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Disciplina: Mediação Comunitária
Aula 4: Con�itos na Comunidade
Apresentação
Os conflitos que podem ocorrer em uma comunidade são amplos e derivados de relações
complexas estabelecidas não só entre seus membros, mas entre comunidades. Os espaços
comunitários favorecem, em seus mais variados aspectos, o surgimento de determinados
conflitos. Dessa forma, a compreensão e o conhecimento das realidades vividas nas
comunidades criam a possibilidade de uma intervenção mais efetiva, com o objetivo de construir
uma boa convivência.
Podemos identificar no grupo de conflitos na comunidade aqueles que são estabelecidos a
partir das relações interpessoais — por exemplo, as diferentes formas de associação, coabitação
e participação no espaço urbano, em que a permanência do vínculo entre as partes é o mais
importante. As pessoas que vivem nas comunidades apresentam formas de pensar diferentes.
Entretanto, a partir de um processo de negociação e de compromissos entre elas, conseguem
chegar a um consenso. Quando isso não ocorre, teremos o conflito.
Objetivos
Compreender os conflitos na comunidade.
Estudar as relações de vizinhança.
Identificar os conflitos nas diferentes comunidades.
Relações de vizinhança e/ou urbanas
Em nossa aula, é importante estabelecermos que a comunidade é uma forma de ligação
entre os indivíduos, espontânea ou voluntária, a qual, por diferentes razões, estabelece
uma relação de dependência recíproca. Nessas relações, vamos encontrar as relações
de vizinhança.
Vários são os fatores que podem levar a uma situação conflitiva: pessoais, situacionais
e sociais (ROMERO, 2003 apud NATÓ; QUEREJAZU; CARBAJAL, 2006, p. 89-90).
Fatores pessoais
São aqueles ligados às questões ideológicas, pessoais ou psicológicas. Podemos
citar:
autopercepção;
percepção do outro;
atitudes básicas do indivíduo;
comportamentos;
habilidades sociais;
emoção;
valores.
Fatores situacionais
São aqueles aspectos relacionados às situações circunstanciais ou permanentes.
Nesses fatores encontramos:
condição socioeconômica;
situação profissional e laboral;
questões de gênero;
integração social;
família;
poder;
idade.
Fatores culturais
Fazem referência aos aspectos ligados aos significados atribuídos pelas pessoas
às situações vividas. São eles:
crenças e valores;
identidades;
formas de comunicação;
formas de interação social.
De acordo com Nató, Querejazu e Carbajal (2006), os conflitos estão presentes em todos
os espaços urbanos, com baixa, média ou alta densidade de população.
Além disso, encontramos conflitos entre pessoas que apresentam baixos, médios ou
altos recursos econômicos, sociais e culturais. É claro que os fatores descritos
determinam os tipos de conflitos e o local em que as pessoas decidirão abordá-los,
como em centros comunitários, centros de resolução de conflitos particulares ou no
Judiciário.

Atenção
Apesar das diferenças contextuais, esse conjunto de conflitos apresenta uma
característica comum que é o forte conteúdo emocional que acompanha a
disputa, derivado da convivência e da persistência de atitudes inadequadas
recíprocas, voluntárias ou involuntárias, das pessoas envolvidas.
As diferentes situações conflituosas surgidas no espaço urbano, espontânea ou
voluntariamente, podem ser categorizadas, de acordo com Nató, Querejazu e Carbajal
(2006, p. 91), para facilitar as suas peculiaridades, em três contextos:
1
Contextos heterogêneos e 
contextos homogêneos;
2
Contextos de baixa, média e alta 
densidade de população;
3
Contextos de baixos, médios e altos recursos econômicos, culturais e sociais.
Cenário social urbano
É importante destacar que um contexto pode ter várias
categorias ao mesmo tempo. Além disso, um con�ito que
surge em um desses contextos pode ser encontrado nos
con�itos públicos ou interculturais. Para que possamos
compreender esses contextos é necessário entender o
cenário social urbano.
Toda cidade é heterogênea e em tempos de globalização poderíamos pensar no fim das
fronteiras. De acordo com Bauman (2003, p. 70), citando Jonathan Friedman:

Em nosso mundo, em rápido processo de globalização, o que está
ocorrendo é que as fronteiras não estão desaparecendo. No lugar
desse fato, parecem levantar-se em cada esquina de cada bairro em
decadência do nosso mundo.
Contextos sociais
O que podemos compreender é que existe um enfraquecimento ou até mesmo um
rompimento dos laços culturais provenientes dessas novas condições socioculturais.
A preocupação crescente com a insegurança vem estimulando e acelerando diferentes
processos de segregação e/ou isolamento das pessoas que podem ser encontrados
nas novas formas de configurações urbanas. Exemplos dessas situações são os bairros
vigiados pela segurança privada e os bairros cercados, delimitados, em seus perímetros.
É a partir dessa dinâmica que observamos, cada vez mais, a exclusão do outro no
espaço urbano, colocando à prova a ideia de que o espaço público seria o encontro da
diversidade e do enriquecimento individual e social. Sendo assim, devemos considerar
os contextos sociais, de acordo com o seu grau de flexibilidade ou permeabilidade para
admitir o diferente. Nessa configuração social e urbana, descrita anteriormente, as
relações humanas ficariam definidas, em maior ou menor grau, pela dupla nós/eles.
A partir dessa lógica, os conflitos nas comunidades podem ser identificados em duas
dimensões, segundo Nató, Querejazu e Carbajal (2006):
Contextos econômicos alto e médio alto
Um processo que se desenvolveu nos grandes centros urbanos, principalmente nos
setores com recursos econômicos alto e médio-alto, foi a busca por uma vida social e
individual mais confortável e prazerosa, e, ao mesmo tempo, mais segura.
Diversas urbanizações cercadas foram construídas e controladas por meio da
segurança privada, incluindo instalações comuns, principalmente de lazer e prática de
esportes, onde se estabelece uma sociabilidade entre iguais. Isso não quer dizer que
estas relações não favoreçam o aparecimento de conflitos.
Nató, Querejazu e Carbajal (2006, p.103-7) estabelecem algumas características desses
contextos:
Expectativas em relação ao contexto:
uma vida individual e social mais confortável e prazerosa;
estreita relação com a natureza e o esporte;
segurança;
socialização entre os iguais;
exclusividade social;
autonomia/liberdade para as crianças;
controle das relações sociais das crianças;
relacionamento que se supõe implícito.
Características desses contextos:
ligações personalizadas;
tendência à homogeneidade;
permanência do vínculo entre os integrantes do grupo;
relação de dependência entre seus membros;
liberdade e autonomia das crianças “dentro dos muros”;
relacionamento que requer um consenso através do diálogo.
Espécies de con�ito nas comunidades ricas
Conflitos de diferentes espécies podem surgir, quando não há correspondência entre as
expectativas e a realidade.
Entre eles, os mais frequentes são:
No interior da comunidade:
relações entre os integrantes;
derivados do não cumprimento ou ausência de normas no condomínio;
insatisfação pela não correspondência entre as expectativas e a realidade vivida;
por diferenças de expectativas e propósitos dos participantes;
por causa de animais domésticos;
situações de vandalismo;
consumo e tráfico de drogas;
consumo de álcool;
mortes duvidosas.
Com o exterior da comunidade:
com membros das comunidades vizinhas — ingressos diferentes, normas de
cidadania; transformações urbanas, entre outras;
problemas de legislação municipal, federal ou nacional;
com empresas que prestam serviços primários ou secundários (NOTA);
delitos cometidos por jovens da comunidade contra pessoas, comércio ou
organizações fora da comunidade.

Atenção
Como você pode notar, os conflitos emergem da mesma forma que nas
comunidades não planejadas. O que é necessário é a sua compreensão para que
sejam abordados de forma adequada.
Espécies de con�ito nas comunidades
pobres
Uma diferença marcante em relação à comunidade rica, além da questão material,é a
luta pela sobrevivência. Não devemos esquecer que uma das consequências dessa
situação é o estigma social que as pessoas adquirem por viver nessas comunidades.
Vejamos alguns com maior expressividade nesses casos:
No interior da comunidade:
no estabelecimento das relações entre seus integrantes;
produto da disputa por aquilo que permita a sobrevivência (medicamentos, roupas,
comida etc.)
derivados de atividades ilegais organizadas;
dentro da comunidade;
diferenças de expectativas e objetivos dos seus membros;
consumo e tráfico de drogas;
consumo de álcool;
violência juvenil:
violência familiar;
gravidez na adolescência.
Com o exterior da comunidade:
com os integrantes de comunidades vizinhas (estigmas e códigos de convivência
diferentes);
discriminação no espaço urbano, nas relações de trabalho, nas instituições
educativas, nos serviços de saúde, no comércio;
abuso policial;
assentamentos;
falta e/ou conexão ilegal de serviços primários;
delitos cometidos por jovens da comunidade contra pessoas ou comércio;
denúncias à polícia efetuadas por vizinhos, por razões verdadeiras ou falsas.
Atividade
1 - Vamos apresentar agora uma situação que retrata um conflito de vizinhança.
Ao fim da leitura, após analisar suas características, você deve utilizar a mediação
que julgar necessária. (Adaptado de um caso concreto apresentado por Nató,
Querejazu e Carbajal, 2006, p. 93-4.)
Objeto do conflito: latidos de um cachorro.
Participantes: a dona do cachorro, mulher jovem, divorciada, profissional liberal,
mãe de um filho adolescente; a vizinha, uma senhora aposentada, cujo marido,
também aposentado, apresenta a saúde debilitada. As participantes são vizinhas.
A situação foi levada a um centro de mediação, apesar de isso não ser muito
habitual. Vamos apresentar algumas expressões das vizinhas que dizem respeito
a como cada uma delas representa o bairro e suas expectativas quanto à
convivência. Ao final de sua leitura, você deve analisar o caso apresentado, de
acordo com as representações e expectativas de cada uma das protagonistas.
Vizinha mais velha:
“Desde que você chegou não tenho mais sossego. Você fica fora de casa o dia
todo. O pobre do animal fica sozinho, não sei por que você tem um cachorro. Eu
adoro cachorros. O meu morreu um pouco antes de você chegar. Para mim foi
muito triste. Você vai trabalhar e não se importa com o que acontece em sua casa.
Parou até de me cumprimentar. Moro neste bairro desde que me casei e nunca tive
problemas com ninguém. O bairro já não é o mesmo. Antes todos se conheciam e
se ajudavam.”
Vizinha mais jovem:
“A senhora não tem nada o que fazer o dia inteiro e então fica me espionando. Me
mudei para esta casa quando me divorciei. Reformei esta casa de acordo com as
minhas necessidades e o cachorro é importante para a minha segurança. Está
treinado para latir quando vê qualquer movimento estranho na casa. Quero estar
tranquila em minha casa e a senhora não tem que se meter na minha vida. A
pessoa que trabalha em minha casa cuida do cachorro e tem, também, uma
pessoa que sai com ele. A senhora passa o dia falando com os vizinhos... Não me
interessa fazer amigos no bairro. Não peço nada a ninguém, porém também não
quero que se metam na minha vida.”
Con�itos nas diferentes comunidades
Ao longo do tempo, temos percebido, nos setores urbanos, a progressiva e crescente
convivência de pessoas que se encontram abaixo da linha da pobreza com pessoas que
apresentam condições dignas de vida. Nesses casos, podem ser percebidos processos
formais e informais de apropriação, de pessoas que se estabelecem de forma transitória
ou permanente nos espaços públicos ou privados. Podemos entender que, nessas
situações, as questões vão além do conflito, porque envolvem aspectos legais.
Além dos bairros, abertos e heterogêneos, em termos quantitativos e qualitativos,
coexistem nas cidades outros contextos urbanos com possibilidades e meios
diferentes. Estamos falando dos setores sociais com altos recursos econômicos. Para
esse grupo, a busca de segurança e/ou exclusividade acarreta uma relação conflituosa
com aqueles que participam do espaço público, assim como com os que residem nos
bairros vizinhos, por exemplo, os vendedores ambulantes.
Em geral, a cidade proporciona várias e simultâneas atividades, permanentes ou não,
que podem levar a diferentes conflitos. Por exemplo: atividades que envolvem questões
administrativas, educacionais, comerciais, residenciais ou de serviços podem acarretar
inúmeros conflitos. Nesse cenário, aparecem os conflitos em relação ao uso dos
espaços públicos.
 Vendedores ambulantes na praia de Copacabana, no
Rio de Janeiro. (Shutterstock / Por Gimas)
01
questões de condomínio (infiltrações e manutenção dos prédios);
02
planejamento urbano;
03
invasão de terrenos;
1
04
problemas de relação ou de convivência (discriminação, falta de respeito mútuo,
estereótipos, representações negativas, violência na comunicação e na ação,
perturbação sonora, odores desagradáveis);
05
uso de espaços comuns;
06
uso do espaço público.

Atenção
Uma correta avaliação dos recursos disponíveis, individuais e/ou comunitários,
assim como o conhecimento de como adquiri-los, e o tipo de relação e as
especificidades do contexto possibilitariam desenvolver um plano de intervenção
adequado e formar uma equipe de profissionais responsáveis e aptos para
trabalhar com tais situações.
Atividade
2 - Os conflitos fazem parte de nossa vida e do nosso cotidiano. Podemos dizer
que vivemos, no decorrer do nosso dia a dia, em permanente contato com
conflitos. Dessa forma, podemos ter uma visão positiva ou negativa do conflito. A
visão negativa que temos do conflito está mais ligada ao:
 a) desgaste emocional que eles geram;
 b) aprendizado que ele produz;
 c) estímulo para novas soluções;
 d) encontro de soluções criativas;
 e) aspecto inovador da situação.
3 - Marque a resposta correta:
Os conflitos são inerentes à natureza humana. Eles apresentam aspectos que
podemos considerar:
 a) negativos e positivos;
 b) interrogados e construtivos;
 c) impositivos e especiais;
 d) formulados e estruturados;
 e) ignorados e assimilados.
4 - Os conflitos fazem parte de nossa vida e do nosso cotidiano. Podemos dizer
que vivemos, no decorrer do nosso dia a dia, em permanente contato com
conflitos. Dessa forma, um manuseio adequado do conflito tem a ver com:
 a) a gestão das relações emocionais que os conflitos provocam;
 b) a afirmação de que os conflitos têm aspectos destrutivos;
 c) a posição de que são importantes as posições serem mantidas;
 d) a indicação de soluções mais rápidas, através de terceiros, para colocar fim
ao conflito;
 e) a criação de situações mais adversariais para solucionar os conflitos.
Notas
Referências
BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2003.
ITABORAHY, N. Z. Conflitos e resistências territoriais na comunidade quilombola de São Pedro
de Cima: primeiras impressões. In: ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 21., 2012,
Uberlândia. Anais... Uberlândia, MG: Universidade Federal de Uberlândia, 2012. Disponível em:
http://www.ufjf.br/nugea/�les/2010/09/Con�itos-e-resist%C3%AAncias-territoriais-na-
comunidade-quilombola-de-S%C3%A3o-Pedro-de-Cima.pdf
<http://www.ufjf.br/nugea/�les/2010/09/Con�itos-e-resist%C3%AAncias-territoriais-na-
comunidade-quilombola-de-S%C3%A3o-Pedro-de-Cima.pdf> . Acesso em: 4 jul. 2018.
NATÓ, A. M.; QUEREJAZU, M. G. R.; CARBAJAL, L. M. Mediación comunitária: conflictos em el
escenario urbano. Buenos Aires: Editorial Universidad, 2006.
SILVA, C. W. F. e; ROCHA, D. A.; CHEHAB, I. M. C. V. Comunidade, conflito e mediação. In:
ENCONTRO REGIONAL DE ESTUDANTES DE DIREITO, 21., 2008, Crato. Anais... Crato, CE:
Fundação Araripe, 2008. Disponível em:
http://www.urca.br/ered2008/CDAnais/pdf/SD5_�les/Clara_SILVA.pdf
<http://www.urca.br/ered2008/CDAnais/pdf/SD5_�les/Clara_SILVA.pdf> . Acesso em: 4 jul. 2018.
Próximos Passos
A dinâmica dos conflitos públicos;
O multiculturalismo;O diálogo intercultural.
Explore mais
Centro de valorização da vida. Disponível em: https://www.cvv.org.br/blog/con�itos-e-
confrontos/ <https://www.cvv.org.br/blog/con�itos-e-confrontos/> .
Entremundos: povos e comunidades tradicionais no Brasil <https://www.youtube.com/watch?
v=NXrED4DAF2w> .
http://www.ufjf.br/nugea/files/2010/09/Conflitos-e-resist%C3%AAncias-territoriais-na-comunidade-quilombola-de-S%C3%A3o-Pedro-de-Cima.pdf
http://www.urca.br/ered2008/CDAnais/pdf/SD5_files/Clara_SILVA.pdf
https://www.cvv.org.br/blog/conflitos-e-confrontos/
https://www.youtube.com/watch?v=NXrED4DAF2w

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