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A doença renal crônica (DRC) é um conjunto de alterações clínicas e laboratoriais causadas por agressão persistente e irreversível ao rim. Observamos durante a discussão do MARC que a creatinina, de maneira isolada, é um marcador ruim de taxa de filtração glomerular. Nesse sentido, o que a podemos entender quando a filtração glomerular sofre mudanças? Um bom exemplo acontece quando a taxa de filtração vai baixando, outras funções renais, também, alteram-se. Falamos que o paciente é portador de doença renal crônica quando a TFG é inferior a 60 ml/min/1,73m2 (o normal é 100-120 ml/min). Além disso, existem outros marcadores que podem indicar que o aquele indivíduo tem uma lesão renal persistente, nas situações que a TFG é maior que 60 ml/min, eu posso usar o sumario de urina como marcador. Se existir hematúria/proteinúria indica lesão renal. Ainda sim, pode-se dosar a albumina na urina, quando ela está maior que 30 mg/g na amostra, então eu vou estar diante de um quadro de microalbuminúria (marcador de gravidade renal e cardiovascular). Essas alterações na TFG e no sumario de urina devem persistir por pelo menos 3 meses para fechar o diagnóstico de DRC. TRANSCRIÇÃO: Nivya Emanuele DATA DA AULA: 08/05/23 PROFESSOR: Cícero de Sousa Neto No Brasil, a primeira causa de DRC é a HAS e a segunda é o DM, seguido pela glomerulonefrite crônica. Em países desenvolvidos, a prevalência da DRC na população adulta varia de 10%-13%. Por que 3 meses? Porque quando o rim sofre um insulto agudo, por exemplo, um cateterismo com contraste iodato, o túbulo renal vai ser lesionado. Com isso, digamos que esse paciente, após o cateterismo, evoluiu com piora da TFG. Todo esse processo de lesão renal, dependendo do tipo de agressão aos túbulos e o tempo de agressão a estes, pode levar até 3 meses para lesionar e se recuperar. Por isso, só é possível rotular uma doença como crônica quando passa-se 3 meses e não teve recuperação alguma da lesão feita anteriormente. A detecção precoce da doença renal e condutas terapêuticas apropriadas para o retardamento de sua progressão pode reduzir o sofrimento dos pacientes e os custos financeiros associados à DRC. Como as duas principais causas de insuficiência renal crônica são a hipertensão arterial e o diabetes mellitus, são os médicos clínicos gerais que trabalham na área de atenção básica à saúde que cuidam destes pacientes. Ao mesmo tempo, os portadores de disfunção renal leve apresentam quase sempre evolução progressiva, insidiosa e assintomática, dificultando o diagnóstico precoce da disfunção renal. Quando avaliamos a DRC, esta possui diversos estágios de agressão. Quando a TFG < 15 ml/min, são pacientes que tem indicação de alguma terapia renal substitutiva (hemodiálise; diálise peritoneal; transplante), pois abaixo desse valor, esse indivíduo não consegue mais lidar com a filtração de água, eletrólitos e nenhum equilíbrio ácido-base. A hemodiálise no Brasil, o que é observado ao longo dos anos, só aumenta. Quanto mais se envelhece, mais aparecem casos de hipertensão e de diabetes, logo os casos de DRC disparam em seguida, uma vez que essas são as suas principais causas da lesão renal crônica. As regiões Sul e Sudeste possuem os grandes centros de diálise do Brasil. Existem, também, os outros estágios da DRC, seguindo como parâmetro a TFG. Por que essa classificação é importante? Porque, à medida que vai evoluindo cada estágio, mais complicações aparecem e maior é o dano renal originado. Um exemplo de complicação é o aparecimento de doença óssea quando sai do estágio G2 para G3. Se não bastasse, o risco cardiovascular vai aumentando de acordo com o grau de evolução da doença. Assim como a TFG, medir a albuminúria da urina é importantíssimo. Quando eu faço a relação dos dois valores (creatinina-albumina), eu devo encaixar em um dos três estágios: ➢ A1 (Normal/levemente aumentado): < 30 mg/g; < 3 mg/mmol. ➢ A2 (Moderadamente aumentado): 30-300 mg/g; 3-30 mg/mmol. ➢ A3 (Severamente aumentado): > 300 mg/g; > 30 mg/mmol. Isso é importante pois serve para pacientes que estejam o mesmo estágio em relação a TFG, mas que possuem maior alteração na relação creatinina-albumina. Quanto maior a microalbuminúria, maior será a progressão da doença renal e maior o risco cardiovascular. Estima-se que haja, atualmente, no mundo 850 milhões de pessoas portadoras de DRC, decorrente de várias causas. A doença renal crônica provoca pelo menos 2,4 milhões de mortes por ano, com uma taxa crescente de mortalidade. No Brasil, a estimativa é de que mais de dez milhões de pessoas tenham a doença. Uma terceira que é prudente sabermos é causa da DRC. A maioria dos pacientes que chegam ao nefrologista vêm pelo serviço de urgência. E quem seriam esses pacientes? Hipertensos, diabéticos e os glomerulopatas. Cada etiologia da DRC possui uma evolução distinta, por exemplo, as doenças intersticiais têm uma progressão mais lenta, os retornos ao nefrologista não precisam ser tão frequentes, mas, já no caso da doença cística, essa possui uma evolução rápida, então os retornos precisam ser mais frequentes. A grande maioria desses pacientes não são acompanhados pelo nefrologista especificamente e sim por clínicos, principalmente no caso de pacientes com HAS e diabetes. Logo, é necessário que estes indivíduos precisam ficar anualmente rastreando a DRC. O nefrologista só vai começas de fato a acompanhar o paciente quando este já está em estágio G4 ou mais, com o objetivo de retardar o início da diálise. Quem vai tentar lentificar esse processo de evolução, acompanhando inicialmente é o médico generalista. Nos pacientes em diálise, a cada 10 pacientes, 2 falecem dentro de um ano. Principalmente por doença cardiovascular. A creatinina é o principal marcador utilizado na prática clínica, principalmente por ser mais acessível e de baixo custo. No entanto, o problema de utiliza-la como marcador é porque esta não é secretada nos túbulos renais, além de sofrer variações dependo do gênero, da raça, da alimentação do indivíduo e entre outros fatores. Por exemplo, se uma pessoa utiliza suplementação de creatina por causa da prática de atividade física, isso interfere nos níveis séricos de creatinina. Logo, ela não é um marcador tão específico. Vale pontuar que pequenas alterações nos valores de creatinina resultam em grandes perdas na TFG. Dosar a cistatina C no sangue é uma outra opção de marcador de lesão renal, pois ela pode auxiliar a tirar dúvida em situações em que a creatinina não traz um diagnóstico tão preciso. A desvantagem é que a cistatina C é mais cara para dosar. Outra situação que trona mais difícil a dosagem de creatinina do paciente é quando à medida que a pessoa vai perdendo a taxa de filtração glomerular, o túbulo vai tentando corrigir aumentando a secreção da creatinina. Nesse sentido, os valores acabam ficando muito aumentados na tentativa de correção por parte do túbulo secretor, logo o resultado não fica tão fidedigno quando dosado. A importância de se dar o diagnóstico o mais precoce possível se dá porque, à medida que o clearance de creatinina vai diminuindo, a mortalidade cardiovascular e até a mortalidade provocadas por outras etiologias, vai aumentando. Então, veja que quanto pior o clearance, mais risco aquele paciente tem de ir a óbito. A mesma coisa acontece com a microalbuminúria, pois quanto maior a perda de albumina na urina, maior será o risco cardiovascular.Isso é importante para estabelecer com que frequência o paciente precisa ir ao nefrologista para controle e terapêutica correta. Quanto mais demora para esse paciente ir ao nefrologista, mais difícil é a recuperação deste e pior é a evolução da doença. Qual o perfil do paciente que eu preciso me atentar mais para investigar uma possível DRC? ➢ Diabéticos. ➢ Hipertensos. ➢ Obesos. ➢ Idosos. ➢ Imunossuprimidos. ➢ Pacientes com histórico familiar de DRC. ➢ Prematuros. ➢ Quem já teve algum tipo de injúria renal que levou a internação. ➢ Uso de substâncias nefrotóxicas. ➢ Fatores socioeconômicos. Em pacientes que se enquadrem nessa lista de fatores de risco, convém dosar a creatinina, a urina tipo I e a relação creatinina/albumina, pois o custo benefício é muito bom para eles. Independente da causa da DRC, no final das contas o que vai a acontecer é um processo inflamatório crônico, que aos poucos vão formando nos túbulos e interstícios uma série de fibroblastos produtores de colágeno. Isso irá resultar em glomeruloesclerose e fibrose do túbulo intersticial, fazendo com que esse paciente vá perdendo a capacidade de filtração glomerular, o que posteriormente pode acarretar outras complicações como anemia, doenças ósseas, acidose. Independente da etiologia, o mecanismo de agressão se mantém, glomeroesclerose/fibrose seguida de perda funcional de néfrons, o que gera a DRC e suas complicações. Processo inflamatório > Fibrose > Formação de citocinas pró inflamatórias > Proliferação de fibroblastos > Substituição do tecido saudável por fibrose. Devido a perda progressiva de néfrons, os poucos que ficam passam a trabalhar dobrado. Com isso, pode ocorrer hipertensão glomerular, o que leva a novos danos vasculares, estresse oxidativo e desordens metabólicas. Algumas drogas, como IECA, BRA e os inibidores da SGLT2 são utilizados para retardar a progressão da DRC, independente do paciente ser portador de diabetes ou hipertensão arterial. A administração de inibidores da ECA diminui a liberação de citocinas, além de diminuírem m o tamanho dos poros e melhoram a seletividade à passagem de proteínas pela membrana basal glomerular, prevenindo o acúmulo de macromoléculas no mesângio e a deposição secundária de matriz mesangial e, também, leva a queda da excreção de proteínas pelo rim. Já os inibidores da SGLT2 possuem um fator protetor devido a supressão de fatores pró inflamatórios e pró fibróticos nos rins, devido a supressão da hiperglicemia e do SRAA. O mais importante é a promoção de saúde e a prevenção primária, ou seja, tratar bem as doenças de base (HAS e diabetes). Depois deve-se identificar a causa da DRC, em seguida estadiar o paciente, o colocando na classificação correta. Além disso, deve-se detectar e corrigir as causas reversíveis, por exemplo, substituir/retirar algum medicamento com potencial nefrotóxico que aquele paciente pode estar ingerindo. Depois de tudo isso, vamos pensar em possibilidades que possam retardar a evolução da DRC e prevenir complicações associadas. E, por último, planejar precocemente qual terapia substitutiva é mais indicada para aquele paciente, explicando todas as vantagens e desvantagens. A etiologia mundial mais comum da DRC é a diabetes, porém, no Brasil é a HAS que dispara como principal causa desse quadro. Uma das preocupações do clínico é tentar afastar as causas reversíveis, como cessar o uso de antibióticos ou anti inflamatórios que são nefrotóxicos, substituindo por outro medicamento que não seja nefrotóxico. Por que os pacientes com DRC morrem tanto de complicações cardiovasculares? Porque, além dos fatores risco que já conhecemos sobre as doenças cardiovasculares, como hipertensão, diabetes, dislipidemia; o paciente renal crônico desenvolve, também, outras complicações decorrentes da DRC, o que piora os riscos cardiovasculares. Em uma situação de emergência, paciente está com a pressão elevada, eu posso utilizar um IECA ou BRA inicialmente para manejar esse paciente? NÃO! Porque esses medicamentos são apara retardar a evolução da DRC, mas na vigência de uma situação de agonização, esses medicamentos vão atrapalhar. O motivo é porque a angiotensina promove um aumento da vasoconstrição da arteríola eferente e isso aumenta a filtração glomerular, logo, se eu bloquear essa ação com um IECA ou BRA, vai cair ainda mais a TFG, agravando o quadro do paciente. Como eu retardo a progressão da DRC? ➢ Controlando a doença de base (tratando e acompanhado corretamente pacientes diabéticos e hipertensos). ➢ Orientando sobre alimentação (dieta com menos proteínas para evitar proteinúria). ➢ Cessar fumo. ➢ Controlar a glicemia do paciente. ➢ Controlar a acidose. ➢ Controle de peso (obesidade é fator de risco). IECA ou BRA são sempre benéficos. Mas eu posso combiná-los para ter um efeito mais potente no tratamento desse paciente? NÃO! Toda vez que tentamos combinar essas duas medicações, os pacientes apresentam piora da função renal e desenvolviam hipercalemia, levando a maior risco de morte súbita. Depende do estágio que o paciente se encontra. Em paciente que se encontram entre G1-G4 é possível fazer esse controle, mas aquele paciente que já está quase indo para a diálise, é mais complicado pois ao tentar manter o nível glicêmico próximo do que é indicado, o paciente pode morrer por hiperglicemia. Por que isso acontece? Porque as medicações que esses pacientes usavam anteriormente já não são mais seguras, pois grande parte das sulfonilúreias possuem meia vida muito longa em um paciente renal crônico com clearance de creatinina menor que 30, vais durar de 3 a 5 dias no organismo da pessoa. Logo, esse paciente faz hipoglicemia por vários dias, o que agrava mais o estado do paciente. Quanto mais avançado o estágio da DRC, menos são as opções de medicações para tratar diabetes, nos estágios finais só pode usar insulina. As demais medicações para tratar a diabetes não podem ser prescritas para pacientes com clearance de creatinina menor que 30, pois estes provocam um estado de hipoglicemia persistente. Outra complicação da doença renal é acidose, resultado da redução do clearance de creatinina. O quadro acidose leva a mais complicações da DRC, por isso é importante ficar fazendo a gasometria desse paciente para verificar os níveis de bicarbonato circulantes, tendo como objetivo mantê-los entre 22 – 24 mg/dl. A obesidade, por diversos motivos, acelera a progressão da DRC. Isso ocorre porque ela aumenta a vasoconstrição, ela induz a resistência a insulina e hiperativa o SRAA. Por tudo isso, a obesidade torna o processo de gloméruloesclerose bem mais rápido. No cigarro existem metais pesados que levam a lesão tubular, além de gerar hipóxia, vasoconstrição, estresse oxidativo, induz inflamação, é pró trombótico e é uma das causas de hipertensão. É comum nesses pacientes o aumento dos níveis de ácidoúrico, o que leva a crises de gota à medida que vai progredindo a DRC. Pode utilizar a aspirina nos pacientes com eventos isquêmicos prévios, pois diminui os riscos de infarto e outros eventos cardiovasculares. No caso das estatinas, pode ser utilizada em pacientes não dialíticos (não é muito eficaz em pacientes que já estão em diálise). À medida que a TFG vai diminuindo, as complicações da DRC vão surgindo, como amenia, doenças ósseas, hiperpotassemia, hipocalemia, acidoses, entre outras. À medida que vai saindo da taxa de filtração normal para a diálise, o paciente vai fiando cada vez mais “inflamado”, por isso o maior risco cardiovascular. A resposta imunológica sofre alterações, os neutrófilos polimorfonucleares e os linfócitos vão ficando menos atuantes, por isso o paciente fica mais predisposto a desenvolver infecções (as toxinas urêmicas inativam a funcionalidade dessas células). A segunda causa de morte de DRC é por infecção. O sistema imunológico é importante não só para combater infecções, mas também para eliminar células anormais. Nesse sentido, à medida que a DRC progride, aumenta o risco de neoplasias, pois as células do sistema inume passam a não conseguir mais “enxergar” essas células estranhas. Outra que consequência dessa queda da funcionalidade dos linfócitos é que eles não fazem mais uma resposta imune efetiva, até quando o paciente é vacinado. A anemia desses pacientes é causada principalmente devido a queda da produção de eritropoetina. Ela começa a aparecer quando o clearance está abaixo de 60. Esses pacientes quase sempre precisam repor eritropoetina e, se a ferritina tiver menor que 100, tem que repor ferro também. Outra complicação é a doença óssea. O rim a principal fonte de excreção do fósforo. É possível corrigir facilmente os níveis de fósforo circulante, pois muitos alimentos são fontes de fósforo. O problema é que ele só tem uma via de saída, que o rim, então quando o paciente tem insuficiência renal, esse fósforo passa se acumular, o que sinaliza para a tireóide para produzir paratormônio e liberar cálcio para se ligar a esse fósforo e baixar os níveis séricos desse ión. O rim também é responsável pela ativação da vitamina D, que é importante para aumentar a absorção intestinal de cálcio. Se o paciente tem insuficiência renal, ele não tem vitamina D, logo não absorve cálcio corretamente e provoca hipocalcemia. Cenário da doença óssea da DRC: hipocalcemia, deficiência de vitamina D, paratormônio alto e fósforo alto. O problema de ter fósforo alto é que esse ión tem afinidade com o cálcio, eles se grudam e se depositam nos vasos, o que acelera a produção de placas ateroscleróticas. Para baixar o fósforo utiliza-se medicações que “grudam” no fósforo da dieta e restringir o consumo de alimentos ricos em fósforos. Quando o paciente já está no estágio G4 e não se pode mais fazer muita coisa, você tem que explicar sobre a terapia renal substitutiva, falando e esclarecendo sobre os benefícios e malefícios de cada uma e preparar o acesso vascular (fistula arteriovenosa), para permitir a passagem das agulhas para diálise. Tem que fazer essa preparação porque essas fistulas arteriovenosas demoram de 3 a 4 meses para ficar pronta para punção. Pacientes com clearance abaixo de 15 tem que dialisar, principalmente se este for portador de algum sintoma, como náuseas, vômitos, sintomas de rebaixamento.