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AULA 4 PSICOLOGIA ESPORTIVA APLICADA À LESÃO E À REABILITAÇÃO Profª Mayara Torres Ordonhes 2 INTRODUÇÃO Em conteúdos anteriores, dialogamos sobre as características das lesões esportivas, assim como abordamos os fatores desencadeantes destas lesões e as implicações psicológicas relacionadas a esse processo (desde o momento da descoberta da lesão), tais como negação, raiva, barganha, depressão, aceitação, crises de identidade, medo, ansiedade, falta de confiança, culpa, alterações de humor ou até a redução no desempenho esportivo. Nesta etapa, abordaremos o processo de recuperação em si, dialogando sobre os fatores que contribuem para a recuperação de um atleta e os recursos de enfrentamento, as mudanças existentes na vida de um atleta lesionado, assim como apresentaremos as fases da recuperação e alguns instrumentos psicológicos. TEMA 1 – FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A RECUPERAÇÃO DO ATLETA Durante o processo de recuperação de uma lesão, diversos fatores podem vir a contribuir para esse processo e precisam ser considerados pelo psicólogo esportivo. Inicialmente, é importante que o psicólogo esportivo considere a singularidade de cada atleta, tendo em vista que cada um possui experiências passadas específicas, possui um sistema específico de valores, apresenta expectativas diferenciadas, habilidades de enfrentamento diversas, assim como possui atributos físicos e psicológicos específicos (Pease, 2005). Desse modo, o ponto inicial consiste em considerar essa singularidade no processo de recuperação e, levando em consideração as características específicas de cada atleta, conduzir o processo de acompanhamento durante uma reabilitação física. Esse fator é relevante, pois cada indivíduo pode responder de uma maneira tendo em vista as suas características e experiências anteriores. Além disso, em um processo de recuperação, a rede de apoio de um atleta é fundamental, incluindo: apoio familiar, apoio social, da comissão técnica e principalmente o apoio do treinador (Carvalho, 2009; Klenk, 2006). Essa rede de relações pode contribuir para a articulação das diversas demandas relacionadas aos atletas. 3 Figura 1 – Fator psicológico Crédito: Metamorworks/Shutterstock. O papel do psicólogo dentro dessa rede de apoio é o de estabelecer uma boa relação e de comunicação com o atleta, auxiliando nesse novo processo que o atleta precisará enfrentar. Além disso, é importante que o psicólogo estabeleça uma posição de interlocução dentro dessa rede de apoio, orientando a todos os profissionais relacionados a esse atleta para que saibam como agir e como podem contribuir para que a recuperação ocorra da melhor maneira. Durante o estabelecimento da relação entre o psicólogo esportivo e o atleta lesionado, indica-se que sejam abordadas as características do processo de reabilitação, explorando aspectos tais como a característica da lesão, qual será o processo de reabilitação utilizado e qual a estimativa do tempo de recuperação (Carvalho, 2009; Samulski, Azevedo, 2009). Essa comunicação pode contribuir para a consolidação de um cenário otimista, evitando a consolidação de falsas expectativas e, consequentemente, evitando a frustração desse indivíduo em decorrência de metas não alcançadas ou da elevada duração de um processo de reabilitação (Carvalho, 2009; Samulski, Azevedo, 2009). 4 TEMA 2 – RECURSOS DE ENFRENTAMENTO DO ATLETA Além de estabelecer uma posição de interlocução dentro da rede de apoio do atleta, outro papel importante que o psicólogo esportivo possui é o de auxiliar na execução dos recursos de enfrentamento do atleta. Para isso, inicialmente o psicólogo precisa avaliar qual o impacto da lesão no atleta e qual a capacidade deste atleta executar as técnicas de enfrentamento. Ou seja, é necessário realizar a verificação do nível de motivação e de engajamento do atleta para o processo de reabilitação. São exemplos de ações e estratégias que podem ser utilizadas como mecanismos de enfrentamento às lesões (Carvalho, 2009): • Estabelecimento de metas diárias; • Autoconversação positiva; • Visualização; • Relaxamento; • Técnicas de controle da dor. Por meio da utilização do estabelecimento de metas diárias, a concentração dos atletas pode ser direcionada para o cumprimento desses objetivos, auxiliando na visualização da evolução existente no processo de reabilitação. Além disso, o atleta pode priorizar pensamentos positivos por meio da autoconversação positiva e desenvolver técnicas de visualização, de relaxamento e de controle da dor (Carvalho, 2009). As técnicas de visualização podem contribuir para a visualização do cenário e das possibilidades e as técnicas de relaxamento podem contribuir para o alívio da dor, do estresse e da ansiedade. Essas estratégias serão abordadas de forma mais detalhada em nossa próxima etapa. Além disso, podemos citar outros exemplos de mecanismos de enfrentamento para as lesões esportivas (Pease, 2005): • Reestruturação cognitiva; • Bloqueio do pensamento; • Treinamento da confiança; • Incentivar expectativas realistas; • Técnicas de relaxamento; • Meditação; 5 • Imaginação; • Distração. É possível percebermos que as estratégias relacionadas à mente dos atletas caracterizam-se como recursos relevantes a serem utilizados como mecanismos de enfrentamento às lesões. Após uma lesão esportiva, a mente de um atleta pode vir a ser afetada negativamente, considerando a recorrência de pensamentos ruins relacionados ao medo de não conseguir retornar com as atividades, ou ainda, de não conseguir alcançar níveis significativos de performance após um quadro de lesão. Com base nisso, é importante desenvolver uma reestruturação cognitiva, de modo que sejam evitados pensamentos ruins e que a confiança do atleta seja desenvolvida, tendo como direcionamento a consolidação de expectativas realistas e alcançáveis. Além disso, é importante incentivar a execução de técnicas diversas de relaxamento, meditação, imaginação e distração, com o intuito de se retirar a lesão e o impedimento do foco mental. Sendo assim, podemos perceber que diversas são as possibilidades de recursos de enfrentamento que podem ser utilizadas durante um processo de recuperação. Assim, é importante que o psicólogo esportivo se baseie na anamnese realizada e busque identificar quais estratégias podem vir a ser consideradas no processo de recuperação do seu atleta e qual pode vir a alcançar um resultado significativo, contribuindo para a reabilitação. TEMA 3 – MUDANÇA NA VIDA DO ATLETA LESIONADO Uma lesão esportiva pode fazer com que a vida de um atleta se modifique. As rotinas com elevadas cargas de treinamento, a constante participação em competições esportivas relevantes, o treinamento físico, técnico e tático são alguns dos aspectos que se modificam em função do diagnóstico de uma lesão. 6 Figura 2 – Mudanças na vida de um atleta lesionado Crédito: Artem Furman/Shutterstock. A partir disso, um novo cenário se estabelece com o início de uma rotina de fisioterapia e reabilitação, o aumento do tempo livre e a mudança repentina do ambiente social. Essas mudanças podem fazer com que o atleta se enquadre em uma situação com a qual ele não está acostumado, o que pode vir a contribuir para o estresse e a insegurança. São alguns sinais de estresse relacionado ao processo de reabilitação (Pease, 2005): • Demonstrações de raiva; • Depressão, confusão, apatia; • Obsessão pelo retorno; • Negação; • Exageros ao contar sobre o fato que desencadeou a lesão; • Reclamar demais; • Sentimento de culpa; • Afastamento dos colegas, técnicos e amigos; • Desespero pela recuperação. Desse modo, o psicólogo esportivo precisa identificar a manifestação desses aspectos com o intuito de auxiliar o atleta a modificar esse quadro.É importante que esteja alerta aos sinais de raiva, confusão, apatia, obsessão, 7 negação, culpa ou afastamento social, de modo que sejam realizadas as intervenções necessárias para se alcançar a reabilitação. Outra possibilidade de auxilio consiste em passar ao atleta a visão geral do seu quadro, compreendendo que estas mudanças fazem parte do processo de recuperação e são importantes para que ao retornar ao esporte o atleta esteja totalmente preparado para as demandas relacionadas ao treinamento esportivo, de modo que não se estabeleça uma nova lesão e o retorno efetivo seja postergado em decorrência disto. Nesse momento, a resiliência e a consciência são fundamentais para que o processo de afastamento seja realizado e, principalmente, respeitado pelo atleta lesionado. Com base nisso, sugere-se que seja fortalecida a confiança entre o atleta e o trabalho da equipe multidisciplinar, de modo que o atleta se sinta à vontade para lidar com qualquer questão e, principalmente, para que possa se abrir com o psicólogo esportivo e de modo consciente consiga passar por este momento. TEMA 4 – FASES DA RECUPERAÇÃO Além dos fatores evidenciados anteriormente, é importante que o psicólogo esportivo saiba identificar que o processo de recuperação apresenta algumas fases e, levando isso em conta, auxilie na recuperação do atleta de acordo com a fase em que ele se encontra. Essas fases são compreendidas de diferentes maneiras pela literatura. 8 Figura 3 – Recuperação Crédito: Atstock Productions/Shutterstock. Segundo Mendelsohn (1999), o processo de recuperação de uma lesão possui duas fases: • A primeira é a fase de imobilização, marcada por um grande conflito para o atleta, com muita dor e negativismo acerca de sua recuperação; • A segunda é a fase de mobilização, marcada pelo início da sua recuperação nos níveis funcionais motores e consiste em três momentos: recuperação, readaptação e retorno aos treinos. Na fase de imobilização, algumas técnicas podem ser utilizadas pelo psicólogo, tais como o controle da ansiedade, a utilização da comunicação, de técnicas de relaxamento e visualização, assim como a determinação de objetivos em conjunto com o atleta. Já a fase de mobilização possui uma duração maior, tendo em vista que possui três momentos distintos. Na etapa inicial de recuperação o psicólogo esportivo precisa auxiliar no estabelecimento de estratégias para o controle das situações estressantes, aumentando a motivação para o desenvolvimento do processo completo de reabilitação. Na readaptação, o atleta estará iniciando a busca pela melhora da condição física geral. Dessa forma, o estabelecimento de 9 metas pode ser importante para o alcance dos níveis anteriores de condicionamento físico. Já o retorno aos treinos consiste no momento em que o atleta volta a buscar progressivamente os seus níveis anteriores de treinamento, neste momento o trabalho mental é fundamental (Mendelsohn, 1999). Além disso, alguns autores compreendem o processo de recuperação como composto por três fases, pois consideram o momento de constatação da lesão como a fase inicial (Veloso, Pires, 2007). De modo geral, o que é importante ressaltarmos é que desde o momento em que o atleta recebe o diagnóstico de uma lesão, diferentes fases irão manifestar-se e em cada uma delas é importante que o psicólogo esportivo verifique os aspectos evidenciados e, com base nisso, proponha técnicas e estratégias que sejam compatíveis com esses aspectos, visando a recuperação completa do atleta. TEMA 5 – INSTRUMENTOS PSICOLÓGICOS Tendo em vista a importância de se diagnosticarem corretamente os quadros de lesão, existem diferentes estratégias que podem ser utilizadas com o intuito de compreender o quadro geral, a sua gravidade e as suas características, para que, levando isso em consideração, o processo de recuperação ocorra de acordo com cada situação e as suas especificidades. Além de verificar o tipo e a característica de uma lesão esportiva, é importante diagnosticar a existência de problemas associados à lesão em si, tais como o estresse e a ansiedade. Essa verificação é importante considerando que, além da lesão em si, essas questões precisam ser devidamente acompanhadas para que o atleta consiga modificar o seu quadro e possa retornar à prática esportiva. Existem alguns instrumentos psicológicos que podem ser utilizados para auxiliar na compreensão do quadro dos atletas durante o processo de recuperação, tais como o RESTQ-Sport, a Escala de Humor de Brunel (BRUMS) e o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE). Esses testes podem contribuir por meio da avaliação do estresse, do humor e da ansiedade dos indivíduos. 10 Figura 4 – Instrumentos psicológicos Crédito: Otello-stpdc/Shutterstock. O RESTQ-Sport é um questionário de estresse e de recuperação para atletas que visa avaliar eventos potencialmente estressantes e as fases de recuperação de um atleta, por meio de escalas relacionadas aos níveis de estresse geral, estresse emocional, estresse social, sobre os conflitos, fadiga, perda de energia, queixas físicas, sucesso, recuperação social e física, bem-estar geral, qualidade do sono, exaustão emocional, lesões, aceitação pessoal e outros fatores (Costa; Samulski, 2005). A Escala de Humor de Brunel (Brums) foi desenvolvida a partir do Proms (Profile of Mood States) e visa mensurar perfis de humor e detectar a síndrome do excesso de treinamento em atletas brasileiros, por meio da avaliação de seis fatores: tensão, depressão, raiva, vigor, fadiga e confusão mental (Rohlfs, et al. 2004; Rohlfs, et al. 2008). Já o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (Idate) é um questionário que visa quantificar componentes relacionados a ansiedade-traço e a ansiedade- estado (Cevada et al., 2012; Modolo et al., 2009). Ou seja, o questionário visa avaliar a capacidade do indivíduo em lidar com a ansiedade durante a sua vida, assim como avaliar a reação transitória relacionada a ansiedade. Desse modo, existem duas diferentes escalas no questionário, uma para cada vertente analisada (ansiedade-traço e a ansiedade-estado). Embora esses instrumentos psicológicos possam ser utilizados para auxiliar na compreensão do quadro dos atletas durante o processo de 11 recuperação, é importante ressaltar que os resultados dos testes em si servem como base para o trabalho a ser realizado posteriormente pelo psicólogo, como um indicativo para a intervenção. Assim, embora existam testes e instrumentos psicológicos que possam contribuir para a compreensão da situação em que os atletas se encontram, a anamnese pessoal, a observação e o acompanhamento direto são aspectos fundamentais, considerando que, com base nisso, o maior número de informações sobre os atletas pode ser identificado, em função daquilo que eles percebem de modo consciente ou não. 12 REFERÊNCIAS CARVALHO, R. C. Aspectos psicológicos das lesões desportivas: prevenção e tratamento. Psicologia.com.pt – O portal dos psicólogos, 2009. Disponível em: <https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0475.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2022. CEVADA, T. et al. 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Revista Portuguesa de Fisioterapia no Desporto, v. 1, n. 21, p. 38-47, 2007.