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Autoras: Profa. Patrícia Carvalho Garcia Profa. Alessandra Kaliniczenko Colaboradores: Prof. Flávio Buratti Gonçalves Profa. Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Hemoterapia e Banco de Sangue Professoras conteudistas: Patrícia Carvalho Garcia / Alessandra Kaliniczenko Patrícia Carvalho Garcia Possui graduação em Biomedicina pela Universidade de Marília (2000), com aprimoramento profissional em Hemoterapia no Hemocentro da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP (2003) e proficiência técnica em Imuno-hematologia pela Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (2004). É mestre em Ciências Biológicas: Farmacologia pelo Instituto de Biociências – UNESP (2005). Também possui doutorado em Fisiopatologia em Clínica Médica na Área de Ciências da Saúde na Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP (2009). É especialista em Gestão em Saúde pela Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP (2014). Atualmente, é supervisora do Núcleo de Hemoterapia, responsável pelos laboratórios de imuno-hematologia do Hemocentro de Botucatu (HCFMB – UNESP) e atua como coordenadora e docente do curso de Biomedicina da UNIP do campus de Bauru. Alessandra Kaliniczenko Biomédica graduada pela Universidade de Mogi das Cruzes (1997), especialista em Hematologia e Hemoterapia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mestre em Ciências Hematológicas pela Universidade Federal de São Paulo (2003) e doutoranda em Hematologia na Fundação de Medicina do ABC (FMABC). Também é habilitada em Análises Clínicas. Atualmente é docente do Curso de Biomedicina na UNIP, nas áreas de Hematologia, Hemoterapia, Coleta de Materiais Biológicos, Fluidos Corporais; linhas de pesquisa: Hematologia e Hemoterapia. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) G216h Garcia, Patrícia Carvalho. Hemoterapia e Banco de Sangue / Patrícia Carvalho Garcia, Alessandra Kaliniczenko. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 152 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Armazenamento. 2. Transfusão. 3. Neutrófilos. I. Garcia, Patrícia Carvalho. II. Kaliniczenko, Alessandra. III. Título. CDU 616.15 U512.95 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Unip Interativa Profa. Dra. Cláudia Andreatini Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Bruno Barros Jaci Albuquerque de Paula Sumário Hemoterapia e Banco de Sangue APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 DOAÇÃO, TRIAGEM, COLETA DE SANGUE .............................................................................................. 11 1.1 Breve histórico da hemoterapia ..................................................................................................... 11 1.2 Conceitos de hemocomponentes e hemoderivado ................................................................ 12 1.3 O ciclo do sangue ................................................................................................................................. 13 1.4 Captação de doadores ........................................................................................................................ 14 1.5 Cadastro dos doadores ....................................................................................................................... 16 1.6 Tipos de coleta de sangue na doação .......................................................................................... 17 1.7 Requisitos para doar sangue ........................................................................................................... 19 1.8 Triagem laboratorial ou pré-triagem ........................................................................................... 22 1.9 Triagem clínica ..................................................................................................................................... 23 1.10 Coleta de sangue .............................................................................................................................. 24 1.11 Cuidados pós-doação de sangue ................................................................................................ 26 2 PRODUÇÃO/PROCESSAMENTO/FRACIONAMENTO, ARMAZENAMENTO, EXAMES DE QUALIFICAÇÃO NO SANGUE DO DOADOR, LIBERAÇÃO, ROTULAGEM, CONSERVAÇÃO, TRANSPORTE E DISTRIBUIÇÃO DO SANGUE ......................................................... 27 2.1 Produção/processamento/fracionamento e armazenamento do sangue ..................... 27 2.1.1 Sangue total (ST) ..................................................................................................................................... 29 2.1.2 Concentrado de hemácias (CH) ......................................................................................................... 30 2.1.3 Concentrado de plaquetas (CP) ........................................................................................................ 30 2.1.4 Plasma fresco congelado (PFC) ......................................................................................................... 30 2.1.5 Crioprecipitado (crio) ............................................................................................................................ 31 2.2 Armazenamento e conservação dos hemocomponentes .................................................... 32 2.3 Principais procedimentos especiais realizados nos hemocomponentes ....................... 32 2.3.1 Irradiação .................................................................................................................................................. 32 2.3.2 Lavagem ...................................................................................................................................................... 33 2.3.3 Desleucocitação ....................................................................................................................................... 33 2.4 Exames de qualificação no sangue do doador ......................................................................... 34 2.4.1 Sorológicos ................................................................................................................................................ 34 2.4.2 Imuno-hematológicos ......................................................................................................................... 37 2.5 Liberação, rotulagem, armazenamento, distribuição e transporte dos hemocomponentes ..................................................................................................................................... 39 3 GESTÃO E CONTROLE DE QUALIDADE EM HEMOTERAPIA .............................................................. 42 3.1 Conceito de qualidade .......................................................................................................................42 3.2 Sistema de gestão da qualidade nos serviços de hemoterapia ......................................... 44 3.3 Controle de qualidade dos hemocomponentes ....................................................................... 46 3.3.1 Controle de qualidade: concentrado de hemácias (CH) ......................................................... 47 3.3.2 Concentrado de plaquetas (CP) ........................................................................................................ 49 3.3.3 Plasma fresco congelado (PFC) ......................................................................................................... 53 3.3.4 Crioprecipitado (crio) ............................................................................................................................ 56 4 OBTENÇÃO E USO CLÍNICO DE HEMODERIVADOS ........................................................................... 58 4.1 Aplicações do uso de: albumina, imunoglobulinas, concentrado de fator VIII da coagulação, concentrado de fator IX da coagulação, concentrado de Von Willebrand e complexo protrombínico ...................................................................................... 58 4.1.1 Albumina .................................................................................................................................................... 58 4.2 Imunoglobulinas ................................................................................................................................... 59 4.3 Complexo protrombínico ativado (CCPA) ................................................................................... 60 4.4 Concentrado de fator VIII ................................................................................................................ 60 4.5 Concentrado de fator IX da coagulação ..................................................................................... 60 4.6 Complexo protrombínico ativado (CPPA) ................................................................................... 61 4.7 Concentrado de fator VIII rico em fator de Von Willebrand .............................................. 61 4.8 Fator VII ativado.................................................................................................................................... 61 Unidade II 5 IMUNO-HEMATOLOGIA, TRANSFUSÃO SANGUÍNEA E REAÇÃO TRANSFUSIONAL ............... 66 5.1 Antígenos eritrocitários, constituição da membrana eritrocitária, classificação funcional, estrutura e funções dos grupos sanguíneos .................................... 66 5.2 Sistema de grupo sanguíneo ABO (ISBT 001) ........................................................................... 69 5.3 Sistema de grupo sanguíneo RH (ISBT 004) .............................................................................. 73 5.4 Outros sistemas de grupos sanguíneos importantes na prática transfusional........... 76 5.4.1 Sistema Kell (ISBT 006) ......................................................................................................................... 76 5.4.2 Sistema Kidd (ISBT 009) ....................................................................................................................... 78 5.4.3 Sistema Duffy (ISBT 008) ..................................................................................................................... 79 5.4.4 Sistema MNS (ISBT 002) ....................................................................................................................... 80 5.4.5 Sistema Lewis (ISBT 007) ...................................................................................................................... 81 5.4.6 Sistema Diego (ISBT 010) ..................................................................................................................... 82 5.5 Importância clínica dos anticorpos antieritrocitários ........................................................... 83 5.6 Testes imuno-hematológicos pré-transfusionais .................................................................... 85 5.6.1 Tipagem ABO/RhD .................................................................................................................................. 91 5.6.2 Pesquisa de anticorpos irregulares (PAI) ....................................................................................... 97 5.6.3 Teste da antiglobulina direta (TAD) ...............................................................................................102 5.6.4 Teste de compatibilidade – prova cruzada (PC) .......................................................................104 5.7 Reações transfusionais ...................................................................................................................106 6 ANTÍGENOS PLAQUETÁRIOS HUMANOS (HPA) .................................................................................117 6.1 Púrpura trombocitopênica aloimune neonatal (PTAN).......................................................119 6.2 Púrpura pós-transfusional (PPT) ..................................................................................................120 6.3 Refratariedade transfusional plaquetária (RP) .......................................................................120 6.4 Testes para identificação de antígenos e anticorpos plaquetários ................................120 6.4.1 Citometria de fluxo para plaquetas ...............................................................................................121 6.4.2 Maipa (teste de imobilização de antígenos plaquetários por anticorpo monoclonal) ..................................................................................................................................121 7 SISTEMA DE NEUTRÓFILOS HUMANOS (HNA) ...................................................................................122 7.4.1 Reação transfusional febril não hemolítica (RTFNH) ............................................................ 123 7.4.2 Neutropenia aloimune neonatal (NAN) ...................................................................................... 123 7.4.3 Neutropenia autoimune (NAI) ........................................................................................................ 123 7.4.4 Transfusion related acute lung injury (Trali) ............................................................................. 124 8 CÉLULAS-TRONCO HEMATOPOIÉTICAS ................................................................................................125 8.1 Coleta e conservação de células-tronco hematopoiéticas (CTH) ...................................125 8.2 Transporte e acondicionamento ..................................................................................................132 8.3 Processamento ....................................................................................................................................133 8.4 Criopreservação e infusão ..............................................................................................................134 9 APRESENTAÇÃO Objetivamos com este livro-texto apresentar os principais tópicos que norteiam a hemoterapia, ou seja, a ciência responsável pelo uso do sangue humano em transfusões para tratamento de várias doenças. Neste livro-texto, você aprenderá sobre os principais componentes sanguíneos, como ocorre a coleta, a produção, armazenamento e os métodos para análise e liberação de uma transfusão, os fatores associados com a conservação e manutenção. Além disso, você aprenderá sobre as normas sanitárias que regulam o ciclo do sangue e suas técnicas de análises, amostragem, rotulagem de produtos e distribuição e seus componentes. Irá rever as características dos principais grupos sanguíneos importantes na prática transfusional e as principais reações transfusionais. Também aprenderá sobre as principais fontes de células-tronco hematopoiéticas, sua coleta, processamento, criopreservação e infusão.Verá os principais sistemas de antígenos leucocitários e plaquetários, assim como a obtenção e o uso clínico dos hemoderivados. Esperamos que este livro-texto desperte seu interesse para a área de hemoterapia, visto que ela se configura como uma área promissora para atuação do profissional, tanto no setor da indústria quanto nos serviços de assistência à saúde em centros de hemoterapia. INTRODUÇÃO A hemoterapia brasileira apresentou expressivo progresso nas últimas décadas. A política de sangue formulada no país e o esforço coletivo para sua execução propiciaram investimentos na qualidade dos serviços de hemoterapia, tornando os hemocomponentes produzidos essencialmente mais seguros. Mesmo com os avanços, a transfusão não é isenta de riscos e somente quando os benefícios sobrepõem os riscos, ela deve ser realizada, trata-se de um transplante de um tecido vivo. quebrar o parágrafo. O fracionamento do sangue coletado se faz necessário, uma vez que cada unidade doada pode beneficiar diversos pacientes, permitindo que sejam transfundidos diferentes hemocomponentes de um mesmo doador em diferentes receptores. Ainda gera como vantagem o maior aproveitamento do sangue transfundido, a maior eficácia transfusional, o aumento do tempo de validade de todos os componentes sanguíneos, além de diminuir consideravelmente o risco de reação transfusional. O objetivo principal da hemoterapia é o tratamento eficaz através do sangue coletado, processado e compatibilizado. Os avanços biotecnológicos nessa área abrangem desenvolvimento de novas técnicas diagnósticas e terapias envolvendo o tecido sanguíneo. As normativas referentes ao sangue remetem à legislação federal específica, e o seu não cumprimento pode acarretar medidas legais cabíveis. Conhecer os hemocomponentes e hemoderivados disponíveis é o primeiro passo para que possamos garantir uma boa assistência em hemoterapia e salvar muitas vidas. 11 HEMOTERAPIA E BANCO DE SANGUE Unidade I 1 DOAÇÃO, TRIAGEM, COLETA DE SANGUE 1.1 Breve histórico da hemoterapia Desde o início da história da humanidade, o sangue foi associado ao conceito de vida, passando essa associação a fazer parte do patrimônio inconsciente do homem, como atesta a grande variedade de mitos e símbolos presentes na cultura mundial. Na história da hemoterapia e na transfusão sanguínea, podemos visualizar dois períodos: um empírico, que vai até 1900, e outro científico, de 1900 em diante (JUNQUEIRA, 1979). Em 1628, o médico inglês Willian Harvey descreveu a circulação sanguínea, seguido da primeira tentativa conhecida de se transfundir sangue. Porém, somente em 1665, em Oxford na Inglaterra, foi descrita a transfusão entre dois cachorros por Richard Lower com sucesso. Em 1667, Jean Baptiste Denis na França e Richard Lower na Inglaterra reportaram relatos de transfusões entre cordeiros e humanos não obtendo os resultados esperados com reações, acarretando a proibição da prática transfusional na Europa (ABREVIATED..., 2019). Em 1818, o obstetra James Blundel realizou transfusões com sangue humano em mulheres com hemorragia pós-parto e obteve sucesso em alguns casos, porém ainda existiam as complicações de rejeição e não se podia garantir a segurança transfusional, porque ainda não se tinha o conhecimento sobre reações e compatibilidades sanguíneas. Mas a partir daí se iniciou a transfusão de sangue entre indivíduos da mesma espécie, no caso, entre humanos no sistema braço a braço (BORDIN; LANGHI-JUNIOR; COVAS, 2007). O marco da hemoterapia ocorreu com a descoberta do sistema ABO por Karl Landesteiner em 1901, e após essa descoberta, apareceu o conceito compatibilidade nas transfusões e, nos anos subsequentes, os outros grupos sanguíneos foram descritos, como o sistema Rh, MNS, entre outros. Vários avanços ocorreram, como a descoberta das soluções anticoagulantes e conservantes, aliada ao desenvolvimento e aperfeiçoamento dos equipamentos de refrigeração, o que permitiu a organização dos centros de armazenamento de sangue. Em 1936, houve a organização do primeiro banco de sangue durante a primeira Guerra Civil Espanhola, e a transfusão de sangue tornou-se rotina na prática médica, sendo decisiva para salvar a vida dos feridos. O conceito ganhou corpo e expandiu-se durante e após a Segunda Guerra Mundial. Nessa época, as transfusões de sangue eram feitas com a compatibilidade sanguínea e o sangue doado era coletado e estocado em garrafas de vidro (JUNQUEIRA, 1979). Na fase empírica no Brasil, em 1879, uma tese de doutorado discutia se a melhor transfusão seria com sangue de animais para humanos ou entre seres humanos, onde consta uma descrição detalhada 12 Unidade I de uma reação hemolítica aguda, com alterações renais e presença da hemoglobina na urina. Na era científica, os cirurgiões do Rio de Janeiro foram os pioneiros da hemoterapia no Brasil. Após 1920, surgem os primeiros serviços organizados e de constituição bastante simples e destaca-se, nos anos de 1940, no Rio de Janeiro, o Serviço de Transfusão de Sangue (STS), por ter, além da conotação assistencial, atividades científicas. Nesse período, foram fundados vários bancos de sangue nas diversas capitais brasileiras, entretanto as doações em nosso país eram remuneradas, assim, os doadores muitas vezes não eram altamente confiáveis devido a esse estímulo monetário, acarretando transfusões não muito seguras. Em 1949, ocorreu o I Congresso Paulista de Hemoterapia, que forneceu as bases para a fundação da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia em 1950 (JUNQUEIRA; ROSENBLIT; HAMERSCHLAK, 2005). Em 1965, foi criada, pelo Ministério da Saúde, a Comissão Nacional de Hemoterapia, a qual fixou normas para proteção dos doadores e receptores de sangue. Apesar dos avanços, chegamos ao final dos anos 1970 com um sistema desorganizado e desigual na qualidade dos serviços prestados no Brasil. Isso começou a mudar durante os anos 1980, quando foram estabelecidas a Política Nacional do Sangue, a campanha da doação altruísta de sangue da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e a formulação da Constituição Federal de 1988. Vivíamos a contemporânea e catastrófica ocorrência da aids em pacientes transfundidos, o que obrigou a novos conceitos e cuidados, pautados pela segurança dos procedimentos, tais como: a substituição da doação anônima pela personalizada, o incremento de todos os métodos de autotransfusão e a disciplina do uso do sangue, de seus componentes e derivados através de judiciosa avaliação do trinômio: riscos/benefícios/custos (JUNQUEIRA; ROSENBLIT; HAMERSCHLAK, 2005; PEREIMA et al., 2007). 1.2 Conceitos de hemocomponentes e hemoderivado No Brasil, a Lei n. 10.205, de 21 de março de 2001, e os regulamentos técnicos editados pelo Ministério da Saúde (Resoluções da Diretoria Colegiada – RDC – e as Portarias Ministeriais – PM) regulamentam o processo de obtenção e produção dos hemocomponentes e hemoderivados a partir da doação de sangue por um doador. A doação de sangue deve garantir o anonimato do doador, ser altruísta, voluntária e não gratificada direta ou indiretamente. Os serviços de hemoterapia são organizados em rede para obtenção dos componentes sanguíneos com níveis de complexidade diferentes de acordo com as atividades que executam. Os hemocentros são classificados como serviços mais completos que executam todas as etapas do ciclo do sangue, que compreendem as etapas da captação de doadores, triagem clínica, coleta de sangue, processamento de sangue em hemocomponentes, análises sorológicas e imuno-hematológicas no sangue do doador, armazenamento e distribuição desses produtos e, também, a compatibilização e o ato transfusional. Os componentes sanguíneos chamados de hemocomponentes e hemoderivados são produtos distintos. Os produtos gerados um a um nos serviços de hemoterapia, a partir do sangue total, por meio de processos físicos (centrifugação e congelamento) são denominados hemocomponentes, como exemplo: concentrado dehemácias (CH), concentrado de plaquetas (CP), plasma fresco congelado (PFC) e crioprecipitado (crio). Já os produtos obtidos em escala industrial, geralmente 13 HEMOTERAPIA E BANCO DE SANGUE liofilizados, a partir do fracionamento do plasma congelado por processos físico-químicos, são denominados hemoderivados, como, por exemplo: albumina, fator de coagulação VIII e IX, imunoglobulinas, entre outros. Sangue total - ST Hemocomponentes Hemoderivados Plasma rico em plaquetas Concentrado de plaquetas-CP Crioprecipitado - Crio Albuminas Globulinas Plasma fresco congelado - PFC Concentrado de hemácias - CH Concentrado de fatores de coagulação Centrifugação Centrifugação Centrifugação Congelamento Processos físico-químicos Processos físico-químicos Centrifugação Figura 1 – Produtos originados a partir da doação do sangue total A seguir, veremos uma breve descrição sobre as principais etapas do ciclo do sangue desde a captação até a coleta de sangue do doador. 1.3 O ciclo do sangue Para entendermos a hemoterapia e como ocorrem todos os procedimentos dentro de um serviço de hemoterapia, precisamos conhecer como é o ciclo do sangue. Afinal, o que é então o ciclo do sangue? O ciclo do sangue é o caminho que o sangue vai percorrer dentro do serviço de hemoterapia, ou seja, são as etapas que ocorrem desde o início, com a captação do doador, até o seu destino final, que é a transfusão sanguínea. Essas etapas são muito importantes e uma etapa depende do sucesso da outra, estando interligadas, portanto é vista como resultado de um processo e não apenas como um produto. As etapas do ciclo do sangue são: captação dos doadores, cadastro, pré-triagem, triagem clínica, coleta do sangue, produção/fracionamento, sorologia, imuno-hematologia, distribuição do sangue e, finalmente, a transfusão para os pacientes que precisam. 14 Unidade I Coleta Doador Produção/fracionamento - distribuição Captação Imuno-hematologia - IH Receptor/Agência transfusional Ciclo do sangue Imuno-hematologia - IH doador Sotologia Pré-triagem Transfusão Receptor Triagem clínica Figura 2 – Etapas do ciclo do sangue Lembrete O ciclo do sangue é o caminho que o sangue vai percorrer dentro do serviço de hemoterapia, ou seja, são as etapas que ocorrem desde o início com a captação do doador até o seu destino final, que é a transfusão sanguínea. 1.4 Captação de doadores A doação de sangue no contexto histórico do Brasil foi acompanhada de mitos, preconceitos e tabus e mesmo com as facilidades de informação e comunicação da atualidade, ainda existe muito folclore, gerando desconhecimento e equívocos sobre a doação de sangue. O setor de captação de doadores tem um papel fundamental na educação da população para a doação de sangue, e sua missão é a de conquistar doadores de sangue, buscando a sua fidelização, assim como de socializar informações. Isso torna-se muito importante, pois no Brasil não há uma cultura para a doação de sangue, e menos de 2% da população é doadora. Portanto buscar maneiras e formas educativas para fidelizar doadores espontâneos se faz necessária para que se tenham estoques suficientes e de qualidade para suprir a demanda (PEREIMA et al., 2007). O setor de captação é a primeira etapa do ciclo do sangue, é o setor responsável no serviço de hemoterapia pelo aporte estratégico para suprir as demandas de atendimentos. Associado a esse objetivo, o setor também realiza um trabalho de conscientização nas populações de baixo risco com o intuito de captar doadores que se enquadrem no perfil desejado para realizar uma doação segura e de qualidade. Porém, antes de nos aprofundarmos, precisamos entender sobre o doador. O doador de sangue deve realizar a doação de forma voluntária, anônima e altruísta, não devendo o doador, de forma direta ou indireta, receber qualquer remuneração ou benefício em virtude da sua realização. O sigilo das informações prestadas pelo doador antes, durante e depois do processo de doação de sangue deve ser absolutamente preservado. Todo candidato à doação de sangue deve assinar um termo de consentimento 15 HEMOTERAPIA E BANCO DE SANGUE livre e esclarecido, na qual declara expressamente consentir em doar o seu sangue para utilização em qualquer paciente que dele necessite e consentir, também, a realização de todos os testes de laboratório exigidos pelas leis e normas técnicas vigentes. O doador de sangue tem várias classificações e muda conforme o vínculo que ele tem com o serviço de hemoterapia e como foi realizada a captação dele pelo serviço. Os doadores de sangue possuem a seguinte classificação: • Doador de repetição: é aquele doador que realiza duas ou mais doações no período de doze meses, ou seja, esse doador tem vínculo frequente com o serviço, tem uma maior frequência de doação e conhecimento do perfil do indivíduo. • Doador esporádico: é o doador que repete a doação após intervalo superior a doze meses da última doação, passando um intervalo maior sem comparecer para doar. • Doador de primeira vez: é o indivíduo que doa pela primeira vez em um serviço de hemoterapia. • Doador voluntário ou espontâneo: é aquela pessoa motivada por manter o estoque de sangue do serviço de hemoterapia, decorrente de um ato de altruísmo, sem identificação do nome do possível receptor, não sendo motivado por interesses ou benefícios pessoais, pecuniários, diretos ou indiretos. • Doador autólogo: é aquele indivíduo que faz a doação para si mesmo. Geralmente são indivíduos com cirurgia eletiva programada e o médico solicita uma bolsa de sangue do próprio paciente previamente, pois caso ocorra de precisar de uma reposição sanguínea durante a cirurgia, o paciente irá usar o seu próprio sangue, evitando, assim, exposições a terceiros. • Doador de reposição: indivíduo que doa para atender à necessidade de um paciente, feitos por pessoas motivadas pelo próprio serviço. São geralmente familiares ou amigos dos pacientes de sangue para repor o estoque de componentes sanguíneos do serviço de hemoterapia. • Doador inapto definitivo: doador que nunca poderá doar sangue para outra pessoa, podendo, em alguns casos, realizar doação autóloga. • Doador inapto por tempo indeterminado: doador que se encontra impedido de doar sangue para outra pessoa por um período indefinido de tempo segundo as normas regulatórias vigentes, mas apto a realizar doação autóloga. • Doador inapto temporário: doador que se encontra impedido de doar sangue para outra pessoa por determinado período de tempo, podendo realizar doação autóloga quando possível e necessário. • Doador apto: doador cujos dados pessoais, condições clínicas, laboratoriais e epidemiológicas se encontram em conformidade com os critérios de aceitação vigentes para doação de sangue. 16 Unidade I Observação As doações de sangue, no Brasil, seguem orientações e normas baseadas na Constituição Federal de 1988, que inclui, no parágrafo 4º, do artigo 199, a proibição definitiva de toda e qualquer forma de comercialização do sangue e seus derivados. As leis, normas e resoluções têm como principal objetivo garantir a qualidade do sangue coletado e a segurança nas transfusões. A aplicação dessas recomendações e determinações tem apresentado grande êxito para a hemoterapia no país, entre elas: a Lei n. 10.205/01, de 2001; a Resolução RDC n. 34/14, de 2014 e a Portaria da Consolidação n. 5, de 2017, que define o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos. O descumprimento das normas estabelecidas constitui infração sanitária, sujeitando o infrator às penalidades previstas na Lei n. 6.437, de 20 de agosto de 1977. O desenvolvimento de programas e campanhas de doação de sangue são atividades desempenhadas pelo setor de captação com objetivo de conscientizar da importância de doar sangue e obter maior número de doadores para serviço de hemoterapia. O profissional desse setor deve ser qualificado e treinado para as atividades, fazendo a comunicação do serviçocom a sociedade e os doadores de sangue. Eles devem possuir algumas características essenciais para realizar com sucesso a captação dos doadores, tais como: simpatia, cordialidade, boa comunicação e poder de persuasão, pois muitas vezes o processo de captação implica na interação com os sentimentos dos envolvidos como preocupações, medos e receios. Além disso, ter o conhecimento sobre o ciclo do sangue é necessário para poder sanar todas as dúvidas dos doadores, um doador consciente é fator fundamental para a segurança transfusional. Nessa missão, diferentes formas de comunicação e de marketing podem ser utilizadas para conseguir atingir diversos grupos sociais, como exemplo: telefonemas, e-mails, SMS, cartas, panfletos, entrevistas, palestras, redes sociais etc., almejando sempre a compreensão da responsabilidade para com o outro, da importância do ato para salvar vidas, despertando o interesse e o desejo pela ação de doar sangue (RODRIGUES; REIBNITZ, 2011). 1.5 Cadastro dos doadores O cadastro é a identificação do doador no serviço de hemoterapia, sendo obrigatória a apresentação de documento de identificação com foto emitido por um órgão oficial (preferencialmente atual). Todo candidato à doação deve ter um registro no serviço de hemoterapia, que será, preferencialmente, em sistema eletrônico. O serviço de hemoterapia deve realizar ações que garantam a confiabilidade e segurança das informações prestadas. O registro do doador deve conter todas as seguintes informações, segundo a legislação: nome completo do candidato; sexo; data de nascimento; número e órgão expedidor do documento de identificação; nacionalidade e naturalidade; filiação; ocupação habitual; endereço e telefone para contato; número do registro do candidato no serviço de hemoterapia ou no programa de doação de sangue; registro da data de comparecimento. 17 HEMOTERAPIA E BANCO DE SANGUE No cadastro, além de garantir o registro dos dados do candidato a doador, a fim de manter comunicação (telefone e endereço), outros itens devem ser avaliados: • Data de nascimento: segundo a legislação, os candidatos à doação devem ter idade entre 16 anos completos e 69 anos, 11 meses e 29 dias. Em casos de candidatos com idade entre 16 e 17 anos, eles devem apresentar, a cada doação, consentimento formal, por escrito, do seu responsável legal. Lembrando que o limite para a primeira doação é a idade de 60 anos, 11 meses e 29 dias. • Ocupação habitual: é importante a ciência da atividade exercida pelo candidato, pois a legislação diz que candidatos que exerçam ocupações, hobbies ou esportes que ofereçam riscos para si ou para outra pessoa que não possam ser interrompidas por 12 horas devem ser impedidos a doar. Classificam-se como ocupações de risco: pilotagem de avião ou helicóptero; condução de veículos de grande porte, como ônibus, caminhões e trens; operação de maquinário de alto risco, como na indústria e construção civil; trabalho em andaimes; prática de paraquedismo ou mergulho. • Registro do candidato garante a rastreabilidade do sangue doado por aquele indivíduo. Por exemplo, caso posteriormente à doação de sangue ele informar algum mal-estar, como febre ou outro fator que inabilite o uso do hemocomponente, através do número do registro do doador, consegue-se localizar o hemocomponente e realizar o descarte da bolsa. Também agendar consulta e repetição dos exames em caso de alguma alteração encontrada. • O registro do último comparecimento de doação é importante para ter um controle do registro de frequência do doador, pois são admitidas quatro doações no período de um ano para os homens e três doações anuais para as mulheres, e o intervalo mínimo entre doações deve ser de dois meses para os homens e de três meses para as mulheres. Para doação autóloga, a frequência e o intervalo entre as doações devem ser programados de acordo com o protocolo do serviço de hemoterapia. 1.6 Tipos de coleta de sangue na doação Sangue é um “remédio” diferente dos outros: não se fabrica em laboratórios, não se compra em farmácia – somente pode ser obtido por meio de doação de um ser humano a outro. E para ter sangue em estoque, é preciso tocar a sensibilidade e a solidariedade humanas. A todo instante, pessoas sofrem acidentes, necessitam de cirurgias de urgência, de transplantes etc. Além disso, alguns pacientes – como os oncológicos, os portadores de anemias falciformes, hemofilia e outras doenças crônicas – precisam, constantemente, receber transfusão de sangue e hemocomponentes. Existem três principais tipos de coleta de sangue na doação: coleta de sangue total, por aférese e doação autóloga. A doação não deve trazer prejuízos ou riscos para quem a realiza. A triagem é rigorosa e o candidato só doa sangue se estiver em boas condições de saúde. As informações prestadas são mantidas em rigoroso sigilo e são de fundamental importância para a boa qualidade do sangue que será transfundido nos pacientes. O material utilizado é descartável e não há risco de contrair doenças durante o procedimento. A cada doação, há uma nova avaliação clínica e o sangue é submetido a rigorosos testes laboratoriais. 18 Unidade I Doação de sangue total é a doação habitual, em que, em média, 450 mL de sangue são coletados em uma bolsa produzida com materiais e soluções que permitem a preservação do sangue. A reposição do volume de plasma ocorre rapidamente em 24 horas com a ingestão de líquidos, já as hemácias ou glóbulos vermelhos, em quatro semanas. Entretanto, para o organismo atingir o mesmo nível de estoque de ferro que apresentava antes da doação, são necessárias oito semanas para os homens e 12 semanas para as mulheres. Esses são os intervalos mínimos entre as duas doações de sangue total. O tempo de todo o processo é de aproximadamente cinquenta minutos, mas a doação propriamente dita não ultrapassa dez minutos. Essa doação poderá gerar de três a quatro hemocomponentes: concentrado de glóbulos vermelhos ou concentrado de hemácias, concentrado de plaquetas, plasma e crioprecipitado. Eles poderão ser utilizados por até quatro pacientes diferentes. Figura 3 – Doação de sangue total Doação de sangue por aférese é a doação realizada por uma tecnologia chamada aférese, que tornou possível coletar componentes específicos do sangue durante o processo de doação. A máquina de aférese é usada para coletar seletivamente glóbulos vermelhos ou hemácias, plaquetas, plasma e granulócitos. É um procedimento caracterizado pela retirada do sangue do doador ou paciente, seguida da separação de seus componentes por um equipamento próprio, retenção da parte do sangue que se deseja retirar na máquina e devolução dos outros componentes ao paciente ou doador. Essa doação é agendada previamente, sendo feita de acordo com a necessidade dos pacientes. Figura 4 – Doação de plaquetas por aférese (plaquetaférese) 19 HEMOTERAPIA E BANCO DE SANGUE A aférese é um procedimento seguro que permite a coleta seletiva de componentes do sangue sem causar prejuízo à saúde do doador. O procedimento realizado com mais frequência é a coleta de plaquetas, denominada plaquetaférese. O procedimento de coleta de plaquetas por aférese consiste na retirada do sangue total do doador, separação dos componentes por meio de centrifugação, retenção de parte das plaquetas e retorno dos demais componentes do sangue para o doador (COVAS et al., 2007). A coleta por aférese dura aproximadamente 90 minutos e dela se obtém aproximadamente 300 mL de plasma com uma concentração de plaquetas de 6 a 8 vezes maior do que em uma doação total. Além disso, esse método oferece menor chance de reação, já que o paciente consegue receber uma quantidade maior de plaquetas de um único doador. Outra vantagem é que o doador pode ser submetido ao procedimento quatro vezes por mês, respeitando o limite de 24 doações ao ano. O doador de sangue total pode doar no máximo quatro vezes por ano, se for homem, e três vezes por ano, se for mulher. No entanto,no caso das plaquetas, a grande dificuldade em manter seus estoques abastecidos está na sua curta vida útil delas: em média, apenas 5 (cinco) dias após a coleta. A reposição das plaquetas pelo organismo é rápida e ocorre em torno de 48 horas. Os pré-requisitos para ser um doador de plaquetas são muito semelhantes aos de uma doação de sangue total, exceto que o doador de plaquetas deve apresentar uma quantidade plaquetária acima de 150.000/mm3, não ter utilizado anti-inflamatórios pelo menos cinco dias antes do procedimento e que o candidato tenha realizado uma doação de sangue prévia no serviço. Doação de sangue autólogo é a doação realizada pelo paciente para o seu próprio uso. Esses casos devem ter indicação médica para uso em procedimentos eletivos pré-operatório, no qual o sangue do paciente é colhido e armazenado para uma cirurgia programada (SANTOS et al., 1996). Esse tipo de doação oferece inúmeros benefícios para o paciente-doador, entre elas: • Eliminação dos riscos associados às transfusões homólogas: transmissão de doenças infectocontagiosas; aloimunização a antígenos eritrocitários e leucoplaquetários; reações hemolíticas, febris ou alérgicas; e doença causada pela reação enxerto versus hospedeiro. • Estimula a eritropoiese, resultando numa recuperação mais rápida dos níveis pré-cirúrgicos da hemoglobina. • Reduz e até mesmo elimina a necessidade de sangue homólogo durante o procedimento cirúrgico. • Oferece maior segurança e tranquilidade emocional aos pacientes. 1.7 Requisitos para doar sangue Para a qualificação do doador, alguns requisitos são necessários na triagem, obedecendo às normas nacionais. O alto rigor no cumprimento dessas normas visa a oferecer segurança e proteção ao receptor e ao doador. A seguir, estão listados os requisitos básicos e alguns dos principais impedimentos 20 Unidade I temporários e definitivos para doação de sangue. No entanto, esta lista não esgota os motivos de impedimentos para doação, de forma que outras informações prestadas pelo doador durante a triagem clínica serão consideradas para definir se está apto para doar sangue naquele momento. • Requisitos básicos: ☻— Estar em boas condições de saúde. — Ter entre 16 e 69 anos, desde que a primeira doação tenha sido feita até 60 anos. — Pesar mínimo de 50 kg. — Estar descansado (ter dormido pelo menos seis horas nas últimas 24 horas). — Estar alimentado (evitar alimentação gordurosa nas quatro horas que antecedem a doação). — Apresentar documento original com foto recente, que permita a identificação do candidato, emitido por órgão oficial. • Principais impedimentos temporários: — Resfriado: aguardar sete dias após desaparecimento dos sintomas. — Gravidez. — Noventa dias após parto normal e 180 dias após cesariana. — Amamentação (se o parto ocorreu há menos de 12 meses). — Ingestão de bebida alcoólica nas 12 horas que antecedem a doação. — Tatuagem/maquiagem definitiva nos últimos 12 meses. — Situações nas quais há maior risco de adquirir doenças sexualmente transmissíveis: aguardar 12 meses. — Qualquer procedimento endoscópico (endoscopia digestiva alta, colonoscopia, rinoscopia etc.): aguardar seis meses. — Extração dentária (verificar uso de medicação) ou tratamento de canal (verificar medicação): por sete dias. — Cirurgia odontológica com anestesia geral: por quatro semanas. 21 HEMOTERAPIA E BANCO DE SANGUE — Acupuntura: se realizada com material descartável: 24 horas; se realizada com laser ou sementes: apto; se realizada com material sem condições de avaliação: aguardar 12 meses. — Vacina contra gripe: por 48 horas. — Vacina contra covid-19: se obtida a partir de vírus inativado ou fragmento proteico sintético: 48 horas. Se obtida a partir de vetores virais recombinantes não replicantes e de vacinas que utilizam RNA mensageiro ou DNA: sete dias. — Herpes labial ou genital: apto após desaparecimento total das lesões. — Herpes zoster: apto após seis meses da cura (vírus Varicella Zoster). — Brasil: estados como Acre, Amapá, Amazonas, Rondônia, Roraima, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Tocantins são locais onde há alta prevalência de malária. Quem esteve nesses estados deve aguardar 12 meses para doar, após o retorno. Isso também se aplica a quem viajou a países que apresentam a malária com alta prevalência. — EUA: quem esteve nesse país deve aguardar trinta dias para doar, após o retorno. — Febre amarela: quem esteve em região onde há surto da doença deve aguardar trinta dias para doar, após o retorno; se tomou a vacina, deve aguardar quatro semanas; se contraiu a doença, deve aguardar seis meses após recuperação completa (clínica e laboratorial). — Coronavírus: candidatos à doação que apresentaram infecção por covid-19 são considerados inaptos por um período de trinta dias após recuperação clínica completa (assintomáticos). Os que tiveram contato direto (domiciliar ou profissional) com casos suspeitos ou confirmados de contaminação por coronavírus devem aguardar 14 dias após o último dia de contato para realizar a doação de sangue. • Principais impedimentos definitivos: — Hepatite após os 11 anos de idade. — Evidência clínica ou laboratorial das seguintes doenças infecciosas transmissíveis pelo sangue: hepatites B e C, aids, doenças associadas aos vírus HTLV I e II e doença de Chagas. — Uso de drogas ilícitas injetáveis. — Malária. 22 Unidade I 1.8 Triagem laboratorial ou pré-triagem Os serviços de hemoterapia possuem um setor chamado de pré-triagem ou triagem laboratorial, que faz a aferição do peso e dos sinais vitais e da hemoglobina ou hematócrito dos candidatos à doação. Posteriormente os resultados serão passados ao triador da triagem clínica para fazer a avaliação do candidato. Os parâmetros avaliados nesse setor são: • Hemoglobina (Hb) ou hematócrito (Htc), em que geralmente se realiza punção de polpa digital. Visando à proteção do candidato à doação devido a possíveis quadros de anemia e à importância da sintomatologia que pode ser gerada após doação em indivíduos com baixos níveis de hemoglobina/hematócrito. Os valores mínimos aceitáveis para doar sangue estão dispostos na tabela a seguir. Figura 5 – Punção da polpa digital para realização da dosagem de hemoglobina antes da doação de sangue Tabela 1 – Valores mínimos aceitáveis para os níveis de hemoglobina (Hb) e de hematócrito (Hct) para doação de sangue em homens e mulheres Valores mínimos aceitáveis Homens Mulheres Hb Hct Hb Hct 13 g/dL 39% 12,5 g/dL 38% Valores máximos aceitáveis ambos os sexos Hb 18 g/dL Hct 54% Adaptada de: Brasil (2014a). • Frequência cardíaca: os candidatos à doação devem ter pulso com características normais e ser regular, e na aferição deve estar entre 50 e 100 batimentos por minuto. 23 HEMOTERAPIA E BANCO DE SANGUE • Pressão arterial: a pressão sistólica não deve ser maior que 180 mmHg e a pressão diastólica não deve ser maior que 100 mmHg. Observação alterações hemodinâmicas compensatórias após a doação podem causar danos aos indivíduos com alterações prévias dos parâmetros de frequência cardíaca e pressão arterial. • Peso: o candidato deve ter no mínimo 50 kg para conseguir realizar a doação, 50 kg é o peso que possibilita a coleta do volume de sangue que pode ser retirado do doador sem danos para a sua saúde, já que o volume de sangue total a ser coletado deve ser, no máximo, de 8 mL por quilo de peso para as mulheres e de 9 mL/kg de peso para os homens, de maneira que o volume do anticoagulante na bolsa de coleta seja proporcional ao volume coletado. Observação o volume admitido por doação é de aproximadamente 450 mL, aos quais podem ser acrescidos até 30 mL para a realização dos exames laboratoriais exigidos pelas leis e normas técnicas. • Temperatura: na ausência de outras manifestações clínicas, temperaturas maiores que 37 °C podem ser o único indício de infecções no doador. Esse parâmetro visa à proteção do receptor, pois esse candidato à doação pode transmitir agentesinfecciosos através do sangue doado, causando malefícios aos receptores. 1.9 Triagem clínica A avaliação do doador é completada pela entrevista individual, confidencial e sigilosa feita por um profissional da área da saúde de nível superior. Esse procedimento consiste na avaliação da história clínica e epidemiológica do doador, do estado atual de saúde, dos hábitos e comportamentos do candidato à doação para determinar se ele está em condições de doar o sangue. A história clínica do candidato compreende um conjunto de informações relacionadas à saúde – suas doenças atuais e passadas, doações anteriores, internações, cirurgias, transfusões, vacinas, remédios utilizados, hábitos e vícios etc. A história epidemiológica do candidato compreende um conjunto de informações sobre possíveis contatos com agentes infecciosos com desenvolvimento ou não de doenças. Esses contatos podem ser decorrentes de comportamentos, de hábitos ou vícios pessoais; da convivência com pessoas infectadas ou da estadia temporária ou permanente em áreas endêmicas para doenças transmissíveis pelo sangue (PADILHA; WITT, 2011). A entrevista é também fundamental para levantar informações indicadoras de doenças que não são realizadas nos testes da triagem sorológica para doadores de sangue, como, por exemplo, tuberculose, herpes, doença de Creutzfeldt-Jakob (variante humana da doença da “vaca louca”) e infecções bacterianas. Na triagem clínica, o triador, frente a frente com o candidato, tem a oportunidade de avaliar, de acordo com requisitos e critérios definidos pelo Ministério da Saúde, situações e fatos que nenhum teste laboratorial é capaz de diagnosticar. O candidato deve estar consciente de que não deve esconder doenças que já teve ou aspectos de seu comportamento sexual. A sinceridade nesse momento é fundamental para avaliar se a doação pode trazer riscos para ele ou ao receptor. É importante informar sobre o comportamento de risco para doenças transmissíveis pelo sangue e se está na chamada “janela imunológica” (período em que o vírus que causa a doença está no organismo, mas ainda não pode ser detectado pelos testes laboratoriais). 24 Unidade I É na entrevista da triagem clínica que se podem identificar as situações de risco para essa janela imunológica, uma vez que a transmissão de doenças pelo sangue não pode ser totalmente evitada com a realização dos testes sorológicos (COVAS, 2001). A triagem clínica, por se tratar de um processo investigativo, visa à segurança do processo de doação ao mesmo tempo que é considerada um momento de educação e cuidado dos doadores. Os profissionais que realizam essa atividade integram a educação, o conhecimento, a consultoria, a perícia e a peculiaridade para realizar a triagem. Eles precisam demonstrar familiaridade com as perguntas do questionário, lidar com questões que se referem à intimidade do doador e ter grande preparo técnico e emocional, pois cada doador tem uma história diferente. O triador precisa ainda ter habilidade e sensibilidade para analisar as informações e as expressões do candidato à doação, também precisa manter postura ética, sigilo de todas as informações, comunicação adequada e passar segurança para o doador. O candidato que for considerado apto nessa fase será encaminhado para a fase seguinte: coleta do sangue e amostras, e o candidato considerado inapto temporária ou definitivamente não terá o seu sangue coletado e será dispensado. Observação Foi aprovado o Projeto de Lei n. 3.598/20, que proíbe a exclusão de doadores de sangue por preconceito étnico, de cor, gênero, orientação sexual ou qualquer outro pretexto discriminatório e se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) revogou, em julho de 2020, a determinação que restringia a doação de sangue por homossexuais do sexo masculino (ANVISA, 2020). Veja no guia para inclusão de critérios na triagem clínica e epidemiológica de candidatos à doação de sangue baseados em práticas individuais acrescidas de risco para infecções transmissíveis pelo sangue n. 34/2020. 1.10 Coleta de sangue O processo de coleta do sangue pode ocorrer de duas formas, sendo a mais comum a coleta do sangue total. A outra forma, mais específica e de maior complexidade, realiza-se por meio de aférese (termo derivado de uma palavra grega que significa “separar ou retirar”). O procedimento de aférese, já mencionado, consiste na retirada do sangue total do indivíduo (nesse caso, o doador), separação dos componentes sanguíneos por meio de centrifugação, resultando na retenção do componente desejado numa bolsa e retorno dos demais componentes do sangue para o doador, tudo realizado concomitantemente. O sangue total deve ser coletado em uma bolsa múltipla, de material atóxico, descartável e estéril (a tripla é a mais comumente utilizada em nosso meio), para permitir o posterior processamento, isso é, a separação do sangue total coletado em vários hemocomponentes. As bolsas de sangue utilizadas 25 HEMOTERAPIA E BANCO DE SANGUE na doação podem ser duplas, triplas ou quádruplas, como ilustrado na figura seguinte. As soluções anticoagulantes e preservantes têm a função de impedir a formação de coágulos e manter a viabilidade dos elementos celulares durante o período de armazenamento. Entre eles, temos o CPDA-1 composto por ácido cítrico, citrato de sódio, fosfato de sódio, dextrose e adenina, que mantêm a validade para o concentrado de hemácias (CH) por 35 dias. A solução aditiva SAG-M é composta por soro, adenina, glicose e manitol e aumenta a viabilidade e validade das hemácias para 42 dias, com maior quantidade de plasma e menor viscosidade do CH. Bolsa quádrupla Bolsa tripla Bolsa dupla CrioCP CP ou Crio PIC PFC PFC CH CH CH Legenda: concentrado de hemácias (CH); plasma fresco congelado (PFC); concentrado de plaquetas (CP); crioprecipitado (crio); plasma isento de crio (PIC). Figura 6 – Tipos de bolsas utilizadas na coleta de sangue em uma doação de sangue total e os hemocomponentes que podem ser produzidos No momento da doação, o doador deve estar confortavelmente instalado. A punção venosa para coleta do sangue deve ser precedida de uma antissepsia adequada com a degermação em duas etapas (clorexidina degermante e clorexidina alcoólica), e o volume coletado deve ser aquele definido na triagem clínica (em média 450 mL). Durante a coleta, a bolsa deverá ser constantemente movimentada a fim de permitir que o sangue coletado seja homogeneizado com o anticoagulante nela contido. Também serão coletadas nesse momento, em tubos adequados, as amostras de sangue que se destinarão aos testes imuno-hematológicos (tipagem sanguínea, pesquisa de anticorpos irregulares e pesquisa de hemoglobina S) e sorológicos. Há necessidade de especial atenção para que as identificações da bolsa e dos tubos com as amostras de sangue sejam feitas concomitantemente para evitar erros, tais como a troca de amostras ou bolsas etapa que chamamos de pré-vínculo. Concluída a coleta, a bolsa de sangue será encaminhada para o processamento e as amostras de sangue serão destinadas ao laboratório para a realização dos testes imuno-hematológicos e sorológicos obrigatórios, sem os quais nenhuma bolsa poderá ser liberada para o consumo. 26 Unidade I Ainda na fase de coleta, há que se garantir também o pronto atendimento ao doador que apresentar alguma reação adversa. Assim, é obrigatório que exista pessoal treinado para dar esse atendimento, num local de recuperação do doador com disponibilidade de material e medicamento para essa finalidade. As reações adversas à doação são classificadas em: • Reações leves: palidez cutânea, sudorese, suspiros ou bocejos, hiperventilação, sensação de calor ou falta de ar, tonturas, enjoos. • Reações moderadas: qualquer dos sintomas anteriores associados à bradicardia, respiração “curta”, hipotensão, queixa de escurecimento da visão, perda de consciência sem tetania ou convulsão,náuseas com ou sem vômitos, demora no tempo de recuperação (superior a 15 minutos). • Reações graves: qualquer dos sintomas anteriores associados à rigidez ou tremor das extremidades, coloração de pele variando da palidez à cianose, incontinência urinária, convulsões. Diante da possibilidade de omissão, por parte dos doadores, de alguma situação de risco, criou-se o voto de autoexclusão, em que a pessoa pode excluir a sua doação da finalidade transfusional. O voto de autoexclusão é entregue após a coleta, sendo totalmente sigiloso, permite ao candidato confirmar ou negar as informações prestadas sem expor diretamente suas respostas ao profissional da triagem. Se o voto for sim, o candidato afirma que seu sangue é seguro para transfusão e não oferece risco ao paciente. Se o voto for não, o candidato não está seguro quantos às suas respostas. A coleta e os exames serão realizados, porém o sangue será descartado. Após a doação, o serviço de hemoterapia deve oferecer para todos os doadores uma hidratação oral acompanhada de algum alimento (lanche). Terminada essa fase, o doador pode ser dispensado estando, portanto, concluído o ciclo do doador. 1.11 Cuidados pós-doação de sangue Após a doação, deve-se solicitar ao doador que permaneça no mínimo 15 minutos sentado tomando o lanche e se hidratando no local da doação, entre outras orientações importantes citadas a seguir: • Aguardar, no mínimo, uma hora para dirigir curtos percursos e duas horas para viagens. • Não fumar por, no mínimo, duas horas. • Não pegar peso com o braço utilizado para a doação. • Não fazer exercício físico nas 12 horas subsequentes à doação. 27 HEMOTERAPIA E BANCO DE SANGUE • Entrar em contato com o serviço em que foi realizada a doação de sangue caso venha a desenvolver sinais ou sintomas relacionados a infecções – como febre, diarreia, resfriado, calafrios e manchas vermelhas – nos 14 dias que se seguirem à doação ou ainda em casos de reações adversas. Observação A cada doação, o doador passa por uma nova avaliação médica, e seu sangue é submetido, novamente, a rigorosos testes laboratoriais. Se convidado a repetir os testes, o retorno do doador à instituição é de extrema importância, inclusive para avaliar a sua continuidade como doador. Os testes realizados são de triagem, e não para diagnósticos, assim, necessitar repetir exames não significa que haja alguma doença ativa. Não há motivos para preocupação em caso de convocação para uma nova consulta médica ou para a repetição de exames. 2 PRODUÇÃO/PROCESSAMENTO/FRACIONAMENTO, ARMAZENAMENTO, EXAMES DE QUALIFICAÇÃO NO SANGUE DO DOADOR, LIBERAÇÃO, ROTULAGEM, CONSERVAÇÃO, TRANSPORTE E DISTRIBUIÇÃO DO SANGUE 2.1 Produção/processamento/fracionamento e armazenamento do sangue O processamento do sangue total doado permite a produção e o armazenamento de diferentes hemocomponentes em condições adequadas para preservação de suas características terapêuticas, possibilitando que o receptor receba em menor volume somente elementos sanguíneos dos quais necessita, o que minimiza os riscos inerentes à terapêutica transfusional. Desse modo, a partir de uma única doação, vários pacientes poderão ser beneficiados de forma mais segura (RAZOUK; REICHE, 2011). Após a coleta, tanto o sangue total quanto os hemocomponentes necessitam de conservação em temperatura adequada e constante, pois são produtos termolábeis/biológicos, isto é, se deterioram quando expostos a variações de temperatura inadequadas e podem sofrer contaminação bacteriana. Para que o armazenamento do sangue e seus componentes se deem de maneira adequada, não perdendo suas características e propriedades hemoterápicas, devem ser utilizados equipamentos específicos para este fim. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), esses equipamentos são classificados como cadeia de frio e têm por objetivo assegurar a qualidade durante o armazenamento e transporte do sangue e seus componentes até o momento da transfusão, caracterizados a seguir. 28 Unidade I Tabela 2 – Tipo, composição, volume, temperatura de armazenamento e validade dos hemocomponentes Hemocomponente Composição Volume Temperatura de armazenamento Validade Concentrado de hemácias (CH) Hemácias (hematócrito de 60% a 80%) com pouco volume de plasma Acima de 200-300 mL 2-6 °C 35 a 42 dias* Plasma fresco congelado (PFC) Plasma contendo todos os fatores de coagulação Acima de 180 mL -30 °C** 2 anos Concentrado de plaquetas (CP) Cerca de 5,5 x 1010 de plaquetas e com leucócitos 45-60 mL 20-24 °C*** 5 dias Plaquetaférese Cerca de > 3.0 x 10 11 de plaquetas, filtrada sem leucócitos 250 mL 20-24 °C*** 5 dias Crioprecipitado Fibrinogênio, fator VIII: C, fator VIII: VWF (fator de Von Willebrand), fator XIII e fibronectinas 15-30 mL -30 °C**** 2 anos *Dependendo do anticoagulante e aditivo contido na bolsa; **o plasma deve estar congelado em até 8 horas após a coleta; ***com agitação constante; ****deve estar recongelado em 1 hora. Adaptada de: Brasil (2015a). Os hemocomponentes são obtidos após o fracionamento/processamento da bolsa de sangue total coletada. Esse fracionamento, que é feito por meio de centrifugação, separa os componentes sanguíneos, possibilitando que o receptor receba somente o hemocomponente do qual necessita em menor volume. Como cada tipo celular possui densidades diferentes entre si, a centrifugação separa os componentes. Plasma Plaquetas Hemácias Figura 7 – Hemocomponentes obtidos por processo de centrifugação refrigerada de bolsa com sangue total Fonte: Brasil (2015a, p. 19). Agora, veremos como são realizados o fracionamento e as principais indicações de uso dos hemocomponentes. 29 HEMOTERAPIA E BANCO DE SANGUE 2.1.1 Sangue total (ST) O produto de uma doação de sangue é considerado sangue total, com volume médio de 450 mL coletados em solução anticoagulante/preservante de 63 mL na maioria das coletas. Atualmente, o sangue total não é mantido em estoque nos bancos de sangue sendo processado para a produção dos componentes sanguíneos (concentrado de hemácias, plasma fresco, concentrado de plaquetas e crioprecipitado). Essa conduta propicia maior aproveitamento do sangue doado, possibilitando o atendimento de até quatro hemocomponentes com uma única doação voluntária de sangue. Na figura seguinte, visualizamos a produção dos hemocomponentes e as etapas de centrifugação e congelamento para obtenção dos produtos lábeis do sangue. PFC CH ST STou PRP PFC CP Bolsa satélite Bolsa satélite Bolsa satélite Bolsa satélite Bolsa satélite Bolsa satélite PIC Crio Co ng el ad o a -3 0 °C Re fr ig er ad o a 4 °C Te m pe ra tu ra 2 2 °C Centrifugação pesada Centrifugação pesada Centrifugação refrigerada Descongelado a 4 °C Centrifugação leve Centrifugação leve Co ng el ad o a -3 0 °C Co ng el ad o a -3 0 °C Co ng el ad o a -3 0 °C Legenda: centrifugação leve do sangue total (ST): hemácias depositam-se – separação do concentrado de hemácias (CH) e do plasma rico em plaquetas (PRP) ou do plasma fresco congelado (PFC). Centrifugação pesada do PRP para depósito das plaquetas: separação do PFC e do CP. Descongelamento a 4 °C do PFC e posterior centrifugação refrigerada para separação do crioprecipitado (crio) e do plasma isento de crio (PIC). Figura 8 – Obtenção dos hemocomponentes a partir do sangue total O ST após a coleta deve repousar por aproximadamente duas horas para que a “recuperação plaquetária” ocorra com maior eficiência. Para produção do concentrado de plaquetas (CP), o ST deve ser mantido em temperatura entre 20 °C e 24 °C. Se não for direcionado para produção de CP, o ST deve ser mantido refrigerado. O tempo de coleta não deve exceder 15 minutos (preferencialmente 12 minutos) para produção de CP. Além disso, para garantir a proporção de solução anticoagulante/sangue, o volume coletado deve estar entre 405 mL–495 mL e o doador não deve estar sob ação de medicações quealterem a função da plaqueta. 30 Unidade I Os anticoagulantes e soluções aditivas têm a função de manter a fluidez do sangue impedindo sua coagulação, a função dos elementos celulares do sangue o maior tempo possível e assegurar que, no final da estocagem, pelo menos 70% dos elementos celulares estejam viáveis. 2.1.2 Concentrado de hemácias (CH) O CH é constituído por eritrócitos que permanecem na bolsa depois que ela é centrifugada, e o plasma é extraído para uma bolsa-satélite. O hematócrito do CH deve estar entre 65% e 80%, nas bolsas cuja solução preservativa seja CPDA-1, e permanecer armazenados à temperatura de 2-4 °C por 35 dias. CH estocados em soluções aditivas têm hematócritos entre 50-60% e validade de 42 dias. Como vantagens do emprego de eritrócitos sobre o sangue total, tem-se a obtenção da mesma capacidade de oxigênio com a metade do volume; redução no nível de isoaglutininas naturais (anti-A e anti-B) e redução significativa nos níveis de citrato e potássio, principalmente para doentes cardíacos, renais e/ou hepáticos. As indicações clínicas do uso do CH é para aumentar a massa eritrocitária em pacientes que necessitem aumentar sua capacidade de transporte de oxigênio. Uma unidade de eritrócitos aumenta a hemoglobina do adulto em 1 g/dL, e o hematócrito, em 3%. A compatibilidade ABO deve ser respeitada na administração do CH, com o objetivo de evitar hemólise no receptor, e são necessários os testes de compatibilidade. 2.1.3 Concentrado de plaquetas (CP) O CP consiste numa suspensão de plaquetas emplasma, preparado mediante dupla centrifugação de uma unidade de sangue total. É importante que esse sangue total não seja colhido em tempo maior que 15 minutos. OCP deve conter, pelo menos, 5,5 x 1010 de plaquetas, e deverá ser armazenado à temperatura de 20 °C a 24 °C , sob agitação constante, pelo prazo máximo de cinco dias. As plaquetas possuem a função de controlar o sangramento ao atuar como tampão hemostático no endotélio vascular. A utilização de plaquetas ABO compatíveis com o receptor é aconselhável, porém não é obrigatória, não sendo necessária a realização dos testes de compatibilidade pré-transfusionais. As indicações clínicas para transfusão de plaquetas são para prevenir ou controlar a hemorragia em pacientes com baixas contagens de plaquetas (trombocitopenia) ou, menos frequentemente, em pacientes com disfunção plaquetária (trombocitopatias). O principal uso da transfusão profilática de plaquetas é na prevenção de sangramento em pacientes com doenças hematológicas, especialmente as leucemias, que apresentam insuficiência medular causada pela doença ou seu tratamento. 2.1.4 Plasma fresco congelado (PFC) Obtido a partir do sangue total, através de centrifugação, pela separação e congelamento do plasma no período de até seis horas após a coleta, o volume de cada unidade deve ser superior a 180 mL. Contém todos os fatores de coagulação (fatores da via intrínseca e os da via extrínseca da coagulação). Deve ficar armazenado a uma temperatura de, no mínimo, - 30 °C , tendo a validade de 24 meses. Antes de ser utilizado para transfusão, o PFC deve ser completamente descongelado em banho-maria a 37 °C. Uma vez descongelado, deve ser utilizado o mais breve possível, pois os fatores de coagulação são termolábeis e vão se degradando. 31 HEMOTERAPIA E BANCO DE SANGUE As indicações para o uso do plasma fresco congelado são restritas e correlacionadas a sua propriedade de conter as proteínas da coagulação na dose inicial. Deve ser de 10-15 mL/kg. O componente deve ser usado, portanto, no tratamento de pacientes com distúrbio da coagulação, particularmente naqueles em que há deficiência de múltiplos fatores e apenas quando não estiverem disponíveis produtos com concentrados estáveis de fatores da coagulação (hemoderivados) com menor risco de contaminação viral. Portanto as indicações são: coagulopatias congênitas ou adquiridas, com sangramento ativo e previamente a procedimentos invasivos; transfusão maciça de hemácias associada à deficiência da coagulação; reversão rápida da anticoagulação pela warfarina; deficiência congênita de fator II, V, VII, X, XI ou XIII com sangramento anormal; púrpura trombocitopênica trombótica (PTT); deficiência da antitrombina III, cofator II de heparina, proteína C ou proteína S. A compatibilidade ABO deve ser respeitada na administração de plasma fresco, com o objetivo de evitar hemólise no receptor, embora não sejam necessários testes de compatibilidade. Derivados do PFC: • Plasma isento do crioprecipitado (PIC): é o plasma do qual foi retirado em sistema fechado, o crioprecipitado. O PIC tem a validade de 12 meses a partir da coleta, devendo ser armazenado à temperatura de -20 °C ou inferior. A púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) é a única indicação clínica para o PIC. • Plasma comum, não fresco, normal ou simples (PC): o PC é o plasma cujo congelamento não se deu dentro das especificações técnicas assinaladas no art. 94, da Portaria de Consolidação n. 5 de 2017, ou, ainda, resultado da transformação de um PFC, de um PFC24 (é o plasma separado de uma unidade de sangue total por centrifugação e congelado completamente entre 8 e 24 horas após a coleta, atingindo temperaturas iguais ou inferiores a -30 °C) ou de um PIC cujo período de validade expirou. O PC será armazenado em temperatura igual ou inferior a -20 °C, e tem a validade de cinco anos a partir da data de coleta. O PC não pode ser utilizado para transfusão, devendo ser exclusivamente destinado à produção de hemoderivados. 2.1.5 Crioprecipitado (crio) O crio constitui-se da fração de plasma insolúvel ao frio, obtida a partir do PFC. Para sua produção, o PFC deverá ser descongelado a 4 ± 2 °C. Depois de completamente descongelado, esse plasma deverá ser centrifugado imediatamente à temperatura de 4 ± 2 °C e separado do material insolúvel ao frio em circuito fechado. O crio resultante deverá ser recongelado em até uma hora após sua obtenção a -30 °C e terá a validade de dois anos a partir da data de doação, com volume de até 40 mL. O produto final deve conter, no mínimo, 150 mg de fibrinogênio por unidade em, pelo menos, 75% das unidades avaliadas. Atualmente, a principal fonte de fibrinogênio concentrado é o crio. A infusão de crio pode ser realizada a partir de bolsas individuais ou reunidas em união de várias unidades de crioprecipitado em uma única bolsa para transfusão (pool), devido ao seu pequeno volume. O crio deve ser transfundido logo após o descongelamento, pois se observa uma rápida perda de atividade do fator VIII em altas temperaturas. O crio pode ser indicado para portadores de deficiência de fibrinogênio (quantitativa 32 Unidade I ou qualitativa) e na deficiência de fator XIII, quando o fator purificado não estiver disponível. O crioprecipitado também pode ser utilizado na produção de cola de fibrina. 2.2 Armazenamento e conservação dos hemocomponentes Após a centrifugação, podemos obter os seguintes hemocomponentes, dependendo da bolsa utilizada e do tempo de coleta: concentrado de hemácias, concentrado de plaquetas, plasma fresco congelado e crioprecipitado. Cada um desses hemocomponentes, devidamente identificados, será armazenado e permanecerá em quarentena até a conclusão dos testes laboratoriais (imuno-hematológicos e sorológicos). Como o fracionamento/processamento ocorre na maioria das vezes antes do término dos exames laboratoriais obrigatórios para a liberação desses hemocomponentes, para minimizar a possibilidade de uso de hemocomponentes ainda não liberados para o consumo, os hemocomponentes em quarentena (sem resultados dos testes imuno-hematológicos e sorológicos) deverão estar obrigatoriamente separados daqueles já liberados para uso (hemocomponentes e exames sem restrições de uso). A liberação para consumo deverá ser feita de forma segura, sendo imediatamente descartados aqueles hemocomponentes considerados impróprios para o consumo. Para o armazenamento doshemocomponentes, é obrigatório o uso de equipamentos apropriados para essa finalidade, e deve ser executado um controle rigoroso da temperatura em geladeiras/freezers, além de controle da temperatura nos ambientes laboratoriais. 2.3 Principais procedimentos especiais realizados nos hemocomponentes 2.3.1 Irradiação A irradiação dos hemocomponentes é realizada para a prevenção da doença do enxerto versus hospedeiro associada à transfusão (DECH-AT), complicação imunológica usualmente fatal causada pela enxertia e expansão clonal dos linfócitos do doador em receptores suscetíveis. Com a finalidade de prevenir essa complicação, os hemocomponentes celulares (concentrado de hemácias e de plaquetas) devem ser submetidos à irradiação gama na dose de, pelo menos, 2.500 cGy (25 Gy), impossibilitando a multiplicação dos linfócitos. A validade dos componentes celulares irradiados difere pela lesão de membrana, portanto o concentrado de hemácias irradiado deve, preferencialmente, ser produzido até 14 dias após a coleta e obrigatoriamente armazenado até no máximo 28 dias após a irradiação observando a data de validade original do componente. As unidades irradiadas devem ser adequadamente rotuladas e identificadas e o processo de irradiação deve ser validado periodicamente. A irradiação está indicada nas transfusões intrauterina, para os recém-nascidos de baixo peso (inferior a 1.200 g) e/ou prematuros (inferior a 28 semanas); para os portadores de imunodeficiências congênitas graves; para os pacientes recebendo terapia imunossupressora, como pós-transplante de medula óssea, para as transfusões de componentes HLA compatíveis e quando o receptor for parente em primeiro grau do doador. 33 HEMOTERAPIA E BANCO DE SANGUE 2.3.2 Lavagem O concentrado de hemácias ou de plaquetas é submetido à lavagem com solução salina estéril, através de centrifugação, para remoção de plasma, restos celulares e eletrólitos, de modo que sua quantidade final de proteínas totais seja inferior a 500 mg/unidade, devendo a temperatura de armazenamento ser de 4 ± 2 °C. A indicação dos componentes está relacionada com a profilaxia de reações alérgicas ou com a utilização em pacientes deficientes de proteínas específicas, a exemplo de deficientes de IgA. O procedimento de lavagem dos hemocomponentes deve ser realizado somente quando atende a indicações precisas, pois causa prejuízo da sobrevida das células e risco de contaminação bacteriana, limitando ao uso dentro de 24 h pós-lavagem. 2.3.3 Desleucocitação Esse procedimento especial é realizado através do uso de filtros especiais que retêm leucócitos. Segundo a Portaria de Consolidação n. 5 de 2017: “os concentrados de hemácias desleucocitados são concentrados de hemácias contendo menos que 5,0 x 106 leucócitos por unidade”. A desleucocitação desse concentrado de hemácias é recomendada em até 48 horas após a coleta e, se ocorrer em sistema fechado, a unidade conserva sua validade original. Caso o concentrado seja preparado em sistema aberto, a validade será de 24 horas. O pool de CP desleucocitado, obtido de sangue total, deve conter menos que 5,0 x 106 leucócitos, ou cada unidade deve conter abaixo de 0,83 x 106 leucócitos. Após o procedimento, a validade do CP é de 4 horas, quando preparado em sistema aberto. Esses componentes são indicados para prevenção de reação transfusional febril não hemolítica e profilaxia de aloimunização leucocitária, aplicando-se, principalmente, a pacientes em programa de transfusão crônica, como pessoas com talassemia e com doença falciforme. Também podem ser utilizados como alternativa para a redução da transmissão de citomegalovírus (CMV) em substituição a componentes soronegativos para CMV. Observação Verificar sempre a real necessidade da indicação dos hemocomponentes especiais, pois esses são modificados e isso acarreta o encurtamento da sobrevida das hemácias, há ainda hemólise por retirada de conservante do hemocomponente, que se inicia logo após o processamento, além de risco de contaminação e a diminuição considerável do volume a ser transfundido devido ao processamento. 34 Unidade I 2.4 Exames de qualificação no sangue do doador Objetivando minimizar os riscos transfusionais, a hemoterapia tem se caracterizado pelo desenvolvimento e adoção de novas tecnologias, especialmente quanto à prevenção da disseminação de agentes infectocontagiosos e maior compatibilidade entre os grupos sanguíneos. A principal característica dos doadores com sorologia reagente é serem acometidos de doença crônica e assintomática, dificultando muitas vezes a sua exclusão na fase de triagem clínica. Através da transfusão, a transmissão de patógenos necessita que o doador tenha o agente circulante em seu sangue, que os testes de triagem sorológica não sejam capazes de detectá-lo e que o hospedeiro seja susceptível. Além disso, o tropismo de agentes infecciosos por determinado componente do sangue determina a contaminação dos diferentes hemocomponentes (concentrado de hemácias, concentrados de plaquetas, concentrados de leucócitos e plasma). Assim, o vírus linfotrópico da célula T humana (HTLV) e o citomegalovírus (CMV) localizam-se exclusivamente nos leucócitos; o vírus da hepatite B (HBV) e o vírus da hepatite (HBC) localizam-se preferencialmente no plasma. O Trypanosoma cruzi, agente etiológico da doença de Chagas, pode estar presente em todos os hemocomponentes; o Plasmodium, agente etiológico da malária, encontra-se nas hemácias, e o vírus da imunodeficiência humana adquirida (HIV), nos leucócitos e plasma (COVAS, 2001). A fase científica da hemoterapia incluiu-se com a descoberta dos grupos sanguíneos e sua compatibilidade, pois esses eram os principais motivos de insucessos nas transfusões. A ausência de compatibilidade sanguínea nas transfusões levava o paciente à morte por uma reação hemolítica aguda. Essa reação é classificada como a mais grave e fatal. A imuno-hematologia eritrocitária é uma área essencialmente laboratorial que tem como objetivo garantir a segurança imunológica da transfusão. Como tal, abrange o estudo laboratorial no contexto clínico da imunologia do eritrócito (da interação dos eritrócitos com o sistema imunitário). Estudaremos com mais detalhes os testes e os grupos sanguíneos adiante. Os hemocomponentes processados só poderão ser liberados para a transfusão após a conclusão dos testes imuno-hematológicos e sorológicos, a fim de garantir a eficácia terapêutica e a segurança da futura transfusão. A seguir citamos os testes obrigatórios que deverão ser feitos na amostra do doador. 2.4.1 Sorológicos Os testes de triagem sorológica devem ter alta sensibilidade e especificidade, visando à segurança do receptor. Sensibilidade é a capacidade do teste em detectar os indivíduos realmente portadores da doença, detectar antígenos ou anticorpos presentes na amostra, mesmo em pequenas quantidades. Quanto mais sensível for o teste, menor é a chance de um resultado falso negativo. Especificidade é a capacidade de um teste definir os indivíduos realmente não reagentes. Um teste específico raramente classificará erroneamente pessoas sadias em doentes. Quanto mais específico for o teste, menor é a chance de um resultado falso positivo. Considerando essas duas características, o ideal seria uma sensibilidade de 100% com uma especificidade de 100%, o que nem sempre é possível. Sendo assim, na triagem de doadores de sangue, é obrigatório que o teste sorológico seja 100% sensível e acima de 99% específico (CARRAZZONE; BRITO; GOMES, 2004). 35 HEMOTERAPIA E BANCO DE SANGUE Em decorrência da alta sensibilidade dos testes utilizados, são comuns amostras com resultados falsos positivos, portanto os testes realizados em bancos de sangue são de triagem de doador e não de diagnóstico. As consequências desses resultados falso positivos aos doadores de sangue serão que eles terão que lidar com o estigma de um teste supostamente reagente até o esclarecimento diagnóstico.
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