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DIREITO CONSTITUCIONAL Edição 2023.1 Revisada Atualizada Ampliada PA RT E CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 1 DIREITO CONSTITUCIONAL – PARTE I APRESENTAÇÃO.............................................................................................................................. 15 CONSTITUCIONALISMO.................................................................................................................. 16 1. CONCEITO ............................................................................................................................. 16 2. CONSTITUCIONALISMO ANTIGO ........................................................................................ 17 3. CONSTITUCIONALISMO CLÁSSICO (LIBERAL/MODERNO) ............................................. 18 3.1. CONTEXTO E CARACTERÍSTICAS .................................................................................. 18 3.2. MARCOS HISTÓRICOS (EXPERIÊNCIAS DO CONSTITUCIONALISMO CLÁSSICO) .. 19 3.3. PRIMEIRA FASE: ESTADO DE DIREITO (OU ESTADO LIBERAL) ................................ 21 3.3.1. Direitos de primeira dimensão ............................................................................................ 21 3.4. SEGUNDA FASE: ESTADO SOCIAL ................................................................................. 22 3.4.1. Direitos de segunda dimensão ........................................................................................... 23 4. CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO .................................................................... 24 4.1. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO (OU ESTADO CONSTITUCIONAL DE DIREITO) 24 4.2. DIREITOS DE TERCEIRA DIMENSÃO (FRATERNIDADE) ............................................. 25 4.3. DIREITOS DE QUARTA DIMENSÃO (PLURALIDADE) .................................................... 25 5. NEOCONSTITUCIONALISMO ............................................................................................... 27 5.1. CONCEITO .......................................................................................................................... 27 5.2. CARACTERÍSTICAS ........................................................................................................... 27 5.3. MARCOS (CARACTERÍSTICAS POR BARROSO) ........................................................... 30 5.4. NEOCONSTITUCIONALISMO E DOUTRINA DA EFETIVIDADE..................................... 31 5.5. PANCONSTITUCIONALIZAÇÃO E LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR 31 6. CONSTITUCIONALISMO DO FUTURO ............................................................................... 32 7. CONSTITUCIONALISMO GLOBALIZADO OU GLOBAL ...................................................... 32 8. PATRIOTISMO CONSTITUCIONAL ...................................................................................... 33 9. TRANSCONSTITUCIONALISMO .......................................................................................... 33 10. ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO .................................................................... 34 11. CONSTITUCIONALISMO ABUSIVO ...................................................................................... 34 12. CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO .......................................................................... 34 13. CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO ................................................................. 36 PODER CONSTITUINTE................................................................................................................... 38 1. CONCEITO ............................................................................................................................. 38 2. NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO ..................................................... 38 CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 2 2.1. CONCEPÇÃO JUSNATURALISTA .................................................................................... 38 2.2. CONCEPÇÃO POSITIVISTA .............................................................................................. 39 3. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO (PCO) ..................................................................... 39 3.1. CONCEITO .......................................................................................................................... 39 3.2. CARACTERÍSTICAS DO PCO ........................................................................................... 39 3.3. LIMITAÇÕES MATERIAIS OU EXTRAJURÍDICOS DO PCO (JORGE MIRANDA) ......... 40 3.3.1. Limites transcendentes ao PCO ......................................................................................... 40 3.3.2. Limites imanentes ao PCO ................................................................................................. 41 3.3.3. Limites heterônomos ao PCO ............................................................................................. 41 3.4. TITULARIDADE E EXERCÍCIO DO PCO: LEGITIMIDADE .............................................. 41 3.4.1. Legitimidade objetiva........................................................................................................... 41 3.4.2. Legitimidade subjetiva ......................................................................................................... 42 3.5. ESPÉCIES DE PCO SEGUNDO O FENÔMENO CONSTITUCIONAL............................. 42 3.5.1. Poder constituinte originário histórico ................................................................................. 42 3.5.2. Poder constituinte originário revolucionário ........................................................................ 42 3.5.3. Poder constituinte originário transicional ............................................................................ 43 3.6. ESPÉCIES DE PCO SEGUNDO O CRITÉRIO MATERIAL E FORMAL........................... 43 3.6.1. Poder constituinte originário segundo o critério material ................................................... 43 3.6.2. Poder constituinte originário segundo o critério formal ...................................................... 43 4. PODER CONSTITUINTE (DERIVADO) DECORRENTE (PCDD) ........................................ 43 4.1. CONCEITO E FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL .......................................................... 43 4.2. NATUREZA ......................................................................................................................... 44 4.3. CARACTERÍSTICAS ........................................................................................................... 44 4.3.1. Secundário .......................................................................................................................... 44 4.3.2. Limitado ............................................................................................................................... 45 4.3.3. Condicionado ....................................................................................................................... 45 4.4. EXISTE PCD NO DF E NOS MUNICÍPIOS?...................................................................... 45 5. PODER CONSTITUINTE DERIVADO REFORMADOR (PCDR) .......................................... 45 5.1. CONCEITO .......................................................................................................................... 45 5.2. LIMITAÇÕES AO PCDR (ART.60 DA CF) ......................................................................... 46 5.2.1. Previsão ............................................................................................................................... 46 5.2.2. Limitações temporais ao PCDR .......................................................................................... 46 5.2.3. Limitações circunstanciais ao PCDR ..................................................................................47 5.2.4. Limitações formais (processuais ou procedimentais) ao PCDR ........................................ 47 5.2.5. Limitações materiais ............................................................................................................ 51 5.2.6. Limitações implícitas ao PCDR ........................................................................................... 55 CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 3 5.3. PODER CONSTITUINTE DERIVADO REVISOR (PCDREV) ........................................... 57 5.4. OUTROS “PODERES CONSTITUINTES” ......................................................................... 58 5.4.1. Poder constituinte “difuso” .................................................................................................. 58 5.4.2. Poder constituinte “supranacional” ..................................................................................... 58 6. ESQUEMA: LIMITES AO PC .................................................................................................. 58 7. DIREITO ADQUIRIDO E CONSTITUIÇÃO ............................................................................ 59 7.1. DIREITO ADQUIRIDO E NOVA CONSTITUIÇÃO: RETROATIVIDADE........................... 59 7.1.1. Retroatividade mínima ........................................................................................................ 59 7.1.2. Retroatividade média e máxima ......................................................................................... 60 7.2. DIREITO ADQUIRIDO E EMENDA CONSTITUCIONAL ................................................... 61 A CONSTITUIÇÃO ............................................................................................................................ 62 1. CONCEPÇÕES DA CONSTITUIÇÃO .................................................................................... 62 1.1. CONCEPÇÃO SOCIOLÓGICA (FERDINAND LASSALLE) .............................................. 62 1.1.1. Constituição escrita/jurídica ................................................................................................ 62 1.1.2. Constituição real (ou efetiva) .............................................................................................. 62 1.2. CONCEPÇÃO POLÍTICA (CARL SCHMITT) ..................................................................... 62 1.2.1. Constituição propriamente dita ........................................................................................... 62 1.2.2. “Leis constitucionais” ........................................................................................................... 63 1.3. CONCEPÇÃO JURÍDICA ................................................................................................... 63 1.3.1. Constituição em sentido “lógico-jurídico”: norma fundamental hipotética ......................... 64 1.3.2. Constituição em sentido “jurídico-positivo: norma positivada suprema ............................. 64 1.4. CONCEPÇÃO NORMATIVA............................................................................................... 64 1.5. CONCEPÇÃO CULTURALISTA ......................................................................................... 65 2. CONSTITUIÇÃO SIMBÓLICA ................................................................................................ 65 3. CONSTITUIÇÃO NACIONAL X CONSTITUIÇÃO FEDERAL ............................................... 66 4. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES ............................................................................ 67 4.1. QUANTO À ORIGEM .......................................................................................................... 67 4.1.1. Outorgada (ou imposta) ...................................................................................................... 67 4.1.2. Cesarista.............................................................................................................................. 67 4.1.3. Pactuada (ou pactual) ......................................................................................................... 67 4.1.4. Democrática (popular, votada ou promulgada) .................................................................. 68 4.2. QUANTO AO MODO ELABORAÇÃO ................................................................................ 68 4.2.1. Histórica ............................................................................................................................... 68 4.2.2. Dogmática ........................................................................................................................... 68 4.3. QUANTO À IDENTIFICAÇÃO DAS NORMAS ................................................................... 68 4.3.1. Material ................................................................................................................................ 69 CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 4 4.3.2. Formal .................................................................................................................................. 69 4.4. QUANTO À ESTABILIDADE (MUTABILIDADE OU PLASTICIDADE) .............................. 69 4.4.1. Imutáveis ............................................................................................................................. 69 4.4.2. Fixas .................................................................................................................................... 70 4.4.3. Rígidas ................................................................................................................................. 70 4.4.4. Super-rígida ......................................................................................................................... 70 4.4.5. Semirrígida (ou semiflexível)............................................................................................... 70 4.4.6. Flexível (ou plástica) ........................................................................................................... 71 4.5. QUANTO À FUNÇÃO ......................................................................................................... 71 4.5.1. Garantia (quadro, estatutária ou orgânica) ......................................................................... 71 4.5.2. Programática (dirigente ou diretiva) .................................................................................... 71 4.5.3. Constituição-balanço (ou registro) ...................................................................................... 72 4.6. QUANTO À EXTENSÃO ..................................................................................................... 72 4.6.1. Concisa (breve, sumária, sucinta, básica ou clássica) ....................................................... 72 4.6.2. Prolixas (analíticas ou regulamentares) ............................................................................. 72 4.7. QUANTO À DOGMÁTICA ................................................................................................... 72 4.7.1. Ortodoxa .............................................................................................................................. 72 4.7.2. Eclética (compromissória ou heterogênea) ........................................................................ 72 4.8. QUANTO À ONTOLOGIA ................................................................................................... 73 4.8.1. Normativa ............................................................................................................................ 73 4.8.2. Nominal................................................................................................................................ 73 4.8.3. Semântica ............................................................................................................................ 735. CLASSIFICAÇÃO DA CF/88 .................................................................................................. 74 6. A CONSTITUIÇÃO E O SEU PAPEL ..................................................................................... 74 6.1. CONSTITUIÇÃO-LEI ........................................................................................................... 74 6.2. CONSTITUIÇÃO-FUNDAMENTO (OU CONSTITUIÇÃO-TOTAL) ................................... 75 6.3. CONSTITUIÇÃO-MOLDURA (OU “ORDEM-QUADRO”) .................................................. 75 6.4. CONSTITUIÇÃO DÚCTIL (OU CONSTITUIÇÃO SUAVE) ................................................ 75 7. HISTÓRICO DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS............................................................ 75 7.1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS ......................................................................................... 75 7.2. CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL (1824) ........................................ 76 7.2.1. Ideologia .............................................................................................................................. 76 7.2.2. Estabilidade ......................................................................................................................... 76 7.2.3. Extensão .............................................................................................................................. 77 7.2.4. Estado .................................................................................................................................. 77 7.2.5. Poder ................................................................................................................................... 77 CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 5 7.2.6. Governo ............................................................................................................................... 77 7.2.7. Controle de constitucionalidade .......................................................................................... 77 7.2.8. Direitos fundamentais.......................................................................................................... 77 7.3. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (1891) .......... 78 7.3.1. Ideologia .............................................................................................................................. 78 7.3.2. Estado .................................................................................................................................. 78 7.3.3. Poder ................................................................................................................................... 78 7.3.4. Governo ............................................................................................................................... 78 7.3.5. Controle de constitucionalidade .......................................................................................... 78 7.3.6. Direitos fundamentais.......................................................................................................... 79 7.4. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (1934) .......... 79 7.4.1. Ideologia .............................................................................................................................. 79 7.4.2. Estado .................................................................................................................................. 79 7.4.3. Poder ................................................................................................................................... 79 7.4.4. Governo ............................................................................................................................... 80 7.4.5. Controle de constitucionalidade .......................................................................................... 80 7.4.6. Direitos fundamentais.......................................................................................................... 80 7.5. CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (1937) ...................................... 80 7.5.1. Ideologia .............................................................................................................................. 81 7.5.2. Estado .................................................................................................................................. 81 7.5.3. Poder ................................................................................................................................... 81 7.5.4. Governo ............................................................................................................................... 81 7.5.5. Controle de constitucionalidade .......................................................................................... 81 7.5.6. Direitos fundamentais.......................................................................................................... 82 7.6. CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (1946) ...................................... 82 7.6.1. Ideologia .............................................................................................................................. 82 7.6.2. Estado .................................................................................................................................. 82 7.6.3. Poderes ............................................................................................................................... 82 7.6.4. Controle de constitucionalidade .......................................................................................... 82 7.6.5. Direitos fundamentais.......................................................................................................... 83 7.7. CONSTITUIÇÃO DO BRASIL (1967) ................................................................................. 83 7.7.1. Ideologia .............................................................................................................................. 83 7.7.2. Estado .................................................................................................................................. 83 7.7.3. Poderes ............................................................................................................................... 83 7.7.4. Controle de constitucionalidade .......................................................................................... 84 7.7.5. Direitos fundamentais.......................................................................................................... 84 CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 6 7.8. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (1969) ............................. 84 7.8.1. Poderes ............................................................................................................................... 84 7.8.2. Direitos fundamentais.......................................................................................................... 84 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL ............................................................................................ 85 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 85 2. CONTRIBUIÇÕES DA DOGMÁTICA ALEMÃ - BÖCKENFÖRDE ........................................ 85 3. MÉTODO HERMENÊUTICO CLÁSSICO (MÉTODO JURÍDICO) – ERNEST FORSTHOFF 86 4. MÉTODO CIENTÍFICO-ESPIRITUAL (OU VALORATIVO) – RUDOLF SMEND ................. 86 5. MÉTODO TÓPICO PROBLEMÁTICO – THEODOR VIEHWEG ........................................... 87 6. MÉTODO HERMENÊUTICO-CONCRETIZADOR – KONRAD HESSE (CONCEPÇÃO JURÍDICA DA CONSTITUIÇÃO) ....................................................................................................... 886.1. IDEIA GERAL DO MÉTODO HERMENÊUTICO-CONCRETIZADOR .............................. 88 6.2. ELEMENTOS BÁSICOS DO MÉTODO HERMENÊUTICO-CONCRETIZADOR.............. 89 6.3. CRÍTICAS AO MÉTODO HERMENÊUTICO CONCRETIZADOR ..................................... 89 7. MÉTODO NORMATIVO-ESTRUTURANTE – FRIEDRICH MÜLLER .................................. 89 7.1. IDEIA GERAL DO MÉTODO NORMATIVO ESTRUTURANTE ........................................ 89 7.2. CRÍTICA AO MÉTODO NORMATIVO ESTRUTURANTE ................................................. 90 8. MÉTODO CONCRETISTA DA CONSTITUIÇÃO ABERTA ................................................... 91 8.1. IDEIA GERAL DO MÉTODO DA CONSTITUIÇÃO ABERTA ............................................ 91 8.2. CRÍTICA AO MÉTODO DA CONSTITUIÇÃO ABERTA .................................................... 91 9. DOGMÁTICA ESTADUNIDENSE .......................................................................................... 92 9.1. INTERPRETATIVISMO E NÃO INTERPRETATIVISMO ................................................... 92 9.1.1. Interpretativismo .................................................................................................................. 92 9.1.2. Não interpretativismo .......................................................................................................... 92 9.2. TEORIA DO REFORÇO DA DEMOCRACIA (JOHN HART ELY) ..................................... 93 9.3. MINIMALISMO (CASS SUNSTEIN) ................................................................................... 93 9.4. MAXIMALISMO (CASS SUNSTEIN) .................................................................................. 94 9.5. PRAGMATISMO JURÍDICO ............................................................................................... 95 9.6. LEITURA MORAL DA CONSTITUIÇÃO (RONALD DWORKIN) ....................................... 95 PRINCÍPIOS INTERPRETATIVOS (PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS OU POSTULADOS NORMATIVOS) .................................................................................................................................. 98 1. PRINCÍPIO DA UNIDADE ...................................................................................................... 98 2. PRINCÍPIO DO EFEITO INTEGRADOR ................................................................................ 99 3. PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA (OU DA HARMONIZAÇÃO) .......................... 99 4. PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE (CONVIVÊNCIA DAS LIBERDADES PÚBLICAS) .......... 100 CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 7 5. PRINCÍPIO DA FORÇA NORMATIVA (HESSE) ................................................................. 101 5.1. CONCEITO ........................................................................................................................ 101 5.2. REFLEXOS ....................................................................................................................... 101 5.2.1. “Efeito transcendente” dos motivos determinantes (fundamentação) ............................. 101 5.2.2. Objetivação do controle difuso (processo subjetivo) ........................................................ 101 5.2.3. Relativização da coisa julgada .......................................................................................... 101 6. PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE (EFICIÊNCIA OU INTERPRETAÇÃO EFETIVA) 103 6.1. CONCEITO ........................................................................................................................ 104 6.2. DISTINÇÃO ENTRE VALIDADE, EFICÁCIA E EFETIVIDADE ...................................... 104 6.2.1. Validade ............................................................................................................................. 104 6.2.2. Vigência ............................................................................................................................. 105 6.2.3. Eficácia (eficácia jurídica) ................................................................................................. 105 6.2.4. Efetividade (eficácia social) ............................................................................................... 105 6.3. CONSIDERAÇÕES FINAIS QUANTO À MÁXIMA EFETIVIDADE ................................. 106 7. PRINCÍPIO DA CONFORMIDADE FUNCIONAL (OU DA “JUSTEZA”) .............................. 106 PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO ................................................................................................ 108 NORMAS CONSTITUCIONAIS ...................................................................................................... 110 1. ESPÉCIES NORMATIVAS ................................................................................................... 110 1.1. PRINCÍPIOS ...................................................................................................................... 110 1.1.1. Critérios de distinção proposto por Humberto Ávila.............................................................. 111 1.1.2. Critérios de distinção proposto por Hage e Peczenik ........................................................... 111 1.1.3. Critérios de distinção propostos por Ronald Dworkin ...................................................... 112 1.1.4. Critérios de distinção proposto por Robert Alexy ............................................................. 112 1.2. REGRAS............................................................................................................................ 114 1.2.1. Derrotabilidade (ou superabilidade) ...................................................................................... 114 2. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À EFICÁCIA ........................................................................... 115 2.1. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA PLENA ................................................... 116 2.2. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA CONTIDA (REDUTÍVEL OU RESTRINGÍVEL).............................................................................................................................. 116 2.3. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA LIMITADA .............................................. 117 2.3.1. Normas de princípios institutivo ........................................................................................ 118 2.3.2. Normas de princípio programático .................................................................................... 118 2.4. OUTRAS ESPÉCIES ........................................................................................................ 119 2.4.1. Normas constitucionais de eficácia absoluta (ou supereficazes) .................................... 119 2.4.2. Normas constitucional de eficácia exaurível e de eficácia exaurida ................................ 119 CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 8 3. FENÔMENOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL ............................... 120 3.1. DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO ..................................................................................... 120 3.2. RECEPÇÃO ...................................................................................................................... 120 3.3. CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE ............................................................... 121 3.4. EFEITO REPRISTINATÓRIO TÁCITO ............................................................................. 122 3.5. MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL ....................................................................................... 125 TEORIA GERAL DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE............................................... 127 1. SUPREMACIA CONSTITUCIONAL ..................................................................................... 127 1.1. SUPREMACIA MATERIAL ............................................................................................... 1271.2. SUPREMACIA FORMAL .................................................................................................. 127 1.3. LEI COMPLEMENTAR X LEI ORDINÁRIA ...................................................................... 128 1.3.1. Hierarquia entre normas ................................................................................................... 128 1.3.2. Diferenças ......................................................................................................................... 128 1.3.3. Diferença do quórum de aprovação.................................................................................. 129 1.3.4. Questionamentos pertinentes ........................................................................................... 129 2. PARÂMETRO PARA CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE (NORMA DE REFERÊNCIA) ................................................................................................................................. 130 2.1. CONCEITO ........................................................................................................................ 130 2.2. ESPÉCIES DE NORMA DE REFERÊNCIA ..................................................................... 130 2.3. BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE ........................................................................... 131 3. FORMAS DE INCONSTITUCIONALIDADE......................................................................... 133 3.1. QUANTO AO TIPO DE CONDUTA PRATICADA PELO PODER PÚBLICO .................. 133 3.1.1. Inconstitucionalidade por ação ......................................................................................... 133 3.1.2. Inconstitucionalidade por omissão .................................................................................... 133 3.1.3. Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) .......................................................................... 134 3.2. QUANTO À NORMA CONSTITUCIONAL OFENDIDA .................................................... 136 3.2.1. Inconstitucionalidade material (ou nomoestática) ............................................................ 137 3.2.2. Inconstitucionalidade formal (ou nomodinâmica) ............................................................. 137 3.3. QUANTO À EXTENSÃO ................................................................................................... 140 3.3.1. Inconstitucionalidade total ................................................................................................. 140 3.3.2. Inconstitucionalidade parcial ............................................................................................. 140 3.4. QUANTO AO MOMENTO EM QUE OCORRE A INCONSTITUCIONALIDADE............. 141 3.4.1. Inconstitucionalidade originária ......................................................................................... 141 3.4.2. Inconstitucionalidade superveniente ................................................................................. 141 3.4.3. Inconstitucionalidade progressiva ..................................................................................... 142 3.5. QUANTO AO PRISMA DE APURAÇÃO .......................................................................... 144 CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 9 3.5.1. Inconstitucionalidade direta, imediata ou antecedente .................................................... 144 3.5.2. Inconstitucionalidade indireta ou mediata......................................................................... 145 4. FORMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ................................................. 146 4.1. QUANTO À NATUREZA DO ÓRGÃO .............................................................................. 146 4.1.1. Controle jurisdicional ......................................................................................................... 146 4.1.2. Controle político................................................................................................................. 147 4.2. QUANTO AO MOMENTO ................................................................................................. 147 4.2.1. Preventivo .......................................................................................................................... 147 4.2.2. Repressivo ......................................................................................................................... 150 4.3. QUANTO À COMPETÊNCIA JURISDICIONAL ............................................................... 155 4.3.1. Controle difuso .................................................................................................................. 155 4.3.2. Controle concentrado ........................................................................................................ 155 4.4. QUANTO À FINALIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL ........................................ 156 4.4.1. Controle concreto (por via de defesa, incidental ou via de exceção) .............................. 156 4.4.2. Controle abstrato (por via de ação, por via direta ou por via principal) ........................... 156 CONTROLE CONCENTRADO-ABSTRATO .................................................................................. 158 1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS ........................................................................................... 158 1.1. PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES ....................................................................... 158 1.2. ANÁLISE DE QUESTÕES FÁTICAS................................................................................ 159 1.3. CARÁTER DÚPLICE (OU AMBIVALENTE) ..................................................................... 160 1.4. EFEITO VINCULANTE...................................................................................................... 160 1.5. CONSTITUCIONALIDADE DA ADC E CONTROVÉRSIA JUDICIAL RELEVANTE ....... 160 1.6. ADPF: CARÁTER SUBSIDIÁRIO ..................................................................................... 161 1.7. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE ..................................................................................... 162 1.8. CUMULAÇÃO DE AÇÕES ................................................................................................ 163 1.9. POSSIBILIDADE DE CELEBRAÇÃO DE ACORDO ........................................................ 164 2. LEGITIMIDADE ATIVA ......................................................................................................... 165 2.1. DISTINÇÃO ENTRE OS LEGITIMADOS ......................................................................... 166 2.1.1. Legitimados universais ...................................................................................................... 166 2.1.2. Legitimados especiais ....................................................................................................... 167 3. PARÂMETRO DE CONTROLE ............................................................................................ 170 3.1. ADI E ADC ......................................................................................................................... 171 3.2. ADPF ................................................................................................................................. 171 4. OBJETO ................................................................................................................................ 172 4.1. PERSPECTIVAS ............................................................................................................... 173 4.1.1. Material .............................................................................................................................. 173 CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 10 4.1.2. Temporal............................................................................................................................178 4.1.3. Espacial ............................................................................................................................. 179 5. PARTICIPAÇÃO DE ÓRGÃOS E ENTIDADES ................................................................... 180 5.1. AMICUS CURIAE .............................................................................................................. 180 5.1.1. Conceito............................................................................................................................. 180 5.1.2. Papel .................................................................................................................................. 180 5.1.3. Natureza ............................................................................................................................ 180 5.1.4. Admissibilidade.................................................................................................................. 181 5.1.5. Forma de manifestação .................................................................................................... 181 5.1.6. Requisitos .......................................................................................................................... 181 5.1.7. Prazo para ingresso .......................................................................................................... 182 5.1.8. Principais diferenças em relação ao CPC/2015 ............................................................... 182 5.2. PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ....................................................................... 185 5.3. ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO ..................................................................................... 186 5.4. (IM) POSSIBILIDADE DE ADITAMENTO DA PETIÇÃO INICIAL ................................... 187 6. LIMINAR ................................................................................................................................ 187 6.1. QUÓRUM .......................................................................................................................... 187 6.1.1. ADC ................................................................................................................................... 188 6.1.2. ADI ..................................................................................................................................... 189 6.1.3. ADPF ................................................................................................................................. 189 6.2. EFICÁCIA OBJETIVA E SUBJETIVA ............................................................................... 190 6.2.1. ADC ................................................................................................................................... 190 6.2.2. ADI ..................................................................................................................................... 190 6.2.3. ADPF ................................................................................................................................. 191 6.3. EFICÁCIA TEMPORAL ..................................................................................................... 191 6.3.1. ADC ................................................................................................................................... 191 6.3.2. ADI ..................................................................................................................................... 192 6.3.3. ADPF ................................................................................................................................. 192 6.4. OBRIGATORIEDADE ....................................................................................................... 192 7. DECISÃO DE MÉRITO ......................................................................................................... 193 7.1. QUÓRUM .......................................................................................................................... 193 7.2. EFICÁCIA OBJETIVA E SUBJETIVA ............................................................................... 194 7.2.1. Quanto à eficácia subjetiva ............................................................................................... 195 7.2.2. Quanto à eficácia objetiva ................................................................................................. 196 7.3. EFICÁCIA TEMPORAL ..................................................................................................... 198 7.4. TÉCNICAS DE DECISÃO JUDICIAL................................................................................ 199 CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 11 7.4.1. Declaração de inconstitucionalidade com redução parcial/total de texto ........................ 199 7.4.2. Declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto x interpretação conforme à Constituição ..................................................................................................................................... 200 7.4.3. Declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade ................................... 201 CONTROLE DIFUSO CONCRETO ................................................................................................ 203 1. ASPECTOS GERAIS ............................................................................................................ 203 1.1. COMPETÊNCIA ................................................................................................................ 203 1.2. FINALIDADE ..................................................................................................................... 203 1.3. LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA ................................................................................. 203 1.4. PARÂMETRO .................................................................................................................... 204 1.5. OBJETO ............................................................................................................................ 204 1.6. EFEITOS DA DECISÃO PROFERIDA ............................................................................. 205 1.6.1. Quanto ao aspecto objetivo .............................................................................................. 205 1.6.2. Quanto ao aspecto subjetivo............................................................................................. 205 1.6.3. Quanto ao aspecto temporal ............................................................................................. 207 2. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO (FULL BENCH) ............................................... 209 2.1. PREVISÃO ........................................................................................................................ 209 2.2. ÓRGÃO ESPECIAL .......................................................................................................... 209 2.3. CONTROLE DIFUSO E CONCENTRADO....................................................................... 209 2.4. TRIBUNAIS ....................................................................................................................... 210 2.5. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ........................................................... 211 2.6. PROCEDIMENTO NOS TRIBUNAIS................................................................................ 212 3. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DE LEI PELO SENADO .................................................... 213 3.1. CONTEXTO DO SURGIMENTO DO DISPOSITIVO LEGAL .......................................... 213 3.2. ATO DE SUSPENDER...................................................................................................... 213 3.3. NO TODO OU EM PARTE ................................................................................................214 3.4. LEI ..................................................................................................................................... 214 3.5. INCONSTITUCIONAL ....................................................................................................... 215 3.6. EFEITOS DA RESOLUÇÃO DO SENADO ...................................................................... 215 4. AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE...................................... 216 5. TENDÊNCIA DE ABSTRATIVIZAÇÃO ................................................................................ 217 5.1. CONCEITO ........................................................................................................................ 217 5.2. COMMON LAW: STARE DECISIS ................................................................................... 217 5.3. ÂMBITO DE INCIDÊNCIA ................................................................................................. 217 5.3.1. Âmbito constitucional ........................................................................................................ 217 5.3.2. Âmbito legislativo .............................................................................................................. 218 CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 12 5.3.3. Âmbito jurisprudencial ....................................................................................................... 219 REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL ............................................ 220 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ............................................................................................... 220 2. COMPETÊNCIA .................................................................................................................... 220 3. LEGITIMIDADE ..................................................................................................................... 221 4. PARÂMETRO ....................................................................................................................... 223 5. OBJETO ................................................................................................................................ 226 5.1. SIMULTANEUS PROCESSUS ......................................................................................... 226 6. DECISÃO DE MÉRITO ......................................................................................................... 228 7. OUTRAS AÇÕES DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO .......................................... 229 7.1. ADO ................................................................................................................................... 229 7.2. ADC ................................................................................................................................... 230 7.3. ADPF ................................................................................................................................. 230 8. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DE LEI (CONTROLE DIFUSO) ......................................... 231 REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA............................................................................................. 232 1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS ........................................................................................... 232 1.1. BASE NORMATIVA .......................................................................................................... 232 1.2. SURGIMENTO .................................................................................................................. 232 1.3. NATUREZA ....................................................................................................................... 232 2. ESPÉCIES ............................................................................................................................ 232 2.1. REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA FEDERAL ............................................................. 232 2.1.1. Previsão constitucional ..................................................................................................... 232 2.1.2. Legitimidade ativa ............................................................................................................. 233 2.1.3. Parâmetro de controle ....................................................................................................... 233 2.1.4. Liminar ............................................................................................................................... 233 2.1.5. Decisão de mérito ............................................................................................................. 234 2.2. REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA ESTADUAL .......................................................... 235 2.2.1. Introdução .......................................................................................................................... 235 2.2.2. Legitimidade ativa ............................................................................................................. 235 2.2.3. Competência ..................................................................................................................... 235 2.2.4. Cabimento de RE .............................................................................................................. 235 2.2.5. Efeitos da decisão ............................................................................................................. 236 CONTROLE DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS .................................................................... 237 1. INSTRUMENTOS ................................................................................................................. 237 2. FINALIDADE ......................................................................................................................... 237 3. TIPO DE PRETENSÃO DEDUZIDA EM JUÍZO .................................................................. 238 CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 13 4. COMPETÊNCIA .................................................................................................................... 238 5. LEGITIMIDADE ATIVA ......................................................................................................... 240 6. LEGITIMIDADE PASSIVA .................................................................................................... 243 7. PARÂMETRO ....................................................................................................................... 243 8. OBJETO ................................................................................................................................ 245 9. LIMINAR ................................................................................................................................ 246 9.1. ADO ................................................................................................................................... 246 9.2. MANDADO DE INJUNÇÃO .............................................................................................. 247 10. DECISÃO DE MÉRITO ......................................................................................................... 247 10.1. ADO ................................................................................................................................... 247 10.2. Mandado de injunção ........................................................................................................ 251 10.2.1. Corrente não concretista ................................................................................................... 251 10.2.2. Corrente concretista .......................................................................................................... 251 10.2.3. Análise da Lei 13.300/16 ...................................................................................................253 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. ................................................................................. 255 1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS ........................................................................................... 255 1.1. APLICABILIDADE ............................................................................................................. 255 1.2. LOCALIZAÇÃO TOPOGRÁFICA ...................................................................................... 256 1.3. HIERARQUIA DOS TRATADOS ...................................................................................... 256 2. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................................ 258 2.1. CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ......................................................... 258 2.2. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA ................................................................................... 259 2.2.1. Unitária .............................................................................................................................. 259 2.2.2. Dualista .............................................................................................................................. 259 2.2.3. Trialista .............................................................................................................................. 259 2.3. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SEGUNDO JELLINEK (TEORIA DOS QUATRO STATUS) ................................................................................................................ 260 3. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................... 260 3.1. UNIVERSALIDADE ........................................................................................................... 260 3.2. HISTORICIDADE .............................................................................................................. 261 3.3. INALIENABILIDADE, IMPRESCRITIBILIDADE, INDISPONIBILIDADE E IRRENUNCIABILIDADE .................................................................................................................. 261 3.4. RELATIVIDADE OU LIMITABILIDADE ............................................................................ 262 4. DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................................... 262 4.1. DIMENSÃO SUBJETIVA .................................................................................................. 262 4.2. DIMENSÃO OBJETIVA ..................................................................................................... 263 CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 14 5. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS..................................................................... 264 5.1. ESPÉCIES ......................................................................................................................... 264 5.2. TEORIAS ........................................................................................................................... 264 5.2.1. Teoria da ineficácia horizontal .......................................................................................... 264 5.2.2. Teoria da eficácia horizontal indireta (Günter Durig) ........................................................ 265 5.2.3. Teoria da eficácia horizontal direta (Nipperdey) ............................................................... 266 5.2.4. Teoria integradora (Robert Alexy) ..................................................................................... 267 6. CONTEÚDO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................... 267 6.1. OBJETIVO ......................................................................................................................... 267 6.2. TEORIAS ........................................................................................................................... 268 6.2.1. Teoria absoluta .................................................................................................................. 268 6.2.2. Teoria relativa .................................................................................................................... 268 7. RESTRIÇÕES ....................................................................................................................... 269 7.1. TEORIA INTERNA ............................................................................................................ 269 7.2. TEORIA EXTERNA ........................................................................................................... 270 8. SUPORTE FÁTICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ..................................................... 271 9. LIMITES DOS LIMITES ........................................................................................................ 272 9.1. CONCEITO ........................................................................................................................ 272 10. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA .................................................................................. 273 10.1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 273 10.2. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................ 275 11. POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE ........................................................................ 276 11.1. CONSAGRAÇÃO IMPLÍCITA ........................................................................................... 276 11.2. MÁXIMAS PARCIAIS (REGRAS) ..................................................................................... 277 11.2.1. Adequação ........................................................................................................................ 277 11.2.2. Necessidade ...................................................................................................................... 277 11.2.3. Proporcionalidade em sentido estrito ............................................................................... 277 11.3. PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE .......................................... 278 12. DIREITOS FUNDAMENTAIS E O ESTADO DE COISA INCONSTITUCIONAL ................ 278 12.1. CONCEITO ........................................................................................................................ 278 12.2. ORIGEM ............................................................................................................................ 279 12.3. PRESSUPOSTOS ............................................................................................................. 279 12.4. CONSEQUÊNCIAS ........................................................................................................... 280 12.5. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL ............................................................................................. 280 12.6. ADPF E O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO .................................................... 280 12.7. MEDIDAS REQUERIDAS NA AÇÃO................................................................................ 281 CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 15 APRESENTAÇÃO Olá! Inicialmente gostaríamos de agradecer a confiança em nosso material. Esperamos que seja útil na sua preparação, em todas as fases. A grande maioria dos concurseiros possui o hábito de trocar o material de estudo constantemente, principalmente, em razão da variedade ofertada atualmente. No entanto, o ideal é utilizar sempre a mesma fonte e fazer a complementação necessária; pois, quanto mais contato temos com determinada fonte de estudo, mais familiarizados ficaremos, o que se torna primordial na hora da prova. O Caderno Sistematizado de Direito Constitucional, que está dividido em ParteI e Parte II, possui como base as aulas do Prof. Marcelo Novelino (G7) e as aulas do Prof. Bernardo Fernandes. Além disso, foram utilizadas as seguintes fontes complementares: a) Curso de Direito Constitucional, 2022 (Marcelo Novelino); b) Curso de Direitos Constitucional, 2020, (Dirley da Cunha Júnior); e c) Curso de Direito Constitucional, 2022 (Bernardo Gonçalves Fernandes). Em relação à jurisprudência, a fonte utilizada foi o site do Buscador do Dizer o Direito (https://www.buscadordizerodireito.com.br). Destacamos que é importante você se manter atualizado com os informativos. Por isso, recomendamos que você reserve um dia da semana para ler os informativos no site do Dizer o Direito. Como você pode perceber, reunimos diversas fontes (aulas, doutrina, informativos, lei seca e questões) em um único material, para otimizar o seu tempo e garantir que você faça uma boa prova. Por fim, como forma de complementar o seu estudo, não se esqueça de fazer questões. É muito importante! As bancas costumam repetir certos temas. Vamos juntos! Bons estudos! Equipe Cadernos Sistematizados. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 16 CONSTITUCIONALISMO 1. CONCEITO O constitucionalismo pode ser definido em dois sentidos, quais sejam: a) Sentido amplo: refere-se à existência de uma constituição dentro do Estado. O que organiza o Estado é a constituição, seja ela escrita ou não escrita. Esse sentido não é muito utilizado na doutrina; b) Sentido estrito: o constitucionalismo está ligado a duas ideias: i) garantia de direitos fundamentais dos indivíduos em face do Estado; ii) limitação do poder (é uma das ideias centrais do constitucionalismo, pois se contrapõe ao absolutismo). Nas palavras de Karl Loewenstein: “a história do constitucionalismo não é senão a busca pelo homem político das limitações do poder absoluto exercido pelos detentores do poder, assim como o esforço de estabelecer uma justificação espiritual, moral ou ética da autoridade, em vez da submissão cega à facilidade da autoridade existente”. Segundo Dirley da Cunha Jr., o constitucionalismo: “o conceito de constitucionalismo está vinculado à noção e importância da Constituição, na medida em que é através desta que aquele movimento pretende realizar o ideal de liberdade humana, com a criação de meios e instituições necessárias para limitar e controlar o poder político, opondo-se, desde sua origem, a governos arbitrários, independente de época e lugar. (...) O constitucionalismo despontou no mundo como um movimento político e filosófico inspirado por ideias libertárias que reivindicou, desde seus primeiros passos, um modelo de organização política lastreada no respeito dos direitos dos governados e na limitação do poder dos governantes”. O constitucionalismo está associado a três ideias básicas: Segundo Canotilho, o constitucionalismo é a teoria que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Portanto, o constitucionalismo moderno representa uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. A seguir, iremos analisar a evolução do constitucionalismo. Garantia de direitos Separação de poderes Governo limitado CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 17 2. CONSTITUCIONALISMO ANTIGO O constitucionalismo antigo compreende o período entre a Antiguidade e o final do século XVIII, no qual se destacaram as experiências constitucionais do Estado hebreu, da Grécia, de Roma e da Inglaterra. A sua principal característica é uma constituição baseada em costumes e em precedentes judiciais (constituição costumeira). Antes desse período, não havia constituições escritas, apesar da existência de documentos escritos. MANIFESTAÇÕES ESTADO HEBREU É a primeira experiência constitucional de que se tem notícia, no sentido de estabelecer limites ao poder político dentro de certa organização estatal. Na estruturação do Estado, os hebreus adotaram constituições regidas por convicções da comunidade e por costumes nacionais, os quais se refletiam nas relações entre governantes e governados. Os dogmas religiosos consagrados na Bíblia serviam como limites ao poder político do soberano. As principais características do constitucionalismo do Estado hebreu são: a) inexistência de leis escritas ao lado dos costumes, principal fonte dos direitos; b) forte influência da religião, com a crença de que os líderes eram representantes dos deuses na terra; c) predomínio dos meios de constrangimento para assegurar o respeito aos padrões de conduta da comunidade (ordálias) e manter a coesão do grupo; d) tendência de julgar os litígios de acordo com as soluções dadas a conflitos semelhantes à semelhança do que ocorre atualmente com os precedentes judiciais. GRÉCIA Segundo Karl Loewenstein, durante dois séculos, existiu na Grécia um “Estado político plenamente constitucional”, no qual foi adotada a forma de governo mais avançada: a democracia constitucional. As principais características do constitucionalismo nesse período eram: a) a inexistência de constituições escritas; b) a prevalência da supremacia do parlamento; c) a possibilidade de modificação das proclamações constitucionais por atos legislativos ordinários; d) a irresponsabilidade governamental dos detentores de poder. ROMA O termo “constituição” era usado em Roma, desde a época do imperador Adriano, porém com um sentido diferente do moderno. Designava certas normas editadas pelos imperadores romanos com valor de lei. Apesar de menos mencionada e idealizada que a experiência grega, a democracia romana condicionou estruturas muito características e forneceu verdadeiros modelos conceituais, como o “principado” e “res publica”. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 18 INGLATERRA A experiência constitucional inglesa, centralizada no princípio do “Rule of Law” tem papel destacado na concepção do constitucionalismo. Na Idade Média, durante séculos, predominaram regimes absolutistas, nos quais eram vedadas quaisquer formas participativas, bem como a imposição de limites aos governantes, considerados verdadeiras encarnações do soberano ou de entidades divinas. Todavia, nessa época, o constitucionalismo ressurgiu como movimento de conquistas de liberdades, impondo balizas à atuação soberana e garantindo direitos individuais em contraposição à opressão estatal. Dentre os pactos celebrados na Inglaterra, reconhecendo a primazia das liberdades públicas contra o abuso de poder, destacam-se: a) a Magna Carta (1215), outorgada pelo Rei João Sem Terra, como fruto de um acordo firmado com os súditos; b) a “Petition foi Rights” (1628), firmada entre o Parlamento e o Rei Carlos I; c) o “Habeas Corpus Act” (1679); d) o “Bill of Rights” (1689); e) o “Act of Settlement” (1701). As principais características do constitucionalismo da Idade Média são: a) supremacia do Parlamento; b) monarquia parlamentar; c) a responsabilidade parlamentar do governo; d) a independência do Poder Judiciário; e) a carência de um sistema formal de direito administrativo; f) a importância das convenções constitucionais. Como o tema foi cobrado em concurso? (TJ/AC – VUNESP – 2019): O constitucionalismo antigo teve início com a Magna Carta de 1215, não havendo antes desse período indícios de experiências democráticas que contrastassem com os poderes teocráticos ou monárquicos dominantes. Errado! 3. CONSTITUCIONALISMO CLÁSSICO (LIBERAL/MODERNO) 3.1. CONTEXTO E CARACTERÍSTICAS O constitucionalismo moderno designa a fase compreendida entre as revoluções liberais do final do século XVIII e a promulgação das constituições pós-bélicas, a partir da segunda metade do século XX. Conforme ensina Dirley da Cunha Jr., “(...) no constitucionalismomoderno, a noção de constituição envolve uma força capaz de limitar e vincular todos os órgãos do poder político. Por isso mesmo, a Constituição é concebida como um documento escrito e rígido, manifestando-se como uma norma suprema e fundamental, porque hierarquicamente superior a todas as outras, das quais constitui o fundamento de validade que só pode ser alterado por procedimentos especiais e solenes previstos em seu próprio texto”. Aqui, surgem noções de: CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 19 a) Constituição escrita; b) Constituição formal; c) Constituição rígida; d) Supremacia da Constituição. Salienta-se que o principal valor pelo qual se lutava, naquele período, era a liberdade através de uma limitação do poder do estado. Como o tema foi cobrado em concurso público? (TJ/AC – VUNESP – 2019) A transição da Monarquia Absolutista para o Estado Liberal, em especial na Europa, no final do século XVIII, que traçou limitações formais ao poder político vigente à época, é um marco do constitucionalismo moderno. Correto! 3.2. MARCOS HISTÓRICOS (EXPERIÊNCIAS DO CONSTITUCIONALISMO CLÁSSICO) 1ª EXPERIÊNCIA 2ª EXPERIÊNCIA. LOCAL EUA FRANÇA CONTEXTO Em 1787, surge a Constituição dos EUA, como conhecemos e existe até hoje. Exemplo de constituição clássica. Aqui, fala-se em “ciclo constitucional norte-americano” ou “ciclo norte- americano”. A sangrenta Revolução Francesa 1789 teve por objetivo destruir o “Antigo Regime”. A França teve várias constituições no final do século XVIII. A primeira constituição escrita do país, ainda no período monárquico, foi redigida pela Assembleia Nacional Constituinte de 1789 e promulgada em 1891, tendo como preâmbulo a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. Na França, a Constituição é concebida como um projeto político destinado a promover uma transformação política e social e que, em vez de se limitar a fixar as regras do jogo, participa diretamente. Aqui se fala em “ciclo constitucional francês” ou “ciclo francês”. CONTRIBUIÇÕES Supremacia constitucional: Por estabelecer as “regras do jogo” político, a constituição se situa, por Constituição prolixa: A Constituição americana era sintética e concisa. Por outro lado, a CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 20 uma questão lógica, em um plano juridicamente superior ao dos que dele participam (Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário). O principal objetivo consiste em determinar quem manda, como manda e, em parte também, até onde pode mandar. Garantia jurisdicional: A garantia da supremacia constitucional é atribuída ao Poder Judiciário, em razão da sua neutralidade, fator que o tornaria mais indicado para se manter à margem do debate político. Nesta concepção, o constitucionalismo se resolve em judicialismo destinado a assegurar o respeito às regras básicas de organização política. . OBS.: O constitucionalismo não é antidemocrático, mas muitas vezes desempenha um papel contramajoritário. “Democracia não é vontade da maioria? Ela vai contra essa vontade?” Democracia no sentido material é vontade da maioria + proteção de direitos fundamentais, inclusive das minorias. Em 1803, pela primeira vez é exercido o controle de constitucionalidade nos EUA (difuso), caso Marbury vs. Madison (Juiz John Marshall). Entendeu-se que a Constituição era a norma suprema e que os poderes deveriam se submeter a ela. Sistema presidencialista: A figura do “Presidente da República” é criada para substituir a figura do rei. Constituição francesa era extremamente densa e serviu de modelo para inúmeras constituições da atualidade Distinção entre poder constituinte originário e derivado: Na França, havia uma divisão entre nobreza, clero e povo. Os dois primeiros possuíam todos os privilégios, enquanto o povo não tinha direitos. Surge, assim, a ideia de que o verdadeiro titular do poder constituinte era o povo, chamado de terceiro estado. O abade Emmanuel Joseph Sieyès possui uma obra intitulada “O que é o terceiro Estado?”, na qual ele afirma que o verdadeiro titular do poder constituinte é a nação, embora esse poder, muitas vezes, seja usurpado por uma minoria. Separação de poderes: É um mecanismo criado para a limitação do poder. Destaca-se que, no constitucionalismo antigo, embora tivesse limitação de poderes do soberano, não havia a separação dos poderes. O art. 16 da DDHC (1789) prevê que: “a sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.” Com o constitucionalismo moderno, em razão das revoluções liberais, surge o Estado de Direito (ou Estado liberal). CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 21 Forma federativa do Estado: Destaca-se que a forma federativa de Estado não foi criada pelos EUA. De acordo com Novelino, há outras experiências de federação, a exemplo dos cantões suíços. Todavia, é inegável que o modelo implementado pelos EUA influenciou inúmeros países. 3.3. PRIMEIRA FASE: ESTADO DE DIREITO (OU ESTADO LIBERAL) Compreende o período entre o surgimento das primeiras Constituições escritas até o fim da 1ª Guerra Mundial. Concretizou-se com as experiências do Rule of Law (Inglaterra), Rechtsstaat (Rússia) e État Légal (França). No entanto, o Estado de Direito, como é conhecido hoje, apenas ocorreu com o fim do antigo regime e após as revoluções liberais. As características são: a) Abstencionista: é um Estado que não intervém nas relações sociais, econômicas e laborais. É chamado de Estado mínimo. O Estado mínimo se preocupa apenas com a proteção contra as invasões estrangeiras, com a administração da justiça, com a implementação de bens e com as instituições que não geram lucros; b) Direitos fundamentais: correspondem aos direitos da burguesia (liberdade e propriedade), apenas no aspecto formal; c) Limitação do soberano: a limitação do Estado pelo direito se estende ao soberano. Ou seja, todos estão limitados pelo ordenamento jurídico. O soberano não está mais acima da lei; d) Princípio da legalidade: A atuação da Administração Pública depende de expressa autorização legal. É considerada uma atividade sublegal. Na primeira fase do constitucionalismo moderno, surgem os direitos de primeira geração ou dimensão (forma mais correta). Trata-se de teoria desenvolvida por Karel Vasak (1979) e difundida por Norberto Bobbio. No Brasil, seu expoente foi Paulo Bonavides, que ampliou as gerações de direitos fundamentais. 3.3.1. Direitos de primeira dimensão Dentro do lema da Revolução Francesa, a primeira dimensão está ligada à liberdade (religiosa, de pensamento, de locomoção, etc.). Esses direitos são chamados de “direitos civis e políticos”. Os direitos civis, também chamados de direitos de defesa, compreendem o direito à vida, o direito à liberdade, o direito à igualdade e o direito à propriedade, como se percebe são os direitos CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 22 liberais clássicos. Possuem um caráter negativo, pois exigem do Estado uma abstenção (um não fazer). Surgem para proteger o indivíduo contra o arbítrio do Estado. Os direitos políticos, também chamados de direitos de participação, permitem que o indivíduo participe da vida do Estado. Têm um aspecto positivo (realização de eleições) e um aspecto negativo (se os requisitos forem atendidos, o Estado não poderá impedir a participação). OBS.: Todo direito fundamental possui aspecto negativo (abstenção por parte do Estado) e um aspecto positivo (o Estado possui a obrigação de atuar), o que diferencia é o grau de cada aspecto. Como o tema foi cobrado em concurso? (TJ/RO – CESPE – 2019): As Revoluções liberais do Século XVIII e início do Século XIX, promovidasna Europa Ocidental, são fruto do denominado constitucionalismo moderno, e foram caracterizadas, dentre outros elementos, pela consagração das liberdades individuais e defesa da igualdade em sentido formal. Correto! 3.4. SEGUNDA FASE: ESTADO SOCIAL O regime liberal pressupõe certa igualdade entre os indivíduos, por requerer uma competição equilibrada. Com a crise econômica e a crescente demanda por direitos sociais após o fim da 1ª Guerra Mundial (1918), houve a crise do liberalismo, o que deu origem a uma transformação na superestrutura do Estado liberal. O Estado abandona sua postura abstencionista para assumir um papel decisivo nas fases de produção e distribuição de bens e passando a intervir nas relações econômicas. Segundo Novelino, o liberalismo é um modelo ideal do Estado, para os casos em que não há desigualdade social entre as pessoas, permitindo que cada um faça suas escolhas. Contudo, se houver uma desigualdade gritante, não haverá como funcionar de forma correta, pois não haverá equilíbrio. A segunda fase do constitucionalismo moderno surge a partir do esgotamento fático da visão liberal, incapaz de atender as demandas por direitos sociais surgidas no fim do século XIX. Quando se percebeu que apenas garantir a liberdade não era suficiente começaram a surgir uma nova demanda de direitos. Os partidos socialistas e cristãos impõem às novas constituições uma preocupação com o econômico e com o social, fazendo com que essas Cartas Políticas inserissem em seus textos direitos de cunho econômico e social. Os direitos de igualdade pressupõem a liberdade (Paulo Bonavides). Passaram, pois, as Constituições a configurar um novo modelo de Estado, então liberal e passivo, agora social e intervencionista, conferindo-lhe tarefas, diretivas, programas e fins a serem executados através de prestações positivas oferecidas à sociedade. A história, portanto, testemunha a passagem do Estado liberal ao Estado social e, consequentemente, a metamorfose da Constituição, de Constituição Garantia, Defensiva ou Liberal para Constituição Social, Dirigente, Programática ou Constitutiva. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 23 Os principais documentos são: a) a Constituição do México (1917); b) a Constituição de Weimar (1919). Tais documentos influenciaram a Constituição brasileira de 1934 (Estado social de Direito). As características do Estado social são: a) Intervencionista: o Estado social é aquele que intervém em questões que eram deixadas na esfera individual, tais como as questões econômicas, as questões sociais e as questões laborais. OBS.: O Estado social não se confunde com o Estado socialista, pois adere ao capitalismo. b) Papel decisivo da produção e distribuição de bens: o Estado chama para si inúmeras questões que ficavam restritas à esfera individual; c) Garantia de bem-estar mínimo: preocupa-se em garantir mínimas condições de vida digna. Pode ser relacionado ao mínimo existencial. No Brasil, um exemplo de medida que visa à garantia do bem-estar social é o benefício de prestação continuada da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), fornecido a pessoas idosas ou deficientes, que não tenham como se sustentar nem possam ser sustentadas pelas respectivas famílias, quando a renda per capita é inferior a ¼ do salário-mínimo (nos termos da lei) ou a ½ do salário-mínimo (valor atual); d) Estabelecimento de um grande convênio global implícito de estabilidade econômica (pacto keynesiano). Nesta fase, surgem os direitos de segunda geração ou de segunda dimensão. OBS.: A palavra “geração” dá a ideia de que uma substitui a outra. Ou seja, a primeira geração foi substituída pela segunda geração, sendo esta substituída pela terceira e, assim, sucessivamente. Tal ideia é errada, pois os direitos fundamentais não são substituídos por outras gerações, irão coexistir. Por isso, alguns autores afirmam que o correto é usar a expressão “dimensão”, pois garante a coexistência entre todos 3.4.1. Direitos de segunda dimensão Marco histórico: Revolução industrial (século XIX). Possui como principal valor a igualdade. Não se trata de igualdade formal (tratamento igualitário da lei para com todos), que já havia sido consagrada nas revoluções liberais. A igualdade aqui é a material, ou seja, atuação do Estado para igualar os cidadãos, dada a crescente desigualdade social existente à época. Abrangem os direitos sociais, econômicos e culturais. Exigem uma ação do estado, uma prestação positiva. Por isso, são considerados direitos prestacionais. São direitos essencialmente coletivos. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 24 Na segunda fase do constitucionalismo moderno, são consagrados novos direitos fundamentais nos textos constitucionais. a) Valor: a segunda dimensão está ligada ao valor “igualdade”. Não se trata de igualdade formal, e sim de igualdade material; b) Direitos: os direitos de segunda dimensão são chamados de “direitos sociais, econômicos e culturais”. São direitos prestacionais, exigem uma atuação dos Poderes Públicos. Ex.: A construção de escolas e o fornecimento de merenda; c) Garantias institucionais: as garantias são conferidas a certas instituições consideradas importantes para a sociedade. Ex.: A imprensa livre, o funcionalismo público e a família. Mesmo com essas duas gerações, percebeu-se que não havia suficiente proteção do homem. Isso porque se constatou que existiam direitos que não são individuais, mas são de grupos, e que igualmente reclamavam proteção, uma vez que a ofensa a eles acabaria por inviabilizar o exercício dos direitos individuais já garantidos anteriormente. Surge, então, a terceira dimensão (fraternidade). OBS.: A CF/88 ordena e sistematiza a atuação estatal interventiva para conformar a ordem socioeconômica. É o arbítrio conformador a que se refere Ernest Forsthoff, pelo qual o Estado, dentro de certos limites estabelecidos pela ordem jurídica, exerce uma ação modificadora de direitos e relações jurídicas dirigidas à totalidade, ou a uma parte considerável da ordem social. 4. CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO 4.1. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO (OU ESTADO CONSTITUCIONAL DE DIREITO) Com o fim da 2ª Guerra Mundial, surgiu o Estado Democrático de Direito, o qual sintetiza as conquistas dos Estados liberal e social e, ao mesmo tempo, tenta superar suas deficiências. Prega a conexão entre a democracia e o Estado de Direito. O poder deve ser organizado e exercido em termos democráticos. Alguns autores preferem denominar esse modelo de Estado Constitucional Democrático, pois isso denota uma mudança de paradigma, de modo a substituir a ideia de “império da lei” pela ideia de “força normativa da Constituição”. O princípio da soberania popular é a viga mestra deste modelo de Estado. Para que o Estado seja democrático, as normas devem ser elaboradas pelos representantes do povo. As características do Estado Democrático de Direito são: a) Efetividade dos direitos fundamentais: há uma preocupação com a efetividade dos direitos fundamentais, e não apenas com a consagração formal desses direitos na Constituição. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 25 Atualmente, a preocupação não é apenas com o aspecto formal, mas também com o aspecto material. Fala-se em “liberdade material” (ao lado da liberdade formal) e em “igualdade material” (ao lado da igualdade formal); b) Limitação do Poder Legislativo: a limitação é não apenas no aspecto formal (modo de produção do direito), mas também no aspecto material (fiscalização da compatibilidade do conteúdo das leis com os valores consagrados na Constituição); c) Democracia substancial: é o respeito aos direitos fundamentais de todos, inclusive, o direito das minorias. 4.2. DIREITOS DE TERCEIRA DIMENSÃO (FRATERNIDADE) Segundo Karel Vasak, os direitos de terceira dimensão estão relacionadoscom a fraternidade. Outros doutrinadores entendem que essa dimensão está ligada à fraternidade e/ou solidariedade. Trata-se de direitos transindividuais (tanto individuais como coletivos) São os seguintes direitos: a) Autodeterminação dos povos; b) Progresso ou desenvolvimento; c) Direito ao meio ambiente; d) Direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade; e) Direito de comunicação. OBS.: Paulo Bonavides também colocava o direito à paz no rol de direitos da terceira dimensão; porém, há alguns anos, ele alterou o seu entendimento. Atualmente, ele classifica o direito à paz como direito de quinta dimensão. A doutrina cita outros direitos de terceira dimensão, dentre os quais: o consumidor, as crianças e os idosos. Conclusão que chegaram: Não adianta cada indivíduo ter seus direitos protegidos, pois existem direitos coletivos que se forem violados acarretam a inviabilização de todos os demais direitos. 4.3. DIREITOS DE QUARTA DIMENSÃO (PLURALIDADE) Segundo Paulo Bonavides, a democracia, a informação e o pluralismo fazem parte da quarta dimensão: CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 26 a) Direito à democracia: A democracia não estaria elencada nos direitos políticos (1ª dimensão)? Hoje, a democracia é vista em sentido material/substancial: fruição de direitos fundamentais básicos por todos, inclusive pelas minorias (contrário da democracia em sentido formal = vontade das maiorias). Consagra-se o sufrágio universal, bem como determinados mecanismos de participação popular; b) Direito à informação: Abrange o direito a informar, o direito de ser informar e o direito de ser informado; c) Pluralismo: O pluralismo está previsto no art. 1º, V, da CF, como fundamento da República Federativa do Brasil. O pluralismo político está consagrado na Constituição Federal de 1988 como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, V, da CF). O pluralismo político abrange: o pluralismo econômico, o pluralismo político-partidário e o pluralismo ideológico. OBS.: A igualdade está diretamente ligada ao pluralismo. Segundo Boaventura de Souza Santos, “temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza, mas temos o direito de sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.” Salienta-se que é importante diferenciar os fundamentos, os objetivos fundamentais e os princípios que regem o Brasil em suas relações internacionais. FUNDAMENTOS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS PRINCÍPIOS QUE REGEM AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS Art. 1º da CF Art. 3º da CF Art. 4º da CF Compõem a estrutura do Estado: - Cidadania; - Soberania; - Dignidade da pessoa humana; - Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; - Pluralismo político. São as metas a serem buscadas pelos poderes públicos: - Construir uma sociedade livre, justa e solidária; - Garantir o desenvolvimento nacional; - Erradicar a pobreza e a marginalização; - Reduzir as desigualdades sociais e regionais; - Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Referem-se ao modo como o Brasil irá agir em sua relação com outros países: - Independência nacional; - Prevalência dos direitos humanos; - Autodeterminação dos povos; - Não-intervenção; - Igualdade entre os Estados; - Defesa da paz; - Solução pacífica dos conflitos; - Repúdio ao terrorismo e ao racismo; - Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;- Concessão de asilo político. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 27 OBS.: Parte da doutrina aponta ainda como direitos de quarta geração os direitos relacionados à biotecnologia e à bioengenharia e identificação genética do indivíduo. Não há consenso a partir da terceira geração. 5. NEOCONSTITUCIONALISMO 5.1. CONCEITO Consiste em uma experiência vivenciada por alguns países que possuem um sistema constitucional avançado. Movimento teórico que quer refundar o Direito Constitucional, com base em outras e novas premissas. 5.2. CARACTERÍSTICAS a) Força normativa da Constituição Após a 2ª Guerra Mundial, houve o reconhecimento definitivo de que a constituição é uma norma jurídica e deve ser respeitada. Na experiência estadunidense sempre se reconheceu a força normativa da constituição. Por outro lado, no direito europeu, a constituição era considerada apenas um documento político, de modo que o parlamento não estava obrigado a seguir os direitos fundamentais. Apenas com o fim da 2ª GM, é que o direito europeu conferiu força normativa. Konrad Hesse, em sua obra “A Força Normativa da Constituição”, trouxe a constituição para o centro do ordenamento jurídico europeu. Atualmente, tudo que está consagrado no texto constitucional é norma, podendo ser norma- princípio ou norma-regra. No constitucionalismo moderno, a diferença traçada entre normas e princípios era apenas de grau. No neoconstitucionalismo, a diferença é axiológica, pois a constituição é vista como valor em si. O caráter ideológico do constitucionalismo moderno era limitar o poder, enquanto o do neoconstitucionalismo é concretizar os direitos fundamentais. Os princípios eram tratados como algo diferente de norma, como se fossem coisas distintas, pois a norma era vista como obrigatória, enquanto o princípio era visto apenas como diretriz. Todavia, trabalharemos aqui com a ideia de que a norma é um gênero, dentro do qual há duas espécies: a) Regras (subsunção): as regras podem ser aplicadas de forma automática. Ex.: A aposentadoria compulsória aos 75 anos; b) Princípio (ponderação): diferentemente das regras, não pode ser aplicado por subsunção. Ex.: A CF prevê que violar a intimidade gera dano moral. Toda vez que a CF for violada CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 28 necessariamente será paga indenização automaticamente? NÃO, porque, no caso concreto, terão outros princípios que poderão aparecer, ocasionando uma colisão, como por exemplo, conflito direito de privacidade x direito de informação, no caso de informação legítima, devida. Os princípios devem ser ponderados, com base no caso concreto. Neoconstitucionalistas: “mais ponderação do que subsunção”. OBS.: É importante ressaltar que há vozes na doutrina que criticam a ênfase dada pelo neoconstitucionalismo à aplicação dos princípios constitucionais e à ponderação, em detrimento das regras e da subsunção. Segundo parte da doutrina, tal medida fomentaria uma anarquia metodológica, também conhecida como panprincipiologismo ou “carnavalização dos princípios”, que ocasionaria, por conseguinte, um alto grau de decisionismo judicial e de insegurança no ordenamento jurídico. b) Rematerialização das Constituições Abrange a imposição de diretrizes, opções políticas e amplas esferas de regulação jurídicas estabelecidas, não raro, em normas extremamente vagas e imprecisas que limitam o legislador não apenas na forma de produzir o direito, mas também em relação ao conteúdo das normas a serem produzidas. Esta rematerialização fez com que as constituições ficassem extremamente prolixas, tendo em vista que vão além das matérias clássicas (direitos fundamentais, estruturas do estado e organização dos poderes), consideradas normas materialmente constitucionais. As demais normas, contidas no texto constitucional, mas que não tratam destes assuntos, são consideradas normas formalmente constitucionais. Hoje, a maioria das constituições são prolixas e analíticas (ao contrário das clássicas, que eram sucintas). c) Centralidade da Constituição e dos direitos fundamentais Dignidade da pessoa humana passa a estar expressa, consagrada em todas as constituições, após a 2ª GM. A dignidade passou a ser considerada um valor constitucional supremo, após experiências nazistas cruéis. O indivíduo não é um meio parao Estado atingir seus fins, mas sim o Estado é um meio para que a sociedade atinja seus fins. O indivíduo é um fim em si mesmo. A constitucionalização do direito possui três aspectos fundamentais: • Consagração constitucional de normas de outros ramos do direito nas constituições: é uma das faces mais evidentes da Constituição Federal de 1988. O texto constitucional não tem apenas as matérias clássicas do Direito Constitucional, mas também normas sobre Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Previdenciário e etc. Assim, os princípios básicos de outros ramos do direito estão na Constituição; CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 29 • Interpretação das leis conforme a Constituição (“filtragem constitucional”): leis infraconstitucionais devem ser interpretadas à luz da Constituição, pois é o fundamento de validade das leis. A partir da filtragem constitucional, faz-se uma interpretação das leis conforme a constituição, extraindo-se do dispositivo o seu melhor significado. O dispositivo e a norma não se confundem. O dispositivo é aquilo que está escrito no texto. A norma, por sua vez, é o resultado da interpretação; • Eficácia horizontal dos direitos fundamentais: quando os direitos fundamentais surgiram nas constituições, eram oponíveis ao Estado, seu objetivo era proteger o indivíduo contra o arbítrio do Estado. Como a relação entre o Estado e o indivíduo é vertical (relação de subordinação), a aplicação dos direitos fundamentais a essas relações foi denominada de “eficácia vertical dos direitos fundamentais”. Com o tempo, foi possível perceber que os direitos fundamentais devem ser oponíveis não só ao Estado, mas também aos particulares, aplicando-se às relações privadas, o que se denominou de eficácia horizontal dos direitos fundamentais. d) Fortalecimento do Poder Judiciário Hoje, o juiz é o principal protagonista, e não mais o legislador. Por exemplo, se o legislador faz uma lei contrária à constituição, o Poder Judiciário irá afastar essa lei. Mas o ideal é que não existam protagonistas, e sim o equilíbrio entre todos os poderes. Aqui se faz pertinente a análise de dois pontos: • Ativismo judicial: quando o legislativo é fraco, o Poder Judiciário assume uma postura mais ativa e se fortalece. É o que tem acontecido no Brasil atualmente; Como esse assunto foi cobrado em concurso? No concurso da CESPE, para DPE/RN, em 2016, constou como padrão de resposta da prova discursiva: “O Poder Judiciário realiza a constitucionalização do direito, ao interpretar a norma infraconstitucional da forma que melhor realize o sentido e o alcance dos valores e fins constitucionais. Tal atuação pode ser identificada como decorrência do chamado ativismo judicial que consiste na escolha, pelo Poder Judiciário, de um modo específico e proativo de interpretar e aplicar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. A ideia de ativismo judicial está, assim, associada a uma participação mais ampla e intensa do Poder Judiciário na concretização dos valores e dos fins constitucionais, promovendo a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto, independentemente de manifestação do legislador ordinário.” • Judicialização das relações políticas e sociais: refere-se ao fato de que questões, anteriormente restritas ao âmbito político e social, hoje são levadas ao Poder Judiciário. Isso decorre da ampliação da legitimidade ativa nas ações de controle de constitucionalidade, do maior acesso ao Poder Judiciário e da gratuidade da justiça. De forma sistematizada, as características do neoconstitucionalismo são: CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 30 Como o assunto foi cobrado em concurso? (DPE/BA – FCC - 2022): Por neoconstitucionalismo entende-se a liberdade de interpretação do texto constitucional, com o objetivo de lhe dar eficácia, afastando-se de sua característica retórica em busca de seu caráter axiológico. Correto! (PC/PA - INSTITUTO AOCP - 2021): Segundo a doutrina, o Neoconstitucionalismo tem como uma de suas marcas a concretização das prestações materiais prometidas pela sociedade, servindo como ferramenta para implantação de um Estado Democrático Social de Direito. São características do Neoconstitucionalismo, EXCETO encolhimento da justiça distributiva. Correta! 5.3. MARCOS (CARACTERÍSTICAS POR BARROSO) MARCO HISTÓRICO MARCO FILOSÓFICO MARCO TEÓRICO Formação do Estado Constitucional de Direito que tem início no pós-2ªGM. Reconhece-se a força normativa da Constituição. A legalidade subordina-se à Constituição, a validade das normas jurídicas depende de sua compatibilidade com as normas constitucionais. Pós-positivismo: reconhece-se a centralidade dos direitos fundamentais e reaproxima o Direito e a Ética. O princípio da dignidade da pessoa humana ganha relevância; busca-se a concretização dos direitos fundamentais e a garantia de condições mínimas de Reconhecimento da força normativa da Constituição. Expansão da jurisdição constitucional. Desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. C O N S T IT U IÇ Ã O CENTRO DO SISTEMA NORMA JURÍDICA - IMPERATIVA E SUPERIOR CARGA VALORATIVA (AXIOLÓGICA): DPH e DF EFICÁCIA IRRADIANTE (VERTICAL - ESTADO; HORIZONTAL - PARTICULARES) CONCRETIZAÇÃO DOS VALORES CONSTITUCIONALIZADOS GARANTIA DE CONDIÇÕES MÍNIMAS (DIGNAS) CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 31 Há mudança de paradigmas, o Estado Legislativo de Direito dá lugar ao Estado Constitucional de Direito. existência aos indivíduos (mínimo existencial). Passa-se por um processo de constitucionalização de direitos. A Constituição passa a ter forte conteúdo axiológico, incorporando valores como os de justiça social, moralidade e equidade. 5.4. NEOCONSTITUCIONALISMO E DOUTRINA DA EFETIVIDADE1 É possível afirmar que há uma relação lógica entre a doutrina da efetividade e o movimento de invasão da constituição conhecido como neoconstitucionalismo. Capitaneada por Luís Roberto Barroso, a doutrina da efetividade advoga no sentido de se aplicar diretamente as normas constitucionais aos casos concretos. Para essa doutrina, os dispositivos constitucionais seriam dotados de normatividade e a constituição não deveria ser entendida como mera folha de papel. Nessa linha, é possível afirmar que a doutrina da efetividade foi de grande importância para o advento do neoconstitucionalismo no Estado brasileiro, pois fez com que a Constituição Federal de 1988 deixasse de ser entendida como documento dotado de meras exortações morais (ou seja, como mera folha de papel) e passasse a ser compreendida como uma Constituição dotada de diversas normas jurídicas propriamente ditas, com alta carga normativa e prevendo, inclusive, direitos subjetivos diretamente invocáveis pelo indivíduo frente ao Estado, sem qualquer necessidade de regulamentação por legislação infraconstitucional. 5.5. PANCONSTITUCIONALIZAÇÃO E LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR Embora uma das principais características do neoconstitucionalismo seja a defesa da constitucionalização do Direito, parte da doutrina defende que tal fenômeno deva ocorrer com parcimônia. Isso porque a excessiva constitucionalização do Direito, conhecida como panconstitucionalização, poderia gerar um viés antidemocrático no ordenamento jurídico de determinado Estado. Afinal, se tudo já está decidido e definido pela Constituição, é pequeno ou quase nulo o espaço de liberdade e conformação do legislador. Nessa linha, os representantes do povo seriam meros executores de medidas já impostas pelo constituinte, o que atentaria contra o regime democrático. Logo, para que a constitucionalização do Direito ocorra de forma democrática, é necessário que se respeite a liberdade de conformação do legislador.1 Curso CEI CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 32 Como o tema foi cobrado em concurso? (MPE/PR – 2019) Atribui-se viés antidemocrático à panconstitucionalização – excesso de constitucionalização do Direito -, porque, se o papel do legislador se resumir ao de mero executor de medidas já impostas pelo constituinte, nega-se autonomia política ao povo para, em cada momento de sua história, realizar suas escolhas. Correto! 6. CONSTITUCIONALISMO DO FUTURO 2 Em artigo elaborado para uma obra coletiva resultante de diversas conferências realizadas sobre as perspectivas do direito público no fim do século XX, José Roberto Dromi (1997) tentou profetizar quais serão os valores fundamentais mercantes das constituições do futuro. O jurista argentino considera que o futuro do constitucionalismo está no equilíbrio entre as concepções dominantes do constitucionalismo moderno e os excessos praticados no constitucionalismo contemporâneo. Os valores fundamentais das constituições do futuro são: a) Verdade (promessas inalcançáveis, por exemplo, devem ser reprimidas); b) Solidariedade; c) Consenso; d) Participação; e) Continuidade; f) Integração; g) Universalização. OBS.: O que é constitucionalismo whig ou termidoriano? O constitucionalismo whig ou termidoriano se caracteriza pela evolução lenta e gradual do movimento constitucionalista. Materializou-se com a ascensão de Guilherme de Orange e do partido whig no Reino Unido, no final do século XVII. Também é marcado pela edição da Bill of Rights (1689).3 7. CONSTITUCIONALISMO GLOBALIZADO OU GLOBAL4 2 NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 16 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2021, p. 58-59. 3 Revisão final: Delegado de Polícia Civil – MG. São Paulo: Editora Juspodivm, 2018, p. 26. 4 Sinopse da Juspodivm. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 33 A despeito dos variados movimentos constitucionalistas nacionais, defende-se a existência de um constitucionalismo global ou globalizado, cuja pretensão é unificar e consagrar juridicamente os ideais humanos conforme os seguintes objetivos: a) Fortalecimento do sistema jurídico-político internacional com base não somente nas relações horizontais entre Estados nacionais, mas também nas relações Estado/povo; b) Primazia, em face do direito nacional, do direito internacional fundado em valores e normas universais; e c) Elevação da dignidade da pessoa humana a pressuposto não limitável por nenhum movimento constitucional. 8. PATRIOTISMO CONSTITUCIONAL5 Segundo Habermas, o patriotismo constitucional produziu de forma reflexiva uma identidade política coletiva conciliada com uma perspectiva universalista comprometida com os princípios do Estado Democrático de Direito. Isto é, o patriotismo constitucional foi defendido como uma maneira de conformação de uma identidade coletiva, baseada em compromissos com os princípios constitucionais democráticos e liberais capazes de garantir a integração e assegurar a solidariedade, com o fim de superar o conhecido problema do nacionalismo étnico, que por muito tempo opôs culturas e povos. O patriotismo constitucional busca, portanto, o reconhecimento de um constitucionalismo intercultural, que deve reconhecer a diversidade de culturas e promover a conciliação entre todas as práticas culturais. 9. TRANSCONSTITUCIONALISMO O transconstitucionalismo, conforme ensina Marcelo Neves, traz a ideia de entrelaçamentos entre ordens jurídicas constitucionais para a solução de problemas comuns, implicando uma relação transversal permanente entre as distintas ordens em torno de um problema constitucional comum. Salienta que o fato de uma determinada situação concreta poder ser tratada igualmente na legislação interna, na legislação internacional e na legislação supranacional, forma um verdadeiro fenômeno de “globalização do direito constitucional doméstico”. Marcelo Neves entende que o conceito de transconstitucionalismo não está relacionado ao conceito de constitucionalismo internacional, transnacional, supranacional, estatal ou local. O conceito está relacionado à existência de problemas jurídicos-constitucionais que perpassam às distintas ordens jurídicas, sendo comuns a todas elas, como, por exemplo, os problemas associados aos direitos humanos. 5 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Juspodivm, 2014, p. 37-39. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 34 10. ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO6 Proposto por Peter Häberle, trata-se de um modelo que encontra sua identidade no direito internacional comunitário, baseado na abertura e entrelaçamento das relações internacionais e supranacionais, na cooperação, solidariedade e responsabilidade internacional, em busca de políticas de integração e de paz, opondo-se ao isolacionismo. Neste modelo, há um deslocamento e avanço da pessoa humana, para além das fronteiras estatais, para o centro da atuação estatal e inter ou supraestatal, com a realização cooperativa dos direitos humanos. 11. CONSTITUCIONALISMO ABUSIVO7 Desenvolvido por David Landau, trata-se do uso de institutos de origem democrática para minar ou mesmo ceifar o espaço do pluralismo num determinado país. Seu fenômeno vai além dos comuns regimes autoritários, cuja inconstitucionalidade é clara, porquanto sua subsistência reside nas entranhas de suas cartas magnas, cujos mecanismos ordinários de defesa para combatê-los são praticamente ineficazes. De acordo com o constitucionalismo abusivo, os golpes militares deixaram de ser um método comum de supressão da ordem democrática. Neste sentido, atualmente é crescente a instituição de regimes autoritários ou semiautoritários por meio do uso de ferramentas constitucionais. Assim, presidentes autoritários e partidos fortes eleitos em eleições válidas e democráticas podem promover mudanças constitucionais de forma a torná-las muito difíceis de substituir e de serem controladas pelos outros poderes. 12. CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO8 Desenvolvido por Robert Post e Reva Siegel, surge como uma tentativa de superar a visão maniqueísta da academia norte-americana centrada na polarização entre direito e política, constitucionalismo e democracia, supremacia judicial e autogoverno do povo. Segundo os autores, a polarização prejudica o estudo comprometido do constitucionalismo, que tem em seu cerne a tensão construtiva entre estado de direito e democracia. O constitucionalismo democrático assegura tanto o papel dos representantes do povo e da cidadania mobilizada no cumprimento da Constituição, como o papel dos tribunais (Cortes) no exercício de sua função de intérprete. Ao contrário do constitucionalismo popular, o constitucionalismo democrático não procura retirar a Constituição dos tribunais, reconhecendo o papel essencial das Cortes em fazer valer os direitos constitucionalmente previstos. 6 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Juspodivm. 7 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Direito Constitucional. 13 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2021, p. 91. 8 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Direito Constitucional. 13 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2021, p. 232. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 35 Além disso, o constitucionalismo democrático enaltece o papel extremamente relevante que o engajamento público desempenha na orientação e legitimação das instituições no processo de revisão judicial. Os julgamentos constitucionais baseados em razões jurídicas técnicas adquirem legitimidade democrática se os motivos técnicos da decisão estiverem enraizados em valores e ideais populares. O constitucionalismo democrático observa que a adjudicação está inserida em uma ordem constitucional que convida regularmente ao intercâmbio entre julgadores e cidadãos sobre questõesde significado constitucional. Salienta-se que o Judiciário deve estar sensível às demandas políticas e sociais dentro dessa perspectiva sugerida pelo constitucionalismo democrático, jamais se admitirá que a decisão, apesar de agradar a opinião pública, seja contrária à Constituição. Naturalmente, os critérios técnicos e jurídicos deverão estar presentes e, nesse sentido, bastante interessante a proposta de sistematização trazida por Barroso ao estabelecer o papel das Cortes, admitindo inclusive que, em certas situações, as decisões não encontrem respaldo popular, gerando o efeito backlash9. O efeito backlash consiste em uma reação conservadora de parcela da sociedade ou das forças políticas (em geral, do parlamento) diante de uma decisão liberal do Poder Judiciário em um tema polêmico, a exemplo do que ocorreu com a EC 96/2017. George Marmelstein resume a lógica do efeito backlash ao ativismo judicial10: “(1) Em uma matéria que divide a opinião pública, o Judiciário profere uma decisão liberal, assumindo uma posição de vanguarda na defesa dos direitos fundamentais. (2) Como a consciência social ainda não está bem consolidada, a decisão judicial é bombardeada com discursos conservadores inflamados, recheados de falácias com forte apelo emocional. (3) A crítica massiva e politicamente orquestrada à decisão judicial acarreta uma mudança na opinião pública, capaz de influenciar as escolhas eleitorais de grande parcela da população. (4) Com isso, os candidatos que aderem ao discurso conservador costumam conquistar maior espaço político, sendo, muitas vezes, campeões de votos. (5) Ao vencer as eleições e assumir o controle do poder político, o grupo conservador consegue aprovar leis e outras medidas que correspondam à sua visão de mundo. (6) Como o poder político também influencia a composição do Judiciário, já que os membros dos órgãos de cúpula são indicados politicamente, abre-se um espaço para mudança de entendimento dentro do próprio poder judicial. (7) Ao fim e ao cabo, pode haver um retrocesso jurídico capaz de criar uma situação normativa ainda pior do que a que havia antes da decisão judicial, prejudicando os grupos que, supostamente, seriam beneficiados com aquela decisão.” Como o tema foi cobrado em concurso? (MPE/GO – FGV – 2019) O engajamento público, segundo o constitucionalismo democrático, desempenha papel relevante na orientação e legitimação dos julgamentos constitucionais, em que as razões técnicas 9 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É inconstitucional a prática da vaquejada. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/dba1cdfcf6359389d170caadb3223ad2>. Acesso em: 20 mai. 2022. 10 MARMELSTEIN, George. Efeito backlash da Jurisdição Constitucional: atuação judicial. Direitos fundamentais.net. Disponível em: <https://direitosfundamentais.net/2015/09/05/efeito-backlash-da-jurisdicao-constitucional-reacoes- politicas-a-atuacao-judicial/> Acesso em: 20 mai. 2022. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 36 jurídicas adquirem legitimidade democrática se seus motivos estiverem enraizados em valores e ideais populares. Mesmo considerando o papel essencial das Cortes, o constitucionalismo democrático reconhece que a ordem constitucional apresenta um regular intercâmbio entre cidadãos e julgadores sobre questões de significado constitucional. Correta! (MPE/GO – FGV – 2019): O constitucionalismo democrático propõe que o backlash, por traduzir uma reação social a mudanças ameaçadoras do status quo, é um fenômeno invariavelmente deletério para a evolução da ordem democrática, uma vez que ele desconsidera o papel sedimentado dos tribunais de preservar o respeito à Constituição. Incorreta! 13. CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO O Constitucionalismo latino-americano baseia-se no desprendimento de uma cultura Eurocentrista ocasionada em razão da colonização do sul da América-Latina por povos europeus, os quais impuseram uma homogeneização e uniformização cultural, transformando a colonização em um processo de "culturícidio", ou seja, de imposição de um modo de vida, modelo de Estado, na perspectiva do colonizador como ser superior ao colonizado. Diante disso, surge o constitucionalismo Latino-Americano, como um movimento que tende a romper com a homogeneização cultural imposta e abrir espaço para a diversidade dos povos, identificando-se com causas sociais e com o redirecionamento jurídico em favor de pessoas que estão à margem do Estado, despidas da garantia de suas necessidades fundamentais. A doutrina destaca as Constituições da Bolívia (2009), Equador (2008) e Venezuela (1999), como exemplos de um Estado plurinacional, que busca a inclusão multicultural no processo de formação da vontade política e do poder. De acordo com Bernardo Gonçalves Fernandes, “a Constituição atual da Bolívia seria um exemplo de Estado e constitucionalismo plurinacional. No seu texto, temos a definição de 36 povos originários (aqueles que viviam na Bolívia antes do colonizador europeu) que passaram a ter participação ampla e efetiva em todos os níveis do Poder estatal e na economia”.11 Como o tema foi cobrado em concurso? (DPE/SP – FCC – 2019) O mais recente Constitucionalismo Latino- Americano propõe o desafio de construir novas teorias a partir do Sul, recuperando saberes, memórias, experiências e identidades, historicamente tornados invisíveis no processo de colonização traduzido pela expropriação, opressão e pelo eurocentrismo na cultura jurídica. Expressa esse Constitucionalismo a proposta da descolonização epistemológica e o desenvolvimento de uma epistemologia do Sul na qual os sujeitos 11 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Direito Constitucional. 13 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2021, p. 103. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 37 marginalizados e subalternizados constroem uma nova percepção de si mesmos descolonizadora. Correto! CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 38 PODER CONSTITUINTE 1. CONCEITO Segundo Dirley da Cunha Jr., “poder constituinte é a expressão maior da vontade de um povo ou grupo destinada a estabelecer os fundamentos de organização de sua própria comunidade. É um poder político (concepção positivista) fundamental e supremo capaz de criar as normas constitucionais.” 2. NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO Inicialmente, é importante analisar as correntes acerca da natureza do poder constituinte originário. Vejamos: • 1ª corrente: Trata-se de um poder de fato ou político. É adotada pelos positivistas, entendem que existe apenas o direito posto; • 2ª corrente: Trata-se de um poder de direito ou jurídico. É adotada pelos jusnaturalistas, entendem que há um direito natural acima do direito positivo. 2.1. CONCEPÇÃO JUSNATURALISTA Para a concepção jusnaturalista, o poder constituinte é um poder jurídico ou um poder de direito. DIREITO NATURAL PODER CONSTITUINTE Para os jusnaturalistas, o poder constituinte estaria acima da constituição, já que é o responsável por elaborá-la (norma suprema de um Estado). Ademais, os jusnaturalistas entendem que, acima do direito positivo, há um direito natural que irá limitar o poder constituinte. CF LEIS DECRETOS CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 39 Assim, o constituinte, ao elaborar uma nova Constituição, deverá observar certos limites impostos pelo direito natural. Destaca-se que é considerado um poder de direito ou poder jurídico, porque retira o seu fundamento do direito natural. 2.2. CONCEPÇÃO POSITIVISTA PODER CONSTITUINTE Para a concepção positivista, o poder constituinte é um poder de fato ou político. Para os positivistas,não existe direito natural. O único direito posto é aquele que surge com a constituição. Antes, não havia direito. Por isso, os positivistas entendem que não há nenhuma limitação ao poder constituinte. É a concepção que prevalece no Brasil. 3. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO (PCO) 3.1. CONCEITO O objetivo fundamental do PCO é criar um Estado, diverso do que vigorava em decorrência da manifestação do poder constituinte precedente. O PCO é aquele que constitui o Estado. Este poder pode originar a primeira constituição dentro do Estado (1824) ou pode dar origem a uma nova constituição (1988, por exemplo) Não importa a rotulação que é dada ao ato constituinte, o que importa é sua natureza. Se este ato rompe com a ordem jurídica anterior intencionalmente, de forma a invalidar a ordem preexistente, há um novo Estado. 3.2. CARACTERÍSTICAS DO PCO As características do PCO variam de acordo com a concepção adotada, jusnaturalista ou positivista. CF LEIS DECRETOS CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 40 CONCEPÇÃO JUSNATURALISTA (SIEYÉS) CONCEPÇÃO POSITIVISTA (BURDEAU) Incondicionado juridicamente: o PCO é incondicionado pelo direito positivo, ou seja, não pode ser limitado por esse. Contudo, será limitado (condicionado) pelo direito natural. Inicial ou primário: antes ou acima dele, não existe outro poder, tendo em vista que é o PCO que dá origem à constituição Permanente: o PCO não se esgota com o seu exercício. Assim, mesmo após a criação da constituição, continuará existindo, permanecendo em seu estado latente, até que seja chamado para elaborar uma nova constituição. Autônomo: cabe apenas ao PCO escolher a ideia de direito que irá prevalecer dentro do Estado. Inalienável: o PCO pertence ao povo, seu verdadeiro titular. Não pode ser transmitido a outro órgão ou particular, ainda que o seu exercício seja usurpado. Incondicionado: não se sujeita a nenhuma limitação formal ou material. Define como as normas serão elaboradas e colocadas na constituição. Importante consignar que a EC 26/85 convocou a Assembleia Nacional Constituinte (conjunto de pessoas com o fim específico de elaborar uma constituição), composta por Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (por isso, para José Afonso da Silva houve um Congresso Constituinte), que deveriam reunir-se de forma livre, soberana, para elaboração e aprovação da Constituição. O PCO é um poder ilimitado, independente e soberano? Sim. Porque é autônomo e incondicionado, sendo assim, ilimitado, independente e soberano. 3.3. LIMITAÇÕES MATERIAIS OU EXTRAJURÍDICOS DO PCO (JORGE MIRANDA) Ressalta-se que estes limites só existem quando se adota uma visão não positivista, eis que para esta é um poder ilimitado, não possuindo limitações formais e materiais. 3.3.1. Limites transcendentes ao PCO São impostos ao PCO material, advindos de imperativos do direito material, de valores éticos ou da consciência jurídica positiva. a) Imperativos do direito natural; b) Valores éticos, políticos e morais; c) Normas de Direito Internacional; e) Direitos fundamentais já consolidados. Princípio da proibição do retrocesso (“efeito cliquet”): vedação ao PCO. Os direitos fundamentais conquistados por uma sociedade, e que são objeto de um consenso profundo, não CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 41 poderão ser desprezados quando da elaboração de uma nova constituição. Se forem desprezados, haverá um retrocesso, este princípio serve para impedir isto. É um limite metajurídico. Não está no direito, e sim na evolução constante da sociedade. OBS.: Esta vedação atinge apenas os direitos fundamentais em que haja um consenso na sociedade. Ex.: A pena de morte. Não poderia uma nova constituição, caso existisse, criar a pena de morte para os crimes hediondos, nem com a vontade da maioria, seria um retrocesso. Isto porque a Constituição não é a vontade das maiorias momentâneas e sim garantia de direitos. OBS.: A proibição do retrocesso é aplicada em dois sentidos. No primeiro sentido, está relacionado ao PCO. No segundo sentido, está relacionado aos direitos sociais (aprofundamento no CS de Constitucional II), servindo de limite aos poderes públicos. Por exemplo, na Cidade X, há apenas um hospital, que não pode ser fechado. 3.3.2. Limites imanentes ao PCO São impostos ao PCO formal e relacionados à configuração do Estado à luz do PCO material ou da própria identidade do Estado. Assim, o conteúdo escolhido pelo PCO material deve ser observado pelo PCO formal. Ex.: Uma nova constituição não poderia acabar ou reduzir a autonomia dos estados federados americanos (EUA), os quais detém grande autonomia. É intrínseco. Desde a formação do país, há essa autonomia, não poderia simplesmente ter outra constituição e acabar com esta identidade do estado. 3.3.3. Limites heterônomos ao PCO São provenientes da conjugação com outros ordenamentos jurídicos. O PCO deve respeitar limites do Direito Internacional. É a relativização do direito de soberania do Estado. Ex.: Os tratados de direitos humanos têm status constitucional. Os tratados de direitos humanos aprovados com quórum de leis ordinárias têm status supralegal. 3.4. TITULARIDADE E EXERCÍCIO DO PCO: LEGITIMIDADE 3.4.1. Legitimidade objetiva Relaciona-se ao conteúdo consagrado em cada constituição. Dessa forma, para ser legítimo, deve observar os limites vistos acima. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 42 3.4.2. Legitimidade subjetiva Está ligada à titularidade que é detida pelo povo. O titular do PCO é, segundo a doutrina, a maioria do povo que detém sua titularidade legítima. Ressalta-se que o exercício não significa, necessariamente, à titularidade, está ligado à elaboração da constituição. Distinguem-se, portanto, a titularidade e o exercício de poder. O exercício do PC, em particular, está reservado a ente diverso do povo. Para ser legítimo, o exercício deve corresponder à titularidade, se o exercício for usurpado, por exemplo, não será legítimo (ilegitimidade subjetiva) o PCO. Segundo Sieyès, o titular do poder constituinte é a nação, que não deve ser confundida com o conjunto de pessoas que a compõem, num determinado momento histórico. Na verdade, a nação encarna a permanência de uma comunidade compreendendo os interesses permanentes dela. (“Que é o terceiro Estado”?) Para as provas, deve-se adotar o posicionamento de que a titularidade do PCO pertence ao povo, sabendo do conceito clássico exposto por Sieyès. 3.5. ESPÉCIES DE PCO SEGUNDO O FENÔMENO CONSTITUCIONAL Segundo o fenômeno constitucional, as espécies de PCO são: a) Poder constituinte originário histórico; b) Poder constituinte originário revolucionário; c) Poder constituinte originário transicional. 3.5.1. Poder constituinte originário histórico É aquele responsável pela criação da primeira constituição de um determinado Estado. Ex.: Constituição de 1824. 3.5.2. Poder constituinte originário revolucionário Origina uma nova constituição que irá substituir uma constituição já existente. Pode surgir de duas maneiras revolucionárias: a) Golpe de Estado: o exercício do poder constituinte é usurpado por um governante; b) Insurreição: quando implementada por um grupo ou movimento externo aos poderes constituídos. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 43 3.5.3. Poder constituinte originário transicional Transição constitucional (foi o que aconteceu na CF de 1988). A própria constituição anterior (67/69 – que embora alguns digam que eram emendas à CF, na verdade, eram mudanças tão profundas, que parte doutrina diz que era uma nova constituição, a de 67 com modificações), através de uma emenda, previu esta transição, por meio da convocação de uma assembleia constituinte. 3.6. ESPÉCIES DE PCO SEGUNDO O CRITÉRIO MATERIAL E FORMAL 3.6.1. Poder constituinteoriginário segundo o critério material Diz respeito ao conteúdo. O poder constituinte originário escolhe a ideia de direito e os valores a serem consagrados na nova constituição. 3.6.2. Poder constituinte originário segundo o critério formal É responsável pela formalização do conteúdo escolhido, será formalizado em normas constitucionais. Assembleia Nacional Constituinte. OBS.: Segundo Miguel Reale, a teoria tridimensional do direito só se aperfeiçoa quando, de modo preciso, entende-se a interdependência e correlação necessária de fato, valor e norma, que compõem o fenômeno do Direito como uma estrutura social necessariamente axiológica-normativa. O PCO material passa do plano do valor o que é importante para a sociedade, escolhendo as normas que irão permear a Constituição. Porém, quem transforma em norma jurídica os valores escolhidos é o PCO Formal. Então, quem escolhe através do PCO material é o povo (titular) e quem formaliza é a assembleia composta de representantes do povo (PCO formal). Se a Assembleia Nacional Constituinte não utilizar o PCO material (o que o povo dá importância), haverá um problema de legitimidade. 4. PODER CONSTITUINTE (DERIVADO) DECORRENTE (PCDD) 4.1. CONCEITO E FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL Responsável pela elaboração da constituição dos estados-membros que compõem a federação. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 44 No art. 25, caput, da CF e no art. 11 do ADCT, consta que cada Estado se organizará e criará sua constituição própria, através do poder constituinte decorrente: Art. 25 da CF. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. (...) Art. 11 do ADCT. Cada Assembleia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta. Parágrafo único. Promulgada a Constituição do Estado, caberá à Câmara Municipal, no prazo de seis meses, votar a Lei Orgânica respectiva, em dois turnos de discussão e votação, respeitado o disposto na Constituição Federal e na Constituição Estadual. Destes dois dispositivos, decorre o princípio da simetria. A constituição estadual deve seguir o modelo da CF e a lei orgânica municipal deve observar simetria com a Constituição Estadual e a Constituição Federal. Entretanto, a lei orgânica não é manifestação do poder constituinte decorrente. A recepção não ocorre da mesma forma que as leis ordinárias em relação à Constituição Estadual. Quando a Constituição Federal entra, todas Constituições Estaduais devem ser reescritas. Na CF/1988, o prazo é de 1 ano. 4.2. NATUREZA O PCDD retira sua forma de uma norma jurídica (constituição). Trata-se de um poder jurídico ou de direito (pacífico). A divergência reside na indagação: trata-se de um poder constituinte originário (já que dará início a uma constituição estadual) ou, realmente, é um poder constituinte decorrente? a) 1ª posição (Anna Cândida da Cunha Ferraz): Trata-se de poder constituinte, porque constitui o Estado-membro, responsável por sua organização e estrutura; b) 2ª posição (Celso Bastos): Trata-se de um poder derivado. É a posição mais adotada no Brasil. Seria um poder constituinte derivado, juntamente com o poder reformador e revisor; c) 3ª posição (Raul Machado Horta): Tem dupla natureza, pois é, ao mesmo tempo, um poder originário (em relação à Constituição dos Estados-membros) e derivado (em relação à Constituição Federal). 4.3. CARACTERÍSTICAS 4.3.1. Secundário É secundário, pois é um poder criado pela constituição e pelo poder constituinte originário. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 45 4.3.2. Limitado É limitado, pois encontra limites na Constituição Federal. 4.3.3. Condicionado É condicionado, porque para ser exercido deverá observar limitações materiais e formais. Como o tema foi cobrado em concurso? (DPE/PI – CESPE - 2022): São características do poder constituinte derivado a inicialidade, a incondicionalidade e a limitação. Errado, apenas a limitação é característica, as demais referem-se ao poder constituinte originário. 4.4. EXISTE PCD NO DF E NOS MUNICÍPIOS? Em relação ao DF, a maioria da doutrina sustenta que existe poder constituinte decorrente. No âmbito dos Municípios, o entendimento predominante é de que não há um poder constituinte decorrente. Ou seja, o poder que cria a lei orgânica municipal não é o mesmo que cria as constituições estaduais. De acordo com Dirley da Cunha, há, no ordenamento jurídico, três níveis: a) federal (Constituição Federal); b) estadual (Constituição Estadual); c) municipal (lei orgânica). O poder constituinte derivado decorrente é o que faz a CE, está submetida a um nível (observar os princípios da CF). Por outro lado, o poder que elabora a lei orgânica municipal está submetido a dois níveis, ou seja, deve observância tanto aos princípios da CF quanto aos da CE, por isso não poderia ser decorrente. 5. PODER CONSTITUINTE DERIVADO REFORMADOR (PCDR) 5.1. CONCEITO Trata-se do poder que fará a reforma da constituição, está consagrado no art. 60 da CF. A reforma é a via ordinária de alteração da constituição, ou seja, é a via comum para alteração. Ressalta-se que, quando a reforma é utilizada, há necessidade de alterações pontuais. Como o tema foi cobrado em concurso? (DPE/RR – FCC - 2021): São características do poder constituinte derivado reformador ser o responsável pela ampliação ou modificação do texto constitucional. Correto! CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 46 5.2. LIMITAÇÕES AO PCDR (ART.60 DA CF) 5.2.1. Previsão Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. § 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. O poder constituinte derivado reformador possui limitações formais, materiais, temporais e circunstanciais. Como o tema foi cobrado em concurso? (DPE/GO – FCC - 2021): A Constituição Federal traz espécies de limitações ao poder de sua reforma, que são conhecidas, pela doutrina, como limitações expressas e limitações implícitas. A respeito das limitações expressas, essas se subdividem em circunstânciais, materiais e formais. Correto. 5.2.2. Limitações temporais ao PCDR As limitações temporais impedem a modificação da constituição durante determinado período de tempo, para que a Constituição possa adquirir maior estabilidade. Como exemplo de limitação temporal, temos a Constituição de 1824, a qual previa que, durante o período de 4 anos, até 1828, não poderia haver alteração de qualquer forma. A CF/88 não consagrou qualquer limitação temporal para o poder reformador. Ressalta-se que o art. 60, § 5º, da CF não se trata de limitação temporal, apesar de entendimento diverso, a exemplodo Ministro Dias Toffoli. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 47 A Constituição Federal de 1988 não trouxe limitação temporal para o poder reformador. Todavia, houve uma limitação temporal de 5 anos ao poder revisor (art. 3º do ADCT). Art. 3º do ADCT. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral. Como o tema foi cobrado em concurso? (DPE/RS – CESPE - 2022): As limitações ao poder de reforma constitucional incluem as temporais, como as que vedam emendas durante a vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio; as formais, as quais estabelecem obstáculos procedimentais; e as materiais, que definem núcleos essenciais inacessíveis ao poder constituinte derivado. Errado! 5.2.3. Limitações circunstanciais ao PCDR12 Art. 60. (...) § 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. (...) São limitações consubstanciadas em normas aplicáveis a situações excepcionais, de extrema gravidade, nas quais a livre manifestação do poder reformador possa estar ameaçada. Nessas circunstâncias, a instabilidade institucional poderia motivar alterações precipitadas e desnecessárias ao texto da Constituição Federal. O art. 60, § 1º, da CF veda qualquer tipo de reforma em seu texto durante a vigência da intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio. Como o tema foi cobrado em concurso? (TJ/RS – FAURGS - 2022): A Constituição brasileira não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. Correto. 5.2.4. Limitações formais (processuais ou procedimentais) ao PCDR13 As limitações formais, classificadas por parte da doutrina como “limitações implícitas”, referem-se aos órgãos competentes e aos procedimentos a serem observados na alteração do texto constitucional. OBS.: É importante distinguir reforma e revisão (processos formais) de mutação constitucional (processo informal) de alteração do conteúdo da constituição, que pode se dar por meio de costumes constitucionais 12 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 12 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2021, p. 79. 13 Idem, p. 80. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 48 ou através de mudança de interpretação, como ocorre com o art. 52 da CF. Temos duas formas de limitações formais: subjetivas e objetivas. Vejamos: 1) Limitações formais subjetivas (art. 60, I a III, da CF) São relacionadas à competência para propositura de emendas constitucionais. Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. (...) Então, podem propor a emenda: a) Câmara dos Deputados e Senado Federal: Mediante 1/3 dos seus membros; b) Presidente da República: sua única participação no processo de elaboração da emenda é a iniciativa, fora esta não participa de mais nada. Não há sanção e nem veto de proposta de emenda. É o único que pode propor emenda e apresentar projetos de lei; c) Assembleias Legislativas: Mais de 50% dos estados por maioria relativa (temos 27, pelo menos 14 entes federados devem participar, destes 14 + de 50% dos membros presentes, maioria relativa). Está previsto desde 1891 (1º CF republicana), nunca foi utilizada. Há previsão expressa de emenda por iniciativa popular? Não. Todavia, José Afonso da Silva defende a possibilidade de iniciativa popular para a propositura de emendas por meio de uma interpretação sistemática da Constituição, aplicando-se, por analogia, o procedimento previsto para a iniciativa popular de leis (art. 61, § 2º, da CF). No entanto, esse não parece o melhor entendimento sobre o tema, seja por ser a norma referente à iniciativa de proposta de emenda exceção à regra geral (art. 61 da CF), seja por ter sido a iniciativa popular para tais propostas objeto de deliberação e rejeição pelos constituintes. Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. (...) § 2º A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. A Constituição não é para assegurar a vontade da maioria, e sim para assegurar direitos fundamentais básicos, inclusive das minorias. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 49 OBS.: O STF já admitiu a inserção expressa da iniciativa popular de emenda em relação às constituições estaduais. 2) Limitações formais objetivas As limitações formais objetivas são referentes ao processo de discussão, votação, aprovação e promulgação das propostas de emenda. Por se tratar de uma constituição rígida, o processo legislativo das emendas (art. 60 da CF) é mais dificultoso que o processo legislativo ordinário (art. 47 da CF). Art. 60. (...) § 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. (...) Entre um turno e outro, segundo o regimento interno do Senado, é de 5 dias úteis. Quando houve a PEC do precatório, o prazo não foi observado. Diante disso, houve o ajuizamento da questão, ADI 4357, em que se questionou o vício formal. O Ministro Fux, relator da ADI, afirmou que a CF não prevê em momento algum prazo para a realização dos dois turnos, não exige interstício mínimo, como ocorre com a lei orgânica dos municípios. Ressaltou que dois turnos não se confundem com interstício mínimo, não cabendo ao STF determinar, trata-se de uma questão política. Os cinco dias úteis estão previstos no regimento interno, sendo questão para ser decidida no âmbito do legislativo, não cabendo interferência do judiciário. STF – ADI 4.357/DF: 1. A aprovação das emendas à Constituição não recebeu da Carta de 1988 tratamento específico quanto ao intervalo temporal mínimo entre os dois turnos de votação (CF, art. 62, §2º), de sorte que inexiste parâmetro objetivo que oriente o exame judicial do grau de solidez da vontade política de reformar a Lei Maior (...) A interferência judicial no âmago do processo político, verdadeiro locus da atuação típica dos agentes do Poder Legislativo, tem de gozar de lastro forte e categórico no que prevê o texto da Constituição Federal. Inexistência de ofensa formal à Constituição brasileira. Caso o Senado Federal promova modificação, somente volta para a Câmara a parte que sofreu alteração, o restante não volta. A parte alterada pelo Senado não poderá ser alterada novamente, deve somente aprovar ou não. O Presidente, salvo a iniciativa, não participa mais de nenhuma fase do procedimento de emenda. Não há sanção, veto nem nada. O segundo limite formal está previsto no art. 60, §3º da CF, trata-se da promulgação da proposta de emenda à constituição que será feita pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em conjunto, não podem promulgar separadamente. Art. 60. (...) § 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. (...)CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 50 A terceira limitação formal está prevista no art. 60, §5º da CF, quando uma matéria é rejeitada em uma sessão legislativa, ela não pode retornar na mesma sessão para ser votada. Não se trata de limitação temporal. Art. 60. (...) § 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. Importante consignar que a legislativa ordinária, conforme o disposto no art. 57 da CF, começa em 02/02 e termina dia 17/07 (quando há recesso), reiniciando em 01/08 e terminando no dia 22/12. Já a Sessão Legislativa Extraordinária ocorre fora do período da ordinária, por exemplo, em 15/01/08. Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. (...) OBS.: A sessão legislativa é anual. Os períodos legislativos são semestrais. Portanto, dentro de uma sessão legislativa, há dois períodos. A legislatura é o período de 4 anos - mandato dos parlamentares). A legislatura possui 4 sessões legislativas. A emenda rejeitada, como dito, pode ser reapresentada somente na próxima sessão legislativa. Isso serve para MP (art. 62, §10, da CF). A regra é diferente para o projeto de lei (art. 67 da CF), pois somente poderá ser reapresentada na mesma sessão pela maioria absoluta dos membros da CD ou SF. Art. 60. (...) § 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. Art. 67. A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional. Art. 62. (...) § 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. (...) Como o tema foi cobrado em concurso? (PC/AM – FGV - 2022): Em um período no qual a região norte do País estava sendo atingida por uma calamidade de grandes proporções da natureza, um grupo de vinte Senadores subscreveu uma proposta de emenda constitucional, visando a alterar a sistemática afeta à estruturação dos órgãos de segurança pública. Acresça-se que proposta idêntica fora apresentada e rejeitada pelo Senado Federal na mesma legislatura, mais especificamente CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 51 no ano anterior. À luz da sistemática constitucional, é correto afirmar que essa proposta afronta apenas os limites formais de reforma constitucional. Correto! Por fim, o STF já entendeu que, se tratando de substitutivo (preposição que altera integralmente o conteúdo da proposta da emenda ou de lei) rejeito, a proposta de emenda originária poderá ser reproposta na mesma sessão. MS 22.503/DF: 1. Não ocorre contrariedade ao §5º do art. 60 da Constituição na medida em que o Presidente da Câmara dos Deputados, autoridade coatora, aplica dispositivo regimental adequado e declara prejudicada a proposição que tiver substitutivo aprovado, e não rejeitado, ressalvados os destaques (art. 163, V). 2. É de ver-se, pois, que tendo a Câmara dos Deputados apenas rejeitado o substitutivo, e não o projeto que veio por mensagem do Poder Executivo, não se cuida de aplicar a norma do art. 60, § 5º, da Constituição. Por isso mesmo, afastada a rejeição do substitutivo, nada impede que se prossiga na votação do projeto originário. O que não pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou havida por prejudicada, e não o substitutivo que é uma subespécie do projeto originariamente proposto. 5.2.5. Limitações materiais 1) Constitucionalismo x democracia A limitação material faz surgir um paradoxo entre o constitucionalismo e a democracia, isto porque a ideia do constitucionalismo é limitar o poder e garantir a proteção dos direitos fundamentais, há uma limitação do poder político. Por outro lado, a democracia é o governo do povo, em que prevalece a vontade da maioria, volta-se ao fortalecimento do poder político advindo do povo. As dificuldades são: a) Caráter temporal: as constituições são feitas em determinados períodos. Muitas vezes, duram décadas e até séculos (como a Constituição dos EUA, por exemplo), o que impede que a maioria atual faça modificações. Segundo Thomaz Jefferson, é um “governo dos mortos sobre os vivos”. É a imposição de valores de uma geração passada para a geração presente; b) Caráter semântico: os membros do Poder Judiciário não são eleitos democraticamente. Há um déficit de legitimidade democrática, pois os magistrados fazem concurso ou são escolhidos pelo Chefe do Poder Executivo e não possuem uma responsabilidade política, característica do voto popular. O problema é que muitos dispositivos da CF são vagos e imprecisos, dando uma margem grande de ação para a decisão dos juízes que, muitas vezes, decidem contra a vontade dos representantes do povo. Ex.: O princípio da individualização da pena. Inicialmente, o STF entendia que a proibição de progressão de regime, no caso dos crimes hediondos, era constitucional, pois não violaria a individualização da pena. Posteriormente, em HC, o STF mudou seu posicionamento, afirmando que haveria violação (contrariando a vontade do legislativo). CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 52 2) Conceito As limitações materiais são proibições de alteração violadora do núcleo essencial de determinados princípios e instituições. Trata-se das cláusulas pétreas, que visam evitar que as maiorias momentâneas alterem ou desviem as metas a longo prazo. 3) Teorias explicativas das cláusulas pétreas a) “Pré-comprometimento” (Jon Elster): as constituições democráticas são mecanismos de autovinculação adotados pela soberania popular, a fim de se proteger de suas paixões e fraquezas. Evita modificar o objetivo no “meio do caminho”. Não se deixar levar pelo “canto das sereias”, verdadeira função das cláusulas pétreas. A maioria possui a tendência de maximizar seus interesses imediatos, ou seja, pensa apenas no momento presente, sem metas a longo prazo. Como exemplo, podemos citar a reforma da política que nunca consegue sair do papel. Para elucidar, Marcelo Novelino traz passagem de David Hume: “mas muito mais frequente é os homens serem distraídos de seus principais interesses, mais importantes, mais longínquos, pela sedução de tentações presentes, embora muitas vezes totalmente insignificantes. Esta grande fraqueza é incurável na natureza humana”. Atualmente, Jon Elster não entende mais a cláusula pétrea como mecanismo de pré-comprometimento, e sim como mecanismo de vinculação da maioria presente sobre a maioria futura; b) “Democracia dualista” (Bruce Ackerman): existe uma política extraordinária e uma ordinária. A extraordinária ocorre nos momentos de grande mobilização cívica (momentos de intensa manifestação da cidadania), ao contrário da política ordinária (lei, emendas). Portanto, a política extraordinária pode impor regras a serem obedecidas pela ordinária. Se a sociedade atual não concorda veementemente com a CF estabelecida pela política extraordinária, ela deve promover uma grande mobilização cívica e elaborar outra CF; c) “Peter drucker-Peter sober” (Stephen Holmes): Pedro bêbado e Pedro sóbrio – a ideia central é que Pedro vai a uma festa com um amigo, mas antes de sair de casa, pede que o amigo pegue a chave do carro e não a devolva. No final da festa, Pedro bêbado pega a chave, diante da negativa do amigo, afirma que mudou de ideia. Diante disso, surge a indagação porque a ideia inicial deve prevalecer sobre a última. A questão é não deixar os interesses imediatos, as paixões, colocarem em risco decisões tomadas em momentos imparciais.4) Finalidades a) Preservar a identidade material da CF: toda constituição possui uma identidade certa. Para evitar que a constituição se desfigure, alguns dispositivos, que conferem a ela identidade material, não podem ser alterados, pelo menos no seu núcleo essencial; b) Proteger institutos e valores essenciais: a Constituição consagra institutos e valores essenciais para a sociedade, que são protegidos por cláusulas pétreas. Por exemplo, direito à vida, liberdade, igualdade, etc.; CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 53 c) Assegurar a continuidade do processo democrático: as cláusulas pétreas servem para evitar a perpetuação no poder. Ou seja, evitam que as pessoas que estão, momentaneamente, no poder, façam modificações para permanecer no poder. Por exemplo, o voto direto e secreto, universal e periódico. Norberto Bobbio: “As regras do jogo” – a cláusula assegura a continuidade das regras. 5) Cláusulas pétreas expressas (art. 60, § 4º, da CF) Art. 60. (...) § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. (...) Quando a CF/88 se refere às limitações materiais (art. 60, § 4º, da CF), utiliza a expressão “tendente a abolir”, não significa que não possam ser alteradas. Deve ser entendida como uma forma de proteção ao núcleo essencial de certos direitos. Segundo o STF, o que as cláusulas pétreas protegem não é a intangibilidade literal do dispositivo, e sim o núcleo essencial de certos princípios e institutos. STF – ADI 2.024/MC/DF: (...) de resto as limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, § 4º, da Lei Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege. Cita-se, como exemplo, a alteração do art. 16 da CF que é considerado uma cláusula pétrea. STF – ADI 3.685: A modificação no texto o art. 16 pela EC 4/1993 em nada alterou seu conteúdo principiológico fundamental. Tratou-se de mero aperfeiçoamento técnico levado a efeito para facilitar a regulamentação do processo eleitoral. Pedido que se julga procedente para dar interpretação conforme no sentido de que a inovação trazida no art. 1º da EC 52/2006 somente seja aplicada após decorrido um ano da data de sua vigência. São cláusulas pétreas explícitas: a) Forma federativa de Estado Está consagrada desde a primeira constituição republicana (1891). O núcleo essencial da forma federativa do Estado é a autonomia atribuída aos entes federativos, que não pode sofrer interferências indevidas, nem redução desproporcional. Em decorrência da forma federativa de Estado, o STF considera o princípio da imunidade tributária recíproca (art. 150 da CF) uma cláusula pétrea, tendo em vista que visa evitar que a tributação de um ente federativo sobre outro afete a autonomia financeira do Estado. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 54 b) Voto direito, secreto, universal e periódico Salienta-se que o que é secreto não é o voto, e sim o escrutínio; o que é universal não é o voto, mas sim o direito ao sufrágio. O voto obrigatório não é cláusula pétrea expressa. Há doutrina minoritária defendendo que o voto obrigatório seria uma cláusula pétrea implícita; Como o tema foi cobrado em concurso? (DPE/TO – CESPE - 2022): A emenda à Constituição é compreendida pelo processo legislativo e integra o conjunto de espécies normativas presentes no ordenamento jurídico. Entretanto, a própria Constituição Federal de 1988 limita as temáticas que podem ser objeto de emenda constitucional. Nesse sentido, pode ser tema de proposta de emenda constitucional o estabelecimento do voto facultativo para todos os eleitores. Correto. c) Separação de poderes Cada constituição vai cuidar da relação dos poderes, não há um modelo de constituição a ser seguido. Não há nenhum lugar em que as competências dos poderes sejam delimitadas de forma estanque. A ideia de separação de poderes não foi essa, ela foi criada com o objetivo de limitar o poder para que não ficasse concentrado em apenas um órgão o poder de elaborar e executar as normas. Segundo Montesquieu, todo aquele que tem poder, não encontrando limites, tende a dele abusar. A limitação do poder tem como finalidade proteger as liberdades. Não pode haver desequilíbrios entre os poderes, de forma a subordinar um ao outro, o que afetaria a essência da separação de poderes. Na ADI 3367, ao analisar a criação do CNJ, o STF entendeu que não afetaria a separação de poderes, eis que a função do CNJ é administrativa (fiscalização) e não jurisdicional. STF – ADI 3.367/DF: Conselho Nacional de Justiça. Instituição e disciplina. Natureza meramente administrativa. Órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura (...) Ofensa a cláusula constitucional imutável (cláusula pétrea). Inexistência. Subsistência do núcleo político do princípio, mediante preservação da função jurisdicional, típica do Judiciário, e das condições materiais do seu exercício imparcial e independente. d) Direitos e garantias individuais A CF não se refere aos direitos e garantias fundamentais, mas somente aos direitos e garantias individuais (espécie de direito fundamental). Algumas correntes sobre o tema: • Ingo Sarlet e Paulo Bonavides: Consideram que não só os direitos e garantias individuais, mas também os direitos sociais seriam cláusulas pétreas. Argumento: os direitos sociais também devem ser considerados porque são pressupostos para que as pessoas exercerem os direitos individuais. Ex.: Como uma pessoa que não CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 55 tem direitos sociais básicos, direito à informação, saúde, alimentação, terá a capacidade de exercer os direitos individuais como o voto? • Marcelo Novelino (majoritária): se o direito social for ligado à dignidade da pessoa humana, como o mínimo existencial por exemplo, deve ser considerado cláusula pétrea. Então para ele, alguns devem ser considerados e outros que não são importantes não devem ser considerados. • Para outros: Carlos Velloso, por exemplo, todos DF são considerados cláusulas pétreas. Segundo o STF, os direitos e garantias individuais, apesar de serem sistematicamente elencados no art. 5º não se restringem a ele, encontram-se espalhados por toda a constituição. Ou seja, não são todos DF’s que são protegidos pelas cláusulas pétreas, apenas os individuais, entretanto, estes não estão alocados somente no art. 5º da CF. Vejamos alguns: • Direito ao voto: É um direito fundamental/direito político. Todos os direitos políticos são cláusulas pétreas? Não, somente o voto, visto que se fossem todos não haveria a previsão na própria constituição para o voto, este é garantia individual. • Princípio da anterioridade eleitoral: a lei que modifica o processo eleitoral, em um prazo de um ano até as eleições, deve esperar as próximas eleições (art. 16 da CF). Segundo o STF, é cláusula pétrea, por ser uma garantia individual do cidadão eleitor, e não por ser um direito político (que também é um direito fundamental). • Princípio da anterioridade tributária (art. 150, III, “b”, da CF): É cláusula pétrea, mesmo estando no art. 150 da CF, pois é uma garantia individual do cidadão contribuinte. Indaga-se: é possível a instituição de novas cláusulas pétreas por meio de emenda constitucional? Prevalece que o poder reformador não pode criar outras cláusulas pétreas além das já existentes. Portanto, o poder reformador não pode ampliar o rol do art. 60, § 4º, da CF. Diferente é a ampliação do rol de direitos e garantias individuais por emenda constitucional,pois não se introduz nova modalidade de cláusula pétrea, mas aumenta o conteúdo de uma cláusula já existente, que não poderá, por consequência ser abolida. Ademais, pelo princípio da vedação ao retrocesso, os direitos ampliados não poderiam ser abolidos. Por exemplo, a EC 45 colocou o princípio da duração razoável do processo ao rol dos direitos fundamentais, não poderia ser abolido. Como o tema foi cobrado em concurso? (DPE/PI – CESPE - 2022): A Constituição Federal não possui limitações materiais explícitas ao poder constituinte derivado. Errado! 5.2.6. Limitações implícitas ao PCDR CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 56 Até aqui estudamos as limitações do poder reformador expressas (explícitas) no texto constitucional. Porém, a doutrina também prevê algumas limitações que estão implícitas na CF. Quanto ao art. 60 da CF, se o PCDR pudesse alterar a limitação imposta por um poder superior a ele (PCO) aquela não seria uma limitação, não teria sentido. Por isso, é sustentado que embora não seja expresso, o art. 60 não pode ser alterado, por ser uma limitação implícita lógica. Dupla revisão, dupla reforma ou reforma em dois tempos: apesar do nome, refere-se à reforma constitucional, e não à revisão (veremos abaixo). Significa alterar primeiro uma limitação ao poder reformador e, em seguida, alterar o conteúdo da constituição. Exemplo de dupla revisão: seria revogado o inciso IV do art. 60, deixando os direitos e garantias individuais de serem cláusulas pétreas. Após, seria feita outra emenda à constituição, instituindo a pena de morte para crimes hediondos. Jorge Miranda admite esta possibilidade. No entanto, a maioria da doutrina no Brasil não admite essa hipótese de dupla revisão, pelo argumento que seria uma forma de se fraudar a constituição. Outro exemplo, agora de dupla revisão no aspecto material: a)1ª emenda: Revogar o dispositivo que veda a abolição das cláusulas pétreas; b) 2ª emenda: Instituir emenda tendente a abolir uma das cláusulas. Outras duas limitações implícitas são apontadas pela doutrina, dizem respeito à vedação da alteração do titular do poder constituinte originário (povo) e à vedação de alteração do titular do poder constituinte reformador (legislador). Como o tema foi cobrado em concurso? (MPDFT – MPDFT - 2021): Consoante entendimento reiterado do Supremo Tribunal Federal, além das cláusulas pétreas expressas na Constituição Federal de 1988, há também cláusulas pétreas implícitas que, igualmente, não podem ser alteradas, nem mesmo por Emenda Constitucional. Correto. Por fim, há a discussão acerca se o sistema presidencialista e a forma republicana seriam cláusulas pétreas implícitas e se poderiam ser alteradas, há três posicionamentos: • 1ª corrente (minoritário): pode haver alteração, porque não há previsão expressa; • 2ª corrente (Ivo Dantas): não, sob pena de violação ao princípio da separação de poderes. Ademais, se o constituinte originário trouxe a previsão para a escolha (art. 2º do ADCT), ele queria que o povo decidisse de forma definitiva, não queria que depois fosse alterado. Assim, para alterar o sistema presidencialista, seria necessário alterar a separação dos poderes, esta sim cláusula pétrea, portanto, indiretamente seria o sistema presidencialista uma cláusula pétrea; CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 57 • 3ª corrente (majoritária): se foi feito plebiscito, não havia certeza, então não seria cláusula pétrea, não queria petrificar o sistema. Portanto, poderá ser alterada, desde que ocorra nova consulta popular. 5.3. PODER CONSTITUINTE DERIVADO REVISOR (PCDREV) É o poder responsável pela revisão constitucional. Está previsto no art. 3º do ADCT. A revisão é a via extraordinária de alteração da Constituição. É utilizado para alterações mais gerais. Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral. Passados pelo menos cinco anos da promulgação, teria competência o legislador constitucional para revisar a CF, com o objetivo de adequá-la à realidade social vigente, mediante voto da maioria absoluta do Congresso em sessão unicameral (nota-se aqui um processo menos rígido que o das emendas constitucionais). O poder revisor só é exercido uma única vez, como o foi em 1994, tendo dele resultado seis Emendas Constitucionais de revisão. Uma vez exercido, o poder revisor teve sua eficácia exaurida e aplicabilidade esgotada. De acordo com Carlos Ayres Britto, trata-se de uma norma de eficácia exaurida. Na época, muito se discutiu quanto às limitações materiais do Poder Revisor, mas ficou pacificado o entendimento que suas limitações seriam iguais às do poder reformador, ou seja, aquelas relativas às cláusulas pétreas. Indaga-se: é possível nova revisão constitucional? Analisando o art. 3º do ADCT, não seria possível nova revisão, tendo em vista que a eficácia foi exaurida. Seria possível, então, uma emenda acrescentar novo dispositivo no ADCT prevendo revisão no futuro? Parte da doutrina entende que não seria fraude à Constituição, pois o procedimento da revisão é mais simples do que o procedimento para reforma. Na jurisprudência do STF (ADI 981 e ADI 1.722), em questão obiter dicta (análise feita de passagem), não é possível. STF - ADI 981 MC: Após 5 de outubro de 1993, cabia ao Congresso Nacional deliberar no sentido da oportunidade ou necessidade de proceder à aludida revisão constitucional, a ser feita uma só vez. STF - ADI 1.722 MC: Ao Poder Legislativo, Federal ou Estadual, não está aberta a via da introdução, no cenário jurídico, do instituto da revisão constitucional. Por fim, Marcelo Novelino entende que seria possível nova revisão, desde que as circunstâncias fáticas e jurídicas justificassem. Cita, como exemplo, possível revisão daqui a 50 anos, para que a Constituição estivesse de acordo com a nova realidade social. Destaca, ainda, CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 58 que a revisão não pode ser feita com o intuito de burlar o procedimento previsto no texto constitucional para reformas. 5.4. OUTROS “PODERES CONSTITUINTES” 5.4.1. Poder constituinte “difuso” Pode ser caracterizado como um poder de fato e se manifesta por meio das mutações constitucionais. Informal, espontâneo, devendo respeitar o texto formal e os princípios estruturantes da constituição. Como o tema foi cobrado em concurso? (DPE/RS – CESPE – 2022): As mutações constitucionais são consideradas expressão do poder constituinte difuso e, por ausência de mecanismos de controle, não estão submetidas às limitações materiais do texto constitucional. Errado. (DPE/RR – FCC - 2021): A modificação constitucional em que não há vontade de alterar o texto, mas é reflexo da sociedade sobre a qual este incide, é conhecida como mutação constitucional. Correto! (MPE/AP – CESPE - 2021): A mutação constitucional é um fenômeno é um meio informal de se alterar a Constituição sem se modificar seu texto formal. Esse fenômeno é uma manifestação do poder constituinte difuso, entendido como aquele voltado à alteração do significado e do alcance dos enunciados normativos constitucionais, para adaptá-los à nova realidade social. O STF admite o uso da mutação constitucional como fundamento da interpretação judicial em sede de controle difuso. Correto! 5.4.2. Poder constituinte “supranacional” Busca sua fonte de validade na cidadania universal, no pluralismo de ordenamentos jurídicos, na vontade de integração e em um conceito remodelado de soberania. Reorganiza a estrutura de cada um dos estados ou adere ao direito comunitário de viés supranacional por excelência, com capacidade, inclusive, para submeter as diversas constituições nacionais ao seu poder supremo. Ex.: União Europeia. 6. ESQUEMA:LIMITES AO PC CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 59 180° 7. DIREITO ADQUIRIDO E CONSTITUIÇÃO 7.1. DIREITO ADQUIRIDO E NOVA CONSTITUIÇÃO: RETROATIVIDADE Segundo o STF, não se pode alegar direito adquirido em face de uma nova constituição. O poder constituinte originário pode violar direito adquirido, visto que é juridicamente ilimitado, não está atrelado à constituição anterior. A lei não pode violar. E a proibição do retrocesso? Em alguns casos, pode-se alegar, entretanto, deve-se lembrar de que não são limites jurídicos, são limites transcendentais. O STF distingue a retroatividade mínima, média e máxima: 7.1.1. Retroatividade mínima Explícitas (Cláusulas Pétreas): • Forma Federativa • Separação dos Poderes • Voto direto, secreto universal e periódico • Direitos e Garantias Individuais Implícitas: • Dupla Revisão • Alteração titular do PCO (povo) • Alteração do titular do PCDR (legislador) PCO Histórico Revolucionário • Golpe Estado • Insurreição • Transcendentes (proibição retrocesso) • Imanentes • Heterônomos Temporal Material Subjetivas (legitimidade) Circunstancial Transicional PCD Decorrente PCD Revisor (exaurido) Sensíveis Extensíveis Estabelecidos (organizatórios) Expressos CF (nº Deputados Estaduais) Implícitos CF (CPI Estadual) Expressos Mandatórios Vedatórios Implícitos (competência) Decorrentes (p. federativo) Formal Objetivas (quórum) PC Derivado PCD Reformador CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 60 A constituição produzirá efeitos futuros em um ato praticado no passado. Trata-se de um efeito automático. Por exemplo, um contrato celebrado em 1980 e a CF/88 que possui aplicação imediata. Todos os efeitos produzidos pelo contrato, de 1988 em diante, automaticamente, serão atingidos pela nova constituição. Outro exemplo é o art. 17 do ADCT. Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título. (...) 7.1.2. Retroatividade média e máxima Só poderão ocorrer se a CF nova expressamente trouxer essa previsão. Não têm efeito automático. Exemplos do STF: a) Retroatividade média: partimos do exemplo anterior - contrato celebrado em 80: temos prestações vencidas e pagas e prestações que embora vencidas não foram pagas. Em outras palavras, houve determinada prestação que venceu antes da CF/88, só que embora vencida, não foi paga. Se a CF atinge essa prestação vencida e não paga, teremos uma retroatividade média da CF. Ela se refere a prestações vencidas, mas que não foram ainda pagas. Na retroatividade mínima, atingiria somente a prestação que viesse a vencer, decorrente de atos passados. Na retroatividade média, trata-se do ato que já ocorreu no passado, mas não surgiu todos seus efeitos (ato pendente). b) Retroatividade máxima: a CF/88 atinge prestações vencidas e que já foram pagas. Partindo do mesmo exemplo: mas suponhamos que desta vez o foi contrato celebrado tendo 30% de juros ao ano, a outro giro, a CF nova estabelece 12% ao ano. A retroatividade média atingiria apenas os juros das futuras prestações não vencidas e não pagas e os juros das prestações já vencidas e não pagas; a retroatividade máxima iria atingir inclusive vencidas já pagas, tendo no caso que haver devolução das prestações já pagas atrasadas com o juro anterior (exemplo absurdo, mas bom para visualizar.) Temos retroatividade no art. 231, § 6º, da CF Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (...) § 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 61 extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé. 7.2. DIREITO ADQUIRIDO E EMENDA CONSTITUCIONAL O art. 5º, XXXVI, da CF é cláusula pétrea, pois se trata de direito individual. Art. 5º. (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; (...) A polêmica se refere à vedação desse dispositivo referente apenas ao legislador ordinário ou também às ECs? • 1ª corrente: O termo “lei” é lei em sentido formal, sentido estrito, não abrangendo as EC’s. Não estaria o legislador constituinte derivado abrangido pela vedação. Antes da CF/88, era esse o entendimento pacificado no STF. Depois da CF/88, ainda não houve posicionamento do STF sobre o tema; • 2ª corrente (majoritária): O termo “lei” não deve apenas abranger as leis em sentido formal, mas também as emendas à constituição. Esta garantia tem por trás o princípio da segurança jurídica (art. 5º, caput, XXXVI, da CF). Porém, não é um princípio absoluto. Como existe a relativização da coisa julgada, pode-se falar em relativização do direito adquirido, podem outros princípios justificarem a relativização, mas isso deve ser a exceção. Por exemplo, se o direito adquirido fosse um direito absoluto, a escravidão nunca poderia deixar de existir então, se um direito adquirido for um direito injusto, devido a outros princípios, este pode ser mitigado. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 62 A CONSTITUIÇÃO 1. CONCEPÇÕES DA CONSTITUIÇÃO As concepções da Constituição estudam os seus fundamentos. 1.1. CONCEPÇÃO SOCIOLÓGICA (FERDINAND LASSALLE) Principal expoente: Ferdinand Lassalle (Prússia, 1862) A constituição é a soma dos fatores reais de poder que dirige, que comanda uma nação. É uma concepção sociológica, busca fundamento na sociologia. A constituição não era o que estava escrito, mas a realidade que se impunha. Aqui, diferencia a constituição real e a constituição escrita. 1.1.1. Constituição escrita/jurídica É a constituição escrita. Muitas vezes, não reflete a realidade, não passando de uma “folha de papel”. 1.1.2. Constituição real (ou efetiva) É a soma dos fatores reais de poder que regem uma determinada nação. Na concepção dele, todo Estado tem ao lado da constituição escrita, a que realmente vale, que é feita por aqueles que detêm o poder na prática (banqueiros, burguesia, monarquia, aristocracia etc.). Se a constituição escrita não corresponde à constituição real: “A constituição escrita não passa de uma folha de papel”. Busca na sociologia o fundamento da constituição real. 1.2. CONCEPÇÃO POLÍTICA (CARL SCHMITT) Principal expoente: Carl Schmitt. Busca na vontade política o fundamento da constituição. Adota o conceito decisionista de constituição. É importante distinguir constituição (propriamente dita) e leis constitucionais. Como o tema foi cobrado em concurso? (DPE/SC – FCC - 2021): A Constituição é definida como decisão política do titular do poder constituinte por Carl Schmitt. Correto! 1.2.1. Constituição propriamente dita CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 63 É apenas aquilo que decorre de uma decisão política fundamental. Trata-se das matérias constitucionais: OBS.: Técnica mnemônica “DEO” Direitos Fundamentais Estrutura do Estado Organização dos Poderes1.2.2. “Leis constitucionais” Todo o restante consagrado na constituição (que não faz parte de decisão política fundamental – DEO) são apenas leis constitucionais. Ex.: O colégio do RJ está na constituição (lei constitucional). Seriam apenas formalmente constitucionais, materialmente não. Indaga-se: as normas relativas aos fins do Estado são apenas formalmente constitucionais? Sim. Fins do Estado = normas programáticas. Fins do Estado não é matéria constitucional. Estrutura do Estado, SIM. Art. 1º CF, material e formalmente constitucional. O art. 242, § 2º, da CF é formalmente constitucional, mas não materialmente. Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 242. O princípio do art. 206, IV, não se aplica às instituições educacionais oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existentes na data da promulgação desta Constituição, que não sejam totais ou preponderantemente mantidas com recursos públicos. (...) § 2º O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal. Para Carl Schmitt, o guardião da constituição deveria ser o presidente do “Reich”. 1.3. CONCEPÇÃO JURÍDICA Principal expoente: Hans Kelsen (Teoria Pura do Direito, 1925) A constituição é o fundamento de validade de todo ordenamento jurídico estatal. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 64 Para Hans Kelsen, o guardião da constituição deveria ser o Poder Judiciário. A constituição não retira seu fundamento da sociologia, política ou da história, mas sim do próprio Direito. Por isso, desenvolve o controle concentrado de constitucionalidade, no sentido da declaração da anulabilidade da norma que é contrária à constituição. A Constituição é um conjunto de normas jurídicas, é uma lei como todas as demais, é formada por várias normas. Se ela é uma lei assim como as demais, seu fundamento só pode estar no Direito. A constituição não se situa no mundo do “ser”, e sim do “dever ser” (o direito tem um caráter prescritivo e não descritivo). Para Kelsen, há dois sentidos para a fundamentação da Constituição: um sentido lógico- jurídico e um sentido jurídico-positivo. 1.3.1. Constituição em sentido “lógico-jurídico”: norma fundamental hipotética - Fundamental: porque é nela que está o fundamento da constituição; - Hipotética: porque não é uma norma posta, é apenas pressuposta. Não é uma norma positivada, é apenas uma pressuposição, como se a sociedade fizesse uma convenção (pressuposição) que essa norma existe para fundamentar a constituição; - Conteúdo da norma fundamental hipotética: “Todos devem obedecer a Constituição”. Contém este comando, como se fosse um contrato social. Parte da ideia que existe essa norma pressuposta, caso contrário ninguém obedeceria à constituição. 1.3.2. Constituição em sentido “jurídico-positivo: norma positivada suprema É a constituição feita pelo poder constituinte. É o conjunto de normas jurídicas positivadas. Ex.: CF/88. Segundo José Afonso da Silva, “de acordo com o primeiro (LÓGICO-JURÍDICO), Constituição significa norma fundamental hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico transcendental da validade da Constituição “JURÍDICO-POSITIVA”, que equivale à norma positiva suprema, conjunto de normas que regula a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau. Umas são normas postas; outra é suposta”. PLANO LÓGICO-JURÍDICO PLANO JURÍDICO-POSITIVO Norma fundamental hipotética (“plano do suposto/pressuposto”). Norma posta, positivada. Fundamento lógico-transcendental da validade da Constituição “jurídico-positiva”. Norma positivada suprema. 1.4. CONCEPÇÃO NORMATIVA CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 65 Principal expoente: Konrad Hesse (força normativa da constituição, 1959) Para rebater a tese do Ferdinand Lassalle, portanto, é uma antítese a concepção sociológica. O direito não pode existir somente para justificar relações de poder. Ainda que, algumas vezes, a constituição escrita possa sucumbir à realidade (tese de Ferdinand Lassalle), a constituição possui uma “força normativa” capaz de conformar a realidade, para isso, basta que exista “vontade de constituição” e não apenas vontade de ‘poder’. Para Hesse, então, não há subordinação entre a constituição efetiva e a jurídica, o que existe é um condicionamento recíproco entre elas. Em alguns casos prevalecerá uma, em outros, prevalecerá a outra. O direito constitucional não serve para dizer o que é, mas para dizer o que DEVE SER, essa é a função normativa da constituição. 1.5. CONCEPÇÃO CULTURALISTA No Brasil, é sustentada por Meireles Teixeira. Todas as concepções anteriores, na verdade, não são concepções antagônicas, mas sim complementares. Cada uma das concepções seria uma forma diferente de enxergar a constituição, fala-se em constituição total. De acordo com Meirelles Teixeira, “conjunto de normas fundamentais condicionadas pela cultura total, e ao mesmo tempo condicionante desta, emanadas da vontade existencial, estrutura e fins do Estado e do modo de exercício e limites do poder político” Ao mesmo tempo em que a constituição é condicionada pela cultura de um povo, ela também é condicionante dessa mesma cultura. Por isso, ‘culturalista’. 2. CONSTITUIÇÃO SIMBÓLICA A ideia de constituição simbólica foi desenvolvida por Marcelo Neves, trata-se de uma constituição em que o simbolismo é maior que seus efeitos práticos. É o que ocorre, por exemplo, com a CF/88 que possui um elevado número de normas programáticas e com alto grau de abstração. Marcelo neves elenca uma tipologia das legislações simbólicas, sendo14: 14 SANTOS, Eduardo do. Manual de Direito Constitucional. 2ª Ed. São Paulo: Editora Juspodivm, 2022. P. 82-83. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 66 a) Confirmação de valores sociais, que ocorre quando se aprova uma lei para confirmar os valores sociais de um determinado grupo em detrimento de outro grupo, deixando assente que eles são mais relevantes, melhores ou mais adaptados; b) Legislação-álibi, que se dá quando, num cenário de grande comoção pública, ou de problemas sociais de grande repercussão, o Estado ao invés de discutir seriamente o problema e criar uma legislação pensada para a real resolução do problema ou implementar uma política pública que verdadeiramente surtirá efeitos, opta por criar uma legislação que responda rapidamente ao problema e que na maioria das vezes é de pouco ou nenhum efeito real, mas acaba por satisfazer as expectativas momentâneas dos cidadãos e produzir/reforçar a confiança nos sistemas político e jurídico ou em alguns de seus representantes; c) Legislação como fórmula de compromisso dilatório, que ocorre quando num determinado cenário de conflito social aprova-se uma lei que sabidamente não irá resolver o conflito, contudo irá abrandar momentaneamente as discussões sobre o problema, o que acaba por protelar a resolução real do conflito, transferindo-a para o futuro. O problema da legislações simbólicas emerge quando se percebe uma hipertrofia da carga simbólica sobre as funções normativo-jurídicas da norma, o que conduz a um alto grau de ineficiência da norma, bem como a sua falta de vigência social, de modo que a lei existe, estabelece determinada conduta, mas as pessoas não agem conforme a lei e sequer esperam que a conduta fixada seja observada de um modo geral15. Partindo da análise da legislação simbólicae passando-se ao exame da Constituição Simbólica, percebe-se que o problema da hipertrofia do simbólico sobre o sentido jurídico-normativo aqui é mais grave ainda, vez que a Constituição é fundamento de validade das demais normas jurídicas e parâmetro para a criação de todo o sistema jurídico. Como o tema foi cobrado em concurso? (DPE/BA – FCC – 2021): A expressão “constitucionalização simbólica” abrange textos constitucionais que sofreram hipertrofia simbólica em suas mutações. Correto. 3. CONSTITUIÇÃO NACIONAL X CONSTITUIÇÃO FEDERAL A Constituição Nacional se refere a todos: a) União; b) Estado; 15 Ibidem, p. 83. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 67 c) DF; d) Município A Constituição Federal se refere à União (art. 59 da CF). 4. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES Analisaremos as principais classificações 4.1. QUANTO À ORIGEM Refere-se à forma como a constituição foi criada. Utiliza, como critério, a força política responsável pelo surgimento da constituição. 4.1.1. Outorgada (ou imposta) Juridicamente, é aquela que decorre de um ato unilateral da vontade política soberana do governante. Ou seja, é uma constituição imposta por aquele que detém o poder de fato. Como exemplo, cita-se a Constituição de 1824 (imposta por D. Pedro I) e a de 1969 (imposta pela junta militar) 4.1.2. Cesarista É uma constituição outorgada, porém é submetida à consulta popular (plebiscito ou referendo), com o intuito de aparentar legitimidade. No entanto, mesmo havendo uma concordância da maioria da população com o conteúdo constitucional, a constituição cesarista não é democrática. Ex.: A constituição da época do Pinochet no Chile. OBS.: A Constituição de 1937 previa a realização de um plebiscito para que o povo a aprovasse. Todavia, ela não é cesarista, pois a consulta sequer chegou a ser realizada. Se houvesse consulta popular e a população aprovasse o texto, a Constituição de 1937 seria cesarista. 4.1.3. Pactuada (ou pactual) É pouco conhecida. Resulta do compromisso entre o soberano e a representação nacional (Assembleia). CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 68 Foi o que aconteceu no século XIX, na Europa, quando houve a transição da monarquia absolutista para monarquia representativa. Ex.: Constituição da França (1830). 4.1.4. Democrática (popular, votada ou promulgada) É aquela elaborada por um órgão constituinte (Assembleia Nacional Constituinte), composto de representantes do povo, eleitos para o fim específico de elaborar a constituição, formando a Assembleia Nacional Constituinte (ANC). Ex.: Se o Congresso Nacional resolvesse criar uma nova constituição hoje, ela não seria democrática, pois os parlamentares que ali atuam não foram eleitos para o fim específico de elaborar a Constituição. Segundo a doutrina majoritária, a CF/88 é considerada como uma constituição democrática. Como o tema foi cobrado em concurso? (MPE/TO – CESPE - 2022): Quanto à sua origem, as constituições podem ser promulgadas ou outorgadas. Correto! 4.2. QUANTO AO MODO ELABORAÇÃO Utiliza-se o critério do surgimento da constituição. 4.2.1. Histórica É aquela formada lentamente por meio da gradativa incorporação de usos, costumes, precedentes e documentos escritos à vida estatal. Ex.: Constituição inglesa. 4.2.2. Dogmática Resulta dos trabalhos de um órgão constituinte sistematizador das ideias e princípios dominantes em determinado momento, naquela sociedade. Será, sempre, uma constituição escrita. Ex.: CF/88. 4.3. QUANTO À IDENTIFICAÇÃO DAS NORMAS CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 69 O modo como a norma constitucional é identificada foi o critério adotado para esta classificação. 4.3.1. Material A constituição material é formada por um conjunto de normas estruturais de uma determinada sociedade política. Assim, o que identifica uma constituição em sentido material é o conteúdo de suas normas, aquelas que irão estruturar o estado, dispor sobre direitos fundamentais e sobre organização dos poderes, pouco importando o local em que se encontram. Por exemplo, Constituição inglesa; na CF/88, as normas materialmente constitucionais estão consagradas, sobretudo, nos Títulos I (Dos princípios fundamentais), II (Dos direitos e garantias fundamentais), III (Da organização do Estado) e IV (Da organização dos poderes). 4.3.2. Formal A constituição em sentido formal é o conjunto de normas jurídicas formalizadas de modo diverso do processo legislativo ordinário. Aqui, o que identifica é o procedimento utilizado para a elaboração da norma. Por exemplo, a CF/88 trata de temas não constitucionais (Colégio Pedro II), mas seu conteúdo foi formalizado pela Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988. As normas formalmente constitucionais são aquelas elaboradas por um procedimento mais solene do que o do processo legislativo ordinário. OBS.: É possível uma norma formalmente constitucional estar fora do texto da CF/88. No Brasil, podemos citar a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi aprovada nos termos do art. 5º, § 3º, da CF (emenda constitucional). Além disso, é materialmente constitucional, pois trata de direitos fundamentais. 4.4. QUANTO À ESTABILIDADE (MUTABILIDADE OU PLASTICIDADE) Trata da consistência das normas constitucionais, que é analisada com base na complexidade do processo de alteração das normas constitucionais em comparação com o processo legislativo ordinário. 4.4.1. Imutáveis Eram leis fundamentais antigas criadas com a pretensão de eternidade, tidas como imodificáveis sob pena de maldição dos deuses. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 70 Exemplos: Código de Hamurabi e Lei das 12 Tábuas. 4.4.2. Fixas Alteráveis apenas pelo mesmo poder constituinte responsável por sua elaboração, quando convocado para isso. Ou seja, não poderia sofrer alterações por outro órgão. Exemplos: Constituições da época de Napoleão I, na França. 4.4.3. Rígidas É modificável mediante procedimento mais solene e complexo que o processo legislativo ordinário. O grau de dificuldade para alteração é maior. No Brasil, temos: a) Emenda constitucional = 3/5 (dos parlamentares) e 2 turnos. b) Lei complementar = + 50% dos parlamentares (maioria absoluta). c) Lei ordinária = +50% dos parlamentares presentes (maioria simples) Portanto, a CF/88 é uma constituição rígida. QP: O fato de a constituição não possuir cláusula pétrea afasta sua rigidez? R: Não! Uma constituição pode ser rígida sem ter cláusula pétrea. Assim, como uma constituição pode possuir cláusula pétrea e não ser considerada rígida. 4.4.4. Super-rígida É a classificação proposta por Alexandre de Moraes, para quem uma constituição rígida, com processo de alteração dificultoso, e que possua cláusula pétrea deve ser considerada como super-rígida. OBS.: Em prova, se houver as opções rígida e super-rígida, dever-se- á marcar a última. Se houver a alternativa rígida, esta deverá ser assinalada. 4.4.5. Semirrígida (ou semiflexível) É uma constituição que possui uma parte rígida e outra parte flexível. Ou seja, algumas normas terão procedimento de alteração mais dificultoso e outras terão o mesmo procedimento de alteração da legislação ordinária. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 71 Ex.: Constituição de 1824 considerava constitucional apenas as normas que cuidavam da estrutura do estado e organização dos poderes, as demais normas poderiam ser modificadas pelo processo legislativo ordinário. 4.4.6. Flexível (ou plástica) São as constituições que possuem a mesma origem e formalidade da legislação ordinária. Isto é, são elaboradas pelo mesmo órgão responsável pela elaboração das leis e podem ser alteradas pelo mesmo processo de alteração de uma lei, não há dificuldade. Geralmente, são flexíveis as constituiçõescostumeiras. Ex.: A constituição da Inglaterra foi um exemplo clássico de constituição flexível. 4.5. QUANTO À FUNÇÃO Utiliza como critério a função desempenhada pela Constituição dentro do ordenamento jurídico, como instrumento de organização da sociedade e do Estado. 4.5.1. Garantia (quadro, estatutária ou orgânica) Trata-se de um instrumento do Governo, responsável pela definição de competências e regulação dos processos. Preocupa-se apenas com as competências, que estruturam os direitos do Estado, e com as liberdades negativas (não atuação do estado). É o caso da Constituição dos EUA. Como o tema foi cobrado em concurso: (PC/PR – NC-UFPR – 2021): As constituições garantias são a expressão de um constitucionalismo social que defende a Constituição como forma de garantia dos direitos sociais e de um Estado interventor. Errado! 4.5.2. Programática (dirigente ou diretiva) Contém normas definidoras de tarefas e programas de ação a serem concretizados pelos poderes públicos. Ex.: Constituição mexicana (1917), Constituição de Weimar (1919) e Constituição Federal (1988). Como o tema foi cobrado em concurso: (PC/PR – NC-UFPR – 2021): As constituições dirigentes correspondem a um ideal de Constituição típico do constitucionalismo liberal que prescreve um Estado mínimo. Errado! CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 72 4.5.3. Constituição-balanço (ou registro) Descreve e registra, periodicamente, o grau de organização política e das relações de poder. Ou seja, de tempos em tempos faz um balanço do estágio em que se encontra a evolução para o socialismo. 4.6. QUANTO À EXTENSÃO Analisa-se a amplitude das matérias contempladas no texto constitucional. 4.6.1. Concisa (breve, sumária, sucinta, básica ou clássica) É aquela que contém apenas princípios gerais ou enunciam regras básicas de organização e funcionamento do sistema jurídico estatal. Além de tratar apenas de matérias constitucionais, faz isso por normas que estabeleçam princípios gerais. As grandes vantagens da constituição concisão são: estabilidade e flexibilidade. Ex.: Constituição norte-americana (1787). 4.6.2. Prolixas (analíticas ou regulamentares) São as constituições que consagram matérias estranhas ao Direito Constitucional ou contemplam normas com regulamentação minuciosas, típicas da legislação ordinária. Está presente, desde a Constituição de 1824, nas constituições brasileiras. ´ 4.7. QUANTO À DOGMÁTICA O critério utilizado é a natureza ideológica das normas constitucionais. 4.7.1. Ortodoxa É a constituição que adota apenas uma ideologia política informadora de suas concepções. Ex.: Constituição da extinta União Soviética (URSS) e Constituição chinesa de 1982. 4.7.2. Eclética (compromissória ou heterogênea) É a constituição que procura consolidar diversas ideologias políticas. Em regra, nas sociedades pluralistas, a constituição surge a partir de um pacto entre as diversas forças políticas e sociais. O procedimento constituinte é resultante de vários compromissos constitucionais estabelecidos por meio da barganha, da argumentação, de convergências e de CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 73 diferenças. A diversidade de pactos subjacentes à elaboração da constituição faz com que suas normas se caracterizem pela textura abertura, a qual possibilita a consagração de valores e princípios contraditórios a serem harmonizados pelos aplicadores do direito. Ex.: A Constituição Federal de 1988 e a Constituição portuguesa de 1976. 4.8. QUANTO À ONTOLOGIA É uma classificação proposta por Karl Loewenstein, possui como critério a correspondência entre o texto constitucional e a realidade do processo de poder. 4.8.1. Normativa É a constituição que possui normas capazes de efetivamente dominar o processo político. Trata-se de uma constituição, na qual o processo de poder se adapta e se submete às suas normas. 4.8.2. Nominal É a constituição incapaz de conformar o processo político às suas normas, sobretudo em matéria de direitos econômicos e sociais. Como o tema foi cobrado em concurso: (PGE/AL – CESPE - 2021): Karl Loewenstein, filósofo alemão, promoveu importantes estudos em direito constitucional, que influenciaram e ainda influenciam importantes correntes de pensamento. Loewenstein aduziu uma classificação própria das Constituições. A seguir é apresentado trecho adaptado da doutrina, acerca de uma das espécies de Constituição propostas pelo filósofo. São formalmente válidas, mas alguns dos seus preceitos ainda não foram ativados na prática real. Na visão de Loewenstein, nesses casos, a situação real não permite a transformação das normas constitucionais em realidade política, mas ainda se pode esperar que, com o tempo, elas sejam implementadas concretamente. Esse trecho da doutrina se refere, na classificação de Loewenstein, à Constituição normativa. Errado, refere-se à Constituição nominal. 4.8.3. Semântica É utilizada pelos dominadores de fato, para a sua perpetuação no poder. A Constituição se destina não à limitação do poder político, e sim a ser um instrumento para estabilizar e eternizar a intervenção destes dominadores. Ex: As constituições napoleônicas e a constituição cubana (1952). CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 74 5. CLASSIFICAÇÃO DA CF/88 A partir das classificações vistas acima, podemos classificar a CF/88 da seguinte forma: a) Quanto à forma: é escrita; b) Quanto à sistemática: é codificada, pois possui forma de código; c) Quanto à origem: é democrática; d) Quanto à estabilidade: é rígida ou super-rígida; e) Quanto à identificação de suas normas: é formal; f) Quanto à extensão: é prolixa, como todas as demais constituições brasileiras; g) Quanto à dogmática: é eclética. h) Quanto à ontologia: há divergência. Para Pedro Lenza, trata-se de uma constituição normativa. Para Bernardo Gonçalves, trata-se de constituição nominal, pois, embora seja válida juridicamente e consiga conformar o processo político na maioria de suas normas, na parte da ordem econômica e social, ainda não possui força normativa suficiente para conformar a realidade da maneira desejável; i) Quanto à função: é dirigente; j) Raul Machado Horta: é, ainda, expansiva, pois possui novos temas e confere ampliação a temas pertinentes. 6. A CONSTITUIÇÃO E O SEU PAPEL16 Trata-se, aqui, do papel desempenhado pela Constituição dentro do ordenamento jurídico. A análise do papel da constituição é feita com base na verificação da liberdade de conformação atribuída ao legislador. 6.1. CONSTITUIÇÃO-LEI Parte da premissa de que a constituição é um conjunto de normas, como qualquer outra, sem a supremacia sobre as demais leis e sem o poder de conformação do legislador. As normas constitucionais serviriam apenas como diretriz (não vinculante) para a atuação legislativa. Esta visão é incompatível com a ideia de: a) Rigidez constitucional; 16 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 16 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2021, p. 99. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 75 b) Supremacia constitucional; c) Força normativa da Constituição (própria do constitucionalismo contemporâneo); d) Estado Democrático de Direito. 6.2. CONSTITUIÇÃO-FUNDAMENTO (OU CONSTITUIÇÃO-TOTAL)17 A constituição-fundamento pressupõe que a constituição é o fundamento não só das atividades relacionadas ao Estado, mas também de toda a vida social, cuja regulação deve estar consagrada nela. O espaço de liberdade conformadora deixado ao legislador é restrito, pois lhe cabe somente interpretar e conferir efetividade às normas constitucionais. A atividade legislativa é concebida como mero instrumento de realização da constituição. 6.3. CONSTITUIÇÃO-MOLDURA (OU “ORDEM-QUADRO”) A constituição estabelece os limites dentro dos quais o legislador pode atuar. O legisladorpossui ampla liberdade de conformação. 6.4. CONSTITUIÇÃO DÚCTIL (OU CONSTITUIÇÃO SUAVE)18 Dentre as novas sugestões para a teoria da constituição moderna, destaca-se a proposta por Gustavo Zagrebelsky Segundo o jurista italiano, nas sociedades pluralistas atuais, dotadas de certo grau de relativismo e caracterizada pela diversidade de interesses, ideologias e projetos, o papel da constituição não deve consistir na realização direta de um projeto predeterminado da vida comunitária, cabendo-lhe tão somente a tarefa básica de assegurar as condições possíveis à vida em comum. Na imagem utilizada por Zagrebelsky, o Direito Constitucional é equiparado ao conjunto de “materiais de construção”. A constituição é apenas a plataforma de partida para a construção de edifício concreto, cuja obra seria resultante das combinações desses materiais pela “política constitucional”. 7. HISTÓRICO DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS 7.1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS 17 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 16 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2021, p. 99. 18 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 16 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2021, p. 99. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 76 Ao longo de quase dois séculos, a instável trajetória institucional brasileira tem sido marcada por constituições com características positivas e textos modernos, porém, com frequência, carentes de força normativa necessária para conformar a realidade política e social. Curiosamente, o Brasil, mesmo antes da Constituição de 1824, contava com a Constituição de Cádiz. Esta era a Constituição espanhola, aplicada no Brasil, por determinação de D. João VI (Decreto 21/04/1821), até que fosse elaborada uma brasileira. Mas, no dia seguinte, revogou-se tal decreto, tendo a Constituição de Cádiz vigência de apenas um dia. Desde 1824, o Brasil teve sete constituições: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967/1969* e 1988. *A Carta de 1969 foi outorgada pela Junta Militar, por meio da Emenda Constitucional nº 1/1969. Apesar da forma adotada, o documento é considerado uma autêntica constituição, e não uma mera alteração do texto anterior, em razão das alterações introduzidas e do fundamento de validade (art. 3º do AI nº 16/1969 e art. 2º, § 1º, da ADI nº 5/1968). 7.2. CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL (1824) Também chamada de Constituição Imperial. 7.2.1. Ideologia A Constituição Imperial possuía uma ideologia liberal/conservadora. Foi inspirada na Constituição francesa, de 1814, outorgada por Luís XVIII. Foi a Constituição mais duradoura no Brasil, pois esteve em vigor por quase 67 anos, tendo apenas uma única emenda. 7.2.2. Estabilidade Era uma constituição semirrígida, com uma parte rígida e outra parte flexível, nos termos do seu art. 178, in verbis: Art. 178. É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e atribuições respectivas dos Poderes Políticos, e aos Direitos Políticos, e individuais dos cidadãos. Tudo o que não é Constitucional, pode ser alterado sem formalidades referidas, pelas legislaturas ordinárias. Como o tema foi cobrado em concurso? (PGE/MS – CESPE - 2021): O art. 178 da Constituição brasileira de 1824, a Carta Imperial do Brasil, dispunha o seguinte: “É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e atribuições respectivas dos Poderes Políticos, e aos Direitos Políticos, e individuais dos Cidadãos (...)”. Considerando-se essa CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 77 disposição e os modos de classificar as constituições, é correto afirmar que a Constituição brasileira de 1824 era semirrígida. Correto. 7.2.3. Extensão A Constituição Imperial possuía 179 artigos, sendo considerada prolixa. Após, todas as demais Constituições também são consideradas prolixas. Destaca-se que a Constituição Imperial possuía uma limitação temporal de quatro anos, pois apenas após este período é que se poderia modificar o texto de 1824. 7.2.4. Estado Tratava-se de um Estado confessional, pois o Estado brasileiro tinha uma religião oficial nesse período (católica apostólica romana). Foi a única constituição brasileira que consagrou o Estado confessional, ou seja, um Estado com uma religião oficial. Todas as demais constituições consagraram o Estado laico ou não confessional. Ademais, tratava-se de um estado unitário, dividido em províncias. 7.2.5. Poder Adotou uma divisão quadripartite de poder, conforme o modelo de Benjamin Constant: Poder Legislativo, Poder Executivo, Poder Judiciário e o Poder Moderador (exercido pelo imperador). 7.2.6. Governo Adotou-se um governo monárquico hereditário, constitucional e representativo. Foi o único período de monarquia no Brasil. OBS.: Entre 1961 e 1963, tivemos um curto período de parlamentarismo republicano. 7.2.7. Controle de constitucionalidade Não existia o controle de constitucionalidade. O guardião da constituição era o Poder Legislativo, e não o Poder Judiciário, como, hoje, acontece com o STF (guardião). 7.2.8. Direitos fundamentais Consagrou alguns direitos fundamentais, vejamos: CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 78 a) Aboliu penas cruéis (açoite, tortura, marca de ferro quente); b) Consagrou o socorro público e a instrução primária gratuita para todos (direitos sociais); c) Consagrou a naturalização tácita (direitos de nacionalidade); d) Sufrágio restrito (censitário, baseado na condição econômica) e eleições indiretas (direitos políticos). 7.3. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (1891) 7.3.1. Ideologia Inspirada na constituição norte-americana (importou inúmeros institutos). Conciliava, na sua ideologia, o liberalismo republicano e moderado. 7.3.2. Estado Consagrou o Estado “laico”, sem religião oficial, seguido pelas constituições posteriores. Adotou o federalismo dualista. O Estado federalista dualista é aquele no qual há uma rígida separação de competências. A União e os Estados-membros têm competências muito bem definidas e distintas. Não há competência comum e concorrente. Na Constituição de 1891, a União teve poderes enumerados na carta constitucional e os Estados ficaram com uma competência residual. 7.3.3. Poder Adotou a tripartição de poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) de Montesquieu e aboliu o poder moderador 7.3.4. Governo Sistema presidencialista. 7.3.5. Controle de constitucionalidade Com a Constituição de 1891, surge o controle difuso de controle de constitucionalidade (feito por qualquer órgão do Poder Judiciário), inspirado no modelo norte-americano. OBS.: O Brasil importou o controle difuso do modelo norte-americano, porém não importou o “stare decisis”, que é típico dos países de CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 79 common law. O stare decisis determina que se deve dar o devido peso aos precedentes judiciais. Diante disso, o STF declarava uma lei inconstitucional, porém a decisão somente valia para as partes envolvidas (efeitos inter partes). 7.3.6. Direitos fundamentais Destacam-se os seguintes: a) Aboliu as penas de galés, de banimento e de morte (salvo em caso de guerra); b) Princípio da igualdade; c) Consagrou a “Doutrina brasileira do habeas corpus”. Atualmente, o habeas corpus só pode ser usado para proteger a liberdade de locomoção. Na época, como não havia outros remédios constitucionais, era utilizado como instrumento para qualquer tipo de ilegalidade ou abuso de poder; d) Naturalização tácita; e) Extinção do sufrágio censitário (baseado na condição econômica). 7.4. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (1934) Foi uma constituição com curta vigência, pouco mais de três anos. Contudo, trouxe inovações que foram perpetradas em outras Cartas, tais como: a inclusão do nome de Deus no preâmbulo; a competência do Senado de suspender a execução de leisdeclaradas inconstitucionais pelo Supremo; a cláusula da reserva de plenário e a representação interventiva (controle concreto). 7.4.1. Ideologia Rompeu com a ideologia liberal e adotou a democracia social. OBS.: A Constituição alemã de Weimar (1919) foi a primeira constituição do Estado social, ao lado da Constituição mexicana (1917). 7.4.2. Estado Adotou o federalismo cooperativo, em que há compartilhamento de competências entre os entes federativos. 7.4.3. Poder CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 80 Adotou o Unicameralismo no Poder Legislativo, pois apenas a Câmara dos Deputados exercia este poder. O Senado apenas colaborava no exercício de certas funções. 7.4.4. Governo Tratava-se de um governo presidencialista, com a ampliação das competências atribuídas ao Presidente da República. Houve a supressão da figura do Vice-Presidente da República. 7.4.5. Controle de constitucionalidade O STF passou a ser chamado de “Corte Suprema”. Introduziu-se a cláusula da reserva de plenário, segundo a qual somente a maioria absoluta dos membros do tribunal pode declarar a inconstitucionalidade. Ademais, introduziu a chamada “representação interventiva”, que era proposta pelo PGR perante a Corte Suprema, no caso de violação dos princípios constitucionais sensíveis. Surge, aqui, o controle concentrado de constitucionalidade, decorrente da competência reservada ao STF pela representação interventiva. OBS.: O controle concentrado (introduzido pela Constituição de 1934) e o controle abstrato (introduzido pela EC 16/65) não se confundem. 7.4.6. Direitos fundamentais Quanto aos direitos fundamentais, na Constituição de 1934, houve: a) Introdução do mandado de segurança e da ação popular; b) Primeiro texto constitucional a contemplar a prestação de assistência judiciária gratuita; c) Consagração do escrutínio secreto e conferência de direitos políticos às mulheres. Em 1932, já havia sido feita uma reforma eleitoral. A partir disso, as mulheres começaram a votar. Como o tema foi cobrado em concurso? (DPE/AM – FCC - 2021): A evolução do modelo de prestação de assistência jurídica na ordem constitucional brasileira contempla a evolução do modelo público, a partir da Constituição Federal de 1934, que foi o primeiro texto constitucional a contemplar o dever estatal de prestação de assistência judiciária gratuita. Correto! 7.5. CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (1937) CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 81 7.5.1. Ideologia Adotou uma ideologia anticomunista e antidemocrática liberal. Ficou conhecida como "Constituição polaca", pois se inspirou na constituição polonesa (1935). Como o tema foi cobrado em concurso? (PGE/AL - CESPE - 2021): A Constituição Federal de 1937 ficou conhecida como Constituição Polaca. Correto! A Constituição de 1937 possuía um caráter semântico, pois havia incongruência entre os seus dispositivos e a realidade subjacente. Não possuía efetividade. Previa a realização de um plebiscito, para que fosse aprovada pelo povo. Nunca foi realizado, por isso, alguns afirmam que não possuiu efeitos jurídicos. 7.5.2. Estado Era um Estado autoritário e corporativista. Embora fosse organizado na forma de federação, na prática, para Daniel Sarmento, tratava- se de um Estado unitário, pois todos os Estados (menos MG) tiveram interventores nomeados por Getúlio Vargas. Não havia autonomia. 7.5.3. Poder O Presidente da República era a autoridade suprema. Ele concentrou grande parte do poder previsto na constituição. O Poder Legislativo era exercido pelo Parlamento Nacional, mas na prática não funcionou. O parlamento foi fechado, as leis e emendas eram feitas por Getúlio Vargas, através das chamadas leis constitucionais. Tínhamos, na prática, uma constituição flexível, eis que não havia diferença no processo de elaboração e alteração das normas constitucionais para as infralegais. 7.5.4. Governo O estado de emergência perdurou até 1945. Suspendeu diversos direitos e garantias constitucionais. Os atos do governo eram imunes ao Poder Judiciário. 7.5.5. Controle de constitucionalidade CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 82 Previu a cláusula notwhithstand (cláusula não obstante), de origem canadense, a qual prevê que quando o Poder Judiciário declara uma lei inconstitucional, ela não deixa de ter validade imediatamente. Pode ser discutida no parlamento, caso entenda que não deve ser excluída, não obstante a declaração de inconstitucionalidade, a lei deve manter-se em vigor. 7.5.6. Direitos fundamentais a) Não contemplou o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; b) Excluiu o mandado de segurança e a ação popular; c) Proibiu a greve, o “lock-out” e a existência de partidos políticos; Embora fosse uma constituição social, os direitos sociais não eram universais, pois eram exclusivos de determinadas categorias. 7.6. CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (1946) Trouxe inúmeros institutos previstos na Constituição de 1934. 7.6.1. Ideologia Mesclou o liberalismo político, a reintrodução da democracia e a consagração do Estado social, modelo eclético. 7.6.2. Estado Manteve-se o Estado Federativo, garantindo-se ampla autonomia aos Estados-membros da Federação. Caracterizou-se por ser um Estado intervencionista, típica característica do Estado Social. 7.6.3. Poderes Inicialmente, consagrou o presidencialismo. Contudo, o sistema parlamentarista foi implementado pela EC 4/61 e durou 14 meses. Posteriormente, a EC 6/63 restabeleceu o sistema presidencialista. 7.6.4. Controle de constitucionalidade A EC 16/65 criou o controle abstrato de constitucionalidade, através da representação de inconstitucionalidade (atual ADI). CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 83 7.6.5. Direitos fundamentais a) Manutenção das liberdades públicas tradicionais (liberdade religiosa, liberdade de locomoção, liberdade de reunião); b) Ações constitucionais (restabelecimento do HC, do MS e da ação popular); c) Consagrou o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; d) Inafastabilidade da prestação jurisdicional (inovação); e) Vedação de penas de morte (salvo no caso de guerra extrema), banimento, confisco e caráter perpétuo; f) Voto obrigatório (para todos os alfabetizados). 7.7. CONSTITUIÇÃO DO BRASIL (1967) Em 31 de março de 1964, houve o golpe militar. Após o golpe, foram feitos vários atos institucionais e, posteriormente, surgiu a Constituição de 1967, a qual refletiu os valores de um grupo militar ideologicamente moderado e que queria a institucionalização de certos limites ao exercício do poder. O objetivo da Constituição de 1967 acabou sendo colocado de lado pelo AI-5. 7.7.1. Ideologia Adotou uma ideologia social-liberal e ditatorial. É considerada uma constituição outorgada, pois embora tenha sido discutida, votada e aprovada pelo Parlamento, este não podia mudar o projeto do Executivo. 7.7.2. Estado Quanto ao modelo de Estado, adotou o federalismo de integração, o qual se caracteriza pela centralização do poder da União. 7.7.3. Poderes Houve um fortalecimento do Poder Executivo, que passou a editar decretos com força de lei (DL), bem como ampliou suas competências. Além disso, houve a previsão de eleições indiretas para o Presidente da República. O AI-7 suspendeu eleições parciais para os cargos do executivo ou legislativo. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 84 7.7.4. Controle de constitucionalidade Os atos do comando supremo da revolução eram excluídos da apreciação judicial. 7.7.5. Direitos fundamentais Não possuíam efetividade. 7.8. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (1969) É fruto da EC 1/69, porém a grande maioria da doutrina considera uma nova Constituição, seja porque inovou, seja porque invocou o AI-5e AI-6 como forma de fundamento. Foi outorgada pela junta militar. Basicamente, manteve a estrutura da Constituição de 1967, suas alterações foram pontuais. 7.8.1. Poderes No âmbito do Poder Executivo, ampliou as competências. No âmbito do Poder Legislativo, reduziu as imunidades dos parlamentares (crimes contra honra e segurança nacional) e instituiu a perda de mandato por infidelidade partidária. Colocou o MP no capítulo do Poder Executivo. 7.8.2. Direitos fundamentais Houve uma série de retrocessos: a) Limitou o acesso à justiça; b) Restringiu a liberdade informação e consagrou a censura; c) Ampliou as hipóteses de pena de morte. Os próprios militares fizeram o processo de transição gradual entre a ditadura e a democracia. Esse processo teve o ponto culminante com a EC 26/1985, a qual convocou a Assembleia Nacional Constituinte. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 85 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL 1. INTRODUÇÃO De acordo com Dirley da Cunha, “a hermenêutica é o domínio da ciência jurídica que se ocupa em formular e sistematizar os princípios que subsidiarão a interpretação, enquanto a interpretação é a atividade prática que se dispõe a determinar o sentido e o alcance dos enunciados normativos. (...) Assim, podemos dizer que, apesar de inconfundíveis, há uma relação mútua de dependência entre a hermenêutica e a interpretação jurídica, na medida em que sem a hermenêutica não se interpreta, e sem a interpretação a hermenêutica se torna inútil e desnecessária. No processo de compreensão do Direito, hermenêutica e interpretação são os dois lados da mesma moeda.” 2. CONTRIBUIÇÕES DA DOGMÁTICA ALEMÃ - BÖCKENFÖRDE As constituições escritas surgiram com as Revoluções liberais. Desde essa época, final do século XVIII até meados do século XX, a constituição era interpretada pelos mesmos elementos desenvolvidos por Savigny para interpretação das leis: a) Gramatical/literal: revela o sentido pela literalidade do texto; b) Lógico: premissas da lógica; c) Histórico: faz a análise do contexto o qual a norma surgiu. e) Sistemático: a norma não existe isoladamente, faz parte de um sistema. Com o fim da 2ª GM, surge o neoconstitucionalismo, então aparecem novos métodos de interpretação da constituição elaborados pela doutrina alemã, os quais partem das seguintes premissas: a) Direitos Fundamentais: têm normas que se expressam na forma de princípio. (Muito mais complexa a interpretação de um princípio do que uma norma expressa); b) Eficácia de cada norma constitucional/objeto é muito variada. Ela tem uma variedade imensa em relação ao seu objeto. Tem normas de todos os ramos do direito, essa variedade de objeto/eficácia dificulta a interpretação da constituição; c) Ideologia (pré-compreensão): o intérprete acaba deixando que sua interpretação de mundo, sua pré-compreensão, ideologia, interfira na interpretação da Constituição. A ideologia, aspectos religiosos, morais, pré-compreensão de mundo, influencia muito na interpretação principalmente da constituição do que em outros ramos do direito; d) Origem compromissória: causa grandes conflitos, dificultando sua interpretação; CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 86 e) Carga moral e política: o aplicador do direito possui uma margem de ação grande, fazendo com que a ideologia do intérprete seja utilizada quando se interpreta a Constituição. Em razão destas peculiaridades é que foram elaborados métodos específicos, para tornar mais racional e mais objetiva a interpretação constitucional. Segundo Canotilho, não existe um método justo. Todos os métodos, apesar de partirem de premissas diversas, são complementares. 3. MÉTODO HERMENÊUTICO CLÁSSICO (MÉTODO JURÍDICO) – ERNEST FORSTHOFF Segundo Ernest Forsthoff, a interpretação constitucional deve ser feita através dos elementos tradicionais desenvolvidos por Savigny (gramatical, sistemático, lógico e histórico) para a interpretação de dispositivos legais. A premissa é a “tese da identidade”, segundo a qual a constituição nada mais é do que uma lei (identidade entre a constituição e a lei), um conjunto de normas. Assim, não há motivos para métodos específicos de interpretação. Portanto, a constituição deve ser interpretada da mesma forma que as leis. De acordo com este método, a força normativa da constituição está assegurada pela dupla finalidade atribuída ao texto constitucional, o qual serve de ponto de partida da interpretação e como limite da atuação do intérprete. A principal crítica é no sentido de que os elementos clássicos, embora importantes para a interpretação constitucional, são insuficientes para a resolução dos casos de maior complexidade. As reflexões feitas por Savigny tiveram por base institutos jurídicos próprios do direito privado. Por exemplo, como interpretar de forma gramatical a inviolabilidade do direito à vida? 4. MÉTODO CIENTÍFICO-ESPIRITUAL (OU VALORATIVO) – RUDOLF SMEND O método científico-espiritual também é conhecido como “sociológico”, “integrativo” ou “valorativo”. a) Elemento valorativo: o sistema de valores subjacentes à constituição deve ter um papel primordial na sua interpretação. Na CF/88, os valores supremos estão no preâmbulo; b) Elemento integrativo: a constituição é o principal elemento de integração da comunidade. O intérprete deve sempre buscar a interpretação que confira unidade à constituição, favorecendo a integração política e social; c) Elemento sociológico: considera a realidade social subjacente à constituição (fatores extraconstitucionais). CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 87 Segundo Canotilho, há indeterminação e modificabilidade dos resultados. Como considera não apenas o sistema de normas, mas fatores extraconstitucionais, o resultado da interpretação pode ser maleável, a modificação/mutação dos resultados gera insegurança jurídica, portanto, nunca se poderá esperar uma decisão, mudará de acordo com o momento e a realidade vivida. Permitindo-se interpretações divergentes, enfraquece-se o princípio da força normativa da constituição. As principais críticas do método são: a) O desenvolvimento em termos muito vagos; b) A ausência de fundamento filosófico-jurídico claro; c) A indeterminação e a mutabilidade dos possíveis resultados obtidos. 5. MÉTODO TÓPICO PROBLEMÁTICO – THEODOR VIEHWEG Theodor Viehweg, com a obra Topik und Jurisprudenz (1953), foi decisivo para a retomada da tópica no campo jurídico, como forma de reação ao positivismo jurídico predominante nos meados do século XX. “Topos” é um esquema de pensamento, uma forma de raciocínio ou de argumentação. “Topoi” é o plural de “topos”. Ex.: “As normas excepcionais devem ser interpretadas restritivamente”. O ponto de partida é a compreensão prévia do problema a ser resolvido e da constituição. Já o ponto de apoio é o consenso ou o senso comum, os quais são revelados pela doutrina dominante ou pela jurisprudência pacífica. É um método problemático porque se baseia na ideia de problema a ser resolvido. Não são métodos para serem utilizados para resolver questões simples, os métodos aporéticos serão utilizados em problemas, casos difíceis (“hard cases”), a exemplos do aborto na anencefalia. Se o caso tem uma solução simples, utiliza-se uma interpretação literal, sistemática. É um método argumentativo, pois é feita toda uma argumentação em torno do problema para chegar-se ao resultado. É um método concretista, pois parte da premissa de que a interpretação da constituição só pode ser feita para aplicar a constituição ao caso concreto. Deve sempre haver um problema concreto para que haja a aplicação desse método. Para o método tópico-problemático, a decisão que vai prevalecer é a que for mais convincente, o que convencer o maior número de locutores, não significa que é o mais correto. As utilidades do método são:CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 88 a) Complementação de lacunas: quando há uma ausência de norma específica sobre certo problema, este método se torna interessante, pois parte do problema para buscar a norma, que servirá de base para a fundamentação da questão; b) Comprovação de resultados obtidos por outros métodos: como faz o caminho inverso (caso para a norma) dos demais métodos (norma para o caso), ele pode servir de comprovação de resultados obtidos por outros métodos. As principais críticas são: a) A ausência de investigação jurisprudencial séria e profunda. O precedente aqui não é decisivo, é só mais um argumento. Deve-se saber o posicionamento do guardião da Constituição para poder entendê-la; b) A possibilidade de conduzir os casuísmos ilimitados e, por consequência, gerar insegurança interpretativa, tendo em vista os elementos clássicos de interpretação, assim como a norma e o sistema, serem tratados como simples topoi; c) A interpretação deve partir da norma para a solução do problema, e não ao contrário. Segundo a doutrina, o intérprete deve buscar qual a norma que se refere ao caso e, a partir da norma, dar a solução ao caso concreto, porém, este método faz o caminho inverso, parte-se do problema para a norma. Por exemplo, o Ex-Ministro Marco Aurélio quando decidia um caso que não tinha solução na norma, primeiro pensava, qual a solução justa, e então a partir daí vai ao ordenamento procurar a solução que se adéqua a esse pensamento, Como cada um tem uma ideia de justiça, teremos a justiça no caso concreto de acordo com cada juiz, o que gerará uma insegurança jurídica, casuísmo. 6. MÉTODO HERMENÊUTICO-CONCRETIZADOR – KONRAD HESSE (CONCEPÇÃO JURÍDICA DA CONSTITUIÇÃO) 6.1. IDEIA GERAL DO MÉTODO HERMENÊUTICO-CONCRETIZADOR Desenvolveu um catálogo de princípios interpretativos (postulados normativos). Deve-se associar: a) Hermenêutica: Interpretação; b) Concretizador: Aplicação. Na verdade, a hermenêutica e a interpretação não são a mesma coisa. A hermenêutica fornece elementos para a interpretação. Segundo Konrad, a interpretação e a aplicação consistem em um processo unitário. São inseparáveis. Afirma, ainda, que só poderá ser aplicado o método hermenêutico-concretizador se houver a interpretação mais a aplicação. Não há como interpretar sem aplicar nem aplicar sem interpretar a norma. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 89 Assim, a interpretação e a aplicação constituem um processo unitário. 6.2. ELEMENTOS BÁSICOS DO MÉTODO HERMENÊUTICO-CONCRETIZADOR Os elementos básicos são: a) Norma: a norma a ser aplicada é elemento básico do método hermenêutico-concretizador. No método tópico-problemático, a norma é dispensável; b) Compreensão prévia do intérprete do problema a ser resolvido e da teoria da constituição: é necessário que o intérprete tenha conhecimentos prévios. Não é qualquer pessoa que consegue ser intérprete da constituição (círculo dos intérpretes); c) Problema a ser resolvido: para obter a concretização, é necessário um problema a ser resolvido. Não pode ser um problema abstrato. O método hermenêutico-concretizador tenta corrigir a principal crítica feita ao método tópico- problemático: partir do problema para buscar a norma. Isto porque há uma primazia da norma sobre o problema, ou seja, o intérprete parte da norma para resolver o problema. Como o tema foi cobrado em concurso? (MPE/PI – CESPE – 2019): O método conforme o qual a leitura do texto constitucional inicia-se pela pré-compreensão do aplicador do direito, a quem compete efetivar a norma a partir de uma situação histórica para que a lide seja resolvida à luz da Constituição, e não de acordo com critérios subjetivos de justiça, trata-se do hermenêutico-concretizador. Correto. 6.3. CRÍTICAS AO MÉTODO HERMENÊUTICO CONCRETIZADOR a) Enfraquecimento da força normativa. b) Quebra da unidade da constituição. 7. MÉTODO NORMATIVO-ESTRUTURANTE – FRIEDRICH MÜLLER 7.1. IDEIA GERAL DO MÉTODO NORMATIVO ESTRUTURANTE Desenvolvido por Friedrich Müller, parte da ideia de concretização, por isso também é chamado de método concretista, tendo em vista que a interpretação é apenas um dos elementos do processo de concretização da norma. Segundo Friedrich Muller, na tarefa de interpretar-concretizar a norma constitucional o intérprete-aplicador deve considerar tantos os elementos resultantes da interpretação do texto (programa normativo), como os decorrentes da investigação da realidade (domínio normativo). CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 90 Indaga-se: qual a diferença de programa normativo para domínio normativo? O programa normativo tanto compreende o texto da norma, como a norma propriamente dita. O domínio normativo compreende a realidade social que está sendo tratada no texto, na norma. Indaga-se: qual a diferença de texto para norma? O texto apenas limita e dirige a interpretação, nada mais é que a exteriorização da norma jurídica, a norma jurídica se apresenta através de seu texto. Então, a função do texto é impor limites à interpretação e direcioná-la. Dessa interpretação, resultará a norma. Segundo Friedrich Muller, na concretização da norma, há vários elementos que devem ser utilizados. a) Elementos metodológicos: • Elementos clássicos de interpretação (gramatical, lógico, histórico e sistemático); • Princípios instrumentais de interpretação da constituição; b) Elementos dogmáticos: • Doutrina; • Jurisprudência; c) Elementos teóricos • Filosofia; • Poder Constituinte; • Soberania popular; • Elementos da Teoria da Constituição. d) Elementos de política constitucional São os elementos extrajurídicos, de natureza política, que devem ser considerados na concretização de uma norma. Por exemplo, a reserva do possível. Como o tema foi cobrado em concurso? (TJ/BA – CESPE - 2019): Segundo a metódica jurídica normativo- estruturante, a aplicação de uma norma constitucional deve ser condicionada às estruturas sociais que delimitem o seu alcance normativo. Errado! 7.2. CRÍTICA AO MÉTODO NORMATIVO ESTRUTURANTE Segundo Müller, os elementos que estão mais próximos da norma teriam prevalência sobre os mais distantes. Contudo, para Paulo Bonavides, haveria uma limitação à atuação do intérprete. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 91 8. MÉTODO CONCRETISTA DA CONSTITUIÇÃO ABERTA Foi citado por Paulo Bonavides e desenvolvido por Peter Häberle OBS.: 1. Não está na lista do Böckenförde. 2. Gilmar Mendes traduziu este livro, assim como o livro do Hesse. Perceba como esses teóricos influenciam a jurisprudência do STF e a legislação. 8.1. IDEIA GERAL DO MÉTODO DA CONSTITUIÇÃO ABERTA Peter Häberle propõe uma abertura do círculo de intérpretes da constituição, para além dos intérpretes oficiais. Deve ser uma interpretação aberta, alargando o seu círculo. Se todos são destinatários da constituição e se todos devem cumprir a constituição, como estas pessoas irão cumprir a constituição sem antes interpretá-las? Se nós vivemos uma realidade constitucional, devemos ser considerados legítimos intérpretes da CF. Ainda que o tribunal constitucional seja considerado o intérprete definitivo, os cidadãos e grupos sociais seriam pelo menos, pré-intérpretes da constituição. A democracia deve estar presente não somente em um momento anterior, na elaboração da constituição, mas também no momento posterior, na interpretação da lei. Trabalha com ideia de democracia dentro da interpretação constitucional. No Brasil, há algumas concretizações dessas ideias nas leis que regulamentam a ADC, a ADI e a ADPF: amicus curiae (amigo da corte) e as audiências públicas (em regra, são realizadas quando o assunto é polêmico ou extremamente técnico). São formas de a sociedade interferir na interpretação constitucional, tornam a interpretação mais democrática e garantem umamaior legitimidade às decisões. É uma interpretação prévia, a definitiva será dada pelo Supremo.. 8.2. CRÍTICA AO MÉTODO DA CONSTITUIÇÃO ABERTA O alargamento excessivo do círculo de intérpretes pode conduzir a uma quebra da unidade e ao enfraquecimento da força normativa da constituição, pois podem levar a interpretações divergentes. Além disso, Paulo Bonavides afirma que para a utilização do referido método é necessário: a) Existência de um sólido consenso democrático; b) Existência de instituições fortes; c) Cultura jurídica sólida. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 92 9. DOGMÁTICA ESTADUNIDENSE Não são teorias cobradas recentemente em concursos, mas servem de argumentação para provas dissertativas e provas orais. Veremos aqui: a) Interpretativismo e não interpretativismo; b) Teoria do “reforço da democracia”; c) Minimalismo e maximalismo; d) Pragmatismo jurídico; e) A leitura moral da constituição. 9.1. INTERPRETATIVISMO E NÃO INTERPRETATIVISMO É um tema de suma importância no direito norte-americano. É usado como orientador dos debates às eleições americanas, pois a escolha dos ministros da Suprema Corte considera o fato de eles serem interpretativistas ou não interpretativistas. Um juiz interpretativista vai tentar extrair a literalidade do texto, ou seja, do poder constituinte originário. Trata-se de interpretação conservadora. Um juiz não interpretativista vai atualizar o texto da constituição para a realidade atual, ou seja, ele vai conformar a Constituição de 1787 aos valores da sociedade americana atual. 9.1.1. Interpretativismo As concepções principais são: a) Originalismo (Robert Bork): Os magistrados devem seguir o entendimento original dos criadores da constituição. Isso se dá por meio da leitura dos documentos da época e da história da elaboração da constituição. É uma visão que adota a teoria subjetiva da interpretação (interpretação por meio da vontade do criador do texto constitucional). Assim, o originalismo busca a “mens legislatoris” (vontade do legislador, e não da lei). b) Textualismo: Busca uma interpretação pautada pelos elementos contidos no texto constitucional (“mens legis”) (teoria objetiva da interpretação). Há um respeito absoluto ao texto da constituição. O juiz fica limitado à aplicação do texto constitucional, sem poder modificá-lo. 9.1.2. Não interpretativismo Caracteriza-se por uma visão progressista. Cada geração possui o direito de viver a constituição ao seu modo. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 93 Cabe ao Poder Judiciário adaptar os valores consagrados aos dias atuais. O papel do juiz seria desenvolver e atualizar o texto constitucional (verdadeiro protagonista), bem como descobrir os valores consensuais e projetá-los na interpretação constitucional. 9.2. TEORIA DO REFORÇO DA DEMOCRACIA (JOHN HART ELY) Embora ainda não cobrada em provas, é uma teoria bastante citada nas decisões do STF. Defende que o papel do juiz é promover a proteção de direitos indispensáveis ao bom funcionamento da democracia (por exemplo, direitos políticos) e de grupos em situação de risco, decorrente da insuficiência do processo democrático. Dentro desta visão, o Poder Judiciário possui a função de desobstruir os canais de mudança política em dois casos: a) O mau funcionamento da democracia ocorre, por exemplo, quando partidos políticos dominantes sufocam os canais de mudança, para assegurar a sua manutenção no poder. O mau funcionamento da democracia também ocorre quando visões representativas da maioria, sistematicamente, colocam uma minoria em desvantagem; b) Deve haver a proteção de direitos indispensáveis ao bom funcionamento da democracia, bem como de grupos em situação de risco, que não têm meios de representar na esfera pública. Ex.: Os presidiários. Tal teoria afirma, ainda, que a atuação do juiz deve ser semelhante à de um árbitro de futebol, no sentido de que o juiz deve agir, quando as regras do jogo são violadas, para evitar que um dos times leve vantagens indevidas, mas não pode interferir no resultado da partida. 9.3. MINIMALISMO (CASS SUNSTEIN) São decisões voltadas ao estritamente necessário para a resolução de litígios particulares. Ressalta-se que não é uma decisão mal elaborada, mas que deve ser voltada para resolver o caso concreto. O juiz não deve fazer elucubrações teóricas, invocar grandes princípios morais, deve se ater ao estritamente necessário para resolver a controvérsia. É exatamente o contrário do que ocorre em alguns julgamentos do STF. O minimalismo é marcado pela superficialidade e pela estreiteza. Segundo Sunstein, os Tribunais devem adotar determinadas posturas: a) Evitar decidir casos maduros: os casos não maduros são aqueles que ainda não estão prontos para serem decididos, já que não têm os dados suficientes; b) Evitar declarar opiniões consultivas: o papel do juiz não é criar teses ou doutrinar, e sim decidir o caso concreto; CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 94 c) Respeito aos precedentes (“holdings”; “ratio decidendi”): observar as razões determinantes que levaram ao Tribunal a decidir daquela forma. As questões obiter dicta (ditas de passagem) não devem ser consideradas; d) A decisão deve exercer a “virtude passiva”: Manter o silêncio em relação às grandes questões cotidianas. O objetivo do minimalismo é promover a democracia reduzindo a interferência judicial, as questões controversas serão resolvidas na esfera democrática. Podemos citar as seguintes vantagens do minimalismo: a) Redução de encargos e dos riscos de erros judiciais; b) Viabilidade de soluções concretas; c) Maior flexibilidade para decisões futuras: Quanto menos o magistrado fala, maior é a liberdade que ele tem para decidir os casos futuros. Ex.: A ADI 3510 questionava a Lei de Biossegurança. O relator Ministro Ayres Britto trata do direito à vida de forma profunda (decisão maximalista) e cita que: “a Constituição só protege o direito da pessoa que nasce viva”. Este argumento é perigoso para os casos futuros, tendo em vista que o seu argumento, por exemplo, não criminalizaria o aborto em qualquer período da gestação. 9.4. MAXIMALISMO (CASS SUNSTEIN) São decisões formuladoras de regras gerais para julgamentos futuros e voltadas a fornecer justificativas teoricamente ambiciosas para os resultados. Ou seja, são as decisões em que os juízes desenvolvem grandes teses para justificarem seus votos. A decisão maximalista não se preocupa com o caso concreto em análise, e sim em criar uma regra geral para que os casos futuros sejam decididos com base naquela norma criada por ela. As principais características do maximalismo são a profundidade e a amplitude das decisões. Na visão de Cass Sunstein, o maximalismo pode ser uma boa opção nos casos de: a) Funcionamento inadequado do processo democrático; b) Desconfiança nas demais instituições; c) Planejamento antecipado. Por fim, as vantagens do maximalismo são: a) Previsibilidade das decisões. b) Redução de risco de decisões equivocadas em instâncias inferiores. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 95 9.5. PRAGMATISMO JURÍDICO O pragmatismo jurídico tem diversas versões, analisaremos a versão de Richard Posner, que é o jurista mais citado de todos os tempos nos EUA. Possui como núcleo central a adjudicação pragmática, segundo a qual a decisão judicial deve visar o resultado mais razoável, levando em consideração as consequências específicas (para o caso concreto) e sistêmicas (para o sistema jurídico). De acordo com o pragmatismo jurídico, há duas etapas para identificar a norma para a qual o caso concreto se enquadra, vejamos: 1ª) Definição do objetivo da norma: O intérprete define o objetivo da norma que deve ser buscado no sentido do texto, quanto na realidade social subjacente a ele; 2ª) Escolha do melhor resultadopara alcançar o objetivo pretendido pela norma. Não poderá ignorar os debates legislativos. Em relação à discricionariedade judicial, deve haver limitação, mas não completamente eliminada. Richard Posner salienta que o pragmatismo não é uma máquina de decisões corretas e no mesmo sentido, pois juízos diferentes concedem pesos diferentes para situações semelhantes. Tem três elementos centrais, vejamos: a) Ênfase nas consequências da decisão: O juiz deve ter atenção às melhores consequências imediatas do caso e às futuras consequências sistêmicas, incluindo o respeito às leis e aos precedentes; b) Razoabilidade: É o critério final do julgamento pragmático. O juiz deve sopesar as vantagens e desvantagens de uma determinada decisão, a fim de buscar a decisão mais razoável possível; c) Caráter prospectivo: enquanto as teorias formalistas preocupam-se com o passado, ou seja, com “pedigree da norma” (elaborada por órgão competente), o pragmatismo político é voltado para o futuro (prospectivo), busca qual é a melhor decisão a ser dada em relação aos efeitos que aquela decisão trará no futuro. Isso não significa que a norma jurídica ou o precedente não devam ser observados, mas que sua observação deve ser preocupada com o impacto no futuro. Por fim, embora o pragmatismo político tenha caráter normativo (dizer como o juiz deve decidir), sua maior importância, talvez, seja descrever como os juízes decidem na prática, parte da realidade do processo decisório (caráter descritivo). 9.6. LEITURA MORAL DA CONSTITUIÇÃO (RONALD DWORKIN) Ao tratar da leitura moral, inicialmente, Dworkin, refere-se à relação entre o Direito e a política. O direito e a política, embora distintos (ao contrário do que sustenta o realismo jurídico norte-americano), não são “mundos” completamente estanques (como pretende a doutrina jurídica CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 96 tradicional). Para Dworkin, não é possível eliminar por completo as convicções políticas pessoais das decisões judiciais proferidas em casos difíceis. Não existem estratégias interpretativas politicamente neutras. A leitura moral da constituição não é proposta para a interpretação de qualquer dispositivo constitucional, mas apenas para hard cases (julgamentos de casos difíceis). Trata-se de interpretação mais adequada à luz da moral política, da estrutura das instituições e das decisões da comunidade. Segundo Dworkin, as convicções políticas são indissociáveis da decisão, o julgador não as abandona por completo. Tais convicções não são necessariamente maléficas para a decisão judicial, desde que expostas de maneira clara, aberta e sincera. As convicções pessoais são as responsáveis por decisões com resultados distintos. Cita-se, como exemplo, o caso das ações afirmativas relativas às cotas nas universidades norte-americanas. O Estado de Michigan elaborou uma lei que proibia a adoção de ações afirmativas pelas universidades públicas. No Tribunal Federal de Apelação a decisão foi 8x7, os que votaram pela inconstitucionalidade foram nomeados por presidentes democratas e os sete juízes que votaram pela constitucionalidade haviam sido nomeados pelos republicanos. Na Suprema Corte a questão se inverteu, acompanhando os valores de cada juiz (maioria era republicano). Há, obviamente, limites para atuação dos juízes, vejamos: “Integridade do direito” exige que as normas da comunidade sejam criadas e interpretadas de modo a expressar um sistema único e coerente de justiça, com equidade na correta proporção. Para que haja essa interpretação, três dimensões precisam ser observadas: a) Principiológica: As decisões judiciais devem ser pautadas por princípios, e não por acordos ou diretrizes políticas. São os princípios consagrados na constituição que devem orientar a interpretação judicial; b) Vertical: É o dever de respeito aos precedentes e às principais estruturas do arranjo institucional. Ou seja, os juízes de tribunais inferiores, para que haja uma integridade do direito, precisam observar os precedentes dos tribunais superiores; c) Horizontal: O juiz deve conferir, ao princípio aplicado por ele, a devida importância nos casos subsequentes. Não pode decidir uma coisa hoje e amanhã mudar o seu entendimento. É o respeito aos próprios precedentes. Para explicar a integridade do direito, o autor utiliza a metáfora do “romance em cadeia” (“chain novel”). Segundo Dworkin, a construção do direito, a narrativa jurídica, é semelhante a um romance em cadeia. O juiz é como se fosse um dos autores, o qual interpretará o roteiro anterior (precedente) da melhor forma possível, a fim de dar continuidade e consistência àquela história de forma coerente. O mesmo deve ser feito pelo juiz seguinte. Na visão de Dworkin, a discricionariedade judicial é inadmissível em razão da completude do material jurídico (regras, princípios e diretrizes políticas). A decisão não pode ser “ex post factum”. O juiz deve se basear no material jurídico pré-existente. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 97 Segundo Dworkin, existe uma “única resposta correta”, que é aquela cuja teoria subjacente pode ser melhor justificada. Dworkin até admite que, em casos mais difíceis, possa haver um empate entre as teorias. Contudo, isso seria extremamente raro. Marcelo Novelino critica a existência de uma “única resposta correta”, advinda da teoria melhor justificada, pois essa definição é vaga e não estabelece quem definiria qual é a melhor teoria por trás das respostas encontradas. Conforme Dworkin, o juiz Hércules (modelo de jusfilósofo onisciente) é o jurista dotado de habilidade, conhecimento, paciência e perspicácia sobre-humanos capaz de encontrar as respostas corretas, mesmo para os casos mais difíceis. O próprio Dworkin reconhece que o “juiz Hércules” só existe na ficção. Por fim, esta teoria é alvo de sérias críticas, pois é considerada uma teoria elitista e antidemocrática porque os juízes não são eleitos para esta função, a escolha dos valores fundamentais deve ser feita pelos representantes do povo. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 98 PRINCÍPIOS INTERPRETATIVOS (PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS OU POSTULADOS NORMATIVOS) Inicialmente, destaca-se que os princípios interpretativos se encontram inseridos na hermenêutica constitucional, mas para fins didáticos serão analisados em tópico separado. Além disso, estes princípios foram contribuições da dogmática alemã, desenvolvidos por Konrad Hesse (método hermenêutico concretizador) e por Friederich Müller (método normativo estruturante). 1. PRINCÍPIO DA UNIDADE Cabe ao intérprete harmonizar as tensões e as contradições existentes entre normas constitucionais (antagonismo de ideia). Cabe ao intérprete manter a unidade constitucional. Como o poder constituinte pode elaborar normas que estão em conflito entre si? A Assembleia Constituinte é fruto de diferentes ideologias e não um consenso, por isso acabam surgindo normas constitucionais contraditórias entre si. Por exemplo, como harmonizar os princípios da proteção ao direito de propriedade e da função social da propriedade (art. 5º, XXI e XXII, da CF)? A ideia do princípio da unidade é uma especificação da interpretação sistemática. Assim, como o dispositivo de uma lei não existe isoladamente, ao fazer sua interpretação, deve-se considerar o sistema ao qual pertence. No exemplo acima, há autores afirmando que o direito à propriedade só será garantido quando esta cumprir sua função social; outros entendem que o direito à propriedade sempre será garantido, mas quando não cumprir sua função social será limitado. A obra “Normas Constitucionais Inconstitucionais? ”, de Otto Bachof, citando o alemão Krüger traz dois importantes apontamentos sobre o assunto, vejamos: 1º) Há normas que, mesmo sendo feitas pelo PCO,podem ser consideradas inconstitucionais ou invalidadas, quando violarem normas de sobredireito, ou seja, normas que estão acima do direito. Por exemplo, o Tribunal Alemão deixou de aplicar norma constitucional que previa o bloqueio de bens de judeus. 2º) Há hierarquia de normas, dentro da própria constituição podemos ter normas superiores e normas inferiores, ambas feitas pelo Poder Constituinte Originário. No caso de conflito, a norma inferior poderia ser invalidada. No Brasil, essa tese já foi citada no ajuizamento da ADI 4097, pelo Partido Socialista Cristão (PSC), o qual questionou a constitucionalidade do art. 14, § 4º, da CF (inelegibilidade dos inalistáveis e dos analfabetos), por violação aos princípios da não discriminação, da isonomia e do sufrágio universal. Todavia, o STF não admitiu a tese da hierarquia entre normas originárias da constituição, com base no princípio da unidade da constituição. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 99 Segundo Barroso, por força do princípio da unidade, inexiste hierarquia entre normas da Constituição, cabendo ao intérprete a busca da harmonização possível, in concreto, entre comandos que tutelam valores ou interesses que se contraponham. Conceitos como os de ponderação e concordância prática são instrumentos de preservação do princípio da unidade, também conhecido como princípio da unidade hierárquico-normativa da Constituição. Por fim, pontua Gilmar Mendes que a tese da inicial, que defende a viabilidade da declaração da inconstitucionalidade de norma constitucional constante do texto originário, não encontra suporte algum no ordenamento brasileiro, perante o qual a jurisprudência do STF assentou, igualmente, a inadmissibilidade do controle de constitucionalidade de norma constitucional originária, enfatizando que a tese da hierarquia entre normas constitucionais originárias, que dá azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras, é incompatível com o sistema de constituição rígida. 2. PRINCÍPIO DO EFEITO INTEGRADOR Na solução de problemas jurídicos constitucionais, deve ser dada primazia aos critérios que favoreçam a unidade política e social. Parte da ideia de que a constituição é o principal elemento do processo de integração comunitária. Logo, a interpretação deve ter como finalidade conservar as unidades política e social estabelecidas na constituição. Como o tema foi cobrado em concurso público? (DPE/PR – FCC – 2022): Dentre os princípios de interpretação constitucional, aquele que indica a necessidade de se dar preferência aos critérios de interpretação que favoreçam a integração política e social e o reforço da unidade política é chamado de princípio do efeito integrador. Correto! 3. PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA (OU DA HARMONIZAÇÃO) Impõe ao intérprete o dever de coordenar e combinar bens jurídicos em colisão, realizando a redução proporcional de cada um deles. Em caso de colisão de direitos fundamentais, ao invés de sacrificar totalmente um princípio para que o outro prevaleça, o intérprete deve realizar uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada um deles. O princípio da concordância prática não se confunde com o princípio da unidade. O princípio da unidade é utilizado quando há um conflito abstrato de normas. Para a utilização do princípio da concordância prática, não há conflito abstrato, mas sim colisão no caso concreto. CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 100 A Constituição Federal consagra a liberdade de reunião, a liberdade de manifestação e a liberdade de locomoção. Imagine que haja um conflito entre a liberdade de manifestação e a liberdade de locomoção. Ex.: 1. Um grupo de grevistas, na sexta-feira, às 18h, fecha completamente a Avenida Paulista, para realizar uma manifestação. Isso não seria proporcional. Embora eles tenham o direito de manifestação e de reunião, tais direitos não são absolutos, pois encontram limites em outros direitos que a Constituição Federal consagra (liberdade de locomoção). A concordância prática a ser operada é permitir a manifestação e a liberdade de locomoção, de modo que ambos os direitos possam ser aplicados no caso concreto. Ex.: 2. Um grupo de médicos e enfermeiros resolvem fazer uma paralisação na porta do hospital em que trabalham. Em tese, eles poderiam fazer a manifestação, desde que o número mínimo de profissionais necessários seja respeitado. A manifestação não pode ser barulhenta nem impedir o trânsito de ambulâncias e de carros com pessoas doentes. Sempre que for possível, o intérprete deve coordenar os bens jurídicos que estão em conflito, para que ambos sejam aplicados proporcionalmente, sem o sacrifício total de um para que o outro prevaleça. Contudo, há casos concretos em que não é possível aplicar os dois princípios colidentes. Como o tema foi cobrado em concurso público? (PC/RJ – CESPE – 2022): O direito constitucional reclama a existência de princípios específicos, que compõem a denominada metodologia constitucional, para que a Constituição Federal de 1988 seja interpretada. Um dos referidos princípios prevê que, sempre que possível, deve o intérprete buscar a interpretação menos óbvia do enunciado normativo, fixando-a como norma, de modo a salvar a sua constitucionalidade. Trata-se do princípio de concordância prática. Errado! Trata-se de interpretação conforme a Constituição. (PC/RJ – CESPE – 2022): Em razão do que preceitua o princípio da concordância prática, pode-se dizer que, na ocorrência de conflito entre bens jurídicos garantidos por normas constitucionais, o intérprete deve priorizar a decisão que melhor os harmonize, de forma a conceder a cada um dos direitos a maior amplitude possível, sem que um deles acabe por impor a supressão do outro. Correto! 4. PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE (CONVIVÊNCIA DAS LIBERDADES PÚBLICAS) O princípio parte da presunção de que não existem princípios absolutos, pois todos encontram limites em outros princípios também consagrados na constituição. Para que as liberdades possam conviver, elas não podem ser absolutas, devem encontrar óbices. Há quem defenda princípio da dignidade humana como absoluto. Porém, na ADPF 54, (discussão quanto ao aborto de portadores de anencefalia), prevaleceu a possibilidade da expulsão http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 101 do feto se constada a enfermidade (ver adiante). Argumentos: não crime (dignidade da pessoa humana da mãe) x crime (dignidade da pessoa humana do feto). Para que os princípios possam ceder em relação uns aos outros, para ter a cedência recíproca, os princípios devem ser relativos. Se forem absolutos, nenhum cederá, então não haverá harmonização. Há princípios que são mais valorativos que outros, mas não há princípio absoluto. Cuidado: A doutrina e a jurisprudência mencionam hipóteses de princípios absolutos; porém, na verdade, são regras, que são aplicadas na medida exata do que prescrevem. Ex.: A proibição de extradição de brasileiro nato, a proibição da tortura e o trabalho escravo. 5. PRINCÍPIO DA FORÇA NORMATIVA (HESSE) 5.1. CONCEITO Na aplicação da constituição, o intérprete deve dar preferência às soluções que, densificando as suas normas, tornem-nas mais eficazes e permanentes, proporcionando-lhes uma força otimizadora. Na solução dos conflitos, deve-se conferir máxima concretização às normas constitucionais. O princípio da força normativa funciona como um apelo ao intérprete para que opte por aquela solução que torne as normas constitucionais mais eficazes e mais permanentes. 5.2. REFLEXOS 5.2.1. “Efeito transcendente” dos motivos determinantes (fundamentação) A transcendência dos motivos (ou efeito transcendente dos motivos determinantes ou efeitos irradiantes) reflete a preocupação doutrinária em assegurar a força normativa da constituição. 5.2.2. Objetivaçãodo controle difuso (processo subjetivo) O STF é guardião da constituição, razão pela qual cabe a ele dar a última palavra sobre a interpretação a ser dada ao texto constitucional. As interpretações divergentes enfraquecem a força normativa da constituição. Logo, mesmo que uma decisão tenha transitado em julgado, se ela tiver adotado uma interpretação diferente daquela dada pelo STF, poderá ser relativizada por meio de ação rescisória. 5.2.3. Relativização da coisa julgada http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 102 Importante destacar alguns aspectos relativos a este reflexo, vejamos: 1º) O STF só admite a relativização da coisa julgada por meio de ação rescisória, no prazo de 2 anos, salvo no caso de inexigibilidade de título judicial; 2º) A súmula 343 do STF refere-se à interpretação da lei, por isso não está superada. O STF realizou o distinguishing (distinção entre duas situações). O enunciado continua válido, somente se aplica quando a divergência for sobre a interpretação do texto legal. Caso seja uma controvérsia sobre a interpretação do texto constitucional, caberá a ação rescisória. Súmula 343 do STF: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. STF – AI 555.806 AgR/MF: “[...] 2. Inaplicabilidade da Súmula 343 em matéria constitucional, sob pena de infringência à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional”. Esse entendimento do STF foi consagrado no CPC/2015. Art. 525 do CPC. (...) § 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. (...) O CPC/2015 considera inexigível a obrigação decorrente de título executivo fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo STF e admite o cabimento de ação rescisória, quando a referida decisão já tenha transitado em julgado. O art. 525, § 12, do CPC foi um dos fundamentos invocados pelo Ministro Gilmar Mendes, nas ADI’s 3.406 e 3.470, para afirmar que, como o CPC não faz distinção entre o controle concentrado e o controle difuso, os efeitos de ambos os controles deveriam ser os mesmos. Em outros termos, as decisões proferidas pelo STF devem ter efeito erga omnes e vinculante no controle abstrato e no controle difuso. Art. 525 do CPC. (...) § 15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo Marcelo Novelino, o prazo para a ação rescisória, que está contido no art. 525, § 15, do CPC, é problemático, pois ele é contado do trânsito em julgado da decisão do STF, e não da decisão que transitou em julgado. Isso pode fazer com que a ação rescisória seja cabível anos depois do acórdão ter sido proferido, o que é constitucionalmente questionável, em razão do http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 103 princípio da segurança jurídica. Diante disso, Novelino sustenta que deve haver uma conjugação dos interesses em conflito. De um lado, a força normativa da constituição e o princípio da máxima efetividade. De outro, o princípio da segurança jurídica. Art. 535 do CPC. (...) § 8º Se a decisão referida no § 5º for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. 3º) É importante diferenciar três situações: a) Quando o tribunal dá uma decisão contrária ao entendimento do STF ou a Corte ainda não decidiu sobre o tema, é cabível a ação rescisória; b) Quando a decisão rescindenda foi dada no mesmo sentido da jurisprudência do STF. Se, na época em que o juiz decidiu a questão, a decisão estava de acordo com o entendimento do STF, a ação rescisória não é cabível, ainda que posteriormente o STF altere a sua jurisprudência. STF - RE 590.809/RS: “Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente.” c) Quando não houver entendimento consolidado sobre o tema no STF. Ex.: A 1ª Turma do STF adota um entendimento e a 2ª Turma adota um entendimento diferente. Neste caso, se a decisão foi dada no sentido adotado pela 1ª Turma e, posteriormente, o Plenário do STF passar a adotar o entendimento da 2ª Turma, não caberá ação rescisória. STF - AR 2.422/DF: [...] uma alteração posterior de jurisprudência pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não legitima o pedido rescisório, notadamente em razão de, à época de sua prolação, a interpretação sobre o tema ser controvertida no próprio Tribunal. Em consonância com o instituto da prospective overruling, a mudança jurisprudencial deve ter eficácia ex nunc, porque, do contrário, surpreende quem obedecia à jurisprudência daquele momento. Ao lado do prestígio do precedente, há o prestígio da segurança jurídica, princípio segundo o qual a jurisprudência não pode causar uma surpresa ao jurisdicionado a partir de modificação do panorama jurídico. STF - RE 590.809: “Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente”. 6. PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE (EFICIÊNCIA OU INTERPRETAÇÃO EFETIVA) http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 104 6.1. CONCEITO19 Nas decisões do STF, o princípio da máxima efetividade costuma ser citado em conjunto com o princípio da força normativa da constituição. A maior diferença entre esses princípios é que o princípio da força normativa se aplica a todos os dispositivos da constituição (princípio geral de interpretação), ao passo que o princípio da máxima efetividade atua exclusivamente no âmbito dos direitos fundamentais. O princípio da máxima efetividade costuma ser invocado no âmbito dos direitos fundamentais, a fim de que seja atribuído aos seus dispositivos o sentido capaz de conferir a maior efetividade possível, para a realização concreta de sua função social. Para assegurar a efetividade dos direitos fundamentais, a Constituição Federal de 1988 consagrou um conjunto de ações (habeas corpus, habeas data, mandado de segurança e mandado de injunção), para garantir o seu exercício, inclusive nos casos de omissões inconstitucionais, além de determinar a aplicação imediata das normas definidoras desses direitos (art. 5º, § 1º, da CF). Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. (...) 6.2. DISTINÇÃO ENTRE VALIDADE, EFICÁCIA E EFETIVIDADE 20 A compreensão da diversidade dos efeitos produzidos pelas normas constitucionais é fundamental para a concretização da constituição. Para evitar imprecisões terminológicas, faz-se relevante distinguir os planos normativos da vigência, validade, eficácia e efetividade. 6.2.1. Validade A validade, em termosjurídicos, traduz uma relação de conformidade entre a norma inferior e a norma superior (“fundamento de validade”). A norma é válida quando é produzida em conformidade com as que disciplinam o procedimento de sua criação e delimitam o seu conteúdo, como ocorre com as leis em relação à Constituição. 19 NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 16 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2021, p. 169. 20 NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 16 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2021, p. 133-134. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 105 Quando se diz que uma norma é válida até a declaração de sua inconstitucionalidade, o termo “validade” está sendo utilizado no sentido de obrigatoriedade da observância daquela norma, e não no sentido de pertinência desta a um sistema. 6.2.2. Vigência A norma existe quando é elaborada por uma autoridade aparentemente competente para a sua criação. A vigência é a existência da norma no mundo jurídico. Uma norma está vigente quando existe e não está revogada. Em geral, a doutrina utiliza os termos “vigência” e “vigor” como equivalentes. Todavia, Tércio Sampaio Ferraz Jr. adverte que designam qualidades distintas, pois o vigor de uma norma está ligado a sua imperatividade, e não a sua vigência (“tempo de validade”), como ocorre no caso de ultratividade. 6.2.3. Eficácia (eficácia jurídica) É a aptidão da norma para produzir os efeitos que lhe são próprios, ainda que não os esteja produzindo efetivamente. Uma norma que possui eficácia está apta a produzir os seus efeitos. A eficácia não se confunde com a efetividade. A eficácia se divide em: a) Eficácia positiva: É a aptidão da norma para ser aplicada diretamente ao caso concreto, sem a intervenção do legislador. Por exemplo, a idade mínima de 35 anos para ser Senador. b) Eficácia negativa: aptidão para obstaculizar ou invalidar normas que lhe são contrárias, dependerá da intervenção do legislador. As normas de eficácia limitada não têm autoaplicabilidade, pois dependem da intermediação do legislador para ser aplicada ao caso concreto. Neste caso, a norma não tem eficácia positiva. Por exemplo, a CF/88 garante o direito de greve aos servidores públicos nos termos e limites da lei específica. Segundo o STF, o art. 37, VII, da CF, consagra uma norma de eficácia limitada. Porém, essa norma tem eficácia negativa, pois, se uma lei de 1980 proibisse o direito de greve no serviço público, essa lei seria bloqueada pelo art. 37, VII, da CF. Ou seja, a Lei de 1980 não seria recepcionada pela CF/88, em razão desse bloqueio. 2. Se for criada uma lei proibindo o direito de greve aos servidores públicos, a lei será inconstitucional, com base no art. 37, VII, da CF. Toda norma constitucional possui eficácia negativa, mas nem todas possuem eficácia positiva. 6.2.4. Efetividade (eficácia social) http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 106 A efetividade está ligada à produção concreta de efeitos. O fato de a norma existir, ser válida, vigente e eficaz não garante, por si só, que os efeitos pretendidos por ela serão efetivamente alcançados. Para ter efetividade, é necessário que a norma cumpra sua finalidade, atenda a sua função social para a qual foi criada. Algumas normas constitucionais, sobretudo as que tratam de direitos fundamentais sociais, têm sérios problemas de efetividade, em razão de limitações orçamentárias ou de omissões inconstitucionais em sua regulamentação. Ex.: O direito à moradia (art. 6º da CF), a proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa (art. 7º, I, da CF) e o direito de greve dos servidores públicos (art. 37, VII, da CF). 6.3. CONSIDERAÇÕES FINAIS QUANTO À MÁXIMA EFETIVIDADE Segundo Luís Roberto Barroso, a efetividade significa “a realização do Direito, a atuação prática da norma, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelados. Simboliza a efetividade, portanto, a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social.” Segundo José Joaquim Gomes Canotilho, o princípio da máxima efetividade “é um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas (THOMA), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais).”21 Os remédios constitucionais visam garantir a efetividade aos direitos fundamentais. 7. PRINCÍPIO DA CONFORMIDADE FUNCIONAL (OU DA “JUSTEZA”)22 O princípio da conformidade funcional orienta os órgãos encarregados de interpretar a constituição a agirem dentro de seus respectivos limites funcionais, evitando decisões capazes de subverter ou perturbar o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido. Para Canotilho, trata-se de diretriz voltada, sobretudo à atuação dos tribunais constitucionais em suas relações com os poderes públicos, sendo atualmente considerada mais como princípio autônomo de competência do que propriamente de interpretação constitucional. Segundo Marcelo Novelino, a proposta de mutação constitucional do papel do Senado, quando da declaração de inconstitucionalidade de leis pelo Supremo em controle difuso-incidental, revela-se incompatível com essa diretriz interpretativa. Na visão de alguns juristas, também violaria a conformidade funcional toda e qualquer atuação do Tribunal como “legislador positivo”. Contudo, para o doutrinador, esse entendimento não parece ser o mais harmônico com a realidade 21 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 6 ed. p. 227. 22 NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 16 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2021, p. 169-170. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 107 constitucional brasileira, sobretudo, ante a consagração dos direitos fundamentais, cuja efetividade depende de atuações positivas por parte dos poderes públicos. Recentemente, o STF decidiu que os efeitos do controle difuso e do controle abstrato foram equiparados. Nas ADI’s nº 3.406 e 3.470, a maioria dos ministros do STF entendeu que, no controle difuso, a decisão também teria efeitos vinculantes e erga omnes, como ocorre no controle abstrato. Neste caso, o papel do Senado Federal ficou esvaziado. Atente-se que, quanto à mutação constitucional do papel do Senado, apenas o Ministro Gilmar Mendes e o Ministro Celso de Mello se manifestaram expressamente sobre essa mutação. Destaca-se que, durante o julgamento da reclamação 4.335, houve manifestação expressa da maioria dos ministros em sentido contrário à mutação constitucional. De acordo com Marcelo Novelino, é precipitado afirmar, neste momento, que houve uma mutação em relação ao papel do Senado. Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal; (...) Efeito vinculante de declaração incidental de inconstitucionalidade Se uma lei ou ato normativo é declarado inconstitucional pelo STF, incidentalmente, essa decisão, assim como acontece no controle abstrato, também produz eficácia erga omnes e efeitos vinculantes. Assim, se o Plenário do STF decidir a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ainda que em controle incidental, essa decisão terá os mesmos efeitos do controle concentrado, ou seja, eficácia erga omnes e vinculante. Houve mutação constitucional do art. 52, X, da CF/88. A nova interpretação deve ser a seguinte: quando o STF declara uma lei inconstitucional,mesmo em sede de controle difuso, a decisão já tem efeito vinculante e erga omnes e o STF apenas comunica ao Senado com o objetivo de que a referida Casa Legislativa dê publicidade daquilo que foi decidido. STF. Plenário. ADI 3406/RJ e ADI 3470/RJ, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 29/11/2017(Info 886). Obs.: vale fazer o alerta de que esse tema ainda não está pacificado e ainda irá produzirá intensos debates, inclusive quanto à nomenclatura das teorias que foram adotadas pelo STF.23 23 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Efeito vinculante de declaração incidental de inconstitucionalidade. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/8dd291cbea8f231982db0fb1716dfc55>. Acesso em: 24 mai. 2022. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 108 PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO O preâmbulo é a proclamação mais ou menos solene, colocada antes do articulado constitucional. Não é componente de qualquer constituição, e sim um elemento natural de constituições feitas em momento de ruptura histórica ou de transformação político-social. O preâmbulo não cria direitos ou deveres. Não há inconstitucionalidade por violação do preâmbulo. Ademais, o preâmbulo foi consagrado em todas as constituições brasileiras. O que variou foi apenas o seu conteúdo e a sua extensão. Veja o texto do preâmbulo: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem- estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” No que tange à natureza jurídica do preâmbulo, há duas correntes: a) Natureza normativa: Segundo parte da doutrina, o preâmbulo deve ser compreendido como um conjunto de preceitos com eficácia jurídica idêntica aos demais dispositivos da constituição. Para essa corrente, o preâmbulo é dotado de força normativa e poderia ser invocado como parâmetro para o controle de constitucionalidade. No entanto, a tese não é encampada pelo STF; b) Natureza não normativa: O preâmbulo é destituído de valor normativo e de força cogente. Não pode ser invocado como parâmetro para a declaração de inconstitucionalidade. Essa é a posição adotada pelo STF. Natureza jurídica do preâmbulo O preâmbulo não se situa no âmbito do Direito, mas sim no domínio da política. Ele apenas reflete a posição ideológica do constituinte. Desse modo, o preâmbulo não possui relevância jurídica. Vale ressaltar, ainda, que o preâmbulo não constitui norma central da Constituição, não sendo de reprodução obrigatória nas Constituições dos Estados-membros. A invocação a Deus, presente no preâmbulo da CF/88, reflete um sentimento religioso. Isso não faz, contudo, que o Brasil deixe de ser um Estado laico. O Brasil é um Estado laico, ou seja, um Estado em que há liberdade de consciência e de crença, onde ninguém é privado de direitos por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica. A invocação da proteção de Deus contida no preâmbulo da CF/88 não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa. Se a Constituição estadual não tiver esta expressão, não há qualquer inconstitucionalidade nisso. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 109 STF. Plenário. ADI 2076, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 15/08/2002.24 Além disso, a teoria que defende a natureza jurídica não normativa do preâmbulo se subdivide em: b.1) Irrelevância jurídica: O preâmbulo não se situa no domínio do Direito, e sim no âmbito da política ou da história. Logo, apenas tem uma função político-ideológica; b.2) Relevância interpretativa (jurídica específica ou indireta): O preâmbulo participa das características jurídicas da constituição. Embora não tenha caráter normativo, desempenha uma função juridicamente relevante, pois atua como uma diretriz hermenêutica. Ao estabelecer os fins supremos da sociedade, o preâmbulo revela quais são as finalidades a serem buscadas pelo intérprete, ao analisar o sentido dos dispositivos da constituição. Como o tema foi cobrado em concurso público? (TJ/MG – FGV – 2022): Sobre os enunciados contidos no preâmbulo da Constituição Federal de 1988, é correto afirmar que devem ser observados na interpretação das normas constitucionais, por se tratar de vetores adotados pela Constituição. Correto! (PGE/RS – FUNDATEC - 2021): Tanto o Supremo Tribunal Federal, em jurisprudência pacificada, quanto a doutrina, com poucas exceções, não admitem função normativa ou argumentativa para o Preâmbulo da Constituição de 1988. Errado! 24 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Natureza jurídica do preâmbulo. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/ea5d2f1c4608232e07d3aa3d998e5135>. Acesso em: 24 mai. 2022. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 110 NORMAS CONSTITUCIONAIS 1. ESPÉCIES NORMATIVAS Tradicionalmente, a doutrina distinguia os princípios e as normas. As normas eram consideradas comandos obrigatórios (vinculantes). Os princípios eram vistos como meras diretrizes não vinculantes (conselhos). Na Europa, até meados do século passado, a constituição possuía uma natureza mais política do que jurídica, sobretudo na parte relativa às declarações de direitos fundamentais, que não eram vinculantes para o legislador. As normas consagradoras desses direitos eram consideradas normas programáticas (meras exortações). Atualmente, a doutrina não faz distinção entre os princípios e as normas. A norma é um gênero, do qual são espécies os princípios e as regras. Ademais, os principais responsáveis pela distinção contemporânea foram Ronald Dworkin e Robert Alexy. 1.1. PRINCÍPIOS De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello (visão clássica), o princípio é “um mandamento nuclear do sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que confere a tônica e lhe dá sentido humano”. Em relação ao conceito, é necessário tecer algumas observações: a) Com base nessa ideia, no Brasil, a legalidade é encarada como um princípio (“ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”); b) Na visão de Robert Alexy, a legalidade não é um princípio, pois ela não é ponderada com outros princípios. A legalidade é regra, e não princípio; c) Na visão de Celso Antônio Bandeira de Mello, os princípios são mandamentos nucleares ou alicerces de um sistema jurídico. Como a legalidade é a norma basilar do sistema jurídico, ela é um princípio; d) Para Robert Alexy, o princípio da anterioridade eleitoral (art. 16 da CF) não é um princípio, e sim uma regra, pois ela não deve ser ponderada com outros princípios. Contudo, por ser de suma importância no Direito Eleitoral, ela é encarada como um princípio; e) Segundo Marcelo Novelino, a proporcionalidade, que é tratada no Brasil como princípio, na verdade, é um postulado normativo. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 111 1.1.1. Critérios de distinção proposto por Humberto Ávila Humberto Ávila, em sua obra “Teoria dos princípios” faz várias distinções entre princípiose regras. Para Humberto Ávila, os princípios “são normas que estabelecem fins a serem buscados”. Ex.: O art. 3º da CF, que trata dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, prevê os fins a serem buscados pelos poderes públicos. As regras, por sua vez, são “normas imediatamente descritivas de comportamentos devidos ou atributivas de poder”. a) Exemplo de norma imediatamente descritiva de comportamento: Art. 5º, II, da CF. No Brasil, o dispositivo é conhecido por prever o princípio da legalidade. Contudo, de acordo com a visão de Humberto Ávila, isso não seria um princípio, e sim uma regra, pois preceitua qual é o comportamento devido; b) Exemplo de norma atributiva de poder: Os dispositivos que elencam as competências administrativas da União, dos Estados-membros, do DF e dos Municípios. Humberto Ávila cita ainda uma terceira categoria, que são os postulados normativos. Os postulados normativos são “deveres de segundo grau que, situados no âmbito das metanormas, estabelecem a estrutura de aplicação e prescrevem modos de raciocínio e argumentação no tocante a outras normas”. As normas de primeiro grau são as que estão diretamente ligadas ao caso concreto. Ex.: O princípio da isonomia. As normas de segundo grau são as metanormas, ou seja, são normas que tratam da aplicação de outras normas. Ex.: A proporcionalidade é uma estrutura formal de aplicação de princípios. Imagine que uma lei seja feita para restringir o princípio da isonomia e promover o princípio X. Neste caso, a lei será analisada à luz da proporcionalidade, sob os aspectos da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. 1.1.2. Critérios de distinção proposto por Hage e Peczenik Segundo Hage e Peczenik, os princípios são normas que fornecem “razões contributivas” para a decisão, ao passo que as regras são normas que fornecem razões definitivas para a decisão. Assim, os princípios trazem razões que contribuem para um determinado resultado. Em contrapartida, as regras trazem razões definitivas para um determinado resultado. Exemplos: 1. Quando a CF/1988 diz que a vida privada é inviolável, essa norma não é uma razão definitiva, e sim uma norma prima facie. Trata-se de uma razão que contribuirá para a decisão, caso http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 112 a privacidade de alguém esteja envolvida em um caso concreto. No entanto, outras razões também poderão contribuir à análise do caso, como, por exemplo, o direito à informação (se se tratar de foragido da polícia), o princípio da segurança, e etc. 2. Quando a CF/1988 diz que, para ser elegível à Presidência da República, é necessário ter, ao menos, 35 anos, isso é uma regra. 1.1.3. Critérios de distinção propostos por Ronald Dworkin Dworkin diferencia três tipos de normas: as regras, os princípios e as diretrizes políticas. As regras são normas que obedecem à lógica do “tudo ou nada”. Isso significa que, se uma regra for válida, deverá ser integralmente aplicada ao caso concreto. Não há a análise da medida de aplicação da regra. A regra é aplicada ou não é aplicada. Os princípios, por seu turno, são normas que trazem em si uma “exigência de justiça, de equidade ou alguma outra dimensão de moralidade”. Os princípios contemplam as opções e os valores político-morais acolhidos pela comunidade em certo momento. Os princípios servem como instrumento de limitação do poder, sendo os grandes fundamentos do direito. Por fim, as diretrizes políticas são standards que estabelecem um objetivo a ser alcançado. Para Dworkin, o art. 3º da CF/88 consagra uma diretriz política, e não um princípio. 1.1.4. Critérios de distinção proposto por Robert Alexy De acordo com Robert Alexy, os princípios “são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”. Para Alexy, os princípios são “mandamentos de otimização”, e não mandamentos de definição. Assim, o mandamento constante em um princípio não é definitivo. De acordo com essa concepção, os princípios não fornecem a exata medida de suas prescrições. Eles são aplicados na maior medida possível. A definição dessa medida é dada pelas possibilidades fáticas (peculiaridades do caso concreto) e pelas circunstâncias jurídicas (outras normas envolvidas, que apontam em sentido oposto) Algumas observações: a) Lógica do “mais ou menos”: Um princípio não tem uma medida exata para ser cumprido, pois pode ser aplicado em maior ou menor intensidade, conforme os demais princípios envolvidos; b) “Prima facie”: O comando de um princípio é algo provisório que pode ser superado por um comando de peso maior. O princípio determina algo que, em um primeiro momento, deve ser observado, mas somente pode ser definitivo após analisar as demais normas envolvidas. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 113 c) Peso relativo: Na visão de Robert Alexy, o peso dos princípios é relativo. Logo, não é possível estabelecer uma hierarquia entre os princípios. O peso é relativo, porque ele varia de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Ex.: 1. A vida é muito mais importante do que a propriedade; porém, no caso concreto, a depender das circunstâncias fáticas e jurídicas envolvidas, pode ser que haja o afastamento de um direito para que o outro possa prevalecer. 2. Abstratamente, o direito à vida tem um peso maior que o direito à privacidade. Nos EUA, a Suprema Corte entendeu que o direito à privacidade da mulher (que inclui o direito ao próprio corpo) autoriza o aborto no 1º trimestre da gestação. Assim, o direito à privacidade tem um peso maior do que a vida; d) Ponderação: No caso de colisão de princípios, é necessário fazer um sopesamento para verificar qual deles irá prevalecer. Ex.: 1. Segundo a maioria da doutrina, a inadmissibilidade de provas ilícitas consagra uma regra, pois o legislador constituinte originário já teria ponderado outros princípios subjacentes a essa regra e teria conferido um peso maior a ela. 2. Se o art. 5º, IX, da CF fosse uma regra, poderia ocorrer situações esdrúxulas, como, por exemplo, um ator tirar a vida de outro no palco em nome da liberdade artística. A liberdade artística encontra limites nos direitos de terceiros e nos interesses coletivos. No caso da pichação, o legislador ordinário fez a ponderação entre os direitos envolvidos (liberdade artística e direito de propriedade) e criou uma regra. O art. 65 da Lei 9.605/98 é uma regra criada no plano infraconstitucional, pelo legislador, a partir de uma ponderação de princípios. O legislador optou por fazer prevalecer o direito de propriedade sobre a liberdade artística. Neste caso, o juiz não deve ponderar, pois isso já foi feito pelo legislador. OBS.: A norma é produto da interpretação. Quando um dispositivo que consagra um princípio é interpretado, extrai-se um princípio da interpretação, que não será aplicado diretamente ao caso concreto, pois a razão por ele fornecida é apenas prima facie (não é definitiva). Após a extração do princípio, ele deve ser ponderado com os demais princípios, que apontam em direção oposta. De toda ponderação de princípios, extrai-se uma regra, que pode ser formulada pelo juiz (na decisão do caso concreto), pelo legislador ordinário ou pelo legislador constituinte. Para Alexy, as regras são “normas que são sempre satisfeitas ou não satisfeitas”. Não se trata da lógica do “mais ou menos”, ou seja, elas são aplicadas ou não são aplicadas. As regras são mandamentos definitivos. Logo, a regra deve ser aplicada na medida exata de suas prescrições. Ex.: Se o limite de velocidade é de 80 km/h, a pessoa que exceder a esse limite será multada, ao passo que a pessoa que não exceder não será. Os princípios obedecem à lógica do “mais ou menos”, as regras obedecem à lógica do “tudoou nada”. Além disso, os princípios são aplicados através da “ponderação”, ao passo que as regras são aplicadas através da “subsunção”. Em suma, no caso de princípios e regras, há sempre uma interpretação prévia. No caso da regra, é necessário fazer a interpretação do dispositivo e extrair a regra a ser aplicada. No caso dos princípios, é necessário fazer a interpretação do dispositivo, extrair um princípio dele e fazer a ponderação com outros princípios. A partir dessa ponderação, a regra é extraída e aplicada. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 114 Como o tema foi cobrado em concurso? (MPE/CE – CESPE – 2020) Acerca de regras e princípios, consoante Robert Alexy, o sopesamento pode solucionar a colisão entre princípios. Correto! 1.2. REGRAS Como visto, a regra contém um mandamento definitivo. Todavia, isso não significa que o mandamento contido na regra será sempre aplicado, pois podem existir determinadas circunstâncias excepcionais, nas quais uma regra pode, mesmo sendo válida, acabar sendo afastada/superada em um caso concreto. 1.2.1. Derrotabilidade (ou superabilidade) A derrotabilidade é a não aplicação de regras válidas, em razão de excepcionalidade do caso concreto, cujas circunstâncias específicas não poderiam ser ordinariamente previstas pelo legislador. Ainda que fosse possível prever as exceções, se o legislador inserisse todas elas dentro de uma regra, as leis ficariam demasiadamente prolixas. Embora alguns autores admitam a ponderação de regras, Robert Alexy entende que as regras não podem ser objeto de ponderação. Para o autor, é possível realizar a ponderação dos princípios subjacentes à regra. No caso da derrotabilidade, a ponderação a ser feita é a seguinte: PONDERAÇÃO Princípios da justiça + Princípios que justificam o afastamento da regra no caso concreto x Princípio da segurança jurídica + Princípios subjacentes à regra superada Quando os princípios que justificam o afastamento da regra têm um peso maior do que princípios subjacentes à regra, esta deixa de ser aplicada. As situações em que a derrotabilidade da regra é admitida são: a) Situações excepcionais e imprevisíveis: Não há como o legislador prever as exceções (situações que fogem à normalidade. Durante a pandemia do COVID/19, houve um exemplo de superabilidade de regras. O art. 16 da CF/88 consagra o princípio da anterioridade eleitoral. Na verdade, trata-se de uma regra que é cláusula pétrea, pois é garantia individual do cidadão eleitor. Apesar disso, durante a pandemia, a EC 107/2020 afastou a aplicação da regra. Em princípio, uma emenda constitucional não poderia afastar o art. 16 da CF; porém, neste caso, a regra pode ser superada por haver uma situação de anormalidade; Art. 2º da EC 107/2020. Não se aplica o art. 16 da Constituição Federal ao disposto nesta Emenda Constitucional. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 115 b) Inconstitucionalidade em concreto: Ocorre quando uma regra é válida em abstrato (ou seja, não tem incompatibilidade com o texto constitucional); porém, ao ser aplicada no caso concreto, ela viola certos princípios constitucionais e se torna inconstitucional. A inconstitucionalidade em concreto pode ocorrer, ainda que ela tenha sido declarada constitucional pelo STF em uma ADI (com efeito erga omnes e vinculante). Ex.: O STF analisou a constitucionalidade de uma medida provisória, que vedava a concessão de liminar em mandado de segurança, ação ordinária ou em medidas cautelares para afastar a aplicação de outras medidas provisórias. Ao analisar a constitucionalidade da norma, o tribunal entendeu que, abstratamente, a medida provisória é constitucional e poderia impor restrições à concessão de liminar. Contudo, no caso concreto, o juiz poderia concluir que a aplicação da medida provisória poderia ser incompatível com a constituição e poderia afastar essa proibição de concessão de liminar (controle difuso de constitucionalidade). STF - ADI 223 MC/DF: “[...] a solução estará no manejo do sistema difuso, porque nele, em cada caso concreto, nenhuma medida provisória pode subtrair ao juiz da causa um exame da constitucionalidade, inclusive sob o prisma da razoabilidade, das restrições impostas ao seu poder cautelar, para se entender abusiva essa restrição, se a entender inconstitucional, conceder a liminar, deixando de dar aplicação, no caso concreto, à medida provisória, na medida em que, em relação àquele caso, a julgue inconstitucional.” c) Manifesta injustiça: A aplicação de uma regra pode gerar uma injustiça tão grande em certo caso, que se justifica a sua não aplicação. Essa hipótese está ligada à fórmula de Radbruch, segundo a qual “o direito extremamente injusto não é direito”. Após o nazismo, a fórmula de Radbruch foi muito utilizada na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal para casos importantes. Ex.: 1. A Constituição alemã previa o confisco de bens dos judeus. Após o fim da 2ª GM, o Tribunal considerou que essa norma era extremamente injusta, razão pela qual não deveria ser aplicada. 2. No DF, em uma decisão transitada em julgado relativa à paternidade, esta não foi comprovada, pois não existia o teste de DNA gratuito no estado. Posteriormente, o DF criou uma lei para instituir o teste gratuito. Diante disso, o STF afastou a regra da coisa julgada para que outros princípios fossem aplicados. STF – RE 393.889/DF: “[...] 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar- se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável.” 2. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À EFICÁCIA Analisaremos a classificação de José Afonso da Silva, inicialmente. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 116 2.1. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA PLENA Segundo José Afonso da Silva, as normas constitucionais de eficácia plena têm aplicabilidade: a) Direta: não depende de qualquer tipo de intermediação para ser aplicada ao caso concreto. Não é necessária lei regulamentadora. Por exemplo, as normas que tratam de imunidade dos parlamentares; b) Imediata: não depende de condição para ser aplicada ao caso concreto. Por exemplo, condição temporal como ocorre com o art. 34 do ADCT, que previu a entrada em vigor do novo sistema tributário após cinco meses da promulgação da CF; c) Integral: não admite restrições. A norma se aplica integralmente às hipóteses previstas por ela. Logo, o legislador infraconstitucional não pode estabelecer algum tipo de restrição aos seus comandos. Por exemplo, o art. 230, § 2º, da CF. Por se tratar de uma norma de eficácia plena, a gratuidade não depende de lei para ser aplicada ao caso concreto e não admite restrição pelo legislador infraconstitucional. Entretanto, é possível haver regulamentação, o legislador define que o número de assentos gratuitos em cada veículo equivalerá a 10%. Segundo José Afonso da Silva, a norma de eficácia plena não admite restrição, mas admite regulação. Posteriormente, Virgílio Afonso da Silva, filho de José Afonso da Silva, criticou a classificação feita pelo seu pai e questionou como seria possível diferenciar o limite entre restrição e regulamentação, já que, todas as vezes em que você regulamenta, você restringe a aplicação de uma norma.Como o tema foi cobrado em concurso: (PC/PR – NC-UFPR – 2021): A vedação à censura prévia para a liberdade de expressão confirma que as normas que expressam vedações e proibições podem ser consideradas normas de eficácia imediata. Correto! (MPE/AP – CESPE - 2021): Normas de eficácia plena independem de regulamentação para surtirem efeitos. Correto! 2.2. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA CONTIDA (REDUTÍVEL OU RESTRINGÍVEL) Segundo José Afonso da Silva, as normas constitucionais de eficácia contida têm aplicabilidade: a) Direta: dispensa qualquer tipo de intermediação para ser aplicada ao caso concreto; b) Imediata: não depende de condição para ser aplicada ao caso concreto; c) Possivelmente não integral: pode ser restringida. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 117 OBS.: a norma de eficácia contida é muito semelhante à norma de eficácia plena. A diferença é que a de eficácia plena não pode ser restringida, enquanto a de eficácia contida pode. A principal crítica está relacionada à denominação, pois o termo “eficácia contida” não é adequado para identificar essa norma. A eficácia dessa norma não é necessariamente contida pelo legislador, mas poderá ser por ele restringida. Michel Temer e Maria Helena Diniz utilizam os termos “norma de eficácia redutível ou restringível”. Cita-se, como exemplo, o art. 5º, XIII da CF, que trata sobre o exercício das profissões. Inicialmente, é uma norma de eficácia plena, ou seja, enquanto não houver lei especificando as qualidades profissionais, será livre o exercício de qualquer profissão. Art. 5º. (...) XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (até aqui, trata-se de norma de eficácia plena), atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; (...) O Estatuto da OAB regulamenta o exercício da profissão de Advogado. É necessário, além da conclusão do curso de Direito, a aprovação no Exame de Ordem. Questionou-se tal exigência no STF, que entendeu ser uma norma constitucional, atendendo a prescrição contida no art. 5º, XIII da CF. 2.3. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA LIMITADA São totalmente antagônicas as duas anteriores, pois possuem aplicabilidade indireta (dependem de outra vontade) e mediata (dependem de condição) para serem aplicadas ao caso concreto. As normas de eficácia limitada são chamadas de “normas não autoexecutáveis”, “não autoaplicáveis ou “não bastantes em si”. Segundo o STF, o art. 37, VII, da CF é norma de eficácia limitada, pois depende de uma intermediação legal. Portanto, o dispositivo não pode ser aplicado direta e imediatamente, pois depende de uma condição: a existência de uma vontade intermediadora, que fixe os limites nos quais o direito de greve pode ser exercido. Com as decisões do STF em relação ao tema, a vontade intermediadora não foi realizada pelo Poder Legislativo, e sim pelo Poder Judiciário. Art. 37. (...) VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (...) Como o tema foi cobrado em concurso: (MPE/PA – CESPE – 2021): Normas de eficácia limitada têm eficácia plena, mas sua eficácia pode ser restringida. Errado! http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 118 (MPDFT – MPDFT - 2021): Segundo o Supremo Tribunal Federal, o direito de greve dos servidores públicos, reconhecido na Constituição Federal de 1988, classifica-se como norma de eficácia limitada e não norma de eficácia contida. Correto! As normas de eficácia limitada se dividem em duas espécies: normas de princípio institutivo e normas de princípios programáticos. 2.3.1. Normas de princípios institutivo É a norma de conteúdo eminentemente organizatório e regulativo que depende de intermediação legislativa para estruturar entidades, órgãos ou instituições contempladas no texto constitucional. A constituição cria certo órgão/instituição/entidade, porém estes dependem de uma outra vontade para que possam ganhar estrutura. Ex.: O art. 102, § 1º, da CF não se refere aos legitimados, ao objeto, aos efeitos da decisão ou ao procedimento. Todas essas definições ficam a cargo do legislador. Art. 102. (...) § 1.º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (...) Indaga-se: seria possível alguém ajuizar uma ADPF antes dela ser regulamentada pela Lei 9.882/99? Como se trata de norma de eficácia limitada, ela somente pode ser utilizada após a sua regulamentação. STF - Pet 1.365 QO/DF: “[...] 5. Natureza da arguição de descumprimento de preceito fundamental da Constituição, prevista em seu art. 102, § 1º. 6. Enquanto não se editar lei estabelecendo a forma pela qual será apreciada a ‘arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição’, o Supremo Tribunal Federal não poderá processá-la e julgá-la. Regra não auto-aplicável. Precedentes do Plenário do STF [...]”. 2.3.2. Normas de princípio programático São aquelas que estabelecem diretrizes ou programas de ação a serem implementados pelos poderes públicos. Por exemplo, o art. 3º da CF prevê os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 119 IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Obs.: o art. 196 da CF era interpretado como uma norma de princípio programático. Contudo, o STF, atualmente, entende que se trata de uma norma de eficácia plena. 2.4. OUTRAS ESPÉCIES 2.4.1. Normas constitucionais de eficácia absoluta (ou supereficazes) A espécie foi criada por Maria Helena Diniz na obra “Normas constitucionais e seus efeitos”. A classificação é similar àquela feita por José Afonso da Silva, apenas acrescenta as normas de eficácia absoluta. As normas de eficácia absoluta são normas com aplicabilidade direta, imediata e integral. Segundo a autora, as normas de eficácia plena e absoluta diferenciam-se em relação à possibilidade de restrição: a) Norma de eficácia plena: não pode sofrer restrição por lei, mas pode ser restringida por emenda; b) Norma de eficácia absoluta: não pode sofrer restrição por lei ou por emenda à constituição. Cita, como exemplo de norma de eficácia absoluta, o art. 14 da CF. 2.4.2. Normas constitucional de eficácia exaurível e de eficácia exaurida É a classificação de Uadi Lammêgo Bulos. A norma de eficácia exaurida é aquela que já se esvaiu após a sua aplicação e, portanto, já exauriu sua eficácia. Ex.: O art. 3º do ADCT. A revisão constitucional, prevista nesta norma transitória, ocorreu nos anos de 1993 e 1994, logo após os cinco anos de promulgação da constituição. Até ela ocorrer, o art. 3º do ADCT era considerado uma norma de eficácia exaurível. A partir do momento em que a revisão ocorreu, a eficácia dessa norma passou a ser exaurida ou esvaída (perda da eficácia). Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral. A norma de eficácia exaurível é aquela que a eficácia ainda existe, porém ela irá se exaurir em algum momento. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 120 3. FENÔMENOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL 3.1. DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO A teoria da desconstitucionalização entende que, com o surgimentode uma nova constituição, ocorrem duas situações distintas com as normas constitucionais anteriores, quais sejam: a) A constituição propriamente dita fica inteiramente revogada; b) As leis constitucionais, cujo conteúdo for compatível com a nova ordem constitucional, são recepcionadas como normas infraconstitucionais, por isso o nome desconstitucionalização. Foi desenvolvida por Esmein, baseado na teoria de Carl Schmitt, o qual diferenciava a “constituição propriamente dita” e as “leis constitucionais”. a) Constituição propriamente dita: é aquilo que decorre de uma decisão política fundamental e decide os direitos e garantias fundamentais, estrutura do Estado e organização dos Poderes (matérias constitucionais). As matérias constitucionais decorrem de uma decisão política fundamental e são inteiramente revogadas pela nova constituição; b) Leis constitucionais: são formalmente constitucionais, porém o conteúdo é distinto. Se o conteúdo das leis constitucionais for compatível com o da nova ordem constitucional, elas são recepcionadas como normas infraconstitucionais. A teoria da desconstitucionalização admite a recepção de normas formalmente constitucionais compatíveis com a nova constituição. Assim, as normas formalmente constitucionais são desconstitucionalizadas e recebidas pela nossa constituição como normas infraconstitucionais (leis). Segundo a doutrina majoritária, a teoria da desconstitucionalização não é admitida no Brasil. A teoria só seria admitida caso estivesse prevista expressamente no texto constitucional. No âmbito estadual, já houve a previsão expressa da desconstitucionalização no art. 147 da Constituição Estadual do Estado de São Paulo de 1967. Art. 147 da Constituição Estadual do Estado de São Paulo de 1967: “Consideram-se vigentes, com o caráter de lei ordinária, os artigos da Constituição promulgada em 9 de julho de 1947 que não contrariem esta Constituição”. A CF/88 não trouxe previsão nesse sentido, quando entrou em vigor, houve a “revogação por normação geral”. A nova constituição revogou inteiramente os dispositivos da constituição anterior, sendo eles compatíveis ou não com o novo texto constitucional. 3.2. RECEPÇÃO http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 121 Esta teoria trata da relação entre uma constituição nova e as normas infraconstitucionais anteriores. Surgindo uma nova constituição, as leis infraconstitucionais, serão: a) Recepcionadas, desde que materialmente compatíveis; b) Não recepcionadas (revogadas para alguns), desde que sejam materialmente incompatíveis. Em regra, a incompatibilidade formal superveniente não impede a recepção, mas faz com que o ato adquira uma nova roupagem, um novo status. Ex.: A lei ordinária recepcionada com o status de lei complementar, como ocorreu com o CTN. A exceção à regra ocorre nos casos de alteração de competência. Ex.: Imagine que certo assunto “X” seja de competência dos Estados-membros. A nova constituição confere a competência à União. Neste caso, há uma incompatibilidade formal superveniente. Atualmente, a CF/1988 prevê que cabe aos Estados-membros legislar sobre os serviços locais de gás canalizado. Se, posteriormente, uma emenda constitucional transferir essa competência para a União, esta não poderá recepcionar todas as leis estaduais. Contudo, a situação inversa não constituiria exceção e, portanto, a recepção pode ocorrer. Por exemplo, se a competência era da União e foi atribuída aos Estados, em princípio, os Estados recepcionarão a lei federal e, posteriormente, elaborarão suas próprias leis. O mesmo entendimento se aplica aos Municípios (o ente menor pode recepcionar a norma do ente maior). No caso de recepção material de normas constitucionais, há uma constituição antiga, cujas normas são recepcionadas pela constituição nova. A nova constituição somente pode recepcionar normas de uma constituição anterior se houver disposição expressa para isso. Senão, a constituição anterior fica totalmente revogada (revogação por normação geral). Se as normas da constituição antiga forem recepcionadas como normas infraconstitucionais, haverá a desconstitucionalização. Ex.: Na CF/88, houve a recepção material de normas da Constituição de 1967/1969. Nos termos do art. 34 do ADCT, o sistema tributário nacional da constituição anterior foi recepcionado até o 1º dia do 5º mês seguinte, quando entrou em vigor o novo sistema tributário estabelecido pela CF/88. 3.3. CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE Trata-se de norma que nasceu inconstitucional, mas é constitucionalizada por uma emenda ou pelo advento de uma constituição posterior. É uma teoria que se baseia na mudança de parâmetro. O direito brasileiro admite a constitucionalidade superveniente? http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 122 Para responder a esta indagação é necessário saber qual teoria adotou-se aqui: ato anulável (Kelsen) ou ato nulo (EUA). De acordo com Kelsen, a lei inconstitucional é um ato anulável, ou seja, depende de uma decisão judicial para ser inconstitucional. A decisão possui um caráter constitutivo. Assim, com a mudança de parâmetro, é possível a constitucionalização superveniente. Para a teoria do ato nulo, a lei já nasce morta, a decisão judicial apenas declara a inconstitucionalidade. O STF não admite a constitucionalidade superveniente, uma vez que uma lei inconstitucional é um ato nulo (ADI 2.158 e ADI 2.189). STF – ADI 2.158 e ADI 2.189: “Em nosso ordenamento jurídico, não se admite a figura da constitucionalidade superveniente. [...] Lei estadual 12.398/1998, que criou a contribuição dos inativos no Estado do Paraná, por ser inconstitucional ao tempo de sua edição, não poderia ser convalidada pela EC 41/2003.” 3.4. EFEITO REPRISTINATÓRIO TÁCITO O efeito repristinatório tácito consiste na restauração automática da vigência de uma norma aparentemente revogada. A repristinação tácita consiste na restauração automática da vigência de uma norma efetivamente revogada. Assim, a distinção entre efeito repristinatório tácito e repristinação tácita é o fato de que, naquele, a norma não foi efetivamente revogada (foi revogada aparentemente). Na repristinação tácita, por outro lado, efetivamente houve a revogação da norma. A LINDB admite a repristinação expressa, sendo vedada a repristinação tácita (art. 2º, §3º). Art. 2º. (...) § 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. A lei “A” é revogada pela lei “B”. Posteriormente, a lei “C” revoga a lei “B”. O fato de a lei revogadora (“B”) ter sido revogada não faz com que a lei “A” restaure automaticamente a sua eficácia. Salvo se a lei “C” indicar expressamente, a lei “A” não restaura a sua vigência por ter a lei “B” sido revogada. No Direito Constitucional, também não se admite a repristinação tácita, tendo em vista o princípio da segurança jurídica e o princípio da estabilidade das relações sociais. Exemplo de efeito repristinatório: Art. 11, § 2º, da Lei 9.868/99. Imagine que a lei “A” é revogada pela lei “B”. Diante disso, em vez de o STF dar uma decisão de mérito, ele simplesmente concede a medida cautelar suspendendo a aplicação da lei “B” até o julgamento definitivo. Neste caso, para evitar vácuo legislativo, a Lei n. 9.868/99 prevê que, havendo decisão do STF que http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 123 suspende a lei “B” e não verse sobre a lei “A”, esta lei restaura a sua eficácia. Isso somente não ocorrerá se, na medida liminar, o STF, expressamente, disser que a lei “A” também não vo lta a produzir efeitos. Art. 11. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União a parte dispositivada decisão, no prazo de dez dias, devendo solicitar as informações à autoridade da qual tiver emanado o ato, observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido na Seção I deste Capítulo. § 1o A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa. § 2o A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário. A produção de efeitos repristinatórios e a impugnação de toda cadeia normativa após a CF/88 na declaração de inconstitucionalidade em abstrato de normas legais. A declaração de inconstitucionalidade em abstrato de normas legais, diante do efeito repristinatório que lhe é inerente, importa a restauração dos preceitos normativos revogados pela Lei declarada inconstitucional, de modo que o autor deve impugnar toda a cadeia normativa pertinente. Em outras palavras, o STF exige a impugnação da integra da cadeia normativa incompatível com a Constituição, para que a decisão atinja as leis que “exteriorizem os mesmos vícios de inconstitucionalidade que inquinam a legislação revogadora”. Por outro lado, o STF exige apenas a impugnação da cadeia de normas revogadoras e revogadas até o advento da Constituição de 1988, porquanto o controle abstrato de constitucionalidade abrange tão somente o direito pós-constitucional. Nada obstante, admitiu-se o cabimento de ação direta de inconstitucionalidade nos casos em que o autor, por precaução, incluiu, em seu pedido, também a declaração de revogação de normas anteriores à vigência do novo parâmetro constitucional. STF. Plenário. ADI 4711/RS, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 28/09/2021.25 Imagine a seguinte situação hipotética: A Lei estadual 2.333/2010 foi editada com o objetivo de regulamentar o funcionamento de casas de bingo no Estado. Esta Lei é inconstitucional, conforme previsto na SV 2 ("É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias."). Apesar disso, esta norma nunca foi impugnada. 25 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A produção de efeitos repristinatórios e a impugnação de toda cadeia normativa após a CF/88 na declaração de inconstitucionalidade em abstrato de normas legais. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/c8d3a760ebab631565f8509d84b3b3f1>. Acesso em: 24 mai. 2022. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 124 Um ano mais tarde, o mesmo Estado editou a Lei 2.555/2011 estabelecendo novas regras sobre o funcionamento dos bingos e revogando expressamente a Lei 2.333/2010. Suponha agora que o Procurador-Geral da República irá ajuizar uma ADI contra a Lei 2.555/2011. Qual é o cuidado adicional que ele deverá adotar? Se o autor da ADI perceber que a norma anterior que foi revogada pela norma atual que está sendo impugnada padece do mesmo vício de inconstitucionalidade, ele deverá impugnar tanto a lei atual como a revogada. Em nosso exemplo, a norma atualmente vigente (Lei 2.555/2011) é inconstitucional e vai ser objeto da ADI. No entanto, o autor da ação deverá, na petição inicial, requerer que a norma anterior (Lei 2.333/2010), que foi revogada pela norma impugnada, também seja declarada inconstitucional. Desse modo, o autor da ADI deverá impugnar todo o "complexo normativo", ou seja, tanto a norma atual como aquelas que eventualmente foram revogadas e que tinham o mesmo vício. Nesse sentido: (...) Considerações em torno da questão da eficácia repristinatória indesejada e da necessidade de impugnar os atos normativos, que, embora revogados, exteriorizem os mesmos vícios de inconstitucionalidade que inquinam a legislação revogadora. - Ação direta que impugna, não apenas a Lei estadual nº 1.123/2000, mas, também, os diplomas legislativos que, versando matéria idêntica (serviços lotéricos), foram por ela revogados. Necessidade, em tal hipótese, de impugnação de todo o complexo normativo. Correta formulação, na espécie, de pedidos sucessivos de declaração de inconstitucionalidade tanto do diploma ab-rogatório quanto das normas por ele revogadas, porque também eivadas do vício da ilegitimidade constitucional. Reconhecimento da inconstitucionalidade desses diplomas legislativos, não obstante já revogados. STF. Plenário ADI 3148, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 13/12/2006.26 Vale ressaltar que existe um julgado do STF, no qual o Tribunal afirmou que, mesmo que o autor da ADI não impugne também o ato normativo anterior revogado, o STF poderá, na decisão, afirmar que não haverá efeito repristinatório. Confira: (...) 3. Não obsta a cognição da ação direta a falta de impugnação de ato jurídico revogado pela norma tida como inconstitucional, supostamente padecente do mesmo vício, que se teria por repristinada. Cabe à Corte, ao delimitar a eficácia da sua decisão, se o caso, excluir dos efeitos da decisão declaratória eventual efeito repristinatório quando constatada incompatibilidade com a ordem constitucional. (...) STF. Plenário. ADI 3239, Rel. Min. Cezar Peluso, Relator p/ Acórdão Min. Rosa Weber, julgado em 08/02/2018. É tema recorrente em concursos. 26 Ibidem. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 125 3.5. MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL A tese da mutação constitucional foi introduzida por Laband e, posteriormente, tratada de forma mais ampla e técnica por Jellinek. A mutação constitucional se contrapõe à reforma. A reforma é uma via formal de alteração da constituição, ou seja, há um procedimento a ser seguido para a sua propositura e aprovação. Na mutação constitucional, a constituição também é alterada, porém não há um processo formal a ser seguido. Em outras palavras, a mutação constitucional é um processo informal de alteração do conteúdo da constituição, sem a modificação do seu texto (aquilo que está escrito no dispositivo constitucional). Os mecanismos que permitem a mutação constitucional são: a) Costumes Trata-se da prática reiterada que cria a convicção de que ela é obrigatória na sociedade. Nos países que adotam constituições concisas ou constituições consuetudinárias, a mutação constitucional tende a ocorrer com maior frequência conforme a mudança dos costumes constitucionais. Assim, é possível que haja uma mudança do costume constitucional, sem que o texto da constituição seja alterado.. Por exemplo, a fila é norma consuetudinária, porém não é norma constitucional. Para saber se um costume é constitucional ou infraconstitucional, é necessário recorrer ao conteúdo. Se o costume tratar de matérias clássicas da constituição (direitos fundamentais, estrutura do Estado e organização dos poderes), ele será um costume constitucional, a exemplo do voto de liderança. As lideranças votam simbolicamente, sem a necessidade de uma votação nominal sobre o tema; b) Interpretação É um mecanismo mais comum nos países com constituição escrita e prolixa. No Brasil, quando o STF possui uma interpretação X sobre certa matéria e, posteriormente, ele altera a interpretação dada ao dispositivo constitucional, ocorre a mutação constitucional. Observe o entendimento do STF acerca da mutação constitucional: STF – HC 90.450: A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicose políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 126 Segundo Canotilho, os pressupostos fundamentais para a legitimidade da mutação constitucional são: a) Programa normativo: a mutação é o resultado da interpretação. Logo, a interpretação só será legítima, quando o texto da constituição a permitir; b) Princípios estruturais da constituição: os princípios estruturais devem servir como diretriz para análise da legitimidade da mutação constitucional. Ex.: O princípio da separação de Poderes e o princípio republicano. No julgamento da ADI 3.406 e da ADI 3.407, o Ministro Gilmar Mendes e o Ministro Celso de Mello entenderam que o Senado deveria deixar de suspender o texto da lei e passar a dar apenas publicidade à decisão do STF, pois a decisão do STF no controle difuso também tem efeito erga omnes e vinculante. De acordo com Marcelo Novelino, a mutação, nos termos do que pretende o Ministro Gilmar Mendes, não seria legítima. A mutação do art. 52, X, da CF viola o texto constitucional, pois foge aos limites semânticos. Além disso, a mutação atinge o princípio da separação de Poderes, que é um princípio estrutural do Direito Constitucional. Exemplo de mutação constitucional: Até o julgamento do HC 82.959, o STF adotava o entendimento de que o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 era compatível com a CF/88. Todavia, ao decidir o HC 82.959, o STF conferiu ao art. 5º, XLVI, da CF uma nova interpretação. Ao conferi-la, o Tribunal passou a entender que o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 - que vedava a progressão de regime em abstrato no caso de crimes hediondos – seria incompatível com a CF/88 e, portanto, declarou a inconstitucionalidade do dispositivo. STF HC 82.959 – (...) Nova inteligência do princípio da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI), em evolução jurisprudencial assentada na inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. Por fim, salienta-se que para ocorrência de mutação constitucional, não basta uma mudança de interpretação doutrinária. A mutação ocorre quando há a mudança na jurisprudência do Tribunal Constitucional (guardião da Constituição). http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 127 TEORIA GERAL DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE O tema “controle de constitucionalidade” é o mais recorrente em concursos públicos. Assim, ao estudar este tópico, dedique atenção especial. 1. SUPREMACIA CONSTITUCIONAL A TGCC é baseada na ideia de hierarquia, de supremacia constitucional. A CF apresenta duas espécies de supremacia: supremacia material e supremacia formal. 1.1. SUPREMACIA MATERIAL É um corolário do objeto clássico das constituições. As constituições têm supremacia material em relação às leis, pois elas tratam de matérias constitucionais, que são fundamentos do Estado de Direito: direitos fundamentais, estrutura do Estado e organização dos Poderes. Além disso, toda a constituição possui supremacia material sobre as leis, pois todas as constituições disciplinam as matérias constitucionais. 1.2. SUPREMACIA FORMAL É uma característica exclusiva das constituições rígidas. OBS.: 1. A constituição rígida é aquela dotada de um processo mais solene de alteração de normas (em comparação ao processo legislativo ordinário). 2. Quanto à forma de elaboração, as constituições rígidas ou super- rígida têm uma supremacia formal em relação às leis. A supremacia formal é a que realmente importa para fins de controle de constitucionalidade. Para que haja o controle, a constituição deve ser norma hierarquicamente superior à lei e, portanto, ela deve ter um processo de modificação mais rígido do que as leis ordinárias. Assim, o que determina a hierarquia constitucional não é o conteúdo que ela possui, e sim a forma de elaboração de suas normas (supremacia formal). Desse modo, se a lei não observar a forma prevista na constituição para a sua elaboração ou violar o conteúdo constitucionalmente consagrado, será inválida/inconstitucional. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 128 O controle de constitucionalidade só se manifesta, portanto, nos lugares que adotam constituições rígidas. Não obstante isso, é possível imaginar, como bem sublinha Clémerson Martin Clève, a existência do controle de constitucionalidade nos Estados que adotam Constituições flexíveis, pelo menos em relação à inconstitucionalidade formal. A dizer, a inconstitucionalidade formal pode se verificar em face de uma constituição flexível, uma vez que fixado nesta um procedimento para a elaboração das leis, qualquer violação desse procedimento consistirá em inconstitucionalidade. Por outro lado, embora plausível a inconstitucionalidade formal, não é cogitável a inconstitucionalidade material perante as constituições flexíveis (na hipótese, qualquer modificação na legislação infraconstitucional conformará a constituição, que não exige procedimento especial de alteração). 1.3. LEI COMPLEMENTAR X LEI ORDINÁRIA 1.3.1. Hierarquia entre normas A doutrina não é pacífica sobre a hierarquia. Todavia, o STF se posicionou, no sentido da inexistência de hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária (RE 419.629, 377.457 e 381.964). Algumas matérias são regulamentadas por lei complementar. Assim, se uma lei ordinária tratar do assunto, ela será inconstitucional, por violar a própria regra de competência da CF/88. 1.3.2. Diferenças LEI COMPLEMENTAR LEI ORDINÁRIA Iniciativa Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. (...) Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. (...) Quórum de votação (nº de parlamentares que devem estar presentes) (art. 47 da CF) Quórum de maioria absoluta. Mais de 50% dos membros. Se não estiverem presentes na sessão mais de 50% da câmara ou do senado, não haverá votação. Quórum de maioria absoluta. Mais de 50% dos membros. Se não estiverem presentes na sessão mais de 50% da câmara ou do senado, não haverá votação. Quórum de aprovação (nº necessário de votos para aprovar a deliberação, o Maioria absoluta: + de 50% dos membros. Maioria relativa ou simples: + de 50% dos presentes. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 129 projeto de lei) (arts. 69 e 47 da CF) 1.3.3. Diferença do quórum de aprovação 1) Diferença formal Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros. Na lei ordinária, a regra geral é a maioria relativa (mais de 50% dos presentes). Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta. Na lei complementar, a aprovação deverá se dar pelo voto de mais de 50% do número total de parlamentares (isto é, ter mais de 50% dos presentes para dar início à votação e ter mais de 50% dos votos de todos os parlamentares para aprovação). 2) Diferença material As hipóteses que são regulamentadas por lei complementar estão previstas, taxativamente, na Constituição Federal.Ex.: Art. 7º, I, da CF. Em contrapartida, as leis ordinárias têm campo material residual, ou seja, tudo o que não for regulamentado por lei complementar, decreto legislativo e resoluções. Quando a constituição menciona somente os termos “lei” e “lei específica”, ela se refere à lei ordinária. Em contrapartida, a lei complementar está prevista expressamente na Constituição Federal. 1.3.4. Questionamentos pertinentes Questão 1: Pode a lei ordinária tratar de lei complementar? Não. Se a matéria for reservada à lei complementar, ela não poderá ser tratada por lei ordinária, por medida provisória (art. 62 da CF), por lei delegada e tampouco por tratados internacionais que não sejam de direitos humanos. Questão 2: Pode a lei complementar tratar de matéria residual? Pode acontecer. A lei complementar pode tratar de matéria residual, sem ser invalidada, em razão da economia legislativa, se uma matéria foi aprovada por maioria absoluta, a maioria relativa está inclusa nessa maioria, portanto pode ser considerado, não há por que a anular. Se a lei complementar trata de matéria de lei ordinária, ela será formalmente lei complementar, porém materialmente será uma lei ordinária. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 130 Questão 3: A lei complementar, que trata de matéria de lei ordinária (materialmente ordinária), pode ser anulada por uma lei ordinária? Sim, pelo fato de ela ser materialmente ordinária, quanto ao conteúdo. Em um momento futuro, ela poderá ser revogada por lei ordinária (STF). 2. PARÂMETRO PARA CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE (NORMA DE REFERÊNCIA) 2.1. CONCEITO O parâmetro é a norma constitucional ofendida. É diferente do objeto do controle, que é o ato normativo infraconstitucional. Lembre-se de que, para haver o controle de constitucionalidade, não interessa o conteúdo da norma, e sim, o tipo de norma que foi violada. O que veremos logo abaixo é qual o tipo de norma constitucional pode servir de referência para que o controle de constitucionalidade seja exercido. 2.2. ESPÉCIES DE NORMA DE REFERÊNCIA a) Preâmbulo Segundo o STF, o preâmbulo não serve como parâmetro, tendo em vista que não tem caráter normativo. Trata-se apenas de uma diretriz hermenêutica, auxilia na interpretação de outras normas constitucionais; b) Parte permanente (arts. 1º ao 250 da CF) Todas as normas da parte permanente servem como parâmetro para o controle de constitucionalidade, independentemente do seu conteúdo, pois todas são formalmente constitucionais. Logo, uma norma pode ser considerada inconstitucional por violar o art. 242, § 2º, da CF. Não importa se a norma trata da dignidade da pessoa humana ou sobre o Colégio Pedro II, pois, formalmente, elas são idênticas e ambas servem para o controle de constitucionalidade; c) ADCT De acordo com o STF, apenas as normas de eficácia exaurível (aquelas que ainda não exauriram sua eficácia) servem de parâmetro. As normas de eficácia exaurida não podem ser utilizadas como parâmetro; d) Princípio implícito Pode servir de parâmetro para o controle. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 131 Em tese, os princípios implícitos são criados pelo poder constituinte originário, mas não foram consagrados de forma expressa no texto constitucional. Formalmente, não há diferenças entre um princípio expresso e um princípio implícito. Ex.: Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade não estão expressos, mas podem ser deduzidos do texto constitucional; OBS.: Canotilho usa a expressão “ordem constitucional global” para se referir às normas constitucionais expressas e implícitas. e) Tratados de direitos humanos Pode existir uma norma constitucional que não esteja localizada entre o preâmbulo e o ADCT e que sirva de parâmetro para o controle de constitucionalidade? Sim. Há dois tipos de normas que podem servir de parâmetro para o controle de constitucionalidade sem estarem consagradas dentro da Constituição de 1988: • Tratados e convenções internacionais de direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em 2 turnos, por 3/5 dos votos dos respectivos membros: são normas que têm o modo de produção idêntico ao das normas constitucionais. Com o advento da EC 45/2004, o art. 5º, § 3º, da CF passou a consagrar uma espécie de ato normativo que tem o mesmo status das normas constitucionais e cuja forma de elaboração é idêntica à da elaboração das emendas. Ex.: 1. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2009). 2. Protocolo adicional à Convenção da ONU sobre o Direito das Pessoas com Deficiência. 3. Tratado de Marraquexe (2018). 4. Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. Como eles são formalmente constitucionais, embora estejam fora da Constituição Federal, podem ser invocados como parâmetros para o controle de constitucionalidade; Art. 5º. (...) § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. • Emendas constitucionais de caráter temporário e excepcional: não estão incluídas no texto da constituição. Ex.: 1. EC 91/2006 (trata das hipóteses de desfiliação partidária sem perda do mandato). 2. EC 106/2020 (instituiu um regime extraordinário fiscal financeiro em razão da pandemia do COVID/19). 3. EC 107/2020 (adiou as eleições municipais). 2.3. BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE O termo “bloco de constitucionalidade” foi cunhado pelo autor francês Louis Favoreu, para fazer referência a todas as normas do ordenamento jurídico francês que tinham status constitucional. Na França, além da constituição francesa atual (1958), também fazem parte do “bloco de constitucionalidade” francês: http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 132 • Normas da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789); • Preâmbulo da Constituição anterior (1946); • Princípios extraídos do Conselho Constitucional. Ex.: O princípio da continuidade do serviço público e o princípio da salvaguarda da dignidade da pessoa humana. No Brasil, a expressão “bloco de constitucionalidade” pode ser usada em dois sentidos: a) Sentido estrito Abrange apenas as normas formalmente constitucionais. São as normas que podem ser invocadas como parâmetro para o controle de constitucionalidade. Quando o Ministro do STF Celso de Mello fazia referência ao bloco de constitucionalidade, ele se referia ao bloco em sentido estrito como sinônimo de parâmetro de controle de constitucionalidade. STF – ADI 545/ES: “Veja-se, pois, a importância de compreender-se, com exatidão, o significado que emerge da noção de bloco de constitucionalidade [...], pois, dessa percepção, resultará, em última análise, a determinação do que venha a ser o paradigma de confronto, cuja definição mostra-se essencial, em sede de controle de constitucionalidade, à própria tutela da ordem constitucional”. b) Sentido amplo Abrange as normas formalmente constitucionais, as normas materialmente constitucionais e as normas vocacionadas a desenvolver a eficácia nas normas constitucionais. As normas vocacionadas a desenvolver a eficácia nas normas constitucionais são aquelas normas infraconstitucionais que regulamentam as normas da constituição. Por exemplo, o art. 7º, IV, da CF prevê o salário-mínimo nacionalmente unificado fixado em lei. Neste caso, para que o trabalhador usufrua do salário-mínimo, é necessário que exista uma norma regulamentadora fixando o seu valor. Assim, em sentido amplo, a lei que estabelece o valor do salário-mínimo faz parte do bloco de constitucionalidade, pois, sem ela, a norma prevista na constituição nãoterá eficácia positiva. Além disso, as normas consideradas apenas materialmente constitucionais fazem parte do bloco de constitucionalidade. Exemplos que fazem parte do bloco de constitucionalidade em sentido amplo: • Pacto de São José da Costa Rica: versa sobre direitos humanos, porém está consagrado fora da CF/1988 e não foi aprovado por 3/5 e dois turnos de votação. O pacto tem status de lei ordinária. O STF entende que o Pacto de São José da Costa Rica possui status supralegal, ou seja, ele está abaixo da CF/1988 e acima das leis; • Preâmbulo: o preâmbulo pode ser considerado como parte do bloco de constitucionalidade. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 133 No Brasil, em sentido amplo, fazem parte do bloco de constitucionalidade: o preâmbulo, as normas constitucionais previstas no texto da CF/1988, as normas constitucionais consagradas em emendas fora da CF/88, as normas dos tratados internacionais de direitos humanos e as normas que regulamentam dispositivos da CF/88 que têm eficácia limitada. 3. FORMAS DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.1. QUANTO AO TIPO DE CONDUTA PRATICADA PELO PODER PÚBLICO Essa classificação não levará em consideração o parâmetro, mas o objeto do controle – o que o Poder Público fez que gerou a inconstitucionalidade. 3.1.1. Inconstitucionalidade por ação Ocorre quando o poder público pratica uma conduta incompatível com a constituição. Ex.: A CF/88 consagra o princípio da individualização da pena. A Lei 8.072/90 vedava a progressão em abstrato do regime. Diante disso, o STF entendeu que a lei de crimes hediondos violava o princípio da individualização da pena neste ponto. Trata-se de uma inconstitucionalidade por ação, já que o Poder Público fez uma lei contrária à CF/88. PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semiaberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90. (HC 82959, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006, DJ 01-09-2006 PP-00018 EMENT VOL-02245-03 PP-00510 RTJ VOL-00200-02 PP-00795). 3.1.2. Inconstitucionalidade por omissão Ocorre quando o poder público deixa de praticar uma conduta (non facere ou non praestare) exigida pela constituição (omissão total) ou a conduta é adotada de forma insuficiente (omissão parcial). As espécies de omissão são: a) Inconstitucionalidade por omissão total: o Poder Público não adota as medidas necessárias. Ex: O direito de greve do servidor público; http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 134 b) Inconstitucionalidade por omissão parcial: o Poder Público adota medida insuficiente. Ex.: O valor consagrado em lei para o salário-mínimo não é suficiente para atender às necessidades previstas na CF/88. Segundo Karl Loewenstein, o não agir pode acarretar o “fenômeno da erosão da consciência constitucional”. Nos casos em que o legislador se abstém de cumprir o dever de legislar, viola a integridade da constituição e estimula o fenômeno da erosão da consciência constitucional. Cria-se uma espécie de atrofia da consciência constitucional. STF - ADI 1.484: Quando o parlamento se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de legislar, viola a própria integridade da constituição, estimulando o preocupante ‘fenômeno da erosão da consciência constitucional’. A indiferença dos destinatários do poder perante a Lei Fundamental, anota Karl Loewenstein (1970), consiste em uma atitude psicológica capaz de conduzir à atrofia dessa consciência. 3.1.3. Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) O ECI é uma expressão criada na Corte Constitucional Colombiana, a qual foi trazida ao Brasil na ADPF 347, que analisou o sistema carcerário brasileiro. 1) Pressupostos para a configuração A configuração do estado de coisas inconstitucional exige três pressupostos: a) Fático: É a violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais que afetam um número elevado e indeterminado de pessoas. Para que haja um estado de coisas inconstitucional, não basta uma violação pontual. É necessário que haja uma violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais. Ademais, o estado de coisas inconstitucional não afeta a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais (perspectiva do indivíduo), e sim a dimensão objetiva (perspectiva da comunidade); b) Político: É o conjunto de ações e omissões reiteradas tendentes a perpetuar ou agravar o quando de inconstitucionalidade. Em vez de os poderes públicos adotarem medidas para resolver essa violação generalizada e sistêmica, eles adotam medidas tendentes a perpetuar e/ou a agravar tal quadro. Tal comportamento decorre da existência de falhas estruturais, seja da União, dos Estados-membros, do DF e/ou dos Municípios. O estado de coisas inconstitucional surge em razão da paralisia do Poder Público, no sentido de não adotar as medidas necessárias sobre determinadas matérias. Assim, há uma falha do Poder Executivo, do Poder Legislativo e/ou do Poder Judiciário. Ex.: Em relação ao sistema penitenciário, o STF entendeu que havia uma falha estrutural da União e dos estados-membros, consolidada por todos os poderes públicos, inclusive do Poder Judiciário; c) Jurídico: É a necessidade de medidas estruturais para a superação das violações constatadas. Para que haja um estado de coisas inconstitucionais, é necessário que os 3 pressupostos apresentados estejam presentes. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 135 A correção do mau funcionamento sistêmico pressupõe uma atuação conjunta para: a) Aprimorar políticas públicas existentes; b) Realocar recursos orçamentários: É necessário destinar verba para solucionar o problema estrutural; c) Reajustar os arranjos institucionais: É necessário o reajuste na atuação dos poderes públicos e dos entes federativos. 2) Medidas judiciais Trata-se das medidas judiciais que devem ser adotadas para corrigir ou para tentar minimizar o estado de coisas inconstitucional: a) Dimensão objetiva dos direitos fundamentais: O estado de coisas inconstitucional não atinge a dimensão subjetiva do direito fundamental, ou seja, não atinge diretamente o direito de um indivíduo específico, mas atinge o direito fundamental como um todo (perspectiva da comunidade). A dimensão objetiva é a dimensão que advém da ordem de valores”. Trata-se da perspectiva dos direitos fundamentais sob o ponto de vista da comunidade; b) Litígio estrutural: As medidas judiciais são voltadas a resolver um “litígio estrutural”, que é caracterizado pelo alcance a um número amplo de pessoas e órgãos e por implicar ordens de execução complexas. Neste caso, devem ser adotadas medidas estruturais por parte do Poder Judiciário, as quais devem ser não ortodoxas. Ex.: O redimensionamento dos ciclos de formulação e execução das políticas públicas, isto é, o Poder Judiciário acaba tendo que intervir em questões orçamentárias; c) Atuação proativa do Poder Judiciário: São adotadas medidas capazes de superar os desacordos políticos institucionais, a falta de coordenação entre os órgãos públicos, os temores dos custos políticos da atuação e de corrigir a sub-representação de grupos minoritários. Ex.: Os presos. Neste caso,o Poder Judiciário atua em seu papel contramajoritário; d) Ordens flexíveis: Quando se fala em estados de coisas inconstitucional, não deve haver a ideia de que o Poder Judiciário determinará todas as políticas públicas a serem adotadas. O Poder Judiciário não irá escolher as políticas a serem adotadas, mas tão somente emitirá ordens flexíveis; e) Diálogo institucional: O Poder Judiciário atua como um coordenador do “diálogo institucional” entre os Poderes, tomando a iniciativa de coordenar os Poderes Públicos para que eles possam dialogar a respeito daquela questão. Assim, é o Poder Judiciário (STF) que ativa a discussão sobre o reconhecimento inadequado da proteção dos direitos fundamentais; f) Críticas à atuação proativa do Poder Judiciário: As críticas relativas à atuação proativa do Poder Judiciário são as mesmas feitas em relação ao ativismo judicial. O Poder Judiciário, neste caso, estaria invadindo a esfera dos demais Poderes (princípio da separação dos Poderes). Os membros do Poder Judiciário não têm responsabilidade política, não são eleitos e, portanto, não podem ser retirados de suas funções. Assim, as decisões políticas devem ser feitas por pessoas http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 136 democraticamente eleitas pelo povo, pois haveria um déficit de legitimidade democrática do Poder Judiciário. A despeito da crítica relativa ao déficit de legitimidade democrática do Poder Judiciário, atualmente, a democracia não é vista mais apenas no seu aspecto formal (premissa majoritária – vontade da maioria), mas também no aspecto substancial, ao exigir a proteção aos direitos fundamentais de todos, inclusive das minorias. Quando os Poderes Públicos se omitem, o Poder Judiciário se vê na obrigação de atuar. Uma atuação proativa do Poder Judiciário é necessária para que as distorções e o descumprimento da constituição possam ser superados. Assim, levando em consideração o aspecto substancial da democracia, a atuação do Poder Judiciário possui uma legitimidade democrática. Estado de Coisas Inconstitucional. O Estado de Coisas Inconstitucional ocorre quando se verifica a existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem modificar a situação inconstitucional. O STF reconheceu que o sistema penitenciário brasileiro vive um "Estado de Coisas Inconstitucional", com uma violação generalizada de direitos fundamentais dos presos. As penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios acabam sendo penas cruéis e desumanas. Vale ressaltar que a responsabilidade por essa situação deve ser atribuída aos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), tanto da União como dos Estados-Membros e do Distrito Federal. A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representa uma verdadeira "falha estrutural" que gera ofensa aos direitos dos presos, além da perpetuação e do agravamento da situação. Assim, cabe ao STF o papel de retirar os demais poderes da inércia, coordenar ações visando a resolver o problema e monitorar os resultados alcançados. Diante disso, o STF, em ADPF, concedeu parcialmente medida cautelar determinando que: • juízes e Tribunais de todo o país implementem, no prazo máximo de 90 dias, a audiência de custódia; • a União libere, sem qualquer tipo de limitação, o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização na finalidade para a qual foi criado, proibindo a realização de novos contingenciamentos. Na ADPF havia outros pedidos, mas estes foram indeferidos, pelo menos na análise da medida cautelar. STF. Plenário. ADPF 347 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9/9/2015 (Info 798).27 3.2. QUANTO À NORMA CONSTITUCIONAL OFENDIDA Análise do parâmetro, e não do objeto do controle. 27 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Estado de Coisas Inconstitucional. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/4e732ced3463d06de0ca9a15b6153677>. Acesso em: 25 mai. 2022. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 137 3.2.1. Inconstitucionalidade material (ou nomoestática) A inconstitucionalidade material decorre da ofensa a normas constitucionais de fundo (estabelecem direitos ou impõem deveres). Ela é estática, porque não se refere ao processo de elaboração de normas. Ex.: A inconstitucionalidade do dispositivo da Lei 8.072/90, que vedava a progressão em abstrato do regime prisional. O conteúdo do dispositivo da lei era incompatível com o conteúdo de uma garantia prevista no art. 5º, XLVI, da CF (princípio da individualização da pena). 3.2.2. Inconstitucionalidade formal (ou nomodinâmica) A inconstitucionalidade formal é aquela relacionada às normas constitucionais que tratam da criação de outras normas. O termo “nomodinâmica” se refere à dinâmica de produção de normas. A inconstitucionalidade formal pode ser subdividida em três espécies: a) Propriamente dita: Decorre da violação de norma constitucional referente ao processo legislativo, dividem-se em: • Subjetiva: está relacionada ao sujeito competente para iniciar o processo legislativo. Trata-se de norma que viola o processo de iniciativa. Por exemplo, o art. 61, § 1º, da CF trata de várias matérias, cuja iniciativa é privativa do Presidente da República, se um parlamentar apresentar um projeto de lei sobre uma dessas matérias, haverá inconstitucionalidade formal subjetiva. O vício de iniciativa é insanável, não pode ser suprido pela sanção. Art. 61. (...) § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 138 Não há vício de iniciativa de lei na edição de norma de origem parlamentar que proíba a substituição de trabalhador privado em greve por servidor público. Dispositivo legal, de iniciativa parlamentar, que foi considerado constitucional: “ao servidor público do Distrito Federal é proibido substituir, sob qualquer pretexto, trabalhadores de empresas privadas em greve”. A proibição de que o trabalhador privado em greve seja substituído por servidor público não inibe a iniciativa do Governador do Distrito Federal para propor leis sobre organização administrativa, servidores públicos e regime jurídico destes. STF. Plenário. ADI 1164/DF, Rel. Min. Nunes Marques, julgado em 1º/4/2022 (Info 1049).28 • Objetiva: é aquela relacionada às demais fases do processo legislativo. Se a violação atingir norma do processo legislativo que trate do restante do procedimento (exemplo: quórum de aprovação, promulgação etc.), há uma inconstitucionalidadeformal objetiva. Por exemplo, se uma lei complementar for aprovada com quórum menor do que a maioria absoluta, haverá inconstitucionalidade formal objetiva. É inconstitucional norma de Constituição estadual que preveja quórum diverso de 3/5 dos membros do Poder Legislativo para aprovação de emendas constitucionais. A Constituição do Estado de Rondônia estabeleceu que, para a aprovação de emendas à Constituição estadual seria necessário o voto de 2/3 dos Deputados Estaduais. Ocorre que a Constituição Federal diz que, para uma emenda alterar seu texto, é necessário o voto de 3/5 dos Deputados Federais e Senadores (art. 60, § 2º). Logo, a CE/RO não seguiu o modelo previsto na Constituição Federal. As regras básicas do processo legislativo previstas na Constituição Federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros por força do princípio da simetria (art. 25 da CF/88 c/c o art. 11 do ADCT). STF. Plenário. ADI 6453/RO, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 11/2/2022 (Info 1043).29 • Orgânica: violação de norma definidora do órgão competente para tratar da matéria. Por exemplo, a competência para tratar de uma determinada matéria (como o processo penal) é da União e o Estado-membro legisla sobre aquele tema, haverá inconstitucionalidade formal e orgânica. O STF declarou a inconstitucionalidade formal de dispositivos de constituições estaduais que tratavam de crimes de responsabilidade. Segundo o Tribunal, esta competência é privativa da União (art. 22, I, da CF). Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: 28 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Não há vício de iniciativa de lei na edição de norma de origem parlamentar que proíba a substituição de trabalhador privado em greve por servidor público. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/4c03f769f791d9f1148f3b1e59090473>. Acesso em: 01 jun. 2022. 29 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É inconstitucional norma de Constituição estadual que preveja quórum diverso de 3/5 dos membros do Poder Legislativo para aprovação de emendas constitucionais. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/c56030557e55275663bd45b48cd0223e>. Acesso em: 01 jun. 2022. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 139 I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; É inconstitucional norma de constituição estadual que disponha sobre o processamento e julgamento de Governador e Vice-governador nos casos de crime de responsabilidade. O Estado-membro não pode dispor sobre crime de responsabilidade, ainda que seja na Constituição estadual. Isso porque a competência para legislar sobre crime de responsabilidade é privativa da União, nos termos do art. 22, I, e art. 85 da CF/88. Súmula vinculante 46-STF: São da competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento. Assim, é inconstitucional norma da Constituição Estadual que preveja a competência da Assembleia Legislativa para autorizar a instauração do processo e para jugar o Governador e o Vice-Governador do Estado por crimes de responsabilidade. Também é inconstitucional a previsão contida na Constituição Estadual afirmando que o Governador será suspenso de suas funções nos crimes de responsabilidade, se admitida a acusação e instaurado o processo, pela Assembleia Legislativa. STF. Plenário. ADI 4811/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/12/2021 (Info 1041).30 É inconstitucional a legislação estadual que, flexibilizando exigência legal para o desenvolvimento de atividade potencialmente poluidora, cria modalidade mais simplificada de licenciamento ambiental. É inconstitucional lei estadual que regulamenta aspectos da atividade garimpeira, nomeadamente, ao estabelecer conceitos a ela relacionados, delimitar áreas para seu exercício e autorizar o uso de azougue (mercúrio) em determinadas condições. STF. Plenário. ADI 6672/RR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 14/9/2021 (Info 1029)31. • Por violação a pressupostos objetivos: inobservância de requisitos constitucionalmente exigidos para elaboração de determinados atos normativos. Por exemplo, edição de medida provisória sem a observância dos seus requisitos objetivos. Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. 30 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É inconstitucional norma de constituição estadual que disponha sobre o processamento e julgamento de Governador e Vice-governador nos casos de crime de responsabilidadee. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/dbd90a665ea6f292f36ebdb3d442826d>. Acesso em: 25 mai. 2022. 31 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A possibilidade de complementação da legislação federal para o atendimento de interesse regional não permite que Estado-Membro simplifique o licenciamento ambiental para atividades de lavra garimpeira. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/8989e07fc124e7a9bcbdebcc8ace2bc0>. Acesso em: 05/12/2022 http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 140 Como o tema foi cobrado em concurso? (TJ/PE – FGV – 2022) Com o escopo de fomentar a atividade econômica com melhor aproveitamento de suas riquezas naturais minerais, o Estado Alfa editou lei estadual, flexibilizando exigência legal para o desenvolvimento de atividade potencialmente poluidora, na medida em que criou modalidade mais simplificada e célere de licenciamento ambiental único que denominou “Licença de Operação Direta”, para atividade de lavra garimpeira, inclusive instituindo dispensa para alguns casos de lavra a céu aberto. A referida lei estadual regulamentou aspectos da atividade garimpeira, nomeadamente, ao estabelecer conceitos a ela relacionados, delimitou áreas para seu exercício e autorizou o uso de azougue (mercúrio) em determinadas condições, tudo de forma menos restritiva do que a legislação da União. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a lei estadual editada é inconstitucional, uma vez que é competência privativa da União legislar sobre jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia, bem como porque a lei tornou menos eficiente a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Correto! 3.3. QUANTO À EXTENSÃO 3.3.1. Inconstitucionalidade total Vício que atinge toda a lei ou todo o dispositivo. Por exemplo, a Assembleia de determinado Estado cria uma lei de competência da União. 3.3.2. Inconstitucionalidade parcial Apenas uma parte da lei ou do dispositivo é declarada inconstitucional. Deve-se analisar o que foi pedido na ação. Por exemplo, se o pedido da ADI foi inconstitucionalidade de toda a lei, e o Supremo vê vício apenas em alguns dispositivos, será caso de inconstitucionalidade parcial. Uma palavra ou expressão do dispositivo podem ser declaradas inconstitucionais? Sim! Admite-se a declaração de apenas uma palavra ou expressão, desde que autônoma e não modifique o sentido do restante do dispositivo. Não confundir a inconstitucionalidade parcial com veto parcial, que não permite o corte de apenas uma expressão ou palavra (art. 66, §§1º, 2º e 3º, da CF). Se o chefe do executivo vetar de forma parcial a lei, não poderá ser em relação à expressão ou palavra, devendo ele vetar a lei inteira ou um dispositivo inteiro. Além disso, poderá haver inconstitucionalidade parcial quando o poder público deixar de adotar medidas suficientes para a proteção da normaconstitucional, sendo a proteção insuficiente. Por exemplo, apenar o crime de homicídio com pena de multa haverá uma proteção insuficiente do direito à vida. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 141 3.4. QUANTO AO MOMENTO EM QUE OCORRE A INCONSTITUCIONALIDADE É muito importante essa classificação para o controle abstrato. 3.4.1. Inconstitucionalidade originária Ocorre quando a norma é inconstitucional desde a sua origem (“nasce” inconstitucional). A inconstitucionalidade originária ocorre quando a norma objeto (contida na lei ou no ato normativo) é posterior à norma parâmetro (norma da constituição supostamente violada) ofendida. Por exemplo, a CF/1988 foi promulgada em 05/10/1988. Se uma determinada lei foi editada em 1995 e era incompatível com a CF/1988, ela será inconstitucional desde a sua origem. 3.4.2. Inconstitucionalidade superveniente Ocorre quando o objeto nasce constitucional, mas, em razão de uma mudança no parâmetro, torna-se incompatível com a norma constitucional. Por exemplo, a Lei 9.868/99 regulamentou a ADI e a ADC. Em seu art. 13 tratou dos legitimados ativos para propor a ADC (Presidente, PGR e mesa da CD e do SF), fez isso porque em 1993 foi editada a EC 3/93 (criou a ADC), que trouxe diferença entre os legitimados para propor ADI e ADC. Quando a Lei 9.868/99 foi editada usou como parâmetro a redação dada pela EC 3/93, portanto, originariamente, era constitucional. Posteriormente, com a EC 45/04, o art. 103 da CF foi alterado, prevendo a mesma legitimidade ativa tanto para ADC quanto para ADI, ocasionando a inconstitucionalidade superveniente do art. 13 da Lei 9.868/99. Em Portugal, admite-se a inconstitucionalidade superveniente de forma expressa. Art. 282, § 2º, da Constituição Portuguesa de 1976. “Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última”. Indaga-se: no Brasil, a tese de inconstitucionalidade superveniente é adotada pelo STF? Em regra, a expressão “inconstitucionalidade superveniente” não é adotada no Brasil, pois o país adota a teoria do Hans Kelsen, segundo a qual só há inconstitucionalidade quando o poder público viola a constituição. Na inconstitucionalidade superveniente, não há uma conduta do poder público que seja violadora da constituição. O STF adota o termo “não recepção” ou “revogação”. Segundo Marcelo Novelino, a expressão “revogação” é equivocada, pois, tecnicamente, a revogação ocorre quando um mesmo Poder faz outro ato da mesma densidade normativa e revoga o anterior. Por exemplo, a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela CF/1988. Observe o disposto no RE 396.386/SP. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 142 STF – RE 396.386/SP: “É que não há falar em inconstitucionalidade superveniente. Tem-se, em tal caso, a aplicação da conhecida doutrina de Kelsen: as normas infraconstitucionais anteriores à Constituição, com esta incompatíveis, não são por ela recebidas. Noutras palavras, ocorre derrogação, pela Constituição nova, de normas infraconstitucionais com esta incompatíveis”. Como visto, em regra, o Brasil não adota a inconstitucionalidade superveniente, porém existe uma exceção em que há inconstitucionalidade, embora a norma objeto seja anterior à norma parâmetro. Trata-se do caso de mutação constitucional. A mutação constitucional ocorre quando há uma mudança do sentido da constituição sem que o seu texto seja modificado. Há um dispositivo constitucional anterior à lei, que é interpretado de determinada maneira. Contudo, posteriormente, o STF confere a interpretação diversa ao dispositivo constitucional. Diante dessa nova interpretação, a lei (que antes era compatível com a constituição) se torna incompatível com ela. Nesse caso, o STF utiliza o termo “inconstitucionalidade superveniente”. Por exemplo, o art. 5º, XLVI, da CF é uma norma originária e consagra o princípio da individualização da pena (norma parâmetro). Em 1990, editou-se a Lei 8.072/90. O art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 previa a vedação da progressão do regime em abstrato no caso de crimes hediondos (norma objeto). Note-se que a Lei 8.072/90 foi elaborada após a Constituição Federal de 1988. Se o dispositivo fosse considerado inconstitucional desde a sua origem, seria uma hipótese de inconstitucionalidade originária. No entanto, quando a lei foi criada, o STF entendeu que esta lei era compatível com o princípio da individualização da pena: STF - HC 69.657/SP (18.12.1992): “Não há inconstitucionalidade em semelhante rigor legal, visto que o princípio da individualização da pena não se ofende na impossibilidade de ser progressivo o regime de cumprimento da pena...”. No entanto, em 2006, o STF passou a interpretar o art. 5º, XLVI, da CF de outra forma, pois extraiu do dispositivo legal um novo significado (nova norma). A partir da nova interpretação, aquele dispositivo legal, que era considerado compatível com a constituição, acabou se tornando incompatível: STF - HC 82.959/SP (23.2.2006): “[...] Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90”. No exemplo dado, a norma objeto é anterior à norma parâmetro (nova inteligência conferida ao princípio da individualização da pena). Entretanto, o art. 5º, XLVI, da CF é anterior à Lei 8.072/90, razão pela qual o STF entendeu que se tratava de inconstitucionalidade (superveniente). 3.4.3. Inconstitucionalidade progressiva http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 143 A inconstitucionalidade progressiva ocorre quando a norma constitucional caminha progressivamente para a inconstitucionalidade, em razão das circunstâncias fático-jurídicas existentes. O termo “inconstitucionalidade progressiva” também é conhecido como “norma ainda constitucional”. Isto porque, atualmente, a norma ainda é constitucional, mas, progressivamente, à medida que as circunstâncias fático-jurídicas forem alteradas, a norma caminhará para a inconstitucionalidade. A inconstitucionalidade progressiva possui um caráter eminentemente pragmático (opção de política constitucional), tendo em vista que a só não é declarada inconstitucional, porque a declaração trará mais prejuízos do que benefícios. Citam-se, como exemplos: O art. 68 do CPP confere ao Ministério Público a competência para promover a reparação “ex delicto” quando a vítima do crime ou seus familiares forem pobres. Entretanto, após a CF/88, essa atribuição não cabe mais ao Ministério Público, já que a assistência judiciária gratuita às pessoas reconhecidamente pobres é função da Defensoria Pública (art. 134, caput, da CF). Diante do surgimento da CF/88, foi questionada a constitucionalidade/recepção do dispositivo legal. O STF entendeu que, de fato, a atribuição era da Defensoria Pública. Porém, como nem todos os estados da federação possuíam defensoria, a norma ainda seria constitucional, enquanto não fossem criadas defensorias públicas em todos os estados da federação. STF – RE 135.328/SP: “Enquanto não criada por lei, organizada - e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação - a Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código de Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista”. A Lei 7.871/89 modificou o art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/1950, o qual passou a prever a prerrogativa do prazo em dobro para recurso às Defensorias Públicas. OMinistério Público questionou o dispositivo, por violação ao princípio da paridade de armas no processo. De acordo com o STF, na prática, a Defensoria Pública não tem a mesma estrutura do Ministério Público. Assim, seria justificável o tratamento diferenciado, em razão da desigualdade fática entre as instituições. Logo, à medida em que a Defensoria Pública for se estruturando e se aproximando do Ministério Público, a diferença de prazo não iria se justificar mais e o dispositivo, progressivamente, iria migrar para a inconstitucionalidade. O art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/1950, que prevê a prerrogativa do prazo em dobro, é constitucional, tendo em vista a precariedade estrutural das Defensorias Públicas? É constitucional o § 5º do art. 5º da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei 7.871/1989, no ponto em que confere prazo em dobro, para recurso, às Defensorias Públicas, ao menos até que sua organização, nos Estados, alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público, que é a parte adversa, como órgão de acusação, no processo da ação penal pública. Deve ser anulado, pelo Supremo Tribunal Federal, acórdão de Tribunal que não conhece de apelação interposta por Defensor http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 144 Público, por considerá-la intempestiva, sem levar em conta o prazo em dobro para recurso, de que trata o § 5º do art. 5º da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989. STF. Plenário. HC 70514, Rel. Min. Sydney Sanches, julgado em 23/03/1994.32 Nos casos de inconstitucionalidade progressiva, o Tribunal faz o chamado “apelo ao legislador”. Isto porque a norma ainda é constitucional, porém se faz um apelo ao legislador para que modifique aquela lei antes que ela se torne definitivamente inconstitucional. STF - RE 607.642/DF: “[...] 17. Dadas a ausência de elementos que possam corroborar e evidenciar que o legislador, no momento da elaboração da lei, estaria em condições de identificar o estado de inconstitucionalidade e a dificuldade de se precisar o momento exato em que teria se implementado a conversão do estado de inconstitucionalidade em uma situação de invalidade, é de se adotar, para o caso concreto, a técnica de controle de constitucionalidade do “apelo ao legislador por falta de evidência de ofensa constitucional”. 3.5. QUANTO AO PRISMA DE APURAÇÃO Analisa a relação entre o parâmetro e o ato impugnado. 3.5.1. Inconstitucionalidade direta, imediata ou antecedente A inconstitucionalidade direta resulta da violação frontal à constituição, ante a inexistência de ato normativo situado entre a norma objeto (ex.: lei) e o parâmetro ofendido (constituição). Na inconstitucionalidade direta, o ato impugnado está diretamente ligado à constituição. Entre a norma constitucional (parâmetro) e a norma objeto não há nenhum ato interposto. Por isso, se a norma objeto viola a norma parâmetro, a violação será antecedente/direta/imediata. 32 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/1950, que prevê a prerrogativa do prazo em dobro, é constitucional, tendo em vista a precariedade estrutural das Defensorias Públicas?. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/363ce3cd61389226b4a55b2aee2dacd7>. Acesso em: 25 mai. 2022. CF Lei Decretos http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 145 Verifica-se que a lei está diretamente ligada à Constituição Federal, que é o seu fundamento de validade. Entre a lei e a Constituição Federal, não há ato interposto. Logo, se a lei violar a Constituição Federal, a inconstitucionalidade da lei será direta. Em regra, o controle abstrato só é admitido nos casos de inconstitucionalidade direta. 3.5.2. Inconstitucionalidade indireta ou mediata Ocorre quando há um ato interposto entre o objeto impugnado e o parâmetro violado. Por exemplo, entre um decreto e a Constituição Federal, há uma lei (ato interposto). Desta forma, se o decreto for incompatível com a Constituição Federal, a inconstitucionalidade do decreto será indireta, em razão do ato normativo interposto. Em regra, esse decreto não é admitido como objeto de controle abstrato (ADI, ADC ou ADPF). Há duas espécies de violação indireta: a) Inconstitucionalidade indireta consequente: ocorre quando a inconstitucionalidade do objeto é uma consequência da inconstitucionalidade de outro ato intermediário. Em outras palavras, a inconstitucionalidade de uma norma decorre da nulidade de outro ato superior, que é seu fundamento de validade. Por exemplo, um decreto é inconstitucional, porque a lei que ele regulamenta é inconstitucional. Se a lei for incompatível com a CF/88, por consequência, o decreto também será inconstitucional, embora se atenha aos limites legais. Neste caso, há uma inconstitucionalidade direta da lei e uma inconstitucionalidade indireta do decreto. A inconstitucionalidade do decreto ocorre não porque ele viola a lei, mas porque o seu fundamento de validade (a lei) é inconstitucional. Como a inconstitucionalidade do decreto decorre da inconstitucionalidade da lei, trata-se de uma inconstitucionalidade consequente, já que ela é consequência da inconstitucionalidade da lei. Nos casos de inconstitucionalidade consequente, há uma exceção à regra: a lei que viola diretamente a CF/88 pode ser objeto de uma ADI, ADC ou ADPF. Para o decreto não ficar “perdido” dentro do ordenamento jurídico, ele também poderá ser objeto da ADI, ADC ou ADPF. Assim, a inconstitucionalidade consequente é uma modalidade de inconstitucionalidade indireta, a qual admite que o ato seja objeto da ação, pois não faria sentido declarar a lei inconstitucional e deixar o decreto “vagando” no ordenamento jurídico. CF Lei Decretos http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 146 O STF pode utilizar a técnica da inconstitucionalidade por arrastamento, em que declara a inconstitucionalidade da lei e, por arrastamento, a do decreto que regulamenta a lei. Nesse sentido: STF - ADI 2.578/MG: “[...] Diversa seria a situação, no entanto, se os diplomas normativos em questão (Lei estadual nº 10.254/90 e Resolução nº 463/90) houvessem sido editados após a promulgação da EC nº 49/2001 e nesta tivessem o seu próprio fundamento de existência, de validade e de eficácia. É que, em tal situação (de todo inocorrente no caso ora em exame), a declaração de inconstitucionalidade da norma fundante (EC nº 49/2001) importaria, por necessário efeito consequencial, em "inconstitucionalidade por arrastamento ou consequente" dos diplomas normativos nela fundados...”. b) Inconstitucionalidade indireta reflexa (ou oblíqua): ocorre quando o ato viola diretamente uma lei e apenas indiretamente a Constituição. A lei é constitucional, mas o decreto é incompatível com ela. Neste caso, o decreto atingirá, reflexamente, a Constituição. Por exemplo, a lei é constitucional, mas o decreto exorbita os limites da regulamentação legal (decreto ilegal). Neste caso, o decreto violará a CF/88, pois o art. 84, VI, da CF prevê que compete privativamente ao Chefe do Executivo expedir decretos e regulamentos para a fiel execução da lei. Logo, o decreto, além de ser ilegal (por violar os limites da lei), também é inconstitucional, porque, por via reflexa, viola o art. 84 da CF/88. Quando a violação é apenas reflexa, o ato não pode ser impugnado perante o STF, como ocorre na inconstitucionalidade consequente. Nesse sentido: STF - ADI 3.132/SE: Ação direta de inconstitucionalidade: descabimento: caso de inconstitucionalidade reflexa. Portaria nº 001-GP1, de 16.1.2004, do Presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe [...]. Caso em que a portaria questionada, editada com o propósito de regulamentar o exercício de atividadefiscalizatória prevista em leis federais (...) e estadual (...), retira destas normas seu fundamento de validade e não diretamente da Constituição. Tem-se inconstitucionalidade reflexa - a cuja verificação não se presta a ação direta - quando o vício de ilegitimidade irrogado a um ato normativo é o desrespeito à Lei Fundamental por haver violado norma infraconstitucional interposta, a cuja observância estaria vinculado pela Constituição”. 4. FORMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 4.1. QUANTO À NATUREZA DO ÓRGÃO 4.1.1. Controle jurisdicional http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 147 É exercido pelos órgãos jurisdicionais. No sistema jurisdicional, a primazia para exercer o controle repressivo é conferida a juízes e tribunais, como ocorre no Brasil e nos EUA. 4.1.2. Controle político É exercido por órgãos sem poder jurisdicional. O sistema político de controle é adotado por países em que o exercício é atribuído ao Poder Legislativo ou aos órgãos criados especificamente para esse fim, a exemplo do Conselho Constitucional francês. OBS.: Quando adotados simultaneamente, a depender do tipo de lei ou ato normativo, há o sistema misto. Ex.: Na Suíça, as leis locais são submetidas ao controle jurisdicional e as leis nacionais ao controle político realizado pela Assembleia Nacional. 4.2. QUANTO AO MOMENTO O critério está ligado à forma de controle. 4.2.1. Preventivo É aquele exercido durante o processo legislativo com o intuito de evitar uma violação da Constituição. Ex: MS preventivo e HC preventivo. No Brasil, esse controle pode ser exercido pelos três poderes: 1) Poder Legislativo Em regra, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) é encarregada de exercer o prévio controle de constitucionalidade dos projetos de lei ou de proposta de emenda. Essa comissão é importante, pois pode, inclusive, arquivar projetos de lei que entenda incompatíveis com a CF/1988. Tal arquivamento pode ser contestado por meio de requerimento advindo de um quórum específico de congressistas. Exemplo: Durante o governo do Lula, houve uma comissão para analisar a legislação referente ao aborto. O anteprojeto previa a descriminalização do aborto no 1º trimestre de gestação. Quando esse projeto chegou à Câmara dos Deputados, a CCJ o barrou, afirmando que era incompatível com o direito à vida, previsto na CF/88. O projeto de lei foi arquivado e ninguém fez o requerimento do desarquivamento. O Plenário também pode exercer o controle preventivo de constitucionalidade. A CCJ pode entender que o projeto de lei é constitucional, mas os parlamentares, ao votarem, podem ter um entendimento diverso. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 148 A delegação atípica é uma espécie de delegação feita pelo Congresso Nacional ao Presidente da República para que elabore a lei delegada. Neste caso, o Presidente solicita ao Congresso uma delegação para elaborar lei sobre determinado tema e, posteriormente, o Congresso analisa e aprova (ou não) a lei criada. Trata-se, portanto, de controle feito antes de ocorrer uma violação à CF/88. OBS.: Em regra, na delegação típica, o Presidente da República solicita, o Congresso Nacional autoriza e, a partir desse momento, todo o restante do processo de elaboração da lei delegada se passa no âmbito do Poder Executivo, a lei delegada não volta para o Congresso Nacional analisá-la. Contudo, no art. 68, § 3º, da CF, há uma hipótese de delegação atípica, tendo em vista que o Congresso pode editar uma resolução delegando a lei ao Presidente, ressalvando que o Parlamento analisará se a lei é compatível ou não com a CF/88. Logo, como a lei retorna ao Congresso Nacional, há um controle feito antes de a CF/88 ser violada. Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional. (...) § 3º. Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em votação única, vedada qualquer emenda. 2) Poder Executivo Há duas espécies de veto: a) Político: ocorre quando o Chefe do Executivo entende que o projeto de lei é contrário ao interesse público. Neste caso, não se trata de controle de constitucionalidade, e sim de juízo político; b) Jurídico: ocorre quando o Chefe do Executivo entende que o projeto de lei é incompatível com a Constituição Federal. Há uma análise jurídica. Como o tema foi cobrado em concurso? (MPE/SP – MEP/SP – 2022) Ao contrário do veto por inconveniência, o veto por inconstitucionalidade é um tipo de controle de constitucionalidade, podendo ser revisto pelo Supremo Tribunal Federal em caso de emprego dos fundamentos de inconstitucionalidade indevidamente, inclusive mediante mandado de segurança. Errado! O exercício do controle preventivo pelo Chefe do Poder Executivo somente ocorre no veto jurídico. Art. 66. (...) § 1º. Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto. (...) http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 149 3) Poder Judiciário O controle preventivo é exercido pelo Poder Judiciário de modo excepcional. A única hipótese de controle preventivo é o mandado de segurança impetrado por parlamentar, quando inobservado o devido processo legislativo constitucional. Vale destacar que: • Somente o parlamentar que participa efetivamente do processo legislativo tem o direito público subjetivo à observância do processo legislativo. Se o processo não for observado, o parlamentar terá um direito líquido e certo violado. Logo, poderá impetrar o mandado de segurança; • O parlamentar deve participar efetivamente do processo legislativo. Por exemplo, se o projeto de lei está em tramitação na Câmara dos Deputados, um senador ou um deputado estadual não podem impetrar o mandado de segurança; • Um exemplo clássico de atuação do Poder Judiciário nessas hipóteses é a violação ao art. 60, § 4º, da CF; CF, art. 60, §4º: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. • Este tipo de controle é considerado concentrado, pois somente o STF ou o TJ têm competência para analisá-lo, a depender do caso. Ao mesmo tempo, o controle é incidental/concreto, pois envolve direito subjetivo do parlamentar. • No Brasil, não existe controle preventivo abstrato. • O fato de haver um controle preventivo não impede que haja, posteriormente, um controle repressivo. Ex.: Se o mandado de segurança for julgado improcedente, nada impede que, depois do projeto se converter em lei ou da proposta se transformar em emenda constitucional, haja uma ação de controle repressivo de constitucionalidade. Imagine, por exemplo, que o parlamentar impetra o mandado de segurança e, antes do julgamento da ação, ele perde o mandato. Por ser um direito público subjetivo do parlamentar, o mandado de segurança será extinto sem julgamento de mérito por perda do objeto (perda superveniente da legitimidade). Este procedimento é diferente do adotado na ADC, ADI e ADPF propostas por partido político com representação no Congresso Nacional, tendo em vista que, mesmo que o partido político perca o seu representante após a propositura da ação, esta prossegue até o julgamento final. Isso porque, nessa situação, o que está em jogo é a supremacia da Constituição, e não direito público subjetivo. STF - MS 31.816-MC/DF: “Devido processo legislativo. Controle judicial.Cabimento. Legitimidade ativa ad causam exclusiva do parlamentar em http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 150 exercício. Mandado de segurança conhecido. Limites constitucionais ao poder de deliberação legislativa acerca do veto presidencial. Art. 66, §§ 4º e 6º, da CF/88. Sobrestamento das demais proposições até a deliberação do veto pendente. possibilidade.” STF – MS 27.971/DF: EMENTA: [...] PERDA SUPERVENIENTE, PELO IMPETRANTE, DE SUA CONDIÇÃO POLÍTICO-JURÍDICA DE PARLAMENTAR. IMPOSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO MANDAMENTAL. LEGITIMAÇÃO ATIVA “AD CAUSAM” QUE DEVE ESTAR PRESENTE, JUNTAMENTE COM AS DEMAIS CONDIÇÕES DA AÇÃO, NO MOMENTO DA RESOLUÇÃO DO LITÍGIO (CPC, ART. 462).” Não se pode declarar a inconstitucionalidade formal da lei sob o argumento de que houve mero descumprimento das regras do regimento interno, sendo indispensável o desrespeito às normas constitucionais que tratam sobre o processo legislativo O controle judicial de atos “interna corporis” das Casas Legislativas só é cabível nos casos em que haja desrespeito às normas constitucionais pertinentes ao processo legislativo (arts. 59 a 69 da CF/88). Tese fixada pelo STF: “Em respeito ao princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal, quando não caracterizado o desrespeito às normas constitucionais pertinentes ao processo legislativo, é defeso ao Poder Judiciário exercer o controle jurisdicional em relação à interpretação do sentido e do alcance de normas meramente regimentais das Casas Legislativas, por se tratar de matéria ‘interna corporis’.” STF. Plenário. RE 1297884/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 11/6/2021 (Repercussão Geral – Tema 1120(Info 1021).33 Como o tema foi cobrado em concurso? (DPE/SE - CESPE – 2022) No sistema brasileiro, não se admite o controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade. Errado! 4.2.2. Repressivo O controle repressivo se refere ao controle feito depois que já houve violação à CF. Visa reparar ofensas à constituição. 1) Poder Legislativo O Poder Legislativo exerce o controle repressivo em três hipóteses: a) Súmula 347 do STF: Súmula 347 do STF: O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público. 33 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Não se pode declarar a inconstitucionalidade formal da lei sob o argumento de que houve mero descumprimento das regras do regimento interno, sendo indispensável o desrespeito às normas constitucionais que tratam sobre o processo legislativo. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/3eb65004054f5d21fca4087f5658c727>. Acesso em: 25 mai. 2022. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 151 O Tribunal de Contas não é subordinado nem pertence ao Poder Legislativo. É um órgão auxiliar do Poder Legislativo (razão de poder exercer este controle). O Tribunal de Contas não pode declarar uma lei inconstitucional, não pode realizar o controle abstrato, mas pode, no exercício de suas atribuições, afastar a aplicação de uma lei que seja incompatível com a CF/88. Por exemplo, quando Itamar Franco foi governador de MG, havia um dispositivo da Constituição mineira, permitindo a efetivação de servidores públicos após certo período, sem a necessidade de realização de concurso público. Este dispositivo violava a regra de obrigatoriedade de concursos públicos, prevista na CF/88. O TC, ao analisar a prestação de contas, entendeu que, embora o ato do governador tenha se baseado em norma da constituição estadual, ela era incompatível com a CF/88 e, por isso, sua aplicação poderia ser afastada. Portanto, dentro do exercício de suas atribuições de fiscalização, o Tribunal de Contas poderá apreciar se determinado ato normativo e/ou lei, são compatíveis ou não com a constituição. Como o rol de legitimados para propor a ADI, ADC e ADPF foi ampliado a partir do advento da CF/88, Gilmar Mendes defende que o enunciado da Súmula 347 está superado e não deve ser mais utilizado. No entanto, a súmula não foi revogada pelo STF e continua válida. b) Art. 49, V, da CF O art. 49, V, da CF atribui ao Congresso Nacional a competência exclusiva para sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar (decretos e regulamentos) ou que exorbitem os limites da delegação legislativa (lei delegada). Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...) V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Por exemplo, a CF/88 prevê que cabe ao chefe do Poder Executivo expedir decretos e regulamentos para fiel execução da lei. Imagine que a lei trate do assunto X. O Presidente da República, ao regulamentar a lei X, além de tratar do assunto X, trata também do assunto Y, o que exorbita os limites da regulamentação legal. Logo, o Congresso Nacional pode editar um decreto legislativo sustando a parte do decreto regulamentar do chefe do Poder Executivo que exorbitou os limites legais. O mesmo ocorre nos casos em que o Presidente da República solicita ao Congresso Nacional uma delegação para elaborar uma lei delegada. Indaga-se: o decreto legislativo, elaborado pelo Congresso Nacional para sustar uma lei delegada, pode ser objeto de ADI, ADC ou ADPF? Sim. Segundo o STF, o decreto legislativo que suspende ato normativo também tem caráter normativo. Desse modo, ele também pode ser objeto de controle abstrato. ADI 748/RS: “O decreto legislativo, editado com fundamento no art. 49, V, da Constituição Federal, não se desveste dos atributos tipificadores da http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 152 normatividade pelo fato de limitar-se, materialmente, a suspensão de eficácia de ato oriundo do poder executivo. Também realiza função normativa o ato estatal que exclui, extingue ou suspende a validade ou a eficácia de uma outra norma jurídica. A eficácia derrogatória ou inibitória das consequências jurídicas dos atos estatais constitui um dos momentos concretizadores do processo normativo.” c) Art. 62 da CF: Art. 62: Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. A medida provisória produz eficácia desde a sua edição. Logo, se o Congresso entender que a medida provisória é incompatível com a Constituição, poderá rejeitá-la. O Congresso Nacional pode analisar três aspectos em relação à medida provisória: • Se a medida provisória observou requisitos objetivos (relevância e urgência). Aqui, por meio de uma comissão mista, o Congresso Nacional analisa se estão presentes a relevância e urgência. Trata-se de análise de constitucionalidade formal; • Se a matéria pode ser veiculada por medida provisória. Há certos conteúdos que são vedados pela CF/88 (art. 62, §1º, da CF). Se uma MP trata de matéria vedada expressamente pela CF/1988, o Congresso Nacional pode rejeitá-la; • Verificar se a MP trata do assunto de maneira compatível com a CF/88. O Congresso Nacional analisa se o conteúdo da medida provisória é compatível com a CF/88. 2) Poder Executivo O chefe do Poder Executivo pode negar cumprimento a uma lei que considere inconstitucional. OBS. 1. Não existe subordinação entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Todos se encontram no mesmo patamar e estão subordinados à CF/88. 2. O Poder Executivo está subordinado à lei, porém não está subordinado ao Poder Legislativo. O Poder Executivo só é obrigado a cumprir uma lei e dar execução a ela, pois a constituição assim determina (princípio da legalidade). Esse raciocínio se aplica aoPoder Judiciário. Logo, se a lei elaborada pelo Congresso Nacional for incompatível com a CF/88, o Poder Executivo poderá se recusar a dar cumprimento a ela. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 153 3. Somente o chefe do Poder Executivo pode exercer esse controle no âmbito do Poder Executivo. Ex.: Na época do “apagão”, após a edição da MP por Fernando Henrique Cardoso, o governador de MG (Itamar Franco) negou cumprimento à lei, por considerá-la inconstitucional. Ressalte-se que o chefe do Poder Executivo pode negar cumprimento até que haja uma decisão do STF sobre a lei. Para o Chefe do Executivo poder negar cumprimento a uma lei que considere inconstitucional, sem praticar crime de responsabilidade, e para que não haja intervenção federal no Estado ou uma intervenção estadual no Município, deverá justificar o seu ato e dar publicidade a ele. Há controvérsia na doutrina sobre a possibilidade de, após a CF/88, ser possível a negativa de cumprimento de uma lei pelo Chefe do Poder Executivo: • 1ª corrente: a controvérsia decorre do fato de que, após a CF/88, várias autoridades passaram a ter legitimidade para propor ações de controle de constitucionalidade. Assim, parte da doutrina sustenta que, se o Presidente da República e os Governadores podem propor uma ADI, não se justifica que eles neguem cumprimento a uma lei que considerem inconstitucional. Neste caso, deveriam se direcionar ao STF e, em caso de urgência, pedir uma liminar; • 2ª corrente (intermediária): Gilmar Mendes defende que, após a CF/88, é possível a negativa de cumprimento, porém, por uma questão de coerência, o Chefe do Executivo deve, concomitantemente, ajuizar a ADI perante o STF; • 3ª corrente: O STF e o STJ entendem que, mesmo após a CF/88, o Chefe do Executivo pode negar cumprimento a uma lei. Indaga-se: 1) A competência é extensível a outras autoridades e órgãos? Não. Somente o Chefe do Poder Executivo é competente para negar cumprimento à lei que considere inconstitucional. 2) O CNJ e O CNMP podem exercer o controle de constitucionalidade? Inicialmente, o STF entendeu que o CNMP e o CNJ são órgãos administrativos, razão pela qual não teriam competência para exercer o controle de constitucionalidade. STF – MS 27.744/DF (1ª Turma): “[...] 2. O Conselho Nacional do Ministério Público não ostenta competência para efetuar controle de constitucionalidade de lei, posto consabido tratar-se de órgão de natureza administrativa, cuja atribuição adstringe-se ao controle da legitimidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público federal e estadual (art. 130-A, § 2º, da CF/88). Precedentes (...).” http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 154 STF – Pet 4.656/PB: “[...] 3. Insere-se entre as competências constitucionalmente atribuídas ao Conselho Nacional de Justiça a possibilidade de afastar, por inconstitucionalidade, a aplicação de lei aproveitada como base de ato administrativo objeto de controle, determinando aos órgãos submetidos a seu espaço de influência a observância desse entendimento, por ato expresso e formal tomado pela maioria absoluta dos membros do Conselho. Entretanto, no início de 2021, o CNJ acrescentou o art. 4º, § 3º, da Resolução nº 67/2009, que esclareceu o tema. Art. 4º, § 3º, da Resolução CNJ 67/2009. “O CNJ, no exercício de suas atribuições, poderá afastar, por maioria absoluta, a incidência de norma que veicule matéria tida por inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal e que tenha sido utilizada como base para a edição de ato administrativo”. Atualmente, a decisão incidental e a decisão abstrata têm efeitos erga omnes e vinculantes (ADI 3.406 e 3.470). A princípio, pode parecer que o dispositivo acrescentado à resolução é ineficaz. Todavia, o dispositivo legal ressalta que a resolução cita “matéria tida por inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal”. Assim, se há uma lei que foi declarada inconstitucional, pode haver uma outra lei (de conteúdo idêntico), de outro estado, por exemplo, que continue sendo aplicada, pois a decisão não transcende. Diante disso, o CNJ não pode exercer o controle de constitucionalidade, porém pode deixar de aplicar a lei, quando a matéria contida já tenha sido declarada pelo STF como incompatível com a CF/88. Ex.: O STF declarou inconstitucional a lei estadual de SP. MG tem uma lei com o mesmo conteúdo. O CNJ pode deixar de aplicar a lei estadual de MG, pois aquela matéria já foi considerada inconstitucional pelo STF. Neste caso, os ministros do STF entendem que o CNJ não está exercendo o controle de constitucionalidade, e sim aplicando um entendimento já consagrado pelo STF. Em suma, os órgãos de caráter administrativo não podem exercer o controle de constitucionalidade. Contudo, o CNJ pode afastar a incidência de uma norma, quando a matéria nela contida já tenha sido objeto de análise pelo STF e este tenha considerado a matéria incompatível com a CF/88. 3) Poder Judiciário Em regra, o Poder Judiciário exerce o controle repressivo. Os Poderes Executivo e Legislativo exercerão o controle repressivo de forma excepcional. O Poder Judiciário exerce o controle repressivo de dois modos: a) Controle concentrado: é feito por meio de um único órgão. No Brasil, o controle é feito pelo STF (quando o parâmetro for a CF/88) ou o TJ (quando o parâmetro for a constituição estadual); http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 155 b) Controle difuso: é feito por todos os órgãos do Poder Judiciário. Trata-se de controle aberto. 4.3. QUANTO À COMPETÊNCIA JURISDICIONAL Os controles de constitucionalidade concentrado e difuso somente podem ser realizados por órgãos jurisdicionais. 4.3.1. Controle difuso É aquele que pode ser exercido por qualquer juiz ou tribunal. Também chamado pela doutrina de “controle aberto”, porque não existe uma restrição quanto ao órgão que irá exercer esse tipo de controle. Também é conhecido como “sistema norte-americano de controle”, porque o surgimento desse tipo de controle costuma ser atribuído à decisão proferida por Marshall (1803), no caso “Marbury vs Madison” (decisão que criou as bases teóricas do controle de constitucionalidade). Outros precedentes estadunidenses nos quais o controle difuso foi exercido: a) Hayburn’s Case (1792): a Suprema Corte não chegou a se pronunciar sobre a constitucionalidade da lei impugnada. No entanto, 5 de seus membros (dentre 6 membros) declararam a lei inconstitucional, enquanto membros das Cortes de Circuito; b) Hylton’s Case (1796): a Suprema Corte foi questionada sobre a constitucionalidade de um ato do Congresso, porém não o declarou inconstitucional. Por outro lado, declarou a constitucionalidade do tributo impugnado. Apesar disso, a Suprema Corte exerceu o controle de constitucionalidade. Na Inglaterra, há quem mencione o caso do juiz Sir Edward Coke que, em 1610, já exercia o controle difuso. No Brasil, o controle difuso foi consagrado pela primeira vez na Constituição de 1891. 4.3.2. Controle concentrado Somente pode ser exercido por determinados órgãos do Poder Judiciário e neles se concentra, por isso se diz que é reservado. No Brasil, o controle concentrado é exercido pelo: a) STF: quando o parâmetro é a Constituição Federal; b) TJ: quando o parâmetro é a Constituição Estadual. http://www.iceni.com/infix.htm CS: CONSTITUCIONAL - PARTE I 2023.1 156 Também chamado de “sistema europeu”, por ter sido adotado por vários países europeus, ou de “sistema austríaco”, por ter sido criado por Hans Kelsen, que introduziu esse controle na constituição da Áustria de 1920. O controle concentrado foi introduzido pela Constituição de 1934, com a inclusão da representação interventiva. O controle abstrato