Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Laísa Dinelli Schiaveto Fibrose Cística INTRODUÇÃO A Fibrose Cística (FC) ou mucoviscosidade é uma doença hereditária autossômica recessiva, monogênica, que atinge as glândulas exócrinas, com evolução crônica e progressiva. Essa mutação ocorre no gene que regula a CFTR (proteína condutora de cloro), responsável por controlar a permeabilidade ao íon cloro nas células epiteliais, que está presente no braço longo do cromossomo 7, sendo mais comum em caucasianos. A expectativa dos indivíduos acometidos, no Brasil, é 18 anos, enquanto nos EUA é 35 anos. FISIOPATOLOGIA Existem 6 possíveis mutações: • Mutação de Classe I: ausência total da síntese da proteína. • Mutação de Classe II: bloqueio no processamento da proteína, causando degradação da proteína e não ancoragem no epitélio. • Mutação de Classe III: bloqueio na regulação da proteína que está presente na superfície celular. • Mutação de Classe IV: condutância alterada por mutações que modificam a translocação do cloro pelo poro da proteína. • Mutação de Classe V: síntese da proteína reduzida. • Mutação de Classe VI: degradação precoce da proteína por instabilidade celular. As mutações I, II e III são associadas as manifestação graves, enquanto as mutações IV, V e VI são associadas aos fenótipos de menor gravidade. A mutação do gene impede a saída de cloro em quantidades suficientes, o que atrai sódio e água a se acumulares dentro da célula. Isso leva à secreção extracelular mais desidratada e viscosa. Nesse sentido, não ocorre fluidificação das secreções, ocasionando num muco mais espesso (mucoviscosidade). A presença de muco mais espesso permite a proliferação de microrganismos, que ocasiona uma bronquiectasia infectada, além da destruição e cicatrização nos ductos exógenos e a obstrução, sobretudo no sistema respiratório, digestório e cardiovascular. - Principais Microrganismos Oportunistas: Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa e Bordetella pertussis. Além disso, os tecidos dos canais deferentes exigem o funcionamento adequado da proteína CFTR, assim, nos pacientes com FC, 98% do sexo masculino são estéreis por obstrução do ducto deferente (azoospermia obstrutiva – agenesia bilateral), porém, há chances de fertilização in vitro. Outros tecidos sensíveis são as glândulas sudoríparas. Dessa forma, uma vez que há disfunção nos canais, há acúmulo de cloro e sódio no suor, bem como de água, por isso, o suor é salgado e a doença é conhecida como a doença do beijo salgado. Essa alteração leva à grandes chances de desidratação grave. Ainda, o pâncreas exócrino é afetado, pois não ocorre passagem de cloro, sódio e de água para o lúmen dos ductos pancreáticos, e, com isso, não há formação de bicarbonato no lúmen, aumentando, assim, a viscosidade. Por sua vez, isso ocasiona numa redução do conteúdo hídrico da secreção pancreática, que, também, fica mais ácida. Assim, ocorre obstrução dos ductos e fibrose do pâncreas. - O pâncreas exógeno não funcionante resulta em baixo ganho pondero-estatural, diarreia, esteatorreia e constipação. Como há alteração da excreção de enzimas hepáticas, há dificuldade na emulsificação e digestão de gorduras. Por isso, tem-se a esteatorreia e a falta de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), sendo necessária a reposição. Além disso, o muco espesso reduz o fluxo biliar, ocasionando uma obstrução biliar fecal, lesão no epitélio da via biliar e outros efeitos. Laísa Dinelli Schiaveto Portanto, tem-se uma insuficiência pancreática exócrina e a deficiência de sais biliares, levando à má digestão de gorduras, proteínas e carboidratos. Por fim, como há retenção de sódio na célula, há baixos níveis de sódio sérico. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Vias Aéreas Superiores - Pansinusite crônica: seios paranasais completamente acometidos; - Otite média crônica; - Pólipos nasais (quando não há outra causa que explique, devemos pensar em FC); - Anosmia; - Defeitos na audição. Vias Aéreas Inferiores - Tosse persistente; - Pneumonias de repetição; - Bronquiolite persistente; - Atelectasias; - Sibilância sem resposta aos broncodilatadores; - Bronquiectasias com evolução para insuficiência respiratória crônica. Fases Avançadas: tosse com expectoração purulenta, sobretudo pela manhã, frequência respiratória aumentada, dificuldade expiratória, cianose periungueal, baqueteamento digital acentuado e alterações na caixa torácica. Pâncreas - Insuficiência exócrina (80 a 85%); - Pancreatite (2 a 4%); - Diabetes mellitus (2 a 5%). Obs.: A confirmação da insuficiência pancreática é fundamental para promover a terapêutica correta de reposição enzimática e dieta. Gastrointestinal - Íleo meconial; - Atraso na eliminação de mecônio (obstrução do íleo terminal por mecônio espesso), que se traduz na distensão abdominal e vômito biliar nas primeiras 24 horas de vida; - Esteatorreia; - Prolapso retal; - Má absorção de nutrientes. Hepatobiliar - Obstrução biliar: o aumento da viscosidade e diminuição do fluxo biliar predispõem o paciente à obstrução dos canais foliculares biliares, reação inflamatória, fibrose biliar e cirrose; - Fibrose periportal; - Icterícia obstrutiva. Fertilidade - Atraso na puberdade; - Esterilidade em 98% dos homens e 20-30% das mulheres. Glândulas Sudoríparas - Perda de sódio e cloro no suor. DIAGNÓSTICO 1. Triagem Neonatal: Através do teste do pezinho, a quantidade de IRT (tripsinogênio imunorreativo) é dosado, o qual é precursor da tripsina, formada no pâncreas exócrino. Assim, quando existe FC, a IRT vai estar aumentada e a tripsina diminuída. Então, quando o teste for positivo, ele deve ser repetido em até 30 dias. Se persistir positivo, deve-se realizar a dosagem de cloro no suor em duas amostras. 2. Teste de Cloro no Suor (Iontoforese): A dosagem de cloro no suor é feita em duas amostras, com estímulo da pilocarpina, sendo que o tempo de coleta não deve ultrapassar 30 minutos. • Confirmado: quando a concentração de cloretos é maior que 60 mEq/L. Laísa Dinelli Schiaveto • Duvidoso: quando a concentração de cloretos está entre 40 a 60 mEq/L e com forte suspeita de FC, deve-se realizar o teste novamente. Obs.: Os resultados falsos-positivos podem ocorrer em doenças raras, como insuficiência suprarrenal não tratada, displasia ectodérmica, hipoparatireoidismo, diabetes insípidus, deficiência de glicose-6-fosfato, entre outras. Já, falsos-negativos podem ocorrer nos casos de hipoproteinemia e edema. 3. Sequenciamento Genético: Consiste no sequenciamento completo do gene CFTR. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PRESENÇA DE UM OU MAIS SINTOMAS OU HISTÓRIA FAMILIAR DE FIBROSE CÍSTICA OU TESTE DO PEZINHO POSITIVO + DOSAGEM DE CLORO NO SUOR ≥ 60 mEq/L OU MUTAÇÃO COM DOIS ALELOS CARACTERÍSTICOS. SUSPEITA DE FIBROSE CÍSTICA Deve-se sempre suspeitar de fibrose cística quando: • Sinais de desidratação sem causa aparente; • Alcalose metabólica hipoclotêmica com ou sem hiponatremia; • Presença de íleo meconial; • Tríade: anemia, hipoproteinemia e edema; • Bronquiolite com evolução prolongada e sem melhora. TRATAMENTO 1. Fisioterapia respiratória: consiste na medida mais eficaz. 2. Fluidificação das Secreções: consiste na administração de soro fisiológico, broncodilador e n-acetilcisteína; no entanto só é eficaz se está associada à fisioterapia respiratória 3. Outros tratamentos: - Hidratação adequada; - Dieta hipercalórica, hiperproteica e normo ou hiperlipídica, dependendo da avaliação nutricional do paciente; - Reposição de enzimas pancreáticas; - Antibioticoterapia nos casos de infecções oportunistas. LEMBRAR: Pacientes com FC não devem ficar próximos de outros pacientes com FC, a fim de evitar infecção cruzada de microrganismos oportunistas. Antibioticoterapia – Infecções Oportunistas• Staphylococcus aureus: cefalosporinas de 1ª geração (cefazolina, cefalotina, cefadroxila ou cefalexina) ou 2ª geração (cefoxitina, cefuroxima e cefaclor). • Pseudomonas aeruginosa: cefalosporinas de 3ª geração (ceftazidima) e 4ª geração (cefepime). • Bordetella pertussis: macrolídeos ou clindamicina.
Compartilhar