivenciam a de- fasagem existente entre os trabalhos prescrito e real. Esses autores ressaltam que a clínica do trabalho se organiza por meio de sessões coletivas, nas quais são discutidas as vivências de prazer e sofrimento dos trabalhadores, assim como as nuances que ocorrem na execução das tarefas no dia a dia de trabalho , podendo ser uma demanda tanto do trabalhador como das chefias (Dejours, 2008 apud Damaso et al., 2014). Para aprofundar os seus conhecimentos e ampliar o seu entendimento acerca do Proart, assista ao vídeo intitulado Saúde mental no trabalho, um desafio moderno, em que a professora da Universidade de Brasília (UNB), doutora Ana Magnólia Mendes explica o modo como a organização do trabalho implica no sofrimento do trabalhador, bem como menciona o Programa Práticas em Clínica do Trabalho, coordenado pela própria. Disponível em: https://youtu.be/BHNjVQQzmX4 12 13 Como um dos nossos propósitos é discutir sobre e propor práticas de intervenção visando à proteção e promoção de qualidade de vida e saúde mental no trabalho, de modo a favorecer um ambiente de trabalho saudável e que proporcione bem-estar aos trabalhadores dentro das organizações, compreendeu-se relevante elencar algumas prá- ticas, especialmente as voltadas ao estresse, burnout e assédio moral no trabalho. Práticas de Intervenção: Estresse no Trabalho Para Rothmann e Cooper (2017), o estresse é um dos fenômenos psicossociais nega- tivos que mais é percebido e diagnosticado nas organizações de trabalho. Considerando que forças organizacionais impactam no bem-estar dos funcionários, tais como as exigên- cias do cargo e a ausência de recursos par a o exercício do mesmo, com base em Barling e colaboradores (2002) e Rothmann (2014) são listadas como orientações gerais em relação ao papel da organização, no sentido de garantir o bem-estar no trabalho, o que se segue: Para Rothmann e Cooper (2017), o estresse é um dos fenômenos psicossociais ne- gativos que mais é percebido e diagnosticado nas organizações de trabalho. Conside- rando que forças organizacionais impactam no bem-estar dos funcionários, tais como as exigências do cargo e a ausência de recursos para o exercício do mesmo, com base em (BARLING et al., 2002 e ROTHMANN, 2014 apud ROTHMANN e COOPER, 2017) são listadas como orientações gerais em relação ao papel da organização, no sentido de garantir o bem-estar no trabalho, o que se segue: • Preocupação da empresa com a ergonomia; • Acompanhamento e avaliação dos funcionários; • Reestruturação do cargo e mudanças no trabalho; • Atenção para o estilo de liderança adotado; • Oferta de treinamentos; atenção para a estrutura e o clima organizacional; • Estabilidade no emprego; • Desenvolvimento da carreira; • Clareza quanto aos papéis organizacionais; e • Programas de qualidade de vida no trabalho. Neste último aspecto, os autores mencionados apontam como serviços a serem ofe- recidos as atividades que levem à boa forma, perda de peso, controle de dieta, parar de fumar e controlar a ingestão de álcool e drogas. No que tange à promoção do bem-estar mental, sugerem o serviço de aconselhamento e acesso aos serviços de psicólogos clí- nicos e psiquiatras. Práticas de Intervenção: Burnout Tal como apontado por inúmeros autores, a síndrome de burnout não é um proble- ma das pessoas, mas dos locais onde trabalham. Assim, faz-se necessárioimplemen- tar mudanças nas situações em que se desenvolvem as atividades, ou seja, no âmbito 13 UNIDADE Intervenções e Práticas em Qualidade de Vida e Saúde Mental no Trabalho organizacional, que contemplem o ambiente e clima de trabalho. Considerando como válid o esse posicionamento, é possível elencarmos dois tipos de estratégia: indiv iduais e organizacionais. Para Moreno e colaboradores (2011), revisar a organização do trabalho, com ações modificadoras e que promovam o bem-estar e previnam o surgimento de doenças, com medidas que perpassem a cultura organizacional até às condições de trabalho é de suma importância. Os mesmos autores sugerem como estratégias organizacionais a avaliação e reavalia- ção das empresas para os seguintes aspe ctos: recursos humanos suficientes, disponibi- lidade de materiais adequados, autonomia, participação na tomada de decisões, chefias abertas às reivindicações dos trabalhadores, resolução de conflitos de forma imparcial e justa, lotação do funcionário em local que este melhor se adaptar, incentivos e abonos salariais, entre outras ações. Como estratégias individuais, chamam a atenção para aquelas que se voltam a aspec- tos pessoais do sujeito, desde as suas características até as respostas emocionais dadas a uma situação estressante – Moreno e colaboradores (2011) denominam estratégias de enfrentamento (coping), que podem ser divididas em quatro, vejamos: • Englobam aspectos fisiológicos, práticas de exercícios físicos e relaxamento; • Sistema de apoio, contemplando conversas com pessoas de confiança e a prática de orações; • Trabalho voluntário, recreação, passar um tempo com a família e ter hábitos de leitura; • Habilidades interpessoais e de controle, senso de humor, estudar, pesquisar; ser otimista. As estratégias individuais podem não ser as mais simples, porém, têm a vantagem de dependerem exclusivamente de cada um. Assim, o trabalhador deve pensar mais em si e cultivar hábitos para manter o equilíbrio físico e mental. Moreno e colaboradores (2011) afirmam ainda que a eficácia da intervenção de combate ao burnout se dá com maior resolutividade com o uso de estratégias individuais; porém, devem ser corroboradas pe- las estr atégias organizacionais. Vale lembrar que as ações preventivas no contexto da síndrome de burnout somente serão viáveis quando tal doença não for estigmatizada unicamente como responsabili- dade do indivíduo, ou pelo relacionamento pr ofissional-usuário; necessita ser entendida como um problema da relação entre indivíduo, processo de trabalho e organização. Práticas de Intervenção: Assédio Moral no Trabalho Tendo em vista que o assédio moral e a violência no trabalho são fenômenos mult i- dimensionais, a prevenção/intervenção deveria ter um enfoque mais amplo, incluindo o indivíduo, trabalho e as atividades em níveis organizacional e social. Nesse sentido, Glina e Soboll (2012) buscaram identificar e si stematizar alguns métodos de intervenção em assédio moral. 14 15 No que consiste às intervenções individuais, as quais visam aumentar os recursos do indivíduo para lidar co m o estresse causado em decorrência do assédio; às vítimas do assédio moral no trabalho, sugere-se aconselhamento, grupo de apoio, estratégias de re- abilitação e retorno ao trabalho, ouvidoria. Tehrani (2003 apud GLINA; SOBOLL, 2012) sugere ainda que esse serviç o seja prestado por conselheiros profissionalmente treinados. Entre as técnicas citadas pelo autor, destacam-se a inquirição – debriefing –, terapia nar- rativa, terapia cognitivo-comportamental, psicoterapia e os grupos de autoajuda. Com base em diversas pesquisas, Glina e Soboll (2012) identificaram que uma das soluções utilizadas com sucesso por vítimas de assédio moral é a mudança de grupo de trabalho – ou mesmo de departamento – e que confrontar abertamente o agressor tende a agravar o problema. Ainda em nível individual, aponta-se como intervenções a serem empregadas com o sujeito assediador: o coaching, a reabilitação, transferência e, em último caso, o seu desligamento da empresa/organização de trabalho. Ademais, intervenções como mediação, arbitragem e ouvidoria podem ser recorridas tanto para assediados, quanto para assediadores. Por outro lado, ao pensarmos em intervenções que abarquem o grupo, a equipe e os colegas de trabalho, essas autoras salientam que o enfoque deve ser dado à melhoria dos relacionamentos no trabalho, à melhoria da adequação pessoa-ambiente ou à autonomia. Reforçam que o objetivo primário dos grupos é compartilhar os problemas, tranquilizar e dar apoio, escutar com empatia e trocar estratégias de coping bem-sucedidas. Contudo, salientam que incorporar esses grupos na organização é tarefa difícil. Ponderam ainda que a prática do aconselhamento, ou a formação de grupos de apoio às testemunhas de situ- ações de assédio moral no trabalho também é de grande relevância, uma vez que podem sofrer repercussões na saúde mental (SOARES, 2006 apud GLINA; SOBOLL, 2012). As principais intervenções em nível organizacional, de acordo com a literatura cien- tífica, envolvem a revisão de aspectos da empresa/organização de trabalho, podendo ir desde a cultura organizacional até a estrutura hierárquica, critérios ao estabelecimento de metas, desenho dos cargos, carga de trabalho, horários de trabalho, conteúdo do tra- balho, controle sobre o trabalho, ritmo de trabalho, reconhecimento no trabalho, padrão comunicacional, entre tantos outros fatores que favorecem o assédio moral. Muitos são os a spectos em nível organizacional que podem – e devem – ser obser- vados; assim, acrescentamos ainda a autonomia no tra balho; redução da quantidade de trabalho monótono e repetitivo; o aumento da informação sobre os objetivos organi- zacionais; aspectos ligados às práticas de recursos humanos e aos estilos de liderança adotados na organização. Igualmente devem ser contempladas como estratégias em ní- vel organizacional a adequação dos programas de saúde corporati va, o estabelecimento de uma política contra assédio moral e a disseminação dessa políti ca e de informações (GLINA; SOBOLL, 2012). Para que você possa aprofundar os seus conhecimentos a respeito de práticas de interven- ção em assédio moral no trabalho, e leia o artigo de Martiningo Filho e Soares Siqueira, os quais fazem uma análise do assédio moral nas organizações e discutem o papel da área de gestão de pessoas. Disponível em: http://bit.ly/2GnVrM8 15 UNIDADE Intervenções e Práticas em Qualidade de Vida e Saúde Mental no Trabalho Por fim, porém não esgotando o tema discutido nesta Unidade, cabe salientar que as empresas que buscam uma gestão de pessoas baseada na oferta de suporte organiza- cional e social aos seus trabalhadores, bem como visam à felicidade no trabalho, podem atingir elevados níveis de saúde mental no âmbito organizacional. Potencializar os fatores de proteção psicossocial por meio de embasamento teórico fundado na Psicologia Positiva, a qual pode ser tema de estudo futuro, é alternativa pos- sível de melhoria na qualidade de vida e bem-estar no trabalho e na saúde mental dentro das organizações. 16 17 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Leitura Estratégias de gerenciamento de riscos psicossociais no trabalho das equipes de saúde da família CAMELO, S. H. H.; ANGERAMI, E. L. S. Estratégias de gerenciamento de riscos psi- cossociais no trabalho das equipes de saúde da família. Revista Eletrônica de Enfer- magem, v. 10, n. 4, p. 915-923, 2008. http://bit.ly/2Z4goD6 Mudando a gestão da qualidade de vida no trabalho FERREIRA, M. C.; LEITE, J. V.; MENDES, A. M. Mudando a gestão da qualidade de vida no trabalho. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, v. 9, n. 2, p. 109-123, jul./dez. 2009. http://bit.ly/2Z8EQ69 As intervenções em estresse organizacional: considerações teóricas, metodológicas e práticas KOMPIER, M. A. J.; KRISTENSEN, T. S. As intervenções em estresseorganizacional: considerações teóricas, metodológicas e práticas. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, v. 6, p. 37-58, 2003. http://bit.ly/2Z6mdQ9 Estratégias organizacionais de gestão e intervenção sobre riscos psicossociais do trabalho VELOSO NETO, H. Estratégias organizacionais de gestão e intervenção sobre riscos psicossociais do trabalho. International Journal on Working Conditions, 2015. http://bit.ly/2Z4gH0I 17 UNIDADE Intervenções e Práticas em Qualidade de Vida e Saúde Mental no Trabalho Referências ALVES, E. F. Programas e ações em qualidade de vida no trabalho: possibilidades e limites das organizações. Revista Eletrônica Fafit/Facic, v. 2, n. 1, 2011. Disponível em: <http://www.fafit.com.br/revista/index.php/fafit/article/viewFile/16/12>. Aces- so em: 1 jul. 2019. BERNAL, A. O. Psicologia do trabalho em um mundo globalizado. Porto Alegre, RS: Artmed, 2010. COUTINHO, M. L. G.; MAXIMIANO, A. C. A.; LIMONGI-FRANÇA, A. C. Implan- tação de programas de qualidade de vida no trabalho com o modelo de gestão de projetos. Revista de Gestão e Projetos (GeP), São Paulo, v. 1, n. 1, p. 172-189, jan./jun. 2010. Disponível em: <http://www.revistagep.org/ojs/index.php/gep/arti- cle/view/11/122>. Acesso em: 30 jun. 2019. DAMASO et al. Práticas institucionais para prevenção e atenção aos riscos psi- cossociais no trabalho dos policiais civis do DF: contribuições da psicodinâmica do trabalho. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Clínica Psi- codinâmica do Trabalho e Gestão do Estresse) – Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2014. 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