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Rodrigo Lobo Canalli Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Sumário 1. Introdução ...........................................................................................3 2. Normas locais e a Constituição Federal ...............................................3 3. Normas locais e as constituições estaduais .........................................7 4. Controle difuso de constitucionalidade de normas locais ....................10 5. A representação de inconstitucionalidade estadual .............................12 6. Normas locais e jurisdição constitucional do STF ................................15 7. Considerações finais ............................................................................16 8. Para aprofundar ..................................................................................17 Glossário .................................................................................................18 Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 3 1. Introdução Seja bem-vindo, caro aluno, à segunda aula do nosso curso, na qual investigaremos a aplicação dos mecanismos judiciais de controle de constitucionalidade ao exame de leis estaduais, distritais e municipais. Na aula anterior, traçamos o mapa, por assim dizer, da divisão constitucional de competências normativas entre os diferentes entes formadores da estrutura federativa brasileira. Um ponto importante a ser destacado diz respeito à distinção entre as competências legislativas conferidas pela Constituição em caráter privativo e aquelas conferidas em caráter concorrente. A partir de agora, deixando a União um pouco de lado, vamos nos concentrar na relação entre a produção legislativa dos entes periféricos e os mecanismos de que dispõe o Poder Judiciário para fiscalizar a constitucionalidade das leis ou atos normativos estaduais, distritais e municipais em face tanto das constituições estaduais quanto da Constituição Federal. Combinado? Nosso principal objetivo é compreender como as normas locais se relacionam com a Constituição Federal e com as constituições estaduais. Nesta aula, também estudaremos como é feito o controle de constitucionalidade das normas locais pelos Tribunais de Justiça em face da Constituição estadual. Vamos lá! 2. Normas locais e a Constituição Federal Para os fins que interessam ao tema do nosso curso, podemos dizer que a Constituição Federal desempenha três papéis distintos. Em primeiro lugar, ela é a Constituição da Federação, o chamado Pacto Federativo. Nessa dimensão, é o documento que organiza a estrutura federativa, definindo os espaços de poder a serem exercidos pelos entes que a integram (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e como se dá o relacionamento entre eles. A distribuição de competências normativas, que estudamos na aula anterior, faz parte desse aspecto da Constituição. Outro tema relevante que diz respeito ao Pacto Federativo é a estruturação do sistema tributário nacional, com a definição das competências tributárias de cada ente e das regras para a repartição das receitas. O segundo papel desempenhado pela Constituição é o que podemos chamar de Constituição da União. No exercício desse papel, a Constituição Federal define Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 4 as regras estruturantes das instituições internas do ente político União, como, por exemplo, o funcionamento dos seus poderes. Aqui, o objeto não é a relação entre os diferentes entes políticos, e sim a estrutura interna de um deles, no caso o ente central. Esse papel, como veremos, será desempenhado, no âmbito dos Estados, pelas respectivas constituições estaduais, e, nos municípios e no Distrito Federal, pelas respectivas leis orgânicas. Por fim, a Constituição da República contém instruções que devem ser observadas pelos Estados na elaboração das constituições estaduais e pelos Municípios e pelo Distrito Federal na elaboração das leis orgânicas. Assim, enquanto o poder constituinte originário, ao promulgar a Constituição Federal, parte “do zero”, sem se sujeitar a limite jurídico algum que o anteceda, o chamado poder constituinte decorrente (poder constituinte estadual) é, na ordem jurídica brasileira, sempre derivado e já nasce confinado aos limites para ele definidos na Constituição Federal. Dessa estrutura decorre que as leis e os demais atos normativos produzidos por um Estado são hierarquicamente subordinados tanto à Constituição Federal quanto à estadual. Assim, lei estadual que estiver em desconformidade com qualquer uma dessas constituições será inconstitucional e, consequentemente, inválida. Con stituição estadual Le i o rgâ nica do Município Cons tituição Federal Estrutura Política da Federação Estrutura Administrativa da União Diretrizes para Estados e Municípios Estrutura Administrativa do Estado Estrutura Administrativa do Município *Para simplificar a visualização, o infográfico não inclui o Distrito Federal. Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 5 Analogamente, como você já deve ter adivinhado, as leis municipais também devem estar de acordo não apenas com a lei orgânica do próprio Município mas também com a Constituição do Estado a que pertence e com a Constituição Federal. Neste ponto, é bom relembrar que, como vimos na aula anterior, não há, a rigor, relação de subordinação entre leis ordinárias federais e leis ordinárias estaduais. Aquelas e estas ocupam, lado a lado, o mesmo degrau na escada da hierarquia das leis, mas cada uma deve se manter dentro da sua esfera material de competência. Como isso funciona? Vamos a um exemplo prático. Segundo a Constituição Federal, compete à União legislar privativamente sobre trânsito (artigo 22, XI, da CF). Isso significa que a União, e somente ela, define as regras a serem observadas no trânsito. Em consonância com essa previsão constitucional, a União editou o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/1997), que, em um de seus dispositivos, torna obrigatório o uso do cinto de segurança para condutor e passageiros de automóveis em todas as vias no território nacional. Agora imagine a seguinte situação: indo de encontro ao disposto no Código de Trânsito Brasileiro, um dado Estado edita uma lei que desobriga condutores e passageiros de automóveis do uso do cinto de segurança nas vias localizadas em seu território. Em nosso ordenamento, tal lei seria inválida, mas não por contrariar o Código de Trânsito, uma vez que a lei estadual em questão e o Código, lei federal, ocupam a mesma posição na hierarquia das leis – são ambas leis ordinárias, cada uma produzida por um ente federativo, uma pelo Estado e a outra pela União –, e sim por contrariar a norma da Constituição que atribuiu à União, e não ao Estado, a competência para decidir sobre a matéria trânsito. CF/1988: compete à União legislar privativamente sobre trânsito (art. 22, XI, da CF) A União editou o Código de Trânsito Brasileiro (Lei federal ordinária 9.503/1997) O Estado editou lei estadual ordinária sobre matéria atribuída à União pela CF/1988 (trânsito) Mesma posição hierárquica Lei estadual inválida por contrariar a norma da CF/1988 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503.htm Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 6 Da mesma forma, se uma lei federal invade o espaço de competência legislativa que pertence ao Estado, é aquela que será nula, e não esta. Nesse caso, a lei local prevalecerá sobre a norma federal. Vejamos o que diz uma voz da doutrina sobre isso: A lei estadualnão é ilegal por contrariar a norma nacional. A antinomia é no plano constitucional: se uma norma estadual contraria uma norma nacional é porque invadiu espaço constitucionalmente estabelecido para aquela, tornando-se, então, formalmente inconstitucional. Em igual sentido, se uma norma nacional for além do que lhe é constitucionalmente atribuído, invadindo o âmbito estadual, não haverá ilegalidade, mas inconstitucionalidade. (LOPES FILHO, Juraci Mourão. Competências federativas na Constituição e nos precedentes do STF. Salvador: Juspodivm, 2012.) Não é outro o entendimento consagrado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF): (...) Com efeito, embora o Procurador-Geral da República, nas razões do pedido, tenha desenvolvido sua argumentação considerando o que dispõe a Lei Federal (...), fato é que, no presente caso, o que está em jogo é a possível invasão da competência legislativa da União, o que envolve, diretamente, a confrontação da lei atacada com a Carta Republicana (art. 24, incisos V e XII, da Constituição Federal). (ADI 4.955/CE, Relator o Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgamento em 14.9.2014, DJe de 17.11.2014.) (...) CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE – OBJETO. O controle concentrado de constitucionalidade é feito a partir do cotejo do pronunciamento atacado com o Diploma Maior, mostrando-se desinfluente o fato de haver norma diversa, de índole federal, a tratar de certo tema (…). (ADI 4.954/AC, Relator o Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgamento em 20.8.2014, DJe 213, de 29.10.2014.) Em síntese, tal qual as leis e os atos normativos federais, as leis e atos normativos estaduais, municipais e distritais também têm o seu espaço próprio de atuação determinado pela Constituição Federal. JURACI MOURÃO LOPES FILHO Doutor (Unifor) e Mestre (UFC) em Direito Constitucional. Pós-Graduado Lato Sensu em Direito Processual Civil (UFC). Professor da Unichristus – Graduação e Pós-Graduação. Procurador do Município de Fortaleza. Advogado. http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4401900 http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4401897 Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 7 3. Normas locais e as constituições estaduais Segundo o art. 25, caput, da Constituição da República, “os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. Isso quer dizer que não só as leis estaduais mas também as próprias constituições estaduais devem estar de acordo com limites definidos pela Constituição Federal. O dispositivo que acabamos de citar deixa claro que, embora o Estado tenha certa autonomia para elaborar sua própria Constituição, esta deverá observar uma série de princípios previamente determinados pela Constituição Federal. Em outras palavras, será inconstitucional o dispositivo de Constituição estadual que contrariar a Constituição Federal naquilo em que esta configura diretriz para os Estados. Por exemplo: o art. 75, parágrafo único, da Constituição da República dispõe que os Estados deverão tratar, em suas respectivas constituições, dos Tribunais de Contas, mas não poderão decidir o número de conselheiros, que a própria Constituição Federal já fixa em 7. Diante dessa diretriz expressa da Constituição Federal para os Estados, seria manifestamente inconstitucional um hipotético dispositivo de Constituição estadual que, ao dispor sobre o respectivo Tribunal de Contas, definisse que este será composto de 6 membros, ou de 8. Não é nossa pretensão, porque fugiria do escopo deste curso, mapear todos os princípios e normas da Constituição Federal que devem necessariamente ser reproduzidos pelos Estados. Vale a pena mencionar, no entanto, os princípios sensíveis, Constituição Federal Constituição Estadual Composição do Tribunal de Contas = 7 conselheiros Não pode dispor sobre a composição do Tribunal de Contas, pois já está previsto na CF Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 8 Saiba Mais enumerados no artigo 34, VII, da CF, assim chamados porque sua inobservância dá ensejo à intervenção da União no Estado. São eles: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta. e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. É pertinente ressaltar também que o STF tem conferido interpretação extensiva à parte final do art. 25, caput, da Constituição da República, para considerar de observância compulsória pelos Estados um vasto corpo de preceitos da Constituição Federal, ainda que sem comando expresso de reprodução obrigatória nas constituições estaduais. É o caso das regras constitucionais sobre o processo legislativo, como aquelas relativas à reserva de iniciativa. Processo legislativo é o processo de elaboração de leis. Tem início com a apresentação de um projeto de lei e é concluído, em regra, com a sanção da lei pelo presidente da República. No plano federal, nos termos do artigo 61 da CF, o processo legislativo pode ser iniciado, no tocante às leis ordinárias e complementares, por qualquer membro da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, pelo presidente da República, pelo STF, pelos Tribunais Superiores, pelo procurador-geral da República e pelos cidadãos (iniciativa popular). Fogem a essa regra as leis sobre matérias sujeitas à chamada iniciativa privativa, ou reserva de iniciativa. Nesses casos, há restrição acerca de quem pode dar início ao processo de elaboração e aprovação de lei. Assim, de acordo com a Constituição, somente o presidente da República pode apresentar projeto de lei sobre, por exemplo, a fixação ou modificação dos efetivos das Forças Armadas ou a aposentadoria dos servidores públicos da União. Já a lei complementar que venha a dispor sobre o Estatuto da Magistratura é de iniciativa privativa do STF. A projeção compulsória das regras de reserva de iniciativa da Constituição Federal nas constituições estaduais obriga que as matérias sujeitas, no plano federal, à iniciativa privativa do presidente da República, fiquem, no plano estadual, reservadas à iniciativa privativa do governador. Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 9 A jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que tais regras devem necessariamente ser observadas pelos Estados. Veja este precedente: 1. Os arts. 61, § 1º, II, “a”, e 63, I, da Constituição da República traduzem normas de obrigatória observância pelos Estados-membros (arts. 18 e 25 da Constituição da República). 2. Segundo a jurisprudência reiterada desta Suprema Corte, embora o poder de apresentar emendas alcance matérias de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, são inconstitucionais as alterações assim efetuadas quando resultem em aumento de despesa, ante a expressa vedação contida no art. 63, I, da Constituição da República. Precedentes. (...) (ADI 4.884/RS, Relatora a Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgamento em 18.5.2017, DJe de 31.5.2017.) Entende-se que tal jurisprudência deixa pouco espaço de liberdade para as constituições estaduais experimentarem desenhos institucionais diferentes daquele adotado pela União, já que lhes acaba sendo vedado dispor de modo diverso sobre qualquer tema relevante. Aponta-se como um dos efeitos desse entendimento do STF o esvaziamento do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos estaduais e municipais em face das constituições estaduais,uma vez que o parâmetro de controle estará, quase sempre, na própria Constituição Federal, tendo sido apenas reproduzido na estadual. Para encerrar o tópico, não vamos nos esquecer de que apenas as leis e os atos normativos de um Estado e dos Municípios nele localizados devem observância a sua própria Constituição. Portanto, apenas as leis e os atos normativos desse Estado e dos seus Municípios podem ter a constitucionalidade questionada em face de sua Constituição estadual. http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4336505 Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 10 Em outras palavras, leis federais não podem ter a constitucionalidade questionada em face de Constituição estadual, assim como as leis de um Estado não podem ser questionadas em face da Constituição de outro, nem as leis de um Município podem ser questionadas em face da Constituição de outro Estado que não aquele no qual esteja situado. 4. Controle difuso de constitucionalidade de normas locais O controle de constitucionalidade não começa no STF, com o exame do recurso extraordinário. A Suprema Corte, em grau de recurso, revisa o exercício da jurisdição constitucional difusa, que é exercida pelas instâncias ordinárias. Tal fato é evidenciado pela exigência do chamado prequestionamento, ou seja, do requisito de admissibilidade dos recursos extraordinários segundo o qual a matéria objeto dos preceitos constitucionais invocados pelo recorrente deve ter sido enfrentada nas instâncias ordinárias. TIPO DE LEI federal estadual municipal Pode ter a constitucionalidade questionada Em face da Constituição Federal Em face de Constituição estadual Em face da Constituição Federal Em face da Constituição de outro Estado Em face da Constituição de outro Estado Em face da Constituição do próprio Estado Em face da Constituição Federal (com limites) Em face da Constituição de seu Estado Não pode ter a constitucionalidade questionada Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 11 O curso, por sua finalidade, seja a jurisdição constitucional desempenhada pelo STF, é importante situar essa atividade no contexto mais amplo do exercício da jurisdição constitucional pelo Poder Judiciário brasileiro. Como você, caro aluno, já sabe, o controle difuso de constitucionalidade é exercido por todos os juízes do Brasil, em qualquer caso sob sua responsabilidade, desde que uma questão constitucional se faça presente. Ao aplicar as leis na solução dos casos submetidos à sua apreciação, juízes e tribunais frequentemente deparam com questionamentos sobre a constitucionalidade dessas leis, isto é, sobre a sua validade perante a ordem político-jurídica desenhada na Constituição. Certo, mas de que Constituição estamos falando, afinal? Bom, em se tratando de casos cuja solução envolve a aplicação apenas de leis federais, estamos nos referindo, naturalmente, à Constituição Federal. Quando incidirem no caso leis estaduais ou municipais, além da Constituição Federal, essas normas também devem ser compatíveis com a Constituição do Estado. Assim, um juiz de direito, em qualquer Estado, ao aplicar, por exemplo, no julgamento de demanda de natureza consumerista, uma regra do Código de Defesa do Consumidor - que é lei federal -, supõe a sua compatibilidade com a Constituição Federal. Por sua vez, o deslinde de uma questão, pelo mesmo juiz, com base na aplicação de uma lei estadual sobre relações de consumo supõe a compatibilidade dessa lei tanto com a Constituição Federal quanto com a Constituição estadual. Dessa forma, juízes de direito e Tribunais de Justiça têm competência para aferir, incidentalmente, no exame dos casos concretos submetidos a sua apreciação, a constitucionalidade, em face da Constituição Federal, das leis municipais, estaduais e federais aplicáveis ao caso. Têm competência, ainda, para aferir a constitucionalidade das leis municipais e estaduais em face da Constituição do respectivo Estado. Além disso, os Tribunais de Justiça são competentes, ainda, para exercer a fiscalização abstrata da constitucionalidade das leis estaduais em face da Constituição estadual. E o mais interessante é que toda essa discussão pode chegar ao Tribunal, pela via do recurso extraordinário. Nas próximas aulas, veremos quais são os limites para o Supremo revisar a constitucionalidade das normas estaduais e municipais perante a Constituição Federal e em que circunstâncias isso pode ser feito. Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 12 5. A representação de inconstitucionalidade estadual A autorização para que os Tribunais de Justiça dos Estados exerçam a tutela abstrata de leis e atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição estadual é dada pelo artigo 125, § 2º, da Constituição Federal: Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão. Nas palavras de Celso Ribeiro Bastos: temos um sistema maior onde o Supremo Tribunal Federal cuida do controle de constitucionalidade das normas e atos federais e estaduais em face da Constituição Federal. E, na alçada estadual, um outro sistema concentrado que controla a constitucionalidade das normas e atos municipais e estaduais perante a Constituição dos Estados, portanto, um microssistema de controle da constitucionalidade. (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional.) Juízes de direito e Tribunais de Justiça têm competência para: O STF tem competência para: • Aferir a constitucionalidade incidental das leis municipais, estaduais e federais em face da Constituição Federal. • Aferir a constitucionalidade incidental das leis municipais e estaduais em face da Constituição do respectivo Estado. • Apenas Tribunais de Justiça: Exercer a fiscalização abstrata da constitucionalidade das leis estaduais em face da Constituição estadual. • Revisar, pela via do recurso extraordinário, a constitucionalidade das normas federais, estaduais e municipais em face apenas da Constituição Federal. • Exercer a fiscalização abstrata da constitucionalidade do direito federal (ADI, ADO, ADC e ADPF), estadual (ADI, ADO e ADPF) e municipal (ADPF) em face da Constituição Federal. CELSO RIBEIRO BASTOS Doutor e Livre-Docente em Direito Constitucional pela PUC-SP, foi professor de Direito Constitucional e Direito das Relações Econômicas Internacionais do curso de pós-graduação e responsável pela coordenação do programa de pós-graduação em Direito Constitucional e Direito das Relações Econômicas Internacionais da mesma instituição. Estudou por dois anos na Universidade de Paris. Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 13 A representação de inconstitucionalidade nada mais é do que uma ação direta de inconstitucionalidade estadual, julgada pelo Tribunal de Justiça e cujo parâmetro de controle não é a Constituição Federal, mas a estadual. Para ilustrar o que estávamos dizendo acerca dos limites do poder constituinte estadual, o artigo 125, § 2º, da CF impõe como diretriz aos Estados que, ao organizarem, na respectiva Constituição estadual, seu próprio Poder Judiciário, estabeleçam um mecanismo de fiscalização abstrata da constitucionalidade das leis estaduais e municipais, nos moldes da ação direta de inconstitucionalidade. Em outras palavras, os Estados não têm liberdade para deixar de prever a representação de inconstitucionalidade em sua ordem jurídica interna, mas, ao mesmo tempo, não se exige deles que a legitimação para essaação seja atribuída aos mesmos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade perante o STF. Impõe-se apenas que tal legitimação não seja confiada a um único órgão. Aliás, podemos dizer que o artigo 103 da Constituição da República é bastante generoso ao atribuir legitimidade para propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade, perante o STF, ao presidente da República, à Mesa do Senado Federal, à Mesa da Câmara dos Deputados, à Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, aos governadores de Estado e do Distrito Federal, ao procurador-geral da República, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, aos partidos políticos com representação no Congresso Nacional e às confederações sindicais e entidades de classe de âmbito nacional. Da leitura do artigo 125, § 2º, da CF, depreendemos que os Estados, ao disciplinarem a representação de inconstitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição estadual, não estão obrigados a assegurar legitimação ativa a todos esses atores, desde que a atribuam a pelo menos dois órgãos distintos. Nada impede, ainda, que, além desses, a Constituição de um Estado atribua legitimidade a outros atores, estabelecendo um rol de legitimados mais amplo. Essa questão foi apreciada pelo STF no julgamento do RE 261.677 (Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJe de 15.9.2006), em que foi reconhecida, à luz do art. 125, § 2º, da CF, a validade de norma da Constituição do Estado do Paraná que atribui legitimação ativa para a representação de inconstitucionalidade de normas Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 14 locais, perante o Tribunal de Justiça, entre outros, aos deputados estaduais. À semelhança do controle concentrado de constitucionalidade exercido pelo STF, as decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça em controle abstrato no plano estadual têm eficácia erga omnes no território do Estado e efeito vinculante para a administração e o Poder Judiciário estaduais. Indo além do que dispõe o artigo 125, § 2º, da CF, as constituições de alguns Estados previram a possibilidade de o Tribunal de Justiça exercer o controle concentrado de constitucionalidade, quanto às leis municipais, em face da Constituição Federal. A lógica por trás dessa opção seria a de suprir suposta lacuna do sistema, uma vez que, no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, o STF somente fiscaliza, em caráter abstrato, leis federais e estaduais. Na prática, esse quadro mudou com o advento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, mas isso é assunto para outro momento. Por ora, basta saber que muito já se debateu, na doutrina e na jurisprudência, sobre a adequação desse controle de constitucionalidade exercido pelo Tribunal de Justiça com a Constituição Federal como parâmetro. O STF tem proferido decisões num e noutro sentido, tal como podemos verificar nos seguintes julgados: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ART. 74, XI. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE LEI OU ATO NORMATIVO MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROCEDÊNCIA. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, antes e depois de 1988, no sentido de que não cabe a tribunais de justiça estaduais exercer o controle de constitucionalidade de leis e demais atos normativos municipais em face da Constituição federal. Precedentes. Inconstitucionalidade do art. 74, XI, da Constituição do Estado de São Paulo. Pedido julgado procedente. (ADI 347/SP, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgamento em 20.9.2006, DJ de 20.10.2006.) Recurso Extraordinário. Repercussão Geral. Ação direta de inconstitucionalidade estadual. Parâmetro de controle. (...). 1. Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos Estados. Precedentes. (...) (RE 650.898/RS, Redator para o acórdão o Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgamento em 1º.2.2017, DJe de 24.8.2017.) Uma questão correlata ocorre com o controle abstrato de constitucionalidade exercido pelo Tribunal de Justiça tendo como parâmetro dispositivo da Constituição estadual que se limita a reproduzir norma da Constituição da República. Como vimos Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 15 em tópico anterior desta aula, a interpretação extensiva dada ao artigo 25, caput, da CF deixou cada vez menos espaço de liberdade criativa ao poder constituinte estadual, já que uma fração cada vez maior do conteúdo da Constituição Federal tem sido considerada de reprodução obrigatória pelos Estados. À medida que isso foi ocorrendo, o STF viu a necessidade de rever sua jurisprudência histórica, passando a validar o exercício do controle concentrado de constitucionalidade, pelos Tribunais de Justiça, tendo como referência preceitos que reproduzem, na ordem jurídica estadual, a Constituição Federal, sob pena de esvaziamento do instituto. Destaco, a seguir, dois casos que foram emblemáticos dessa mudança de postura do STF. Um deles versa sobre lei municipal e o outro sobre lei estadual: Controle abstrato de constitucionalidade: ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal, perante o Tribunal de Justiça, fundada em violação de preceitos da Constituição do Estado, ainda que se cuide de reprodução compulsória de normas da Constituição da República: admissibilidade afirmada na Recl. 383, 10.6.92: aplicação do precedente, com ressalva do relator. (RE 161.390/ AL, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgamento em 31.5.1994, DJ de 27.10.1994.) É competente o Tribunal de Justiça (e não o Supremo Tribunal), para processar e julgar ação direta contra lei estadual contrastada com a norma da Constituição local, mesmo quando venha esta a consubstanciar mera reprodução de regra da Carta Federal, cabendo, em tese, recurso extraordinário de decisão que vier a ser proferida sobre a questão. (ADI 1.529 QO, Relator o Ministro Octavio Gallotti, Tribunal Pleno, julgamento em 28.11.1996, DJ de 28.2.1997.) Nas próximas aulas, retornaremos a esse assunto quando estudarmos o recurso extraordinário que tem como alvo decisão de tribunal de justiça proferida ao julgamento de representação de inconstitucionalidade. E veremos também o que entende a jurisprudência atual sobre o que ocorre quando tramitam, simultaneamente, contra determinada lei estadual, uma ação direta de inconstitucionalidade perante o STF e uma representação de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça, sendo fundada, esta última, em dispositivo da Constituição estadual que reproduz preceito da Constituição Federal. 6. Normas locais e jurisdição constitucional do STF No que se refere à jurisdição constitucional do STF, é importante ressaltar que a ele cabe a tutela da Constituição Federal. Não faz parte do conjunto de competências atribuídas ao Supremo decidir sobre a compatibilidade entre leis estaduais ou http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1559199 http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1559199 http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1655092 Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 16 municipais e constituições estaduais. Isso é tarefa dos Tribunais de Justiça de cada Estado. O STF somente examina a constitucionalidade das leis – municipais, estaduais e federais – em relação à Constituição Federal. Apoiado nesse entendimento, o Plenário do STF não conheceu da ADI 717/ AC(Relator o Ministro Ilmar Galvão, julgamento em 29.6.1992, DJ de 21.8.1992). Na ocasião, registrou expressamente a “incompetência do Supremo Tribunal Federal para a apreciação e julgamento de ação direta de inconstitucionalidade de textos normativos locais, frente a Constituição do Estado-Membro”. Por outro lado, não apenas as leis, ordinárias ou complementares, podem ter a compatibilidade com a Constituição Federal questionada perante o STF, em procedimento de controle difuso ou concentrado de constitucionalidade; as próprias constituições estaduais também são passíveis disso. Em outras palavras, o STF pode declarar inconstitucionais, tendo como parâmetro a Constituição Federal, até mesmo dispositivos das constituições dos Estados. Nesse aspecto, as constituições estaduais em nada se diferenciam, tecnicamente, de quaisquer outras leis estaduais. 7. Considerações finais Nossa segunda aula fica por aqui. Delineamos um quadro geral da estrutura normativa em que se dá, no contexto da Federação brasileira, a tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais), em face tanto das constituições estaduais quanto da Constituição Federal. Nas próximas aulas, estudaremos diferentes hipóteses de controle da constitucionalidade de normas locais (estaduais e municipais) pelo STF, notadamente os recursos extraordinários interpostos com base no artigo 102, III, “c” ou “d”, da Constituição Federal, com atenção especial para: a) o recurso extraordinário contra acórdão de Tribunal de Justiça em ação direta de inconstitucionalidade; b) a ação direta de inconstitucionalidade proposta em face de lei ou ato normativo estadual; e c) a arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada contra lei ou ato normativo municipal. Até nosso próximo encontro! http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1536265 http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1536265 Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 17 8. Para aprofundar Quer se aprofundar sobre os temas tratados nesta aula? Se sim, indico as seguintes obras: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999. CASTRO, José Nilo de. Direito municipal positivo. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Competências federativas na Constituição e nos precedentes do STF. Salvador: Juspodivm, 2012. MENDES, Gilmar Ferreira. Eficácia erga omnes das decisões proferidas em sede de controle abstrato no plano estadual. Repertório IOB de Jurisprudência, n. 9, p. 5, set. 1998. VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. Tutela constitucional das normas locais (estaduais, distritais e municipais) Controle de constitucionalidade da legislação local AULA 2 18 Glossário Competência legislativa/normativa – competência para editar leis/normas. A competência pode ser privativa, quando sua atribuição a um ente exclui os demais, ou concorrente, quando pode ser exercida simultaneamente por diferentes atores. Federação – organização política caracterizada pela união, sob um governo central, de unidades políticas dotadas de limitado grau de autonomia. Exemplos: República Federativa do Brasil, formada por 26 estados; Estados Unidos da América, formado por 50 estados; República da Índia, formada por 29 estados. União – na República Federativa do Brasil, refere-se ao ente político central, que se distingue, na condição de unidade dotada de personalidade jurídica própria, dos Estados que a integram. Tribunal de contas – apesar do nome, que remete a órgão jurisdicional, trata-se, na verdade, de órgão técnico, auxiliar do Poder Legislativo e responsável pela fiscalização contábil da despesa pública.
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