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AULA 5 NEUROCIÊNCIA DAS EMOÇÕES Profª Adiele M. S. Corso 02 CONVERSA INICIAL Durante muito tempo a presença de psicopatologia infantil tem sido negada pelas pessoas em geral e até por alguns estudiosos. Algumas crenças disfuncionais entendem a infância como um período repleto de descobertas, e a motivação gerada por estas não daria espaço para as doenças de ordem emocional. O fato de estar motivado para descobrir algo ou ter energia de sobra para explorar o mundo não é sinônimo de que internamente as coisas estejam bem com a criança ou adolescente. Uma criança com um nível elevado de stress, por exemplo, pode diminuir sua motivação pelo novo. No terreno das neurociências, esse bloqueio emocional gerado pelo stress infantil pode ser capaz de inibir sinapses ou mesmo de os neurônios sofrerem uma poda neuronal. Como já visto em aulas anteriores, uma condição emocional negativa em crianças pode gerar dificuldades de aprendizagem. Outra crença bastante comum é a de que a infância é uma fase da vida com menos responsabilidades e, assim, com menos patologias de ordem emocional. É importante compreender que a psicopatologia não é condição exclusiva de pessoas com acúmulo de responsabilidades, mas se deve a uma série de fatores envolvendo predisposição genética, meio ambiente, família e características de personalidade. Para quem trabalha com crianças e adolescentes, é fundamental ter conhecimento acerca das psicopatologias que podem ocorrer nesse período, no intuito de entender melhor o mundo da criança, para assim poder desenvolver estratégias de ensino mais eficazes e também de perceber o momento de conversar com os pais, no sentido de orientá-los a buscar tratamento especializado, com psicólogo, psiquiatra infantil e/ou neuropediatra. A escola, nos casos em que os pais não conseguem perceber sozinhos o momento de buscar ajuda, pode encaminhá-los a esses serviços de auxílio à criança. Tendo esse conhecimento maior acerca das psicopatologias da infância e adolescência, a escola cumpre ainda melhor com o seu papel no auxílio ao desenvolvimento pleno deste ser em formação, tendo mais ferramentas de observação do comportamento do aluno, realizando condutas mais assertivas e orientações mais eficazes. 03 CONTEXTUALIZANDO O estudo das neurociências aplicada ao desenvolvimento emocional infantil, no intuito de compreender as relações entre o cérebro e o desenvolvimento emocional na infância, constitui um vasto campo de pesquisa clínica e teórica. Qual é a importância de se estudar o cérebro infantil e o desenvolvimento emocional da criança? O refinamento da avaliação neuropsicológica e o avanço das técnicas de neuroimagem permitiram um grande avanço no conhecimento da relação entre o cérebro e as funções mentais. Dentro dos exames de neuroimagens atuais, visando à possibilidade de obtenção de imagens funcionais do cérebro, há: Tomografia computadorizada; Ressonância magnética; Ressonância magnética funcional (para a qual é realizada estimulação cerebral em tempo real para avaliar quais áreas estão sendo ativadas); Tomografia por emissão de pósitrons (PET); Tomografia por emissão de fóton único (SPECT); Outros. Dentre os transtornos psiquiátricos na infância, o mais conhecido é o TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), seguido do TOD (transtorno desafiador opositor) e o transtorno de conduta. Os transtornos depressivos e de ansiedade também podem começar na infância, ao contrário do que muitos acreditam. No entanto, os transtornos psicóticos, como o transtorno delirante e a esquizofrenia, são bastante raros na infância, e o início da manifestação de seus sintomas se dá no final da adolescência e início da vida adulta. O fator genético tem sido bastante utilizado em muitos estudos dos transtornos mentais ou psiquiátricos. Em contrapartida, ainda não se sabe quais genes estão envolvidos na transmissão destes traços. É importante salientar que esses transtornos apresentam componentes genéticos, neuropsicológicos, comportamentais e ambientais, no entanto, por uma questão de ordem didática e fiel ao tema da disciplina, a ênfase será dada nos aspectos neuropsicológicos e neurobiológicos. 04 TEMA 1 – TRANSTORNO DESAFIADOR OPOSITOR O transtorno desafiador opositor encontra-se dentro dos transtornos de conduta. De acordo com o CID-10, ele se manifesta em crianças jovens e caracteriza-se por um comportamento provocador, perturbador e desobediente. Não é acompanhado por comportamentos que envolvam delitos ou condutas agressivas ou dissociais graves. Conforme o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-V), está dentro dos transtornos disruptivos, do controle de impulsos e da conduta. Dentro da classificação internacional para doenças mentais (CID-10), apresenta CID F91.3. O início de sua manifestação ocorre antes dos 8 anos de idade e, se não tratado, poderá piorar muito na adolescência. A prevalência é entre 2 a 16% das crianças em idade escolar e mostra-se mais comum nos meninos que nas meninas. Entre os 2 a 3 anos de idade, por falta de maturação das funções cerebrais e também comportamentais, é comum a criança apresentar comportamento agressivo, por ainda não conseguir modular suas emoções e não desenvolver estratégias efetivas de controle. Assim, o controle nessa fase é externo, por meio das figuras parentais e da escola. No caso do transtorno desafiador opositor, após essa fase os sintomas ainda persistem e tendem a piorar, apresentando características como uma teimosia exagerada, desobediência e extrema hostilidade, negativismo, resistência em cumprir regras e combinados, além de incomodar as demais pessoas deliberadamente. Saiba mais O transtorno de conduta (TC) define-se por violações mais sérias como roubo, agressividade e crueldade com as demais pessoas e animais. Cerca de 50% das crianças diagnosticadas com TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) apresentam TOD (transtorno desafiador opositor), enquanto comorbidade (patologia secundária associada a uma patologia principal) do TDAH (Sadock; Sadock; Ruiz, 2016). Conforme Parra e Muñoz (2012), existem diferenças entre o comportamento delinquente e o comportamento agressivo, descritos no quadro a seguir. 05 Quadro 1 – Diferença entre comportamento delinquente e agressivo Comportamento delinquente Comportamento agressivo Não parece sentir-se culpado depois de se comportar mal Junta-se a crianças/jovens que se metem em problemas Diz mentiras ou engana Foge de casa Rouba fora de casa Diz grosserias, usa imagens obscenas Prefere estar com crianças/jovens mais velhos Falta à escola sem motivos Pensa muito em temas sexuais Toma álcool ou consome drogas Comete atos de vandalismo Discute muito É metido, arrogante É agressivo, cruel ou mau com os outros Destrói suas próprias coisas Destrói as coisas de seus familiares e/ou amigos Desobedece em casa Exige muita atenção Fica enciumado facilmente Desobedece na escola Briga muito Gosta de chamar atenção ou de ser engraçado Obstinado, mal-humorado, irritado Súbitas mudanças de humor ou de sentimentos Fala muito Debocha muito dos outros Faz birra ou tem mau gênio Ameaça os outros Mais barulhento que o comum Fonte: Parra; Muñoz (2012). O que o autor acima chama de comportamentos delinquentes seriam aqueles dentro do transtorno de conduta e os comportamentos agressivos que podem fazer parte do transtorno desafiador opositor. A principal mudança seria a severidade dos sintomas que ocorrem no transtorno de conduta, bem como os comportamentos de impulsividade do transtorno desafiador opositor. No que tange aos aspectos biológicos, seriam aqueles relacionadosa uma possível herança genética, ou seja, a criança herda dos pais comportamentos impulsivos, baixo limiar à frustração, irritabilidade e disfunções em neurotransmissores serotoninérgicos e dopaminérgicos. Em relação aos hormônios e à neurotransmissão, crianças com TOD apresentam níveis mais baixos de frequências cardíacas, de índices medianos de cortisol (hormônio relacionado ao estresse) e de hipoativação do sistema nervoso autônomo, o que tem sido demonstrado em pacientes com TOD. Estudos demonstraram que o receptor serotoninérgico pós-sináptico de crianças com TOD poderia ser hipersensível. Serotonina: neurotransmissor excitatório do sistema nervoso central. 06 Estudos sugerem que no TOD exista algum tipo de disfunção na amígdala, uma das estruturas que faz parte do sistema límbico, em dois processos complementares. O primeiro deles seria a informação sensorial presente que faz referência a uma experiência passada, reatualizando as experiências passadas. Um exemplo seria quando uma criança pequena grita e bate nos colegas e, em seguida, sua raiva diminui, no entanto quando ela revive a mesma experiência, essa se transforma em intensa cólera e, por não saber como controlar (função da amígdala), a criança exibe novamente o comportamento agressivo. O segundo seriam os registros que o cérebro tem das consequências das experiências anteriores e, dessa forma, são capazes de modelar as motivações das ações que estarão por vir em experiências futuras. TEMA 2 – DEPRESSAO NA INFÂNCIA Durante muito tempo negou-se a possibilidade de crianças e adolescentes sofrerem de quadros depressivos. Ao contrário, esse período era interpretado romanticamente como um estágio de grandes descobertas, alegrias e encantamentos. Estudos epidemiológicos apontam para fatos como a depressão e até mesmo ideações e tentativas de suicídio, que são mais comuns do que se pode imaginar. O mito gerado pelo desejo adulto de que as preocupações infantis são sempre passageiras e amenas, ou que crianças não apresentam sentimento de culpa intensos por carecerem de responsabilidades importantes é uma grande armadilha. Ao contrário, o transtorno depressivo maior é uma das patologias mais estudadas em várias ciências. Conforme o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-V), encontra-se dentro dos transtornos depressivos, representado pelo CID F32. Estatisticamente falando, cerca de 0,3 a 5,9% da população geral de crianças e adolescentes apresentam esta patologia. Assim também se observou um número de 6,4% de distimia (a chamada depressão leve). Na adolescência aparece como um sério problema de saúde pública, com prevalência, na população norte-americana, de 3 a 5% e taxas para todo o período (até os 18 anos) na faixa de 20% (Birmaher et al., 1996; Lewinsohn; Clarke; Rohde, 1994). Em relação ao gênero, existe uma taxa mais elevada em meninas, entre 12 e 15 anos, e essa se mantém quando adultas. 07 É considerado raro uma “depressão pura”, e são vários os trabalhos buscando identificar psicopatologias associadas. O diagnóstico mais comum é o de ansiedade, oposicionismo, hiperatividade, agressividade e os relacionados a substâncias psicoativas (álcool e outras drogas). A depressão encontra-se dentro dos transtornos do humor, sendo na infância caracterizada por estado de humor irritável ou disfórico, prejuízo no desempenho escolar, ansiedade de separação, hiperatividade, comportamento antissocial, alteração no sono e apetite, choro fácil, afirmações negativas sobre si própria, autoagressividade, queixas somáticas, socialização diminuída, perda da energia habitual, sendo estes seus principais sintomas. A etiologia (causa) é multifatorial, e todas as diretrizes de tratamento apontam para a necessidade de cuidados precoces nos casos de depressão. Caso contrário, ela persistirá na fase adulta, podendo levar ao desenvolvimento de outras patologias associadas e aumento de possibilidades de tentativas de suicídio. Estudos apontam para a associação de abordagem psicofarmacológica e psicoterapia. A tendência atual é aplicar programas de amplo espectro que incluam componentes comportamentais (atividades agradáveis, habilidades sociais, relaxamento), cognitivos (reestruturação cognitiva, reatribuição, solução de problemas) e de autocontrole. Torna-se fundamental uma sólida formação em desenvolvimento humano, a fim de discriminar os processos normais dos patológicos, conforme a etapa do desenvolvimento. É importante que não seja esquecido o dado de pesquisas experimentais, as quais apontam que a depressão bem diagnosticada e com total remissão na infância diminui os riscos de episódios mais severos na vida adulta. Conforme visão das neurociências das emoções, a depressão infantil é vista como um mau funcionamento cerebral, ao contrário de uma visão de má vontade psíquica ou até mesmo de uma distorção das crenças a respeito das coisas boas que a vida tem a oferecer. O local onde deve ocorrer a ação terapêutica é no sistema límbico, sendo o principal sistema do cérebro que cuida das emoções. O efeito esperado em uma abordagem baseada nas neurociências seria o aumento de neurotransmissores na fenda sináptica a nível funcional, assim como a alteração da sensibilidade e número de neurorreceptores. Assim, o local 08 de ação da depressão seria nos sistemas serotoninérgico, dopaminérgico e noradrenérgico do sistema límbico. No tratamento da depressão, o efeito esperado seria em relação à função, sensibilidade e ao aumento de neurotransmissores, sendo os principais a serotonina, dopamina e noradrenalina. TEMA 3 – TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO Muitos pais percebem certas características disfuncionais no desenvolvimento de seus filhos, como desobediência, dificuldade em obedecer a regras, seja em casa, na escola e na comunidade, impulsividade, agressividade e baixa tolerância à frustração. Caso sejam passageiros e/ou em contextos isolados, provavelmente estarão dentro da normalidade. Todavia, se tais sintomas estiverem em conjunto e forem persistentes, prejudicando a vida diária da criança, no relacionamento familiar e escolar, é hora de procurar ajuda terapêutica especializada. O TDAH (como é chamado o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) caracteriza-se por sintomas marcantes de desatenção, hiperatividade e impulsividade, além de um quadro clínico bastante heterogêneo. De acordo com o DSM-V, encontra-se dentro dos transtornos do neurodesenvolvimento e existem três subtipos: apresentação combinada (com sintomas de hiperatividade e desatenção, representado pelo CID F90.2), apresentação predominantemente desatenta (CID F90.0) e apresentação predominantemente hiperativa/impulsiva (CID F90.1). Caso não seja tratado persistirá na vida adulta, resultando em prejuízos na qualidade de vida do indivíduo e de toda a sua família. Alguns estudos sugerem que crianças com TDAH, se não tratadas, apresentam maior índice de repetência, suspensões e expulsões de escolas, além de um rendimento inferior se comparado a outras crianças. Assim como adultos com TDAH cometem mais infrações e acidentes de trânsito, têm vida sexual precoce, maior número de parceiros e menor proteção durante a atividade sexual, maior risco de gravidez não planejada e também de doenças sexualmente transmissíveis. Também se observa maior taxa de demissões, absenteísmo, redução da eficiência no trabalho e maior número de acidentes. Sadock. Sadock e Ruiz (2016). 09 Quanto mais precoce o diagnóstico e tratamento, maior o controle dos sintomas e qualidade de vida oferecidos. Acomete cerca de 5,29% das crianças em todo o mundo (Polanczyk; Schmitz; Rohde, 2007) e é mais comum em meninos que nas meninas. O objetivo de todas as modalidades de atendimento, aliado ao tratamento medicamentoso,é melhorar na qualidade de vida e resolução de problemas, oportunizando o desenvolvimento de crianças saudáveis e felizes, em diferentes contextos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (1993), o TDAH pode se associar a outras morbidades (patologias associadas), como o transtorno desafiador opositor, transtorno de conduta e distúrbios de aprendizado, além de problemas emocionais em etapas subsequentes na vida. Outro dado relevante é o alto componente genético encontrado dentro do TDAH, envolvendo uma taxa de hereditariedade de 0,75 a 0,91. Estudos genéticos apontam para os genes que são envolvidos na transmissão dopaminérgica e, de acordo com Gill (1997) os circuitos dopaminérgicos fronto- estriatal estão envolvidos na fisiopatologia do transtorno. Pliszka (2008) mostra que: É mais provável que o TDAH tenha natureza poligenética. Os medicamentos estimulantes, como o metilfenidato (Ritalina, Metadate, Concerta) ou a anfetamina (Adderall, Dexedrina), têm efeitos pronunciados sobre os sistemas da catecolamina, norepinefrina (NE) e dopamina(DA). Analisando a fundo a base neuropsicológica da atenção, vários autores da área dedicaram seus estudos para ela. Luria (1981) revela que “a atenção tem caráter direcional e seletivo, o que nos permite manter vigilância em relação ao que acontece ao nosso redor, responder aos estímulos relevantes e inibir aqueles que não correspondem aos nossos interesses, intenções ou tarefas imediatas”. Lent (2008) mostra que “podemos prestar atenção em um processo mental, como um cálculo matemático, uma lembrança ou outro pensamento qualquer”. A atenção pode ser classificada em diferentes categorias. Luria (1981) diferencia as formas mais elementares das mais elaboradas. A primeira (também chamada de involuntária) estaria presente nos primeiros anos de vida na criança e é de origem biológica, atraída fortemente por estímulos externos. A segunda (também chamada de voluntária) é construída socialmente, sendo um ato social 010 desenvolvido pelas crianças já em idade escolar, requerendo certo grau de maturação do sistema nervoso e relacionando-se à capacidade de responder a instruções faladas, mesmo diante de estímulos distrativos. Lent (2008) fala também em atenção sensorial, visual, espacial e intelectual. A atenção sensorial é quando o processamento seletivo da informação apresenta estreita relação com os sentidos. Na atenção visual, a partir de uma visão, um objeto pode ser colocado no centro da análise. A atenção espacial, tipo de atenção dentro da atenção visual, determina quais regiões da cena são mais relevantes, "em que" e “onde” deve-se focalizar a atenção visual. Na atenção intelectual, a direção e a seletividade da atenção são empregadas no processamento de pensamentos. (Lent, 2008) Além do conceito e classificação, pesquisadores da área desenvolveram estudos sobre a biologia do mecanismo da atenção. Luria (1981) teorizou sobre as bases biológicas atencionais, estabelecendo que seriam a formação reticular, a parte superior do tronco encefálico, o sistema límbico e a região frontal. Conforme Luria (1981) as estruturas da parte superior do tronco encefálico e a formação reticular seriam as responsáveis pela manutenção do tono cortical de vigília e manifestação da reação de alerta geral, enquanto o sistema límbico (ele também chama de córtex límbico) e a região frontal estariam relacionados ao reconhecimento seletivo de um determinado estímulo, inibindo respostas a estímulos irrelevantes. Com o advento dos exames de imagens, como a ressonância magnética funcional, percebe-se com maior precisão as áreas cerebrais envolvidas no TDAH, como os lobos frontais, os núcleos caudados e o cerebelo. No lobo frontal, percebe-se pela dificuldade importante com a impulsividade e o julgamento social. Em indivíduos normais, o lobo frontal direito é levemente maior que o esquerdo e, em crianças com TDAH, os lobos frontais direitos são ligeiramente menores. O lobo frontal direito está envolvido na função comportamental de “retirada”, sendo mais ativo quando estímulos aversivos estavam presentes, no entanto as pessoas com TDAH apresentam tendência de se precipitarem e ignorarem possíveis consequências negativas. Os núcleos caudados participam na iniciação do comportamento motor. Conforme Pliszka (2008), diversos autores sugerem que crianças com TDAH tinham os núcleos caudados direito e esquerdo menores. O cerebelo, relacionado ao equilíbrio motor, também seria menor em crianças com TDAH. 011 TEMA 4 – STRESS INFANTIL Estudiosos destacam que experiências de stress severo ocorridos na infância podem produzir resultados psicofisiológicos duradouros, podendo persistir na vida adulta. Conforme Lipp e Romano (1987), o stress infantil assemelha-se ao do adulto em vários aspectos, podendo gerar sérias consequências, no caso de ser excessivo. A reação da criança frente a eventos excitantes, irritantes, felizes, amedrontadores, ou seja, que exijam adaptação por parte dela, inclui mudanças psicológicas, físicas e químicas no seu organismo. A criança, quando exposta a um evento estressor, acaba entrando em estado de alerta, ativando uma estrutura do sistema límbico denominada hipotálamo, o qual ativa também o sistema nervoso simpático e a glândula pituitária. Ao mesmo tempo, as glândulas suprarrenais liberam o neurotransmissor adrenalina, tendo por objetivo reagir, fugindo do evento estressor ou lutando contra ele. O stress gerado pode ser capaz de provocar sintomas de mudança no padrão de sono e alimentar. O estresse é capaz de prejudicar o desenvolvimento neurológico e funcionamento cerebral. No cérebro, ocorre um aumento do cortisol (hormônio relacionado ao stress), provocando atraso no desenvolvimento motor, cognitivo e social da criança. O cortisol torna o hormônio mais vulnerável e como consequência diminui as sinapses. As principais reações ao stress na criança podem ser: Reações físicas: diarreia, dores abdominais, dor de cabeça, tique nervoso, hiperatividade, náuseas, enurese noturna, bruxismo (ranger dos dentes), tensão muscular, gagueira, dificuldade para respirar e perda ou aumento do apetite. Reações psicológicas: choro excessivo, ansiedade, terror noturno, dificuldades interpessoais, pesadelos, agressividade, insegurança, angústia, depressão, hipersensibilidade, crises de birra, medo excessivo e introversão súbita. De forma categórica, o stress pode ser dividido em 4 fases: 1. Fase de alerta ou alarme: o indivíduo se depara com o estressor e se prepara para a ação; é onde o córtex cerebral busca achar saídas e 012 restabelecer a homeostase (equilíbrio interno). Caso o evento estressor não seja eliminado, ele passa para a fase seguinte. 2. Fase de defesa ou resistência: o estressor continua e ocorre uma hiperatividade córtico-supra-renal e como consequência maior gasto de energia, as quais seriam necessárias para outras funções vitais. O organismo não se recupera e permanece em estado de alerta, caso essa condição persista levará à exaustão. 3. Fase quase-exaustão: a tensão excede o limite de controle e a resistência física e emocional começam a se romper; em alguns momentos ainda consegue manter o controle. O cortisol é produzido em maior quantidade, destruindo as defesas imunológicas, dando início a doenças físicas e psicológicas. 4. Fase de exaustão: é a reação mais negativa do stress, quando ocorre maior desequilíbrio, ocorrendo um agravamento do desgaste do organismo e dos sintomas, podendo ocorrer doenças graves e até fatais. Com base no estudo das fases acima, torna-se fundamental entender melhor o funcionamento e evolução do stress, para assim procurar auxílio terapêutico especializado, como o de um psicólogo, psiquiatra e/ou neurologista infantil no sentido de tratamento. TEMA 5 – TRANSTORNO DOESPECTRO AUTISTA Conforme o DSM-V, está inserido nos transtornos do neurodesenvolvimento, sendo que o CID é F84.0. Dentro das neurociências, o autismo poderia ser entendido como uma dificuldade na aquisição e ativação dos neurônios espelho, ligados à imitação, compreensão da intenção do outro, sendo um comportamento social ligado à empatia e a habilidades sociais. Pessoas com lesões no giro supramarginal possuem importante dificuldade na compreensão de metáforas e na interpretação das ações dos outros. Assim também pode se observar esses mesmos sintomas em pessoas dentro do espectro autista, em que pesquisas futuras sobre a gênese do autismo poderiam explicar se ocorre uma disfunção no giro supramarginal (estrutura dentro do lobo parietal). Pelo estudo dos neurônios espelho, cultura e biologia passam a estar interligadas, e não separadas, como eram até então. Os neurônios espelho 013 absorvem diretamente a cultura e uma geração vai ensinando para as demais por meio da observação, da imitação e do convívio social. Essa atividade ocorre no córtex pré-motor (ligado ao movimento) e no lobo parietal inferior e lobo da ínsula (ligados à percepção, capacidade de compreender o sentimento do outro, entender a intenção e uso da linguagem). Alguns cientistas consideram que a descoberta dos neurônios espelho seja uma das mais importantes para as neurociências, acreditando que possam ser fundamentais no comportamento de imitação e aquisição da linguagem. Exames de neuroimagens mostram que indivíduos autistas possuem volume cerebral maior (macrocefalia). Os lobos temporal, parietal e occipital são maiores, podendo explicar a hipersensibilidade auditiva, sensorial e visual comuns no autismo. Outro ponto é que os lobos frontais são poucos ativados no autismo, mostrando importante déficit nas funções executivas (ligadas ao planejamento, controle, flexibilidade cognitiva, entre outras). Retornando à questão da macrocefalia no autismo, o que se percebe é um aumento da massa branca no córtex cerebral e não na massa cinzenta. Ou seja, o cérebro é aumentado no autismo não pelo aumento do número de neurônios, mas sim de uma parte deles, que não é a parte que realiza as sinapses (ligações entre os neurônios). Saiba mais É importante lembrar que na massa branca encontram-se os axônios revestidos de mielina, que contêm fibras nervosas mielinizadas. Na massa cinzenta, corpos celulares (que contêm o núcleo da célula) e dendritos de neurônios. FINALIZANDO A importância de se estudar o desenvolvimento do cérebro infantil e o desenvolvimento emocional da criança é fundamental para quem trabalha com educação. Entender o que está dentro do desenvolvimento normal é tão importante quanto estudar o aparecimento das psicopatologias infantis. A partir do momento em que existe um maior estudo e embasamento teórico acerca da psicopatologia infantil, o olhar para a criança torna-se mais intenso e profundo. 014 Quando o educador consegue compreender que determinadas características não se devem apenas à falta de limites na criança, por exemplo, ele abre um leque imenso de exploração e tentativa de entendimento do mundo interno de seu aluno. Ele sai do senso comum, quando é capaz de imaginar que determinadas características emocionais, de comportamento ou de relacionamento interpessoais podem sugerir algo maior. A ideia não é de o professor ou outro profissional do âmbito educacional assumir o papel de diagnóstico e tratamento, mas sim de ter maiores subsídios e perceber o momento mais apropriado de encaminhar a um tratamento adequado e, assim, também de facilitar o trabalho do profissional que receberá essa criança ou adolescente em suas clínicas ou consultórios, dialogando com eles no sentido de troca de saberes. Como o educador é o profissional que passa o maior tempo com essa criança, suas percepções, olhares e observações são de suma importância. Saber o que observar na criança, como observar e quando encaminhar é a proposta de estudo desta aula. Dessa forma, o processo de ensino e aprendizagem sai ainda mais do âmbito puramente acadêmico, realizando cada vez mais uma imersão em torno do conhecimento acadêmico adquirido e unindo ao entendimento das emoções e do impacto delas na vida do aluno. O resultado provavelmente será a elaboração de propostas mais efetivas, de maior alcance e abrangência na vida do aluno, tendo o educador como mediador nesse processo em conjunto com todas as pessoas envolvidas na vida da criança. 015 REFERÊNCIAS ÁLVAREZ, R. J. Distúrbios psicológicos cotidianos. São Paulo: Paulinas, 2010. ANDRADE, V. M.; SANTOS, F. H. dos; BUENO, O. F. Neuropsicologia hoje. São Paulo: Artes Médicas, 2004. BARRIOS, M.; GUÁRDIA, J. 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