Buscar

CRIMES CONTRA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 3 páginas

Prévia do material em texto

CRIMES CONTRA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO1
1. Considerações preliminares
Os crimes contra o Estado Democrático de Direito foram inseridos no Código Penal pela Lei n. 
14.197, de 2021, que revogou a Lei n. 7.170/83, a conhecida Lei de Segurança Nacional, de triste memória, 
criando o XII Título da Parte Especial do Código Penal, dividido em quatro capítulos, passando a regular os 
denominados “Crimes contra o Estado Democrático de Direito”, quais sejam: o Capítulo I tratou dos 
“crimes contra a soberania nacional” (art. 359-I — atentado à soberania; art. 359-J, atentado à integridade 
nacional; e art. 359-H, espionagem); o Capítulo II, dos “crimes contra as instituições democráticas (art. 359-
L, abolição violenta do estado democrático de direito; e art. 359-M, golpe de estado); o Capítulo III, dos 
“crimes contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral” (art. 359-N, 
interrupção do processo eleitoral; e art. 359-P, violência política; vetados os arts. 359-O e Q); e o Capítulo 
IV, dos “crimes contra o funcionamento dos serviços essenciais” (art. 359-R, sabotagem — com fim 
específico de abolir o estado democrático de direito). Foram acrescentados oito novos crimes, além 
daqueles que foram vetados, os quais ainda poderão ter seu veto derrubado pelo Congresso Nacional.
Pela orientação político-legislativa do legislador, os crimes relacionados na Lei n. 14.197/2021 
perderam, naturalmente, a característica de crimes políticos, como ocorria naquele diploma legal 
revogado. O objetivo fundamental desta lei nova foi exatamente estabelecer uma ruptura definitiva com o 
vetusto diploma legal revogado (Lei n. 7.170/83), especialmente visando afastar a natureza de crimes 
políticos84 como era naquela lei, cuja demonstração mais eloquente dessa pretensão do legislador foi a 
ousadia de incluí-los no Código Penal, que, por tradição histórica, nunca tratou de crimes políticos, não 
seria agora que o legislador cometeria uma heresia dessa natureza. Aliás, o próprio legislador, que sabe 
disso, se os considerasse como crimes políticos não os teria incluídos no Código Penal.
A doutrina nacional sempre classificou como políticos os crimes tipificados nas sucessivas Leis de 
Segurança Nacional, inclusive na Lei n. 7.170/83, agora revogada por esta Lei n. 14.197/2021. Considerava-
se, inclusive, que o critério distintivo entre os crimes comuns e os crimes políticos residia própria Lei de 
Segurança Nacional: considerava-se político o crime que, além de estar previsto na Lei n. 7.170/83, fosse 
praticado com a finalidade de ofender, lesar ou de expor a perigo de lesão os bens jurídicos mencionados 
no art. 1º dessa lei. Em outros termos, ter-se-ia adotado um critério misto, segundo Nucci85. Adotou-se, 
assim, pela doutrina, as concepções sustentadas pela então vigente Lei n. 7.170/83, ora revogada. A partir 
de agora, não se fala mais em Lei de Segurança nacional, mas em Lei do Estado Democrático de Direito.
Não se ignora que a classificação de crime político não decorre de mera interpretação ou 
motivação filosófica, mas resulta, inegavelmente, da prevalência das forças políticas dominantes, não 
havendo um critério racional para fundamentar uma distinção ontológica entre crime comum e crime 
político. Por isso, é razoável adotar-se o entendimento de Padovani, segundo o qual, a possível ausência 
ontológica de um tal critério, e o absurdo de delinear um direito penal político, o qual resulta de uma 
simples valoração política, mascarada pelos elementos exteriores do direito, para ser usada em tempos de 
repressão86.
Não nos preocupa o fato de a Constituição Federal ainda referir-se a crimes políticos, pois ela surgiu 
em um momento de ruptura com o passado ditatorial e um novo amanhã democrático. No entanto, não 
deixa de merecer questionamentos a demora para a revogação daquela Lei de Segurança Nacional, pois o 
marco inicial de uma nova ordem constitucional iniciou-se em 1988, portanto, nosso Congresso Nacional 
dormiu em berço esplêndido nesse longo período de mais de trinta anos. Esse novo marco constitucional 
está fundado na soberania, cidadania pluralista, dignidade da pessoa humana e no pluralismo político-
partidário, cujo resgate, finalmente, é feito com a atual Lei n. 14.197/2021. Pois, nesse diploma legal, 
1 Delmanto, Celso, et al. Código penal comentado . Disponível em: Minha Biblioteca, (10ª edição). Editora Saraiva, 
2021. See More
registra-se a descriminalização do exercício democrático da cidadania, nos seguintes termos: “Não constitui 
crime previsto neste Título a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística 
ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de 
aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais” (art. 359-T).
Talvez seja um dos dispositivos legais mais importantes desse novo diploma legal, embora tal 
descriminalização já tenha sido antecipada pela própria Constituição Federal. Não aprofundaremos aqui, 
nesta introdução, o questionamento sobre os crimes políticos, mas, no particular, subscrevemos as lições 
de Rogério Sanches expostas no magnífico livro Crimes contra o Estado democrático de direito87, o qual 
recomendamos, pois esgota a matéria com o brilhantismo que o caracteriza.
Estamos de acordo com as críticas que fez Rogério Sanches88 sobre a classificação entre crimes 
comuns e crimes políticos, na medida em que em um Estado Democrático de Direito consolidado não há 
espaço para a classificação de crime político. Nas passagens em que o texto constitucional a ele se refere 
devem ser consideradas as circunstâncias e o momento logo após longo período de vigência de um Estado 
de Exceção, e, talvez, ainda certa insegurança sobre a redemocratização do País. No entanto, não há mais 
espaço, na atualidade, para essa dicotomia. Assim, deve-se ignorar essa classificação pela ausência de 
sentido em um Estado Democrático de Direito como é a nossa atual realidade. Também não vemos este 
novo rol de crimes Contra o Estado Democrático de Direito como crimes políticos, mas somente como 
crimes contra a própria República Democrática do Brasil, algo, mutatis mutandis, similar aos crimes contra 
a Administração Pública lato senso. Na mesma linha do Prof. Rogério Sanches, verbis:
“Afirmar que algum dos crimes do Título XII do CP é político levará à lógica e insuportável conclusão 
de que, por exemplo, alguém que tenha negociado para tentar suprimir a existência de um dos 
Poderes e, desse modo, do próprio Estado Democrático de Direito, possa, depois de condenado, 
voltar a cometer o mesmo ato, sem que seja considerado reincidente, bem como que, durante o 
cumprimento da pena seja possivelmente o único de sua unidade prisional a estar desobrigado do 
dever de trabalhar. E mais: seria aceitar que alguém que tenha, em janeiro deste ano, participado 
da violenta tentativa de impedir o exercício das funções do colégio eleitoral norte-americano de 
referendar o resultado das urnas, e que venha a ser criminalmente processado por isso, tenha sua 
extradição negada pelo Brasil, sob o argumento do delito político”.
Poder-se-á até questionar sobre a competência para conhecer e julgar referidos crimes, se da 
Justiça Estadual ou da Justiça Federal, mas, certamente, não será invocando a natureza política desses 
crimes porque ela não existe, pois são, como diz sua própria ementa Crimes contra o Estado Democrático 
de Direito, e isso não tem nada a ver com crime político. Logicamente, não se pode comparar à 
competência da Justiça Federal assegurada para o julgamento dos Crimes contra o Sistema Financeiro 
Nacional, pela singela razão de que para estes crimes, o legislador tomou a cautela de prever, 
expressamente, a competência da Justiça Federal no art. 26 da Lei n. 7.492/86. Por isso, não se pode 
invocar essa competência porque, contrariamente, a Lei n. 14.197 silenciou a respeito de competência.
Contudo, os doutrinadores EugênioPacelli e Douglas Fisher89 sustentam que se trata de crimes 
políticos, nos seguintes termos:
“Tais delitos submetem-se à competência da Justiça Federal e poderão ser objeto de recur-so 
ordinário para o Supremo Tribunal Federal (art. 102, II, b)”. É que, “nos termos do art. 108, da 
Constituição, cabe aos Tribunais Regionais Federais o julgamento, em grau de recurso, das decisões 
proferidas pelos juízes federais (art. 108, II), texto esse perfeita-mente compatível com a previsão 
de cabimento de recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal. Assim, este último recurso (o 
ordinário) será cabível apenas da decisão dos Tribunais Re-gionais Federais. Justificada a escolha do 
constituinte pela existência de três níveis de apreciação ordinária da matéria, exatamente em razão 
das particularidades que envolvem os crimes políticos”.
E, complementando o entendimento retromencionado, os dignos doutrinadores acrescem a 
seguinte afirmação:
Extrai-se de decisões do Supremo Tribunal Federal (v.g. RC n. 1473-SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, 
DJ 18-12-2017), que “crimes políticos, para os fins do art. 102, II, b, da Constituição Federal, são 
aqueles dirigidos, subjetiva e objetivamente, de modo imediato, contra o Estado como unidade 
orgânica das instituições políticas e sociais e, por conseguinte, definidos na Lei de Segurança 
Nacional, presentes as disposições gerais estabelecidas nos arts. 1º e 2º do mesmo diploma legal. 2. 
“Da conjugação dos arts. 1º e 2º da Lei n. 7.170/83, extraem-se dois requisitos, de ordem subjetiva 
e objetiva: i) motivação e objetivos políticos do agente, e ii) lesão real ou potencial à integridade 
territorial, à soberania nacional, ao regime representativo e democrático, à Federação ou ao Estado 
de Direito. Precedentes” (RC 1472, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, Rev. Min. Luiz Fux, 
unânime, j. 25-5-2016).
Com todas as vênias, discordamos radicalmente do entendimento assumido pelos doutrinadores 
Pacelli e Fisher, os quais, em seus Comentários ao CPP e sua Jurisprudência90, fundamentam, basicamente, 
que seria pelo fato de referida lei estar substituindo, ainda que tardiamente, a Lei n. 7.170/83, a qual tinha 
esse viés político. Aliás, esse aspecto é, convenhamos, absolutamente irrelevante, até porque com novo 
diploma legal — Lei n. 14.197/2021 —, o legislador pretendeu enterrar de uma vez por todas a malfadada 
Lei de Segurança Nacional, que tantos males causou a nação brasileira e aos brasileiros durante o Estado de 
Exceção, de um modo geral e, como destacamos acima, não se trata de crimes políticos, aliás, não lhes 
havendo mais espaço em um Estado Democrático de Direito, como é o Brasil.

Continue navegando