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1UNIDADE_ BIOQUÍMICA CLÍNICA (1)

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1UNIDADE: BIOQUÍMICA CLÍNICA
LABORATÓRIO CLÍNICO: DA TEORIA À PRÁTICA
Heloísa Ciol
OLÁ!
Você está na unidade Laboratório clínico: da teoria à prática. Conheça aqui a
dinâmica de um laboratório de análises clínicas desde a coleta até o processamento
das amostras; como esse laboratório se estrutura, que inclui o ambiente físico da
coleta, os equipamentos necessários para realização dos exames e quais as
principais técnicas utilizadas para exames de diagnóstico clínico.
Aprenda sobre a importância do equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base no
diagnóstico clínico, além dos conceitos fisiopatológicos de uma doença de grande
importância de saúde pública: a diabetes mellitus. Estude as características dessa
patologia, suas classificações, quais exames são indicados para o seu diagnóstico e
como interpretá-los com base nos conhecimentos de fisiologia que a unidade
proporciona.
Bons estudos!
1 Dinâmica do laboratório na coleta de amostras
Laboratórios ou postos de coleta de material para exames são estruturas físicas de
entidades públicas ou particulares que fornecem atendimento e orientação para
pacientes que precisam realizar coletas de material biológico para diversas
finalidades de exames. A estrutura desses laboratórios precisa seguir
recomendações técnicas para estabelecer um fluxo de trabalho que não
comprometa as amostras nem a saúde dos profissionais (BRASIL, 2002b).
1.1 Biossegurança e proteção individual adequada
Os profissionais que realizam coletas, chamados de flebotomistas, precisam de
equipamentos de proteção individual (EPI) antes de entrar em contato com o
paciente. Confira os principais equipamentos utilizados no quadro abaixo.
Quadro 1 - Itens essenciais de equipamento de proteção individual (EPI)Fonte:
Elaborado pela autora, baseado em BRASIL, 2002b.
#PraCegoVer: na imagem, há um quadro trazendo os principais itens de
segurança que devem ser utilizados por um profissional de coleta, bem como
suas respectivas funções.
1.2 Cuidados com materiais perfurocortantes
Materiais contaminantes como seringas, tubos e agulhas devem ser descartáveis e
de uso exclusivo e individual para o paciente. Após o uso, esses materiais devem
ser descartados em caixa exclusiva para descarte de perfurocortantes. Uma vez
cheias, as caixas para descarte devem ser recolhidas pelo serviço de coleta
hospitalar da cidade ou região (BRASIL 2002).
1.3 Coleta de sangue
Para a coleta de sangue, o profissional deve estar devidamente paramentado para a
realizar a coleta. Após colocar o garrote, o profissional deve solicitar que o paciente
abra e feche as mãos, e o local da punção deve ser limpo com isopropanol, álcool
etílico 70% ou solução de iodeto antes de inserir a agulha.
1.4 Amostras
Se as amostras forem coletadas com seringa, devem ser despejadas gentilmente no
tubo, de forma a escorrer pelas laterais do tubo, para evitar hemólise. Amostras
coletadas diretamente em tubos a vácuo devem ser misturadas por inversão de
cinco a dez vezes antes de levadas para transporte.
As amostras devem ser protegidas da exposição direta à luz, principalmente em
exames cujos compostos analisados podem degradar facilmente se expostos a ela
(exemplo: bilirrubina) (BRASIL, 2002b).
1.5 Transporte para o laboratório
As amostras coletadas devem ser acondicionadas em sacos plásticos, caixa térmica
e, caso precisem ser levadas a um laboratório fora da planta do posto de coleta, em
caixa com gelo, de preferência, reciclável, atentando para que as amostras não
fiquem em contato direto com o gelo.
1.6 Processamento
O tempo de armazenagem interfere diretamente na contagem de plaquetas em
análises hematológicas. Amostras de soro devem ser centrifugadas imediatamente
após a coagulação para análise. Amostras de plasma precisam ser centrifugadas
imediatamente após a coleta. Após tais processos, as amostras devem ser mantidas
refrigeradas e, preferencialmente, sem troca de tubos.
2 Coleta de sangue para exames: a venopunção
Agora, vamos estudar um pouco mais sobre punção de sangue venoso, também
conhecido como venopunção. Além da técnica para a coleta de sangue, existem,
ainda, diferentes itens de coleta que merecem a devida atenção, os quais serão
destacados neste tópico.
2.1 Local da punção e o preparo do profissional flebotomista
Os flebotomistas devem escolher veias calibrosas, comumente localizadas na parte
interna do braço, um pouco abaixo da dobra do cotovelo. Essa região recebe o
nome de fossa antecubital, e por ela passam várias veias próximas à pele, que
facilitam a visualização e a punção. Dentre essas veias, a de maior interesse para o
profissional de coleta de sangue em laboratório clínico são as veias cefálica,
basílica, cefálica mediana e cubital mediana, que são identificadas na figura abaixo.
Figura 1 - Veias principais do braço utilizadas na venopunçãoFonte: Blamb,
Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: na imagem, há a figura frontal de um braço em posição
anatômica apresentando as principais veias que participam da circulação,
dentre elas as veias cefálica, basílica, cefálica mediana e cubital mediana.
As veias do dorso da mão podem ser usadas caso o acesso às veias da fossa
antecubital não esteja disponível. Veias nos membros inferiores só devem ser
puncionadas com autorização médica, por aumentarem o risco de flebites,
tromboses ou mesmo necrose tissular (SUMITA, 2010).
Uma vez identificada a veia para punção, o profissional deve solicitar ao paciente
que abaixe o braço e abra e feche as mãos, para relaxar a musculatura e reduzir a
pressão no interior dos vasos antes de proceder com o uso do garrote ou torniquete.
2.2 Garrote ou torniquete
É utilizado para aumentar a pressão interna dos vasos e facilitar a coleta de sangue
nos tubos de ensaio. Pode ser de uso individual ou não e, preferencialmente, não
devem ser de látex, pois vários pacientes têm alergia a esse tipo de material. Caso
ocorra contaminação do torniquete com sangue do paciente, deve ser descartado
imediatamente em local adequado.
O torniquete deve ser posicionado de 7,5 cm a 10 cm acima da fossa antecubital e
sua aplicação não deve exceder o tempo de um minuto. Tempos maiores que um
minuto levam a alterações laboratoriais, pois a estase sanguínea leva a um quadro
de hemoconconcetração e infiltração de sangue para os tecidos, refletindo em
alteração do volume celular, hemólise e nos índices de íons potássio e cálcio e
homólise.
2.3 Recomendações ao paciente
Ao paciente que fará o exame, recomenda-se jejum adequado conforme o exame
indicado (o tempo de jejum varia de acordo com a análise que será realizada) antes
de realizar a coleta. Na sala de coleta, deve ser acondicionado em cadeira com um
suporte para braço, que deve estar a uma altura abaixo da altura do ombro e que
permita que o paciente fique com o braço esticado ou levemente inclinado para
baixo durante a coleta.
3 Interferências nos exames laboratoriais
Embora pareça simples, a coleta de sangue é uma tarefa que exige concentração,
cuidado e habilidade do flebotomista para evitar interferência nos resultados
coletados. Neste tópico, você verá quais fatores são responsáveis pelas variações
em resultados e como a conduta do paciente e do profissional de saúde são
imprescindíveis para evitar resultados equivocados por má conduta da coleta,
processamento ou análise das amostras.
3.1 Relação do paciente com os resultados do exame
Diversos exames podem sofrer alterações se colhidos em condições inadequadas.
No quadro abaixo estão alguns fatores que influenciam em variações nos exames.
Quadro 2 - Fatores de interferência em exames e sua relação com o resultadoFonte:
Elaborado pela autora, baseado em SUMITA, 2010.
#PraCegoVer: na imagem, há um quadro contendo os fatores que influenciam
nos resultados dos exames no ato da coleta e quais são as implicações
desses fatores nos resultados esperados.
3.2 Amostras e variações: a influência da conduta do profissional e do
cuidado das amostras
A estabilidade das amostras coletadas é crucial para uma boa análise e um bom
resultado clínico dosexames. O tempo de espera, temperatura e condições de
transporte têm grande papel na manutenção da qualidade das amostras, uma vez
que variações bruscas de temperatura, choques mecânicos ou permanência
prolongada das amostras antes do processamento podem contribuir para agregação
de moléculas, hemólise e reações enzimáticas que muitas vezes comprometem a
análise.
Idealmente, a amostra não deve exceder o tempo de espera de uma hora antes do
início do processamento. Análises que utilizarão soro ou plasma devem ser
centrifugadas após a coagulação do sangue, quando necessário, e mantidas sob
refrigeração até o início das análises. A temperatura tem um papel fundamental na
qualidade das amostras, pois muitos compostos, como enzimas e fatores de
coagulação, são termoinstáveis.
Caso o material precise ser enviado para um outro laboratório para análise, o
laboratório precisa seguir as diretrizes da terceirização, destacadas na Lei nº 6.019,
de 1974, na Lei nº 7.102, de 1983, e nas diretrizes da Resolução GMC 50/08, de
2009, documentos que contêm toda a regulamentação técnica para transporte de
substâncias infecciosas e amostras biológicas (SUMITA, 2010).
4 Fases do exame: pré-analítica, analítica e pós-analítica
Os exames laboratoriais podem ser categorizados em três fases distintas de acordo
com o estágio do processo de coleta: pré-analítica, analítica e pós-analítica. No
quadro abaixo, temos as colunas correspondentes a cada uma das fases,
destacando os estágios, principais fontes de erro e contribuição percentual de erro
de cada uma dessas fases para a qualidade e confiabilidade dos resultados.
Quadro 3 - Fases laboratoriais: estágios e principais erros envolvidosFonte:
Elaborado pela autora, baseado em SILVA et al., 2015.
#PraCegoVer: na imagem, há um quadro com três colunas, separadas em fase
pré-analítica, analítica e pós-analítica. Essas colunas trazem informações de
estágios de cada uma dessas fases, bem como os principais erros envolvidos
em cada uma delas, além de informar o quanto cada fase corresponde,
percentualmente, aos erros relacionados à qualidade e confiabilidade de
resultados.
5 Estrutura física do posto de coleta
As dimensões da estrutura física do posto de coleta podem variar conforme as
necessidades da região. De qualquer forma, segundo a normativa da ANVISA RDC
50/02 (BRASIL, 2002a), é obrigatório que os postos de coleta sigam as regras de
dimensão física:
● recepção para registro de pacientes, com cadeiras para espera;
● box de coleta com 1,5 m2 ou sala de coleta com pelo menos 3,6 m2;
● um dos boxes precisa ter maca e dimensões para tal;
● sanitários;
● O número de box deve suprir a demanda de 1 para 15 coletas/hora.
Quanto à construção e estrutura física, o local deve ter:
● pisos e paredes revestidos de material de fácil limpeza e lavagem, sem
frestas;
● bancadas com cantos arredondados feitas de materiais com baixa ou
nenhuma porosidade;
● prateleiras devem ser de materiais laváveis, devendo ter portas se
localizadas acima da cabeça dos funcionários;
● pia para higienização das mãos.
As normativas se estendem, ainda, para a arquitetura do prédio, e o posto de coleta
e o laboratório devem:
● respeitar o espaço mínimo para conforto dos pacientes;
● ter construções resistentes ao fogo;
● saídas de emergências devidamente sinalizadas;
● portas e corredores com largura adequada;
● proteção automática contra incêndio.
É importante que haja aparelhos para desinfecção, como autoclaves, nos postos de
coleta, além de centrífugas e banho-maria para auxiliar nas fases de
pré-processamento das amostras, quando necessário.
5.1 Limpeza e desinfecção das facilidades
A solução de hipoclorito de sódio na concentração de 1% é uma ótima solução
desinfetante e deve ser utilizada para limpeza de geladeiras, banho-maria e
vidrarias (que devem permanecer em molho por 30 minutos antes de serem
lavadas). As macas e prateleiras devem permanecer sempre limpas e higienizadas
(BRASIL, 2002b).
5.2 Descarte de materiais perfurocortantes
Todos os materiais perfurocortantes utilizados na coleta devem ser descartados em
recipiente com paredes rígidas e resistentes à perfuração, como caixas coletoras
específicas, até o preenchimento de dois terços de sua capacidade. As caixas
devem ser fechadas e seladas corretamente antes de serem encaminhados para a
coleta específica, seguindo as normativas da Associação Brasileira de Normas
Técnicas – ABNT (NBR 12.810/93) (BRASIL, 2002b).
6 Materiais utilizados na coleta em bioquímica clínica
Neste momento, adentaremos um pouco mais a fundo nos itens necessários para
fazer a coleta de sangue do paciente, como seringas, agulhas e tubos. Para isso,
vamos recapitular os passos necessários até aqui para que o profissional esteja
preparado para a coleta, de forma a minimizar ou mesmo eliminar os erros
relacionados à qualidade do exame:
● Verificar se o paciente está preparado corretamente para o exame (jejum,
dieta, repouso).
● Checar todos os pedidos de exame e identificar corretamente os tubos de
coleta.
● Uso correto de EPIs para segurança do profissional.
● Escolha da veia para venopunção.
● Uso do garrote ou torniquete e suas orientações.
6.1 Venopunção: posição da agulha e recomendações
A punção venosa pode ser feita tanto com sistemas a vácuo quanto com seringa e
agulha. Vamos ver a diferença entre eles na próxima seção, mas, independente da
escolha, a técnica de venopunção é a mesma para ambos, e deve ser monitorada
para evitar inserções erradas ou perfurações dos vasos.
6.2 Tipos de agulha
As agulhas para procedimentos possuem três partes: canhão, haste ou corpo e
biesel. O canhão é a parte que se encaixa à seringa; o corpo ou haste é a agulha
propriamente dita; e biesel é o nome que se dá à ponta da agulha, que pode ser
bifacetado, trifacetado e tratado com silicone ou não. Uma quantidade maior de
faces e o tratamento com silicone permitem uma penetração mais suave da agulha
na pele do paciente.
Figura 2 - Agulha para procedimentos e suas partesFonte: Alexander Baumann,
Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a imagem mostra uma seringa preenchida com líquido vermelho
e uma agulha acoplada a ela, com o intuito de identificar o canhão, a haste e o
biesel da agulha.
Nos sistemas de punção a vácuo, as agulhas não possuem canhão, mas sim uma
outra ponta, geralmente protegida por um adaptador de sistema a vácuo para que o
tubo possa ser inserido, aspirando o sangue da veia devido à presença do vácuo no
interior dos tubos. O calibre e o tamanho da agulha podem variar conforme a idade
do paciente.
6.3 A técnica para a punção
A punção venosa deve ser feita suavemente, formando um ângulo de 15° entre a
agulha e o braço, com o biesel da agulha voltado para cima até que o sangue flua
livremente pela agulha. Uma vez que o sangue entrar no biesel, o flebotomista pode
soltar o torniquete do paciente. No caso do uso de seringas, o profissional deve
puxar o êmbolo lentamente para evitar hemólise. Nos sistemas a vácuo, o
profissional deve encaixar gentilmente o tubo na seringa localizada dentro do
adaptador de sistema a vácuo.
O esquema ilustrado abaixo, baseado em Silva et al. (2015), mostra a técnica
correta de inserção da agulha a 15°, além de três exemplos de inserções incorretas
que podem prejudicar a coleta de sangue do paciente.
Figura 3 - Técnica de inserção da agulha para punção venosa e exemplos de
inserções incorretasFonte: Elaborada pela autora, baseada em SILVA et al., 2015.
#PraCegoVer: a imagem mostra um esquema de uma agulha inserida
corretamente na pele até atingir uma veia e três exemplos de inserções
incorretas em relação à posição do biesel (virado para baixo), inserção parcial
ou além da veia.
6.4 O uso de seringas e agulhas
As seringas foram usadas como método para punções venosas até meados da
década de 1940, quando surgiram os sistemas de punção a vácuo. Atualmente, a
venopunção com seringas é pouco usada, sendo substituída na grande maioria dos
postos pela coleta com sistema a vácuo.
O sistema de coleta com seringas é tambémchamado de sistema aberto, pois o
sangue do paciente precisa ser realocado aos tubos após a coleta. O uso de
seringas na coleta aumenta o risco de erros e perda da qualidade das amostras na
fase pré-analítica, pois o profissional precisa coletar o sangue e depois repassá-lo
aos tubos de ensaio. Isso pode levar a erros na transferência do material, aumentar
o risco de contaminação das amostras e reduzir a qualidade do material colhido
para exame. Além disso, aumenta o risco de contaminação do profissional de saúde
pela exposição direta ao sangue do paciente.
6.5 O sistema de coleta a vácuo
O sistema de coleta a vácuo é também chamado de sistema fechado, pois o sangue
do paciente não precisa de transferências entre tubos, pois já é coletado
isoladamente no tubo de análise. O sistema consiste em uma agulha acoplada a um
adaptador de vácuo que protege tanto o profissional da coleta quanto a amostra,
pois o encaixe de cada tubo à agulha é protegido por esse adaptador. Em alguns
casos, dependendo do acesso à veia do paciente ou da quantidade de material para
a coleta, o flebotomista também pode optar pelo uso de um escalpe.
Figura 4 - Sistema de coleta de sangue a vácuo Fonte: Andrii Bezvershenko,
Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a imagem mostra um sistema de coleta de sangue a vácuo, que
consiste em uma agulha acoplada a um sistema adaptador de tubos, onde a
outra extremidade da agulha fica protegida e onde os tubos de coleta serão
acoplados para a coleta.
6.6 Tipos de tubos de coleta
Os tubos de coleta de sangue podem ser de vidro ou de plástico. Os feitos em vidro
são menos resistentes a choques mecânicos e altas velocidades de centrifugação,
não têm tanta flexibilidade para serem usados diretamente em equipamentos e,
além disso, oferecem maior risco por quebrarem facilmente (SILVA et al., 2015).
Ainda, as paredes dos tubos de vidro podem interferir em exames laboratoriais,
principalmente os que investigam fatores da cascata de coagulação (SILVA et al.,
2015).
Os tubos de plástico, por sua vez, apresentam maior resistência a choques
mecânicos e conferem maior proteção aos profissionais que manipulam as
amostras. Justamente por serem mais maleáveis, podem ser centrifugados e
utilizados diretamente em outros maquinários, evitando o risco de contaminação ou
perda da amostra pelos processos de transferência.
6.7 Aditivos usados nos tubos e suas relações com os exames
Uma forma de preservar o sangue por mais tempo para as análises é adicionar um
anticoagulante à amostra, pois ele impede que a cascata de coagulação se inicie
por meio da inibição da coagulação. Esse aditivo, porém, pode interagir com
componentes do sangue e alterar resultados de análises. Devido a isso, cada tipo
de exame requer a coleta com um ou mais coagulantes específicos, a fim de manter
a qualidade da amostra. O anticoagulante deve ser utilizado em uma concentração
específica para o volume de sangue coletado.
A coagulação é um processo fisiológico para controlar sangramentos e
reparar lesão tecidual. É uma sequência de reações – chamada de cascata de
coagulação – que envolve plaquetas e fatores de coagulação (proteínas), até a
formação de uma rede de fibrina – o coágulo. Além dos fatores de coagulação,
há ainda cofatores, como o cálcio e a vitamina K, que auxiliam na sequência
de reações até a formação final do coágulo de fibrina.
Agora, veremos alguns tipos de anticoagulante.
Ácido etilenodiaminotetracético (EDTA)
O EDTA é uma molécula que se liga fortemente ao cálcio iônico do plasma
sanguíneo, bloqueando, assim, a cascata de coagulação. Sua molécula, no entanto,
pode provocar alterações estruturais em fatores de coagulação e substâncias
associadas, como o fator V, o fibrinogênio e a trombina, por isso, não pode ser
usado como anticoagulante em exames que irão analisar fatores relacionados à
coagulação do paciente (SILVA et al., 2015).
Normalmente, os sais de EDTA são adicionados aos tubos de coleta, vaporizados
na parede do tubo em uma quantidade de 1,5 mg a 2,2 mg de sal de ml de sangue.
Esses valores foram preconizados pelo conselho internacional de padronização em
hematologia (International Council for Starndardization in Heamatology – ICSH). Os
sais de EDTA podem ser sais de sódio (EDTA-Na2) ou potássio (EDTA-K2 ou
EDTA-K3) (SILVA et al., 2015).
As amostras coletadas em EDTA têm maior durabilidade quando refrigeradas, mas,
ainda assim, a longa exposição do sangue ao sal de EDTA pode levar a alterações
na morfologia celular e gerar resultados de exames equivocados. Por conta disso,
recomenda-se que sejam processadas em, no máximo, 24h, para evitar resultados
equivocados (SILVA et al., 2015).
Citrato de sódio
Assim como o EDTA, o citrato de sódio também é um sal que se liga ao cálcio para
impedir a coagulação sanguínea. O uso desse sal como anticoagulante é
recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) preferencialmente na
concentração de 3,2% na forma de sal di-hidratado (Na3C6H5O7.2H2O) (SILVA et
al., 2015).
Heparina
A heparina é um outro anticoagulante bastante utilizado na clínica, mas cuja ação é
inibir a molécula de antitrombina e parar a coagulação. A concentração de uso
dessa molécula é de 10 a 30 U/mL de sangue (SILVA et al., 2015).
A heparina é amplamente utilizada para exames que dependem das características
morfológicas das células, mas não é indicada para avaliar hemograma completo do
paciente, por induzir aglutinação de leucócitos e plaquetas. Ainda, a heparina inibe
atividades enzimáticas, e por isso não deve ser usada em exames que dependerão
de enzimas para serem realizados, como é o caso das reações em cadeia da
polimerase (PCR) (SILVA et al., 2015).
Fluoreto de sódio
O fluoreto de sódio é um adjuvante utilizado primordialmente para inibir a via
glicolítica e impedir a degradação da glicose nas amostras de sangue. A ação
anticoagulante do fluoreto de sódio é fraca, e por isso ele normalmente é utilizado
em conjunto com EDTA ou oxalato (outro quelante de cálcio). Recomenda-se para
uso a concentração de 2 a 3 mg de sal por mL de sangue.
Basicamente, o fluoreto de sódio atua como inibidor da enzima enolase, uma
enzima da cadeia glicolítica. A inibição dessa enzima previne que a glicose do
sangue seja metabolizada pelas células após a coleta. É o adjuvante usado nos
exames para a dosagem da glicemia (SILVA et al., 2015).
6.8 Padrão de identificação dos tubos de coleta
Como acabamos de ver, existem diversos tipos de adjuvantes e anticoagulantes que
são utilizados na coleta de sangue para preservar a amostra até o seu
processamento. Além disso, vimos que o sistema de coleta a vácuo, hoje, é o
sistema de escolha para testes clínicos por ser um sistema fechado que garante
esterilidade à amostra e segurança ao profissional de saúde.
Justamente pela escolha de um sistema fechado, a indústria de insumos
bioquímicos aprimorou os tubos de coleta, e hoje eles podem ser encontrados já
com o adjuvante na concentração ideal para cerca de 10 mL de sangue. Esses
tubos, no entanto, precisam conter uma identificação que os diferencie uns dos
outros e que seja intuitiva, para que o flebotomista não cometa equívocos entre o
tipo de adjuvante e as amostras para análise. Essa identificação, ainda, precisa ser
padronizada para evitar erros entre marcas diferentes de tubos a vácuo.
A coleta de sangue deve seguir uma sequência dos tubos para evitar
contaminações do sangue com substratos incompatíveis às análises. Para isso, o
Instituto de Padrões Clínicos e Laboratoriais (CLSI) criou uma ordem correta para a
coleta com tubos a vácuo, que pode ser visualizada no quadro abaixo.
Quadro 4 - Ordem dos tubos e razões para talFonte: Elaborado pela autora,
baseado em SILVA et al., 2015.
#PraCegoVer: na imagem, há um quadro apresentando a ordem dos tubos de
coleta em quatro colunas, sendo que a primeira coluna mostra a ordem da
coleta; a segunda, o aditivo contido no tubo de coleta; a terceira, a cor da
tampa do tubo; e a quarta, que mostra o motivo da escolha dessa ordem.
7 Conhecendo o laboratório de bioquímicaVocê já parou para pensar como são realizados os exames laboratoriais em geral?
Já se perguntou como seria se todos os processos dependessem exclusivamente
de técnicos, funcionários e profissionais desempenhando todas as funções e etapas
dos exames?
Com o avanço da tecnologia, principalmente na área de saúde, a automação se
tornou uma realidade necessária e obrigatória a laboratórios clínicos, tanto para
agilizar a análise de exames quanto para refinar a padronização e dar maior
confiabilidade aos resultados. Foi com essa finalidade que ela entrou como um
passo essencial na medicina laboratorial nas últimas décadas (CAMPANA;
OPLUSTIL, 2011).
A definição de Campana e Oplustil (2011, p. 120) sobre automação resume
sucintamente esse conceito:
Automação é a aplicação de técnicas computadorizadas ou mecânicas com o
objetivo de tornar um processo mais eficiente, maximizando a produção com menor
gasto de energia e gerando maior segurança. Entendemos por gasto de energia a
aplicação de mão de obra especializada em atividades de baixa geração de valor,
gasto de tempo, desperdícios etc.
Ela permite conferir maior precisão na leitura das amostras, reduzir os erros de
análise, reduzir os gastos com insumos e profissionais pelo processamento de
várias amostras simultaneamente em um mesmo equipamento, gerenciar
remotamente os processos analíticos, a padronização de protocolos e favorecer a
elaboração de laudos através da integração de diferentes plataformas.
Neste tópico, vamos conhecer um pouco mais sobre estes maquinários que
compõem um laboratório bioquímico e como e para que são utilizados.
7.1 A automação nas diferentes fases analíticas da amostra
A automação pode favorecer um laboratório clínico desde a fase pré-analítica até a
fase pós-analítica. O investimento em maquinários para essas etapas precisa estar
ligado à demanda do laboratório e à sua capacidade de processamento de
amostras, pois existem diversos sistemas de automação, dos mais simples, como
uma centrífuga de bancada, aos mais complexos, como robôs e braços robóticos.
A automação está mais presente na fase analítica dos exames, na qual inúmeros
testes são parcial ou totalmente automatizados. No entanto, grandes centros de
análise podem expandir essa automação tanto para as fases pré quanto
pós-analítica.
Na fase pré-analítica, grandes centros de análise podem automatizar o
processamento e o transporte das amostras com o uso de robôs móveis, esteiras de
transporte ou braços robóticos, reduzindo os impactos do transporte e do tempo de
espera pra o processamento inicial das amostras.
Na fase analítica, o uso e adaptação de técnicas biofísicas e conhecimentos
bioquímicos permitiram automatizar praticamente todos os ensaios hematológicos,
bioquímicos e imunológicos que são realizados atualmente. Com a automação,
dezenas ou centenas de amostras podem ser processadas por hora, permitindo
além disso reduzir o consumo de insumos e o lixo gerado.
Na fase pós-analítica, pode-se encontrar a automação completa do armazenamento
de amostras e organização de bibliotecas de soro (soroteca).
Vamos focar, agora, nos equipamentos mais utilizados no laboratório durante a fase
analítica e conhecer um pouco mais sobre as técnicas biofísicas e bioquímicas
utilizadas para gerar laudos e resultados.
7.2 Os equipamentos necessários para um laboratório clínico
Em um laboratório clínico, você irá encontrar equipamentos dos mais simples aos
mais automatizados, mas que são essenciais para um bom funcionamento dos
ensaios que ali serão realizados. No quadro abaixo, temos descritos os principais
equipamentos que são encontrados em laboratórios.
Quadro 5 - Equipamentos essenciais em um laboratório clínicoFonte: Elaborado
pela autora, baseado em BRASIL, 2002b.
#PraCegoVer: na figura, há um quadro que destaca os equipamentos
essenciais em um laboratório clínico, listando na coluna da esquerda quais
são esses itens, e na da direita as suas funções.
Esses equipamentos podem estar presentes nas quantidades necessárias para
cada demanda, mas são itens essenciais para a montagem de um laboratório
clínico.
A seguir, vamos destacar algumas técnicas e instrumentação em laboratório para
que você possa compreender um pouco mais como os ensaios são realizados.
7.3 Espectrofotometria
A espectrofotometria é uma técnica física baseada em dois princípios básicos:
A absorção da luz por substâncias em comprimentos de onda específicos.
A quantidade de luz absorvida é proporcional à quantidade de substância em um
determinado caminho óptico com tamanho definido (ARNESON; BRICKELL, 2007).
Cada substância tem características próprias que resultam em uma absorbância
maior ou menor de luz. Nem sempre toda a luz é absorvida quando passa por um
meio, e a quantidade de luz transmitida quando um feixe passa por uma
determinada substância (chamada de transmitância) também pode fornecer
resultados importantes.
Espectrofotômetros são equipamentos que medem a quantidade de luz absorvida
por uma substância através de uma comparação inicial e final da quantidade de luz
emitida pelo feixe. Esses equipamentos podem varrer uma grande faixa de
comprimentos de onda, indo do UV até a o infravermelho.
De forma simplificada, um espectrofotômetro é composto por:
● Uma ou duas fontes de luz – Vão do espectro visível ao ultravioleta
(geralmente, lâmpadas de tungstênio para o espectro visível – 380 a 750 nm
– e lâmpada de deutério para a faixa do ultravioleta – 100 a 380 nm).
● Monocromador – Um filtro de luz que permite filtrar um único comprimento
ou faixa de comprimento de onda para a análise.
● Fenda de passagem – Auxilia a selecionar o comprimento de onda
específico desejado.
● Cubeta – Para colocar a solução.
● Fotodetector – Para detectar a luz transmitida (a que não foi absorvida) pela
amostra e converter o sinal de energia luminosa em energia elétrica.
● Medidor – Para registrar o dado coletado.
A figura a seguir ilustra de forma simplificada como todas essas peças se organizam
para o funcionamento de um espectrofotômetro.
Figura 5 - Esquema didático de um espectrofotômetroFonte: extender_01,
Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a imagem mostra um esquema do princípio de um equipamento
de espectrofotometria, no qual há uma luz, representando a fonte de luz,
irradiando sobre um prisma (monocromador), um aparato com uma fenda à
frente do prisma, seguido de uma cubeta que contém uma solução por meio
da qual passa a luz, e um fotodetector conectado a um medidor à frente.
Assista aí
A fotometria pode ser considerada uma subdivisão da espectrofotometria. Trata-se
da ciência que mede a quantidade de luz em um determinado comprimento de
onda. Os equipamentos para fotometria são mais simples que os
espectrofotômetros, pois não fazem leitura em todo o espectro de luz, mas sim de
comprimentos de ondas específicos conforme a aplicação. No entanto, os princípios
físicos para a análise dos resultados são os mesmos. No laboratório clínico, as
técnicas fotométricas são rotineiramente utilizadas para análises de inúmeros
exames.
A grande maioria dos equipamentos utiliza os conhecimentos ópticos da luz. É
possível explorar como forma de análise e diagnóstico todas as formas de interação
da luz com a matéria: absorção, emissão, espalhamento e reflexão. Vamos
aprofundar o conhecimento em duas técnicas bastante utilizadas na rotina
diagnóstica de um laboratório clínico, a turbidimetria e a nefelometria, que se
baseiam na absorção e espalhamento da luz pela substância analisada.
Turbidimetria e nefelometria
Tanto a turbidimetria quanto a nefelometria são técnicas fotométricas que medem o
quanto a luz é capaz de interagir com uma amostra. A turbidimetria mede a perda
de intensidade de luz quando ela passa por uma amostra, enquanto a nefelometria
mede o quanto a luz se espalha ao passar pela amostra (ARNESON; BRICKELL,
2007). Geralmente as fontes de luz usadas nesses equipamentos são de alta
intensidade, como lasers ou lâmpadas de tungstênio, que incidem em uma cubeta
onde se encontram as amostras.Turbidimetria
É usada para medir alterações da transmissão da luz quando ela passa por um
meio, ou seja, detecta a luz que conseguiu passar pela amostra. De forma geral, é
usada para a análise de pequenas partículas, medindo a absorbância da luz, e
podendo também ser usada para medidas quantitativas de marcadores, plasma ou
urina (VON MUHLEN; BENDER, 2009).
Nefelometria
É um método bem mais sensível, sendo utilizado para medir a dispersão da luz,
detectando o espalhamento da luz ao passar por uma amostra. A dispersão da luz é
influenciada pelo tamanho das partículas em solução, pela concentração da
amostra, pelo comprimento de onda utilizado no ensaio e pelo índice de refração do
meio. Devido a essa complexidade, é uma técnica totalmente automatizada, usada
geralmente para determinar proteínas específicas (anticorpos, proteína C
ultrassensível, fator reumatoide etc.) (VON MUHLEN; BENDER, 2009).
A figura abaixo exemplifica de forma mais clara como essas duas técnicas se
correlacionam.
Figura 6 - Diferença entre turbidimetria e nefelometriaFonte: Elaborada pela autora,
baseada em VON MUHLEN; BENDER, 2009; StockBURIN, Shutterstock, 2020;
Gossip, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a imagem mostra uma fonte de luz incidindo sobre um jogo de
lentes e atingindo uma amostra em tubo de ensaio. Desse tubo de ensaio,
saem duas flechas indicando a trajetória da luz após passar pela amostra:
uma com o ângulo de 0°, indicando a luz transmitida (turbidimetria) e outra
com o ângulo maior que 0° e menor que 90º, indicando a luz espalhada
(nefelometria).
7.4 Imunoensaios
Imunoensaio é um método analítico que usa anticorpos ou antígenos como
reagentes (ARNESON; BRICKELL, 2007). São ensaios usados amplamente em
diagnóstico há mais de 40 anos, e seu princípio está presente desde o diagnóstico
de anticorpos contra vírus até em testes caseiros como o de gravidez.
Antígenos são moléculas de proteína ou oligossacarídeos que conseguem ativar
uma resposta imune (produção de anticorpos). Anticorpos, por sua vez, são um
complexo de proteínas produzidos por linfócitos B que reconhecem antígenos e se
ligam a eles. No organismo, essa marcação de antígenos pelos anticorpos funciona
como uma sinalização do sistema imune para neutralizar e eliminar corpos
estranhos. Em laboratório, o conhecimento desse mecanismo de ação foi adaptado
a técnicas que, fazendo uso do mesmo princípio, conseguem marcar substâncias de
interesse para análise.
Existem diversos tipos de imunoensaios, categorizados de acordo com seu
mecanismo de ação e marcação da reação. Nesta seção, vamos analisar os
principais tipos de ensaio usados na clínica.
Ensaios de aglutinação
São ensaios em que um anticorpo reage com um antígeno presente em uma
partícula insolúvel, como uma célula, produzindo agregados (VON MUHLEN;
BENDER, 2009). Esses agregados precipitam o meio, e o teste pode ser lido por
técnicas fotométricas. O quadro a seguir descreve alguns dos tipos de ensaios de
aglutinação.
Quadro 6 - Tipos de ensaios de aglutinaçãoFonte: Elaborado pela autora, baseado
em VON MUHLEN; BENDER, 2009.
#PraCegoVer: na figura, há um quadro trazendo uma relação dos principais
tipos de teste de aglutinação utilizados na prática laboratorial clínica. Na
coluna da esquerda, temos os tipos de teste usados; na coluna central, há
uma breve explicação do funcionamento dos testes; e na coluna da direita,
existem exemplos de exames laboratoriais feitos rotineiramente por esses
testes.
Ensaios fluorescentes
São testes realizados com marcadores fluorescentes (fluoróforos) ligados ao
antígeno ou anticorpo. A fonte de luz do equipamento excita o fluoróforo, que emite
fluorescência. Quando ocorre a interação antígeno-anticorpo, o fluoróforo é liberado
no meio e a fluorescência emitida pode ser captada. Esses testes dependem de
equipamentos leitores de fluorescência.
Os ensaios de citometria de fluxo são baseados no princípio da fluorescência.
Células são misturadas com fluoróforos específicos e, ao passarem pelo capilar do
equipamento, são iluminadas com um feixe de luz laser e emitem uma
fluorescência. Essa fluorescência é captada pelo equipamento e fornece
informações sobre a população de células presente na amostra.
Fluoróforos produzem fluorescência quando são excitados por uma fonte de
luz de comprimento de onda específico. Esse comprimento de onda de
excitação varia conforme a natureza da molécula. O fluoróforo recebe essa
energia luminosa (fóton) e fica eletricamente instável, ejetando essa energia
na forma de fluorescência para voltar ao estado energético neutro. Tal ejeção
de fluorescência se chama emissão, e sempre é de um comprimento de onda
maior que o comprimento de onda de excitação.
Ensaios quimioluminescentes
Tratam-se de ensaios que detectam a emissão de luz produzidas por reações
químicas. Esses ensaios são geralmente utilizados para detectar a presença de
anticorpos na amostra do paciente. A reação de quimioluminescência ocorre com a
adição de um anticorpo comercial, que além de reconhecer o complexo
antígeno-anticorpo, possui um composto luminescente, como o luminol, conjugado a
ele. Para que esse composto emita luz, é preciso adicionar reagentes que iniciarão
uma reação química ou enzimática, produzindo a luz, que pode ser detectada e
quantificada por equipamentos ultrassensíveis.
Ensaios enzimáticos
Os imunoensaios enzimáticos permitem identificar antígenos e anticorpos. Nesses
ensaios, a interação de enzimas e substratos produz uma alteração na coloração da
solução, permitindo o diagnóstico.
Um dos imunoensaios enzimáticos mais conhecidos é o ELISA (do inglês
enzyme-linked immunosorbent assay). Nesse teste, antígenos ou anticorpos
comerciais para o ensaio de interesse são imobilizados em uma fase sólida (gel, por
exemplo), sobre a qual é adicionada a amostra de soro do paciente. O soro pode
ser detectado pela ação de uma enzima conjugada ao anticorpo reagente, que
catalisa um substrato adicionado na amostra e promove uma mudança de
coloração. Anticorpos podem ser detectados por ELISA direto ou indireto, e
antígenos podem ser detectados por ELISA sanduíche ou ELISA competitivo, como
mostra a figura a seguir.
Figura 7 - Os tipos de imunoensaios por ELISA: direto, indireto e sanduícheFonte:
Soleil Nordic, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a figura traz um esquema de três tipos de imunoensaio ELISA.
No primeiro quadrante, do lado esquerdo, há a representação do ELISA direto,
em que antígenos são representados por bolinhas laranjas imobilizadas em
uma superfície, seguido da adição de anticorpos conjugados a uma enzima,
que, ao reconhecerem o antígeno, formam o complexo antígeno-anticorpo e
emitem um sinal quando há a adição do substrato da enzima na reação. No
quadrante direito superior, há a representação do ensaio ELISA indireto,
mostrando o antígeno imobilizado em uma superfície, reconhecido pelo
anticorpo do paciente, e a adição de um segundo anticorpo que está
conjugado à enzima; No quadrante direito inferior, há a representação do
ELISA sanduíche, no qual um anticorpo é imobilizado em uma superfície para
reconhecer antígenos presentes na amostra do paciente. Uma vez formado o
complexo antígeno-anticorpo, um segundo anticorpo – conjugado à enzima –
é adicionado para reconhecer o antígeno.
ELISA direto
Ocorre quando a enzima é conjugada previamente ao próprio anticorpo do paciente,
seguida da adição do substrato que pode ser catalisado caso haja a formação do
complexo antígeno-anticorpo.
ELISA indireto
Ocorre quando um segundo anticorpo, conjugado à enzima, é adicionado à reação e
reconhece o anticorpo do paciente.
ELISA sanduíche
Um anticorpo é imobilizado no substrato para detectar antígenos circulantes (da
amostra do paciente). Um segundo anticorpo, conjugado à enzima e que também
reconhece o antígeno, é adicionado à solução, formando um sanduíche
anticorpo-antígeno-anticorpo.
ELISA competitivo
Detecta antígenos de forma inversa: quanto menor for a alteração da cor da
solução, maior é a quantidade de antígenos na amostra. Nele,um antígeno de
referência é imobilizado na placa; em paralelo, a amostra do paciente é incubada
com uma quantidade conhecida de anticorpos conjugados à enzima do ensaio.
Após o período de incubação, a amostra do paciente conjugada ao anticorpo é
adicionada à placa, e os anticorpos que não se ligaram ao antígeno da amostra se
ligam ao antígeno imobilizado na placa.
O poço da placa é lavado antes da adição do substrato. Quanto maior for a
mudança de cor da solução, maior é a quantidade de anticorpos que se ligaram ao
antígeno imobilizado, o que significa que a quantidade de antígenos na amostra era
baixa ou nula.
8 Equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base
Agora que você já teve uma boa introdução ao funcionamento do laboratório clínico,
vamos mergulhar um pouco mais nos principais exames que são realizados de
forma rotineira. Iniciaremos com o entendimento do conceito de equilíbrio
hidroeletrolítico e ácido-base, partindo para importância na manutenção dos íons e
pH e quais as principais disfunções relacionadas aos quadros de desequilíbrio. Após
a leitura deste tópico, você compreenderá, também, um pouco mais sobre o papel
fundamental dos íons na manutenção do nosso organismo.
8.1 Conceitos do equilíbrio hidroeletrolítico
A água compõe metade ou mais do nosso peso corpóreo e está presente tanto no
meio extracelular quanto no meio intracelular (ÉVORA et al., 1999). A maior parte da
água do nosso organismo está no compartimento intracelular (40% do peso
corpóreo), enquanto o restante se encontra no compartimento extracelular, que é
dividido em água intravascular (15%) e intersticial (5%).
Os equilíbrios hídrico e osmótico no organismo são mantidos por cátions, como íons
cálcio (Ca2+), potássio (K+), sódio (Na+) e magnésio (Mg2+), e ânions, como cloro
(Cl-) e bicarbonato (HCO3-), fosfatos e proteínas.
A composição dos líquidos intracelular (LIC) e extracelular (LEC) diferem
significativamente, principalmente em relação à quantidade de íons Na+, Cl- e
HCO3- encontrados no LEC. Essas diferenças são mantidas ativamente por
proteínas na membrana plasmática das células.
O equilíbrio hídrico é mantido pela excreção, sudorese e ingestão de água, mas
pode ser alterado em casos de desidratação, edema, e intoxicação hídrica.
A desidratação é uma redução na quantidade de água total do organismo. Pode
ocorrer por infecções e afecções do trato gastrointestinal, sudorese excessiva ou
mesmo por baixa ingestão de líquidos. Os sinais mais comuns são perda de peso,
perda de elasticidade da pele e hipotensão postural, acompanhados de sintomas
como febre, oligúria e taquicardia (ÉVORA et al., 1999).
Edemas também são alterações do equilíbrio hídrico, mas geralmente não são a
causa primária do desequilíbrio, e sim um indicativo de afecções renais, hepáticas
e/ou cardíacas.
O oposto à desidratação, a intoxicação hídrica pode ocorrer por excesso de ingesta
de água (mais raro) ou por excesso de administração de água e glicose via
parenteral. É possível identificar o quadro se o paciente apresentar náuseas, fadiga
e queda no volume urinário somados ao aumento de peso.
8.2 Sódio: função e alterações
O sódio é o íon mais abundante no LEC, participando tanto da transmissão de
impulsos nervosos quanto na contração muscular (ÉVORA et al., 1999). Os rins têm
um papel fundamental na manutenção de sódio no organismo, pois controlam
ativamente sua retenção e excreção. Como ressaltam Évora et al. (1999, p. 455), “o
equilíbrio hidroeletrolítico é regido por um princípio fisiológico importante: A água vai
para onde for o sódio”.
Veremos, agora, as alterações nas concentrações de sódio do organismo que
merecem atenção.
Hiponatremia
É a redução na concentração do íon sódio no plasma. Pode ocorrer por deficiência
de sódio ou por excesso de água no organismo – esta última é a forma mais
comum, geralmente associada à insuficiência renal.
Determinar a causa dessa redução é primordial para determinar o tratamento
adequado, pois a hiponatremia por depleção de sódio ocorre quando há perda de
Na+ através da perda de fluidos orgânicos (como diarreias, vômitos, sudorese
excessiva), enquanto a hiponatremia por diluição pode estar relacionada à
insuficiência cardíaca, cirrose e doenças renais.
Os sintomas de ambos os casos de perda de sódio são similares e envolvem, de
forma geral, confusão mental e alterações neurológicas como convulsões e delírio.
O tratamento consiste em repor o sódio, no caso da perda por depleção, ou, no
caso da hiponatremia por diluição, tratar como um caso de intoxicação hídrica.
Hipernatremia
É a retenção de sódio, aumentando a sua concentração no plasma. Nos quadros de
desidratação, está ligada à: perda de água, reposição de água insuficiente,
sobrecarga de sódio na alimentação ou mesmo uso excessivo de esteroides.
A sintomatologia é mais difícil de diagnosticar, pois o corpo tenta manter o equilíbrio
hídrico, mas os sinais podem se mostrar através de mucosas e boca secas,
alterações musculares como fraqueza e cãibras, febre e até sinais neurológicos. O
tratamento é feito com reposição do volume hídrico.
8.3 Potássio: função e alterações
Enquanto o sódio é o principal íon extracelular no organismo, o potássio é o cátion
intracelular mais importante, pois participa do funcionamento dos músculos
(neuroexcitação e contração), da formação das reservas energéticas de glicogênio e
de síntese de proteínas e principalmente do equilíbrio ácido-base. Os rins controlam
os níveis de potássio no organismo de forma conjunta e inversa com o sódio.
Hipopotassemia
A queda na concentração de potássio no organismo está diretamente ligada à perda
de fluidos orgânicos, que por sua vez podem estar relacionadas a doenças como
Cushing e síndrome de Cohn. O paciente também apresentará fraqueza muscular,
poliúria e alterações no SNC como letargia e irritabilidade, podendo se estender até
a complicações cardíacas. O tratamento consiste na reposição via oral ou
endovenosa do íon.
Hiperpotassemia
O excesso de potássio no organismo pode ocorrer por excesso de ingesta,
problemas renais, hemólise e quaisquer eventos que levem à degradação de
proteínas. Os sinais estendem-se desde fraqueza muscular até possíveis
complicações cardíacas. O tratamento se dá pela administração de soluções iônicas
sem potássio, como gluconato ou cloreto de cálcio.
8.4 Cálcio: função e alterações
O íon cálcio participa de inúmeros processos fisiológicos tanto a níveis moleculares
como a nível tecidual: é necessário para manter as membranas celulares,
participando da cascata de coagulação sanguínea, da formação dos ossos e até do
funcionamento correto do coração. Sua manutenção no LEC é mantida pelos
hormônios da tireoide (níveis de cálcio no sangue) e da paratireoide (equilíbrio do
cálcio nos ossos, absorção nos intestinos e eliminação pelos rins).
Hipocalcemia
Quadros comumente encontrados quando há retirada da paratireoide e insuficiência
renal. Os sintomas são mais clássicos e comuns de serem observados quando há
retirada do tecido glandular, levando à parestesia, cãibras, diarreias, convulsões e
arritmias. O tratamento de casos agudos deve ser feito via endovenosa, e a
continuidade do tratamento por via oral, com administração simultânea à vitamina D
(ÉVORA et al., 1999).
Hipercalcemia
O excesso de cálcio no sangue pode ocorrer em casos de hiperparatireoidismo,
neoplasias, excesso de vitamina D e insuficiência da glândula adrenal. Esse quadro
pode se manifestar com sintomas de fraqueza, constipação, sonolência, vômitos e
alterações cardíacas. O tratamento de quadros agudos pode ser feito com uso de
diuréticos.
8.5 Magnésio: função e alterações
O íon magnésio também atua a níveis moleculares, em atividades enzimáticas, e
nos tecidos musculares, promovendo excitabilidade da fibra muscular. O controle de
magnésio no organismo está a cargo dos rins, através da excreção, e do
paratormônio.
Hipomagnesemia
A baixa concentração de magnésio no organismo pode estar ligada a inúmeros
fatores, que vão desde o alcoolismo até alterações e patologiasmetabólicas, como
cirrose, pancreatite e acidose diabética. Pode também surgir com alterações
hormonais (hiperaldosteronismo primário e hiperparatireoidismo). Os sinais e
sintomas atingem funções neuro-motoras, alterações cardíacas (taquicardia e
arritmia) e confusão mental. O tratamento consiste em administração endovenosa
de soluções contendo magnésio ou via oral de sulfato de magnésio.
Hipermagnesemia
O excesso de magnésio geralmente está associado a quadros de insuficiência renal
com comprometimento da excreção. Dentre os sintomas estão fraqueza muscular,
hipotensão, confusão mental e alterações cardíacas. O tratamento deve focar na
melhora da função renal, por meio de diálise. Administração de cálcio pode ser
usada como forma de melhora temporária por o íon cálcio ser antagonista ao íon
magnésio.
8.6 Conceitos do equilíbrio ácido-base
Para o metabolismo correto do organismo, a respiração celular consome grandes
volumes de oxigênio, gerando dióxido de carbônico (CO2). O CO2 produzido é
levado pela corrente sanguínea até os pulmões, para que ocorra a troca gasosa na
respiração. No entanto, o CO2 é capaz de reagir com a água do organismo e gerar
um ácido fraco – o ácido carbônico (H2CO3) –, que entra em um equilíbrio químico,
produzindo íons bicarbonato e hidrogênio circulantes:
Proteínas e fosfatos têm um papel crucial na manutenção do equilíbrio ácido-base,
pois atuam como tamponantes do organismo, mantendo o pH estável (que deve ser
de 7,35). No sangue, a hemoglobina (Hb) dos eritrócitos também participa na
manutenção do equilíbrio por se ligar ao hidrogênio circulante. A Hb tem carga
positiva e se liga ao H+ livre para formar o complexo HHb+, que reage então com o
oxigênio circulante e forma o complexo Hb-O2:
O conceito de pH em uma solução tampão foi descrito por Henderson e
Hasselbalch na equação de Henderson-Hasselbalch. Essa equação correlaciona o
pH de uma solução com a constante de dissociação dos ácidos (Ka), que pode ser
considerada igual ao pH quando as concentrações de ácido (A-) e base (AH) são
iguais.
No organismo, o ácido responsável por manter o pH estável é o ácido carbônico
(H2CO3), então podemos reescrever a equação de Henderson-Hasselbalch como:
Esta equação permite avaliar alterações encontradas no equilíbrio ácido-base,
permitindo avaliar indiretamente, por exemplo, a concentração de CO2 no
organismo.
É importante ressaltar que tanto o sistema respiratório quanto o sistema excretor
participam da regulação do equilíbrio ácido-base no organismo, uma vez que o
pulmão é responsável pela excreção de substâncias voláteis (gases), e os rins pelas
moléculas físicas (tampões). Quando há alterações no funcionamento pulmonar ou
renal, o equilíbrio ácido-base pode ser comprometido, gerando acidose (pH < 7,35)
ou alcalose (pH > 7,35), distúrbios estes que podem estar relacionados ao
metabolismo ou à respiração.
Assista aí
8.7 Alterações relacionadas ao metabolismo
As alterações metabólicas do equilíbrio ácido-base estão relacionadas ao
funcionamento dos rins, podendo ser de acidose metabólica ou de alcalose
metabólica.
Acidose metabólica
Aqui, os rins não conseguem eliminar o excesso de íons hidrogênio nem recuperar
os íons bicarbonato na filtração, reduzindo a proporção ideal de bicarbonato e ácido
carbônico para que ocorra a normalização do pH no organismo. Essas alterações
podem acontecer por aumento na produção de ácidos não-voláteis, como quadros
de cetoacidose, acúmulo de lactato ou intoxicação por metanol; alterações renais
como insuficiência renal crônica; ou por perda de bases, devido à má absorção
intestinal ou excesso de ingestão de ácidos, por exemplo (MOTTA, 2009)
Os quadros de acidose metabólica podem ser diagnosticados pela redução do
bicarbonato e do pH do sangue. Para tentar contornar o quadro, o indivíduo entra
em hiperventilação. Isso ocorre pois há aumento do influxo de O2 e da excreção de
CO2. Este mecanismo, no entanto, é funcional somente em quadros de acidose
aguda. Em casos de acidose crônica, o tratamento primário deve focar em corrigir a
causa primária, mas em casos em que o pH sanguíneo estiver bastante baixo (igual
ou menos que 7,2), deve-se considerar a administração de bicarbonato via
endovenosa.
Alcalose metabólica
Ocorre por excesso de bicarbonato no organismo, que pode ser resultado de
depleção de H+ ou ingestão em excesso de substâncias alcalinas. Perdas de H+ e
K+ podem levar ao quadro de alcalose metabólica, assim como administração
excessiva de carbonato de sódio (NaHCO3) ou de antiácidos (MOTTA, 2009).
As alcaloses metabólicas podem ser diagnosticas pelo aumento do pH sanguíneo e
dos íons bicarbonato. O indivíduo pode iniciar uma compensação respiratória para
tentar voltar o pH a 7,4, por meio da redução da respiração, mantendo o CO2 no
organismo por mais tempo e retardando as trocas gasosas. Em casos graves, o
tratamento deve ser feito com solução eletrolítica que vise reestabelecer os níveis
de potássio no organismo, para dessa forma facilitar a excreção de bicarbonato.
8.8 Alterações relacionadas à respiração
Alterações respiratórias também contribuem para quadros de acidose ou alcalose e
estão relacionadas a alterações pulmonares que impedem a troca gasosa correta
pela respiração.
Acidose respiratória
É o quadro em que o pulmão não consegue expelir o gás carbônico corretamente,
resultando em redução do pH sanguíneo. Esse quadro geralmente é resultante de
problemas respiratórios que comprometem o tecido pulmonar, como bronquite
crônica, enfisema pulmonar, asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).
Também pode ser resultante de inibição no sistema nervoso central (SNC) do
controle da respiração, ocasionado por fármacos, traumas ou infecções do SNC.
O quadro de acidose respiratória pode ser diagnosticado por meio de aumentos na
concentração de CO2 no sangue e da redução do pH (acidemia), podendo haver
compensação renal, caso o quadro seja crônico, levando à perda de potássio na
urina. O tratamento pode envolver desde suprimento de oxigênio via inalatória ou
por ventilação mecânica até ao uso de medicamentos que estimulam os centros
respiratórios no SNC.
Alcalose respiratória
Na alcalose, há excesso de eliminação de CO2 pelos pulmões. Esse quadro leva a
uma redução dos níveis séricos de CO2, resultando em aumento do pH sanguíneo.
Pode ocorrer em pacientes com problemas e enfermidades pulmonares (como
pneumonia, asma, edema etc) e comprometimento do centro respiratório no SNC
(como tumores, infecções, acidentes vasculares cerebrais etc).
O organismo tenta compensar esse desequilíbrio recrutando íons H+ do
compartimento intracelular, para reduzir a quantidade de íons bicarbonato no
plasma. Os rins auxiliam nessa manutenção por meio da retenção de H+ durante o
processo de filtração. Intervenções externas estão relacionadas ao tratamento das
condições que podem levar à acidose respiratória, ou mesmo através de respiração
mecânica nos quadros mais graves.
9 Gasometria: o estudo dos gases sanguíneos
O exame de gasometria permite avaliar o equilíbrio ácido-base de um paciente,
determinando os teores de gases no sangue, o pH, teor de ions bicarbonatos e
pressões parciais de CO2 (pCO2) e de O2 (pO2).
Tanto o sangue venoso quanto o sangue arterial podem ser usados para realização
do exame hemagasométrico. O sangue arterial, no entanto, apresenta vantagens
como escolha por não sofrer consequências de possíveis estases de fluxo, tendo
também valores de pH e de pO2 maiores, enquanto o sangue venoso apresenta
maiores concentrações de bicarbonato e pCO2 (CASTRO; KEENAGHAN, 2020).
9.1 A análise gasométrica
A análise gasométrica é feita com o sangue total do paciente. É importante
ressaltar que os valores de referência variam entre os sangues venosos e arteriais.
O ideal é que o exame seja analisado sem longas esperas da coleta, para evitar
interferência nos resultados.
As amostras são analisadas por equipamentos automatizados, que avaliam:
● pH sanguíneo;
● pressão parcial de O2 (pO2);
● pressão parcial de CO2 (pCO2);● concentração de íons bicarbonato;
● cálculo relativo (excesso/deficiência) de bases no sangue;
● saturação de O2.
Os resultados do exame permitem avaliar se as desordens encontradas são leves
ou graves, agudas ou crônicas e se são de origem metabólica ou respiratória. No
quadro a seguir, podemos visualizar como alguns desses parâmetros podem ser
analisados.
Quadro 7 - Índices medidos na gasometria e o que indicam Fonte: Elaborado pela
autora, baseado em MOTTA, 2009.
#PraCegoVer: na imagem, há um quadro com alguns parâmetros que são
analisados pelo exame de gasometria e o que eles significam.
10 Ionograma: o que é e como analisar
Ionograma é o nome do exame que quantifica os principais íons responsáveis por
manter o equilíbrio hidroeletrolítico no organismo. Além dos íons sódio e potássio, já
ressaltados no tópico anterior, os ânions cloretos também são abundantes no LEC e
de extrema importância para manutenção da pressão osmótica no organismo. Os
íons do organismo contribuem para os equilíbrios hidroeletrolítico e ácido-base, e
analisar a concentração sérica desses íons é de extrema importância.
O exame para analisar a concentração dos íons bicarbonato também pode receber
o nome de reserva alcalina. Na bioquímica clínica, entende-se por reserva alcalina
todos os íons que tem capacidade de neutralizar ácidos no sangue, sendo o
principal representante desse grupo os íons bicarbonatos.
O quadro a seguir mostra as condições de coleta, análise e valores de referência
dos três principais íons avaliados pelo ionograma.
Quadro 8 - Principais íons avaliados no ionograma, métodos e análise e valores de
referênciaFonte: Elaborado pela autora, baseado em MOTTA, 2009.
#PraCegoVer: na imagem, há um quadro trazendo os principais íons
analisados pelo exame ionograma, identificando como deve ser preparada a
amostra para análise, os métodos de diagnóstico utilizados na prática clínica e
os valores séricos de referência.
11 Casos clínicos
Para saber como podemos usar essas informações que tivemos até agora em um
caso clínico, separamos duas situações.
Caso 1
Uma paciente de 48 anos chega ao pronto socorro com a respiração superficial,
perda de consciência, mas frequência respiratória normal. A família informa ao
hospital que a paciente não estava se sentindo bem e confundiu um medicamento
para febre e dores em geral com um tranquilizante, tomando 40 gotas do
tranquilizante. Esse tranquilizante, em excesso, causa depressão respiratória. Os
exames gasométricos iniciais mostraram que o pH sanguíneo da mulher
encontra-se em 7,25, e que a pCO2 é de 80 mmHg.
Sabendo que a pressão de gás carbônico normal é de 35 a 45 mmHg, explique o
que levou a mulher a este quadro de alterações.
Resposta esperada: A paciente apresenta uma acidose por seu pH estar em 7,25,
quando o normal é de 7,35 a 7,45. A pCO2 está aumentada, indicando que o gás
não está sendo retirado totalmente do organismo.
O acúmulo de CO2 na corrente sanguínea causa uma acidose, neste caso, de
componente respiratório, pois o pulmão não está conseguindo eliminar os gases
devido à depressão respiratória causada pelo medicamento. Portanto, a paciente
entrou em um quadro de hipoventilação, o que levou ao acúmulo de CO2 no
organismo (aumento da pCO2) e redução do pH por aumento da concentração de
íons hidrogênio, o que levou à perda de consciência.
Caso 2
Um paciente idoso e acamado chega ao pronto-atendimento desorientado e muito
sonolento, reclamando de boca seca. Nos últimos três dias, o paciente apresentou
um desconforto gastrointestinal e teve um quadro de diarreia aguda, que levou à
perda de muito líquido. O paciente não foi internado para reposição do líquido
perdido e nem consumiu mais água ou soluções de soro caseiras para repor o
volume hídrico. O médico solicitou um ionograma completo do paciente, e os
valores de sódio apresentaram-se alterados: 158 mEq/L.
Sabendo que os valores de referência para o sódio são de 135 a 145 mmol/L e que
mEq = mmol para este caso, discuta o que pode ter acontecido com o paciente e
sugira uma possível conduta para solucionar o desequilíbrio encontrado.
Resposta esperada: O paciente perdeu uma grande quantidade de líquidos devido
ao desarranjo gastrointestinal pelo qual passou e está em um quadro de
desidratação. A perda de líquidos pelas fezes levou a um aumento da concentração
de sódio no organismo – hipernatremia –, o que explica os sinais e sintomas
apresentados pelo paciente. O quadro levou a uma desidratação dos
compartimentos intracelulares para compensar o desequilíbrio no meio extracelular.
Uma possível conduta indicada para o tratamento do paciente seria a administração
de soro fisiológico via intravenosa, com monitoramento do paciente, até que o
equilíbrio hidroeletrolítico se reestabeleça.
12 Pâncreas e insulina: fisiopatologia da diabetes mellitus
O pâncreas é uma glândula que pertence ao trato gastrointestinal, sendo composto
por:
Porção exócrina
Porção endócrina
12.1 Um breve histórico do pâncreas e da insulina
O pâncreas já é conhecido desde a Grécia Antiga, mas foi só no final do século XIX
que Minkowski descobriu sua relação com a diabetes, ao remover o órgão de cães e
observar que os animais se tornavam diabéticos. A correlação do pâncreas com
metabolismo dos carboidratos se concretizou em 1921, quando os pesquisadores
Frederick Banting, Charles Best e John Macleod conseguiram isolar a insulina pela
primeira vez do extrato pancreático, o que lhes rendeu o prêmio Nobel em 1923
(QUIANZON; CHEIKH, 2012). Em 1978, David Goeddel e sua equipe produziram
em Escherichia coli pela primeira vez uma insulina de DNA humano recombinante,
que chegou ao mercado farmacêutico no início da década de 1980. A partir de
então, aprimoramentos na síntese de insulina para aumentar sua eficácia
conseguiram melhorar a qualidade de vida dos pacientes diabéticos e reduzir as
complicações causadas pelas diabetes crônica não tratada.
12.2 Insulina e o metabolismo dos carboidratos
A insulina é uma proteína e o principal hormônio secretado pelas ilhotas
pancreáticas, uma vez que são produzidas nas células beta, e estas compõem
cerca de 60% dessas ilhotas no tecido endócrino do pâncreas.
Após o consumo de carboidratos na alimentação e a digestão inicial no trato
digestório, a glicose entra na corrente sanguínea e estimula rapidamente a liberação
de insulina. A insulina, por sua vez, atua se ligando a receptores específicos nas
membranas celulares e estimulando a internalização da glicose, armazenamento e
metabolização, principalmente nos tecidos musculares, adiposo e hepático
(GUYTON et al., 2006).
Nos músculos, a glicose só é utilizada durante exercícios intensos, caso contrário é
armazenada na forma de glicogênio quando há presença de insulina. O tecido
muscular em repouso usa preferencialmente ácidos graxos para gerar energia.
O tecido hepático também é de extrema importância no metabolismo e
armazenamento da glicose. Após a alimentação, a insulina liberada na corrente
sanguínea encontra receptores na membrana das células hepáticas e estimula
imediatamente a internalização da glicose e armazenamento na forma de
glicogênio. Esse glicogênio será usado como forma de energia pelo organismo nos
períodos de intervalo entre as refeições.
Quando o armazenamento de glicose em glicogênio atinge seu limite e a quantidade
de glicose internalizada pelos hepatócitos é maior que a capacidade de
armazenamento ou uso para o metabolismo celular, a insulina promove a conversão
do excesso de glicose em ácidos graxos. Esses ácidos são transformados em
triglicerídeos e lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL), sendo levados aos
tecidos adiposos pela corrente sanguínea e armazenados na forma de gordura
(GUYTON et al., 2006).
A ação da insulina na internalização de glicose pelas outras células do organismo
ocorre de forma semelhante. Essas células também precisam de receptores de
insulina para desencadearem a sinalização intracelular que resultará na entrada de
glicose para o citoplasma. No tecido adiposo, a glicoseé usada como substrato para
a porção glicerol que compõe os lipídios. No SNC, as células não usam insulina
para a internalização da glicose por serem células permeáveis à glicose, sem
precisar de transporte ativo da molécula para o seu citoplasma.
O pâncreas endócrino é composto principalmente por três tipos celulares:
as células alfa, que produzem glucagon e correspondem a cerca de 20% das
células da ilhota;
as células beta, que produzem insulina e correspondem a 50-80% das células;
e as células delta, que produzem somatostatina e compõem de 3-10% das
ilhotas.
O glucagon estimula a gliconeogênese e a glicogênese, aumentando a
glicemia; a insulina sinaliza para o uso e armazenamento da glicose. A
somatostatina inibe a ação endócrina do pâncreas e se comunica com o
sistema digestório. O equilíbrio entre todos esses hormônios envolve ações
do SNC e ajuda a manter a homeostase do organismo.
13 Síndrome do metabolismo da glicose: diabetes mellitus
A diabetes mellitus (DM) é uma síndrome de erro do metabolismo de carboidratos,
gorduras e proteínas, que pode ser causada tanto pela falta de produção de insulina
(DM tipo 1) quanto por perda de sensibilidade celular à insulina (DM tipo 2). Em
ambos os casos, as células não conseguem internalizar a glicose, há aumento da
glicemia e aumento no consumo de ácidos graxos e de proteínas pelas células
como tentativa de manter o metabolismo celular ativo mesmo em privação de
glicose.
A DM é assintomática em um primeiro estágio, quando a glicemia ainda não atingiu
valores tão discrepantes, sendo geralmente diagnosticada por exames laboratoriais.
No entanto, em indivíduos que não fazem acompanhamento clínico de rotina e a
doença progride lentamente sem tratamento, os sintomas podem aparecer com
aumento da enurese, sede, boca seca, aumento da fome, perda de peso e fadiga.
Os sinais já aparecem quando a DM atingiu um estágio grave e o paciente entrou
em um quadro de cetoacidose, com alterações respiratórias e dores abdominais,
podendo evoluir para um quadro crítico de acidose metabólica, que pode levar à
morte.
13.1 Diabetes mellitus tipo 1 (DM1): causas e tipos
A DM tipo 1 (DM1) é resultado da não produção de insulina pela degeneração das
células beta do pâncreas. O ataque às células beta pode vir de doenças virais,
doenças autoimunes ou mesmo resultante de fatores genéticos familiares que levam
à sua. É uma doença que frequentemente se manifesta na infância ou juventude,
mas pode aparecer em adultos de forma mais lenta.
A DM tipo 1 pode ser subdividida em dois tipos de acordo a causa primária que leva
à não produção de insulina: tipo 1A e tipo 1B.
13.2 Fisiopatologia da DM1
A não produção de insulina gera um quadro de hiperglicemia, refletindo em
desidratação e poliúria no paciente. Quando a glicemia atinge valores de 180 mg de
glicose por 100 mL de sangue nos rins, o excesso de glicose no plasma ultrapassa
os limites de reabsorção dos túbulos renais, levando à perda de glicose na urina.
No organismo como um todo, o excesso de glicose no sangue aumenta a pressão
osmótica dos fluidos extracelulares, promovendo a saída de água do interior das
células e levando a um quadro de desidratação intracelular.
Ainda, a perda de glicose na urina também provoca um efeito conhecido como
osmose diurética. O excesso de glicose no plasma reflete em glicosúria, pois os rins
não conseguem filtrar toda a glicose que passa pelos túbulos renais. A glicose que
passa para a urina, por sua vez, cria uma pressão osmótica e faz com que menos
líquido seja recuperado na filtração tubular dos rins, levando também a um quadro
de desidratação extracelular.
A redução dos reservatórios hídricos do corpo, por fim, gera um estímulo a nível de
SNC para que o paciente aumente o consumo de água, refletindo-se em sede
abundante.
13.3 Diabetes mellitus tipo 1A
A DM tipo 1A é a manifestação mais frequente da DM insulino-dependente, sendo
caracterizada pela presença de autoanticorpos contra as células beta do pâncreas.
Assim como para grande parte das doenças autoimunes, ainda não se sabe
exatamente o que leva o corpo a desenvolver anticorpos contra as células beta, mas
há correlações com fatores hereditários e ambientais, como infecções virais, dieta e
microbiota intestinal, que predispõem o sistema imune a atacarem o próprio corpo.
Os anticorpos se mostram presente no soro do paciente mesmo antes dos quadros
de hiperglicemia severa, e são um indicativo laboratorial da doença.
A Sociedade Brasileira de Diabetes (2017) traz em seu livro de diretrizes sobre a
doença os marcadores clínicos mais conhecidos e usados no diagnóstico da DM1:
anticorpos anti-ilhota (ICA)
anti-insulina (IAA)
antidescarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD65)
antitirosina-fosfatase e antitransportador de zinco (Znt8).
13.4 Diabetes mellitus tipo 1B
É o quadro de DM de origem idiopática, ou seja, de causas não totalmente
conhecidas. Neste caso, há ausência de autoanticorpos e o diagnóstico é feito por
presença de alterações nos exames de diagnóstico padrão.
13.5 Diabetes mellitus tipo 2 (DM2)
A DM tipo 2 (DM2) atinge preferencialmente a população acima de 45 anos. É a
forma mais comum da doença, correspondendo a mais de 90% dos casos de DM.
As causas do seu desenvolvimento estão relacionadas à herança genética e a
fatores ambientais, como hábitos e dietas, sedentarismo e obesidade, além de
hipertensão arterial e dislipidemias.
Ao contrário da DM1, em que as ilhotas param de produzir insulina, a DM2 se
desenvolve por uma resistência celular à ação da insulina, e a concentração de
insulina no plasma aumenta invés de cair. Sabe-se que alguns processos
inflamatórios contribuem para a instalação da DM2, como a deposição de gordura
visceral, que é um forte fator de risco ao desenvolvimento de DM2, pois o tecido
adiposo abdominal, quando hipertrofiado, produz fatores pró-inflamatórios
(citocinas) relacionados à resistência insulínica.
O aumento na produção de insulina ocorre como uma consequência do aumento da
concentração de glicose no sangue, uma vez que os tecidos periféricos se tornam
menos sensíveis à insulina (resistência insulínica), comprometendo o transporte
ativo da glicose para o interior das células. Esse desequilíbrio metabólico leva a um
aumento na produção de glucagon (hiperglucagonemia), aumento na produção
hepática de glicose, aumento de ácidos graxos circulantes no sangue, resultantes
do aumento da lise de gorduras, aumento na reabsorção renal de glicose e
produção e secreção de insulina deficientes pelas células beta do pâncreas.
A DM2 não tem um diagnóstico clínico certeiro como a DM1 e, na maioria das
vezes, é uma doença assintomática por um longo período. O diagnóstico baseia-se
em exames laboratoriais de rotina para avaliar a glicemia.
13.6 Fisiopatologia da DM2
O aparecimento da DM2 se inicia com a resistência dos tecidos à ação da insulina,
ou seja, a interação da insulina com seu receptor na membrana celular não ativa o
transporte ativo da glicose para o citoplasma. Sabe-se que o aparecimento da
resistência insulínica e dos erros de metabolismo dos carboidratos tem relação com
o peso excessivo e obesidade. Além disso, a sinalização intracelular da ligação da
insulina com seu receptor pode ser prejudicada pelo acúmulo de lipídios no interior
de hepatócitos e células musculares, porém os mecanismos que correlacionam a
obesidade à resistência insulínica ainda não são completamente compreendidos.
A resistência insulínica faz parte de chamada síndrome metabólica, que inclui:
obesidade e acúmulo de gordura abdominal, resistência insulínica, hiperglicemia,
dislipidemias e hipertensão.
13.7 Diabetes mellitus gestacional (DMG)
A diabetes mellitus gestacional (DMG) é um quadro que se desenvolve sem
diagnóstico prévio de DM. A gestação por si já é uma condição favorável à diabetes,
pois a placenta produz hormônios que estimulam a hiperglicemia, como cortisol,
estrógeno, progesterona e prolactina, além de enzimas que degradam a insulina
(SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2017). O principal hormôniorelacionado à resistência insulínica na gestação é o hormônio lactogênico
placentário (MIRANDA; REIS, 2008).
A DMG pode desaparecer com a gestação ou permanecer após o parto, e oferece
riscos à mãe e ao bebê. Os fatores de risco para o desenvolvimento de DMG vão
desde fatores hereditários a condições maternas que favorecem o quadro, como
idade avançada, sobrepeso, gordura visceral, baixa estatura ou mesmo síndrome
dos ovários policísticos (SOP). O tratamento para DMG envolve desde mudança na
dieta para adequação aos índices glicêmicos até o uso de insulina em casos mais
graves.
14 Metabolismo intermediário: o que é e como se altera nos quadros de
diabetes
O metabolismo intermediário compreende o estágio entre a entrada da glicose no
interior celular até a formação de piruvato. Os metabólitos intermediários da glicose
– e destacamos aqui os mais importantes: glicose-6-fosfato, piruvato e acetil-CoA –
são precursores de outras cascatas de síntese ou metabolismo aeróbico ou
anaeróbico na célula.
Após a sinalização da insulina para a internalização de glicose, ocorre um processo
de transporte ativo da glicose para o citoplasma, por meio de transportadores
chamados GLUT. Uma vez no interior da célula, a glicose precisa ser fosforilada
para não voltar ao meio extracelular. Essa fosforilação ocorre pela ação de
hexoquinases e gera o intermediário glicose-6-fosfato.
O composto passa, então, pelo processo de glicólise para formar ácido pirúvico, um
outro intermediário do metabolismo da glicose. O ácido pirúvico (ou piruvato) pode
ser direcionado para diferentes vias no interior da célula, dependendo do tipo de
tecido e/ou da necessidade da célula:
na mitocôndria, será oxidado e dará origem ao acetil-coenzima-A (Acetil-CoA);
pode ser a via da gliconeogênese, formando as reservas de glicogênio,
principalmente em células musculares e hepáticas;
pode participar da síntese de aminoácidos e formar proteínas, processo conhecido
como proteogênese, que ocorre principalmente em músculos e fígado;
pode dar origem a ácidos graxos e triglicerídeos em hepatócitos e adipócitos,
processo conhecido como lipogênese;
pode, ainda, ser usado na respiração anaeróbia (ausência de oxigênio), sofrer
fermentação láctica e dar origem ao lactato.
A figura a seguir resume todo esse processo que acabou de ser descrito.
Figura 8 - O metabolismo intermediárioFonte: Elaborada pela autora, 2020.
#PraCegoVer: a figura representa, de forma esquemática, o processo de
metabolismo intermediário da glicose, descrevendo o processo de entrada da
glicose na célula por meio de transportadores, chamados GLUT, e passando
por processos bioquímicos até gerar o ácido pirúvico, que pode ser usado na
respiração mitocondrial, fermentação lática, lipogênese, proteogênese e
gliconeogênese.
Síntese de lipídeos: lipogênese
O processo de lipogênese ocorre quase que totalmente em hepatócitos,
dependendo também da conversão do piruvato em acetil-CoA, que é posteriormente
convertida em malonil-CoA, o precursor da síntese de triglicerídeos no fígado.
Tais triglicerídeos são liberados na corrente sanguínea na forma de lipoproteínas, e
no tecido adiposo são convertidos novamente em triglicerídeos para serem
armazenados na forma de gordura.
Síntese de aminoácidos
A síntese de aminoácidos no organismo depende de intermediários do ciclo do
ácido cítrico (ou ciclo de Krebs), que são usados como reagentes em reações de
transaminação.
Os aminoácidos glutamato, glutamina, prolina e arginina são sintetizados a partir de
-cetoácidos produzidos no ciclo do ácido cítrico. A síntese dos aminoácidos
aromáticos – fenilalanina, tirosina e triptofano – depende de fosfoenolpiruvato, uma
molécula derivada do intermediário metabólico piruvato, produzido na glicólise. Já
os aminoácidos lisina, arparagina, metionina, treonina e isoleucina são derivados de
oxaloacetato, um outro intermediário do ciclo do ácido cítrico.
14.1 Mudanças do metabolismo intermediário na DM
A falta de glicose intracelular na DM leva à metabolização de lipídios para suprir a
demanda energética (lipólise). A lipólise libera ácidos graxos livres nos hepatócitos,
que uma vez oxidados, formam acetil-CoA. Embora o acetil-CoA seja um
intermediário do metabolismo da glicose, há um limite máximo de moléculas que
podem ser usados no ciclo do ácido cítrico. Dessa forma, o excesso de acetil-CoA, é
convertido em corpos cetônicos no fígado. Esses corpos cetônicos (acetoacetato e
beta-hidroxibutirato) levam a um quadro de cetoacidose (BARONE et al., 2007).
Os quadros de cetoacidose são evoluções graves do DM não tratado que podem
levar o paciente à morte, pois a acidose metabólica gerada pela DM se associa à
desidratação intensa do paciente devido à poliúria, agravando o quadro de acidose.
O organismo tenta compensar a acidose através da respiração rápida e profunda
para retirar maiores volumes de CO2 do organismo, mas esse processo consome
as reservas alcalinas. Os rins tentam compensar a perda do bicarbonato (reserva
alcalina) recuperando maiores quantidade do íon na filtrado glomerular. No entanto,
se o quadro não for revertido e a DM estiver bastante descontrolada, o pH
sanguíneo pode cair para valores abaixo de 7.0, levando ao coma e podendo levar o
paciente à morte em questão de horas.
O metabolismo excessivo de gorduras no fígado também leva a um aumento do
colesterol circulante, favorecendo a deposição de gordura nas paredes arteriais,
processo conhecido como aterosclerose, e pode que causar lesões e/ou bloqueios
vasculares graves.
15 Quadro clínico da DM e diagnóstico laboratorial
A DM é uma doença silenciosa, pois seus sinais e sintomas só aparecem no
paciente depois que a doença já está instalada. No entanto, alterações
fisiopatológicas já estão presentes mesmo sem que a glicemia atinja valores
discrepantes.
O estágio inicial da doença, em que a glicemia de jejum está acima do normal, mas
não atingiu valores altos suficientes para o diagnóstico da DM, chama-se
pré-diabetes. Neste caso, o diagnóstico é feito através de exames laboratoriais.
15.1 Diagnóstico laboratorial: exames e interpretações
A fase de pré-diabetes pode ser chamada também de glicemia de jejum alterada ou
tolerância à glicose diminuída. Essas denominações foram atribuídas pela
Associação Americana de Diabetes (ADA), que também estabeleceu os exames
necessários para detectar os estágios da tolerância à glicose e assim auxiliar no
diagnóstico da DM (AMERICAN DIABETES SOCIETY, 2020). São eles:
Glicemia de jejum
Teste oral de tolerância à glicose (TOTG)
Hemoglobina glicada (HbA1c)
Quaisquer resultados positivos nos exames de glicemia de jejum, TOTG ou HbA1c
conferem o diagnóstico para pré-diabetes, DM estabelecida ou DM gestacional.
Confira, no quadro a seguir, os valores adotados pela Sociedade Brasileira de
Diabetes (2017) para pacientes normoglicêmicos, pré-diabéticos, diabéticos e DM
gestacional.
Quadro 9 - Valores de referência para interpretação de exame laboratorial para
diagnóstico da DMFonte: Elaborado pela autora, baseado em SOCIEDADE
BRASILEIRA DE DIABETES, 2017.
#PraCegoVer: na figura, há um quadro trazendo dados de referência para os
exames de diagnóstico laboratorial da diabetes mellitus. Nele, os valores dos
exames de glicemia de jejum, glicemia após 2 horas de sobrecarga de glicose
(TOTG) e hemoglobina glicada (HbA1c) são definidos para situações de
normoglicemia (não-diabetes), pré-diabetes, diabetes estabelecida e diabetes
mellitus gestacional.
16 Epidemiologia e rastreamento populacional da DM
A Federação Internacional de Diabetes (IDF) estima que 8,8% da população
mundial entre 20 e 79 anos tenha diabetes, sendo a maior prevalência da doença
em países em desenvolvimento, que representam cerca de 75% dos casos. A
prevalência da DM está associada a hábitos alimentares, estilo de vida sedentário,
excesso de peso e obesidade e envelhecimento populacional (SOCIEDADE
BRASILEIRA DE DIABETES, 2017).
A DM é uma questão de saúde pública de grande importância, devido ao uso do
sistema de saúde por pacientes