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A palavra Diabetes, do grego, significa sifão. Mellitus, do latim, significa doce e se refere ao acúmulo de glicose na urina. Insipidus é o termo latino para “sem sabor”, se referindo à falta do excesso de glicose na urina, encontrado na diabetes mellitus. Diabetes Mellitus O DM consiste em um distúrbio metabólico caracterizado por hiperglicemia persistente, decorrente de deficiência na produção de insulina ou sua ação, ou em ambos os mecanismos. A hiperglicemia persistente está associada a complicações crônicas micro e macrovasculares, aumento de morbidade, redução da qualidade de vida e elevação da taxa de mortalidade. • Diabetes mellitus tipo 1 (DM1) É uma doença autoimune, poligênica, decorrente de destruição das células β pancreáticas, ocasionando deficiência completa na produção de insulina. Embora a prevalência de DM1 esteja aumentando, corresponde a apenas 5 a 10% de todos os casos de DM. É mais frequentemente diagnosticado em crianças, adolescentes e, em alguns casos, em adultos jovens, afetando igualmente homens e mulheres. Subdivide-se em DM tipo 1A e DM tipo 1B, a depender da presença ou da ausência laboratorial de autoanticorpos circulantes, respectivamente. • Diabetes mellitus tipo 2 (DM2) Corresponde a 90 a 95% de todos os casos de DM. Geralmente, o DM2 acomete indivíduos a partir da quarta década de vida, embora se descreva, em alguns países, aumento na sua incidência em crianças e jovens. Trata-se de doença poligênica, com forte herança familiar, ainda não completamente esclarecida, cuja ocorrência tem contribuição significativa de fatores ambientais. Dentre eles, hábitos dietéticos e inatividade física, que contribuem para a obesidade, destacam-se como os principais fatores de risco. O desenvolvimento e a perpetuação da hiperglicemia ocorrem concomitantemente com hiperglucagonemia, resistência dos tecidos periféricos à ação da insulina, aumento da produção hepática de glicose, disfunção incretínica, aumento de lipólise e consequente aumento de ácidos graxos livres circulantes, aumento da reabsorção renal de glicose e graus variados de deficiência na síntese e na secreção de insulina pela célula β pancreática. • Diabetes Mellitus Gestacional A gestação consiste em condição diabetogênica, uma vez que a placenta produz hormônios hiperglicemiantes e enzimas placentárias que degradam a insulina, com consequente aumento compensatório na produção de insulina e na resistência à insulina, podendo evoluir com disfunção das células β. O DMG trata-se de uma intolerância a carboidratos de gravidade variável, que se inicia durante a gestação atual, sem ter previamente preenchido os critérios diagnósticos de DM. O DMG traz riscos tanto para a mãe quanto para o feto e o neonato, sendo geralmente diagnosticado no segundo ou terceiro trimestres da gestação. Pode ser transitório ou persistir após o parto, caracterizando-se como importante fator de risco independente para desenvolvimento futuro de DM2. • Outras formas de DM Pertencem a essa categoria todas as outras formas menos comuns de DM, cuja apresentação clínica é bastante variada e depende da alteração de base que provocou o distúrbio do metabolismo glicídico. Estão aqui incluídos os defeitos genéticos que resultam na disfunção das células β, os defeitos genéticos na ação da insulina, as doenças do pâncreas exócrino e outras condições. As formas de DM associadas a defeitos genéticos na função das células β incluem maturity- onset diabetes of the young (MODY), diabetes neonatal, diabetes mitocondrial e outras. MODY é uma forma monogênica de DM e caracteriza- se por herança autossômica dominante, idade precoce de aparecimento (em geral, antes dos 25 anos) e graus variáveis de disfunção da célula β. Estima-se que represente 1 a 2% de todos os casos de DM; na maioria das vezes, é diagnosticado inicialmente como DM1 ou DM2. É clínica e geneticamente heterogêneo, e pelo menos 13 subtipos de MODY já foram identificados, decorrentes de mutações em diferentes genes. O diabetes neonatal é uma forma monogênica da doença, diagnosticado, normalmente, nos primeiros 6 meses de vida. Cerca de 50% dos casos são transitórios, ocorrendo a remissão em semanas ou meses, podendo o diabetes recidivar por volta da puberdade, e os demais são permanentes. Outras causas de DM incluem defeitos genéticos na ação da insulina, decorrentes de mutações no gene do receptor de insulina, e doenças do pâncreas exócrino, como pancreatite, trauma, pancreatectomia e carcinoma pancreático. Além disso, endocrinopatias com aumento de hormônios contrarreguladores da ação da insulina, entre os quais hormônio de crescimento, cortisol e glucagon, podem provocar DM. Diferentes medicamentos são associados a alterações no metabolismo da glicose por meio de diminuição da secreção ou da ação da insulina. Os exemplos mais endocrinologia: diabetes mellitus tipo 2 Igor Mecenas comuns são os glicocorticoides, o ácido nicotínico e os antipsicóticos atípicos. Diabetes Insipidus Caracterizado por polidipsia e poliúria hipo-osmolar, o DI resulta de um espectro de doenças congênitas ou adquiridas, uso de medicações ou alterações fisiológicas. As mudanças no controle osmótico podem acometer os núcleos hipotalâmicos, o sistema neuro- hipofisário (incluindo os neurônios vasopressinérgicos), os osmorreceptores centrais e os receptores de vasopressina nos ductos coletores renais. Existem quatro síndromes de DI, resultantes de diferentes mecanismos fisiopatológicos: • Diminuição da síntese e secreção de vasopressina (DI central ou hipotalâmico) • Falta de resposta apropriada dos rins à vasopressina (DI nefrogênico) • Ingestão excessiva de água (polidipsia primária) • Exacerbação do metabolismo de vasopressina (DI da gravidez). Diabetes Mellitus Tipo 2 Epidemiologia Morbidade A incidência traduz o risco médio da população em adquirir a doença, além de servir de parâmetro para a avaliação do impacto produzido por medidas de prevenção. A prevalência é um indicador da magnitude da carga atual que a doença representa para os serviços de saúde e para a sociedade, bem como um preditor da futura carga que as complicações crônicas do diabetes representarão. Os 10 países com maior número de indivíduos com diabetes no ano de 2017 e as projeções para o ano de 2045 são: Nos países desenvolvidos, o aumento da prevalência ocorrerá principalmente pela contribuição de indivíduos com diabetes nas faixas etárias mais avançadas, em decorrência do aumento da expectativa de vida e do crescimento populacional, já nos países em desenvolvimento, indivíduos de todas as faixas etárias serão atingidos, com destaque para a faixa etária de 20 a 44 anos, em que a prevalência deverá duplicar. Estudo recente realizado em seis capitais brasileiras, com servidores de universidades públicas na faixa etária de 35 a 74 anos, incluindo TOTG, encontrou prevalência de 20%, em que aproximadamente metade dos casos não tinha diagnóstico prévio. Em 2013, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo IBGE e pelo Ministério da Saúde, estimou que 6,2% da população brasileira com 18 anos de idade ou mais referiu diagnóstico médico de diabetes, sendo de 7,0% nas mulheres e de 5,4% nos homens, com maior taxa de diabetes (9,6%) nos indivíduos sem instrução ou com ensino fundamental incompleto. Não foram observadas diferenças com significância estatística na prevalência do diabetes quanto à cor da pele. Os indígenas norte-americanos apresentam 2,7 vezes mais diabetes do que a população não indígena; entre os índios Pima, do Arizona, praticamente metade da população adulta apresenta diabetes. No Brasil, já tem sido descrita uma elevada prevalência de diabetes (28,2%) entre os índios Xavante do estado de Mato Grosso, o que evidencia ser a população nativa das Américas um grupo de maior risco para diabetes. Tradicionalmente, o diabetes tipo 2 tem sido descrito como próprioda maturidade, com incidência após a terceira década. Nos últimos anos, entretanto, tem sido observada uma crescente incidência de diabetes tipo 2 em adolescentes, geralmente associada a importante história familiar, excesso de peso e sinais de resistência insulínica. Mortalidade Diabetes e suas complicações constituem as principais causas de mortalidade precoce na maioria dos países; aproximadamente 4 milhões de pessoas com idade entre 20 e 79 anos morreram por diabetes em 2015, o equivalente a um óbito a cada 8 segundos. Doença cardiovascular é a principal causa de óbito entre as pessoas com diabetes, sendo responsável por aproximadamente metade dos óbitos por diabetes na maioria dos países. O diabetes é responsável por 10,7% da mortalidade mundial por todas as causas, e isso é maior do que a soma dos óbitos causados por doenças infecciosas (1,1 milhão por HIV/AIDS, 1,8 milhão por tuberculose e 0,4 milhão por malária). Nas declarações de óbito de indivíduos com diabetes, frequentemente o diabetes é omitido pelo fato de serem suas complicações, principalmente as cardiovasculares, as que figuram como a causa de óbito. Na maioria dos países desenvolvidos, quando se analisa apenas a causa básica do óbito, verifica-se que o diabetes está entre a quarta e oitava principais causas. Estudos focalizando esse aspecto, realizados nos municípios de São Paulo (SP), Botucatu (SP), São Manoel (SP), Salvador (BA) e Recife (PE), mostram que, pela análise da mortalidade por causas múltiplas, a mortalidade por diabetes aumenta em até 6,4 vezes. Nos países ou nas regiões em que existe carência de recursos médicos, os indivíduos com diabetes tipo 2 têm na doença cerebrovascular (como complicação da hipertensão) uma das principais causas de óbito. Homeostase da Glicose A homeostase da glicose reflete um equilíbrio entre a produção hepática de glicose e a captação e a utilização periférica da glicose. A insulina é o regulador mais importante desse equilíbrio metabólico, porém o influxo neural, os sinais metabólicos e outros hormônios (p. ex., glucagon) resultam no controle integrado do suprimento e da utilização da glicose. Os órgãos que regulam a glicose e os lipídeos se comunicam por mecanismos neurais e humorais com a gordura e o músculo, produzindo adipocinas, miocinas e metabólitos que influenciam a função hepática. No estado de jejum, os baixos níveis de insulina elevam a produção de glicose por promoverem a gliconeogênese e a glicogenólise hepáticas e por reduzirem a captação de glicose nos tecidos sensíveis à insulina (músculo esquelético e gordura), promovendo, dessa maneira, a mobilização dos precursores armazenados, como aminoácidos e ácidos graxos livres (lipólise). O glucagon, que é secretado pelas células α do pâncreas quando os níveis de glicemia ou de insulina estão baixos, estimula a glicogenólise e a gliconeogênese pelo fígado e pela medula renal. No período pós-prandial, a carga de glicose induz elevação na insulina e queda no glucagon, dando origem a uma reversão desses processos. A insulina, que é um hormônio anabólico, promove o armazenamento dos carboidratos e a síntese de gorduras e proteínas. A maior parte da glicose pós- prandial é utilizada pelo músculo esquelético, sendo um efeito da captação de glicose estimulada pela insulina. Outros tecidos, mais notavelmente o cérebro, utilizam a glicose de uma maneira independente da insulina. Fatores secretados pelos miócitos esqueléticos (irisina), pelos adipócitos (leptina, resistina, adiponectina, etc.) e pelo osso também influenciam a homeostase da glicose. Biossíntese da Insulina A insulina é produzida nas células β das ilhotas pancreáticas. É sintetizada inicialmente como um polipeptídeo precursor de cadeia simples de 86 aminoácidos, a pré-proinsulina. O processamento proteolítico subsequente remove o peptídeo de sinal aminoterminal, dando origem à proinsulina. A clivagem de um fragmento interno com 31 resíduos e sua separação da proinsulina geram o peptídeo C e as cadeias A (21 aminoácidos) e B (30 aminoácidos) da insulina, que estão conectadas por ligações dissulfeto. A molécula madura de insulina e o peptídeo C são armazenados juntos e cossecretados pelos grânulos secretores das células β. Como o peptídeo C é depurado mais lentamente do que a insulina, constitui um marcador útil da secreção de insulina e possibilita a discriminação das fontes endógenas e exógenas de insulina na avaliação da hipoglicemia. Secreção de Insulina A glicose é o principal regulador da secreção de insulina pelas células β pancreáticas; porém, os aminoácidos, as cetonas, vários nutrientes, os peptídeos gastrintestinais e os neurotransmissores também influenciam a secreção de insulina. Os níveis de glicose > 3,9 mmol/L (70 mg/dL) estimulam a síntese de insulina, principalmente por acelerarem a tradução e o processamento das proteínas. A estimulação da secreção de insulina pela glicose começa com seu transporte para dentro da célula β por um transportador facilitador de glicose. A fosforilação da glicose pela glicoquinase é a etapa limitante do ritmo que controla a secreção de insulina regulada pela glicose. O metabolismo adicional da glicose-6-fosfato pela glicólise gera ATP, que inibe a atividade de um canal de K+ sensível ao ATP. Esse canal consiste em duas proteínas separadas: uma é o sítio de ligação para certos hipoglicemiantes orais (p. ex., sulfonilureias, meglitinidas); a outra é uma proteína que retifica internamente o canal de K+ (Kir6.2). A inibição desse canal de K+ induz a despolarização das membranas das células β, o que abre os canais de cálcio que dependem da voltagem (dando origem a um influxo de cálcio) e estimula a secreção de insulina. As incretinas são liberadas pelas células neuroendócrinas do trato gastrintestinal após a ingestão de alimentos e amplificam a secreção de insulina estimulada por glicose, bem como suprimem a secreção de glucagon. O peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1), que é a incretina mais potente, é liberado pelas células L no intestino delgado e estimula a secreção de insulina somente quando a glicose sanguínea está acima do nível de jejum. Ação da Insulina Depois que a insulina é secretada e lançada no sistema porta venoso, cerca de 50% são removidos e degradados pelo fígado. A insulina que não é extraída penetra na circulação sistêmica, onde se liga aos receptores nos locais-alvo. A ligação da insulina a seu receptor estimula a atividade intrínseca da tirosina- quinase, levando à autofosforilação do receptor e ao recrutamento de moléculas sinalizadoras intracelulares, como os substratos do receptor de insulina (IRSs, de insulin receptor substrates). Os IRSs e as outras proteínas adaptadoras iniciam uma complexa cascata de reações de fosforilação e de desfosforilação, resultando nos efeitos metabólicos e mitogênicos generalizados da insulina. Como exemplo, a ativação da via fosfatidilinositol-3’-quinase (PI-3-quinase) estimula a translocação de um transportador facilitador da glicose (p. ex., GLUT4) para a superfície celular, um evento que é de primordial importância para a captação da glicose pelo músculo esquelético e pela gordura. A ativação de outras vias sinalizadoras do receptor de insulina induz a síntese de glicogênio, a síntese de proteínas, a lipogênese e a regulação de vários genes nas células que respondem à insulina. Fisiopatologia A maior parte de nossa compreensão atual da fisiopatologia e da genética baseia-se em estudos de indivíduos de origem europeia. Fica cada vez mais evidente que o DM em outros grupos étnicos (asiáticos, africanos e latino-americanos) possui uma fisiopatologia diferente, mas que ainda não foi definida. Em geral, os latinos apresentam maior resistência à insulina, enquanto os indivíduos no Leste e no Sul da Ásia têm mais disfunção das células β, embora ambos os defeitos sejam observados em ambas as populações.Os indivíduos do Leste e do Sul da Ásia parecem desenvolver DM tipo 2 em uma idade mais jovem e com IMC mais baixo. Em alguns grupos, observa-se a ocorrência de DM em indivíduos propensos à cetose (com frequência obesos) ou resistentes à cetose (com frequência magros). O DM tipo 2 caracteriza-se por menor secreção de insulina, resistência à insulina, produção hepática excessiva de glicose e metabolismo anormal das gorduras. A obesidade, particularmente visceral ou central (conforme evidenciada pela relação quadril- cintura), é muito comum no DM tipo 2 (80% ou mais dos pacientes são obesos). • Nos estágios iniciais do distúrbio, a tolerância à glicose continua sendo quase normal (TGN), não obstante a resistência à insulina, pois as células β pancreáticas realizam uma compensação aumentando a produção de insulina. • Com a progressão da resistência à insulina e da hiperinsulinemia compensatória, as ilhotas pancreáticas de certos indivíduos tornam-se incapazes de preservar o estado hiperinsulinêmico. • Instala-se a seguir uma tolerância à glicose diminuída (TGD), caracterizada por elevações da glicose pós-prandial. • Um declínio adicional na secreção de insulina e um aumento na produção hepática de glicose resultam em diabetes manifesto com hiperglicemia de jejum. • Por fim, instala-se falência das células β. Embora tanto a resistência à insulina quanto a secreção diminuída de insulina contribuam para a patogênese do DM tipo 2, a contribuição relativa de cada uma varia de um indivíduo para outro. Alteração na secreção de insulina No início, o defeito secretor da insulina é leve e envolve seletivamente a secreção de insulina estimulada pela glicose, incluindo uma acentuada redução da primeira fase secretora. A resposta a outros secretagogos diferentes da glicose, como a arginina, é preservada, porém a função β global está reduzida em até 50% no início do DM tipo 2. As anormalidades no processamento da proinsulina refletem-se por um aumento da secreção de proinsulina. Por fim, o defeito secretor da insulina é progressivo. As razões para o declínio da capacidade secretora de insulina no DM tipo 2 são desconhecidas. A conjectura é que um segundo defeito genético – que se sobrepõe à resistência à insulina – resulta em falência das células β. A massa de células β está diminuída em cerca de 50% nos indivíduos portadores de diabetes tipo 2 de longa duração. O polipeptídeo amiloide das ilhotas ou amilina é cossecretado pela célula β e forma o depósito fibrilar amiloide encontrado nas ilhotas de indivíduos com DM tipo 2 de longa duração. Ainda não foi esclarecido se os depósitos amiloides das ilhotas constituem um evento primário ou secundário. O ambiente metabólito do diabetes também pode exercer um impacto negativo sobre a função das ilhotas. Por exemplo, paradoxalmente, a hiperglicemia crônica prejudica a função das ilhotas (“toxicidade da glicose”) e induz um agravamento da hiperglicemia. Uma melhora do controle glicêmico com frequência está associada a uma função aprimorada das ilhotas. Além disso, uma elevação dos níveis de ácidos graxos livres (“lipotoxicidade”) e da gordura dietética também pode prejudicar a função das ilhotas. A ação reduzida do GLP-1 pode contribuir para a secreção diminuída de insulina. Aumento na produção hepática de glicose e lipídeos No DM tipo 2, a resistência à insulina no fígado reflete a incapacidade da hiperinsulinemia de suprimir a gliconeogênese, o que resulta em hiperglicemia de jejum e menor armazenamento de glicogênio pelo fígado no estado pós-prandial. A maior produção hepática de glicose ocorre no início da evolução do diabetes, porém provavelmente após o início das anormalidades secretoras da insulina e da resistência à insulina no músculo esquelético. Como resultado da resistência à insulina no tecido adiposo, a lipólise e o fluxo de ácidos graxos livres a partir dos adipócitos aumentam, levando a um aumento da síntese de lipídeos (VLDL e triglicerídeos) nos hepatócitos. Esse armazenamento lipídico ou esteatose hepática pode levar à esteatose hepática não alcoólica e a provas de função hepática anormais. Isso também é responsável pela dislipidemia observada no DM tipo 2 (triglicerídeos elevados, HDL reduzida e maior número de pequenas partículas densas de LDL). Metabolismo anormal do músculo e da gordura A resistência à insulina, a menor capacidade da insulina em agir efetivamente sobre os tecidos-alvo (em especial músculo, fígado e gordura), constitui uma característica proeminente do DM tipo 2 e resulta de uma combinação de suscetibilidade genética e obesidade. No entanto, a resistência à insulina é relativa, pois os níveis supranormais de insulina circulante acabarão normalizando a glicose plasmática. A resistência à insulina prejudica a utilização da glicose pelos tecidos sensíveis à insulina e aumenta a produção hepática e glicose; ambos os efeitos contribuem para a hiperglicemia. O maior débito hepático de glicose é responsável predominantemente pelos maiores níveis de GPJ, enquanto a menor utilização periférica da glicose resulta em hiperglicemia pós-prandial. No músculo esquelético, observa-se maior deterioração da utilização não oxidativa da glicose (formação de glicogênio) do que no metabolismo oxidativo da glicose pela glicólise. O metabolismo da glicose nos tecidos independentes da insulina não é alterado no DM tipo 2. O mecanismo molecular preciso que resulta em resistência à insulina no DM tipo 2 ainda não foi elucidado. Os níveis do receptor da insulina e a atividade da tirosinaquinase no músculo esquelético são reduzidos, mas essas alterações são mais provavelmente secundárias à hiperinsulinemia e não constituem defeito primário. Por conseguinte, os defeitos “pós-receptor” na fosforilação/desfosforilação regulada pela insulina parecem desempenhar um papel predominante na resistência à insulina. Outras anormalidades incluem o acúmulo de lipídeos dentro dos miócitos esqueléticos, o que pode prejudicar a fosforilação oxidativa das mitocôndrias e reduzir a produção de ATP mitocondrial estimulada pela insulina. A oxidação prejudicada dos ácidos graxos e o acúmulo de lipídeos dentro dos miócitos esqueléticos também podem gerar espécies reativas do oxigênio, como os peróxidos lipídicos. Convém assinalar que nem todas as vias de transdução dos sinais para insulina são resistentes aos efeitos da insulina (p. ex., aqueles que controlam o crescimento e a diferenciação celulares utilizando a via da proteína-quinase ativada por mitógenos). Consequentemente, a hiperinsulinemia pode exacerbar a ação da insulina por meio dessas vias, acelerando potencialmente as condições relacionadas com o diabetes, como aterosclerose. Acredita-se que a obesidade que acompanha o DM tipo 2, em particular de localização central ou visceral, seja parte do processo patogênico. Além desses depósitos de gordura branca, sabe-se atualmente que os seres humanos possuem gordura marrom, a qual apresenta uma capacidade termogênica muito maior. A maior massa de adipócitos leva a níveis elevados de ácidos graxos livres circulantes e de outros produtos dos adipócitos. Por exemplo, os adipócitos secretam inúmeros produtos biológicos (ácidos graxos livres não esterificados, proteína 4 fixadora do retinol, leptina, TNF-α, resistina e adiponectina). Além de regularem o peso corporal, o apetite e o dispêndio de energia, as adipocinas também modulam a sensibilidade à insulina. A maior produção de ácidos graxos livres e de algumas adipocinas pode acarretar resistência à insulina no músculo esquelético e no fígado. Por exemplo, os ácidos graxos livres prejudicam a utilização de glicose no músculo esquelético, promovem a produção de glicose pelo fígado e afetam a função da célula β. Em contrapartida, a produção pelos adipócitos de adiponectina, um peptídeo sensibilizador da insulina, é reduzida na obesidade e isso pode contribuirpara a resistência hepática à insulina. Os produtos dos adipócitos e as adipocinas produzem também um estado inflamatório e podem explicar por que certos marcadores da inflamação, como a IL-6 e a proteína C- reativa, com frequência estão elevados no DM tipo 2. Além disso, foram encontradas células inflamatórias infiltrando o tecido adiposo. A inibição das vias sinalizadoras inflamatórias, como a via do fator nuclear κB (NF-κB), parece reduzir a resistência à insulina e melhorar a hiperglicemia em modelos animais, de modo que está sendo testada em seres humanos. Considerações Genéticas O DM tipo 2 tem um poderoso componente genético. A concordância do DM tipo 2 em gêmeos idênticos fica entre 70 e 90%. Os indivíduos com um progenitor com DM tipo 2 correm maior risco de diabetes; se ambos os pais sofrem de DM tipo 2, o risco aproxima-se de 40%. A resistência à insulina está presente em muitos parentes de primeiro grau não diabéticos de indivíduos com DM tipo 2. A doença é poligênica e multifatorial, pois além da suscetibilidade genética, fatores ambientais (como obesidade, nutrição e atividade física) modulam o fenótipo. O ambiente in útero também contribui, e o peso ao nascer aumentado ou reduzido eleva o risco de DM tipo 2 na vida adulta. Quadro Clínico Os sintomas clássicos do DM (poliúria, polidipsia e polifagia, associadas à perda ponderal) são bem mais característicos do DM1, no qual são quase sempre encontrados. No entanto, a obesidade não descarta esse diagnóstico. No DM2, cerca de 50% dos pacientes desconhecem ter a doença por serem assintomáticos ou oligossintomáticos, apresentando mais comumente sintomas inespecíficos, como tonturas, dificuldade visual, astenia e/ou cãibras. Vulvovaginite de repetição e disfunção erétil podem ser, também, os sintomas iniciais. Cerca de 80% dos pacientes têm excesso de peso. Complicações Metabólicas • Hipertensão Arterial Sistêmica • Doença Coronariana DM2 traz risco 2-4 vezes maior que os não diabéticos. • Alteração de Perfil Lipídico • Cetoacidose diabética A descompensação glicêmica costuma ser mais prolongada e mais grave em pacientes com DM1 recém-diagnosticados e idosos com diabetes associado a processos infecciosos ou com limitações no autocontrole físico ou psíquico. Os estados infecciosos são a etiologia mais comum da CAD. Dentre as infecções, as mais frequentes são as do trato respiratório superior, as pneumonias e as infecções de vias urinárias. Doença Renal Valores de albuminúria para diagnóstico de Doença Renal do diabetes: Neurológicas e psiquiátricas • Pé diabético Favorecem ao aparecimento: Neuropatia + Limitação de mobilidade articular + deformidades com aumento da pressão plantar + traumas. Testar com monofilamento de 10g, diapasão 128Hz e bio/neuroestesiômetro. Tratar a infecção com antibióticos se presente por 1 a 2 semanas. Pode necessitar de biópsia óssea. • Neuropatias Neuropatias difusas (polineuropatia diabética; neuropatia autonômica cardiovascular, gastrintestinal e urogenital; disfunção sudomotora), Mononeuropatia e radiculopatias. • Depressão e Demências Oftalmológicas • Catarata • Retinopatia São recomendados exames oftalmológicos periódicos. A otimização dos níveis glicêmicos e da hipertensão reduzem o risco de progressão. O tratamento pode ser feito com fotocoagulação a laser, farmacomodulação com antiangiogênico (padrão ouro), implante intravítreo de polímero farmacológico de liberação controlada (dexametasona) e cirurgia de vitrectomia via pars plana. Ortopédicas • Quiroartropatia diabética: Deformidade em fle- xão dos dedos das mãos, com espessamento da pele, tecido conjuntivo periarticular e da fáscia palmar. Sinal da Prece: • Contratura de Dupuytren: Espessamento len- tamente progressivo da fáscia palmar, com ade- rência à pele e aos tendões flexores, sobretudo do 4º e 5º quirodáctilos. Em diabéticos afeta prin- cipalmente 3º e 4º. • Tenossinovite de flexor palmar (dedo em ga- tilho): A extensão ativa do dedo ocorre de ma- neira abrupta. Mais comum no 4º. • Síndrome do túnel do carpo • Síndrome da dor complexa regional tipo 1 • Capsulite adesiva do ombro • Periatrite calcária do ombro • Espôndilo-hiperostose difusa idiopática • Piomiosite e artrite séptica • Infarto muscular diabético: 80% na coxa • Sarcopenia Infecções • Pneumonia pneumocócica e infecção por in- fluenza: Apresentam tipos mais graves de pneu- monia. Devem ser vacinados para as duas. • Infecções urinárias e bacteriúria assintomá- tica • Mucormiose: infecção fúngica grave, aguda- mente fatal, com rápida disseminação e propa- gação dentro de vasos sanguíneos, resultando em infarto isquêmico do tecido. • Colecistite gangrenosa: formação de gás den- tro da vesícula. • Infecções de pele e partes moles: Candidíase, onicomicose, etc. • Hepatite viral • Tuberculose • Por H. pylori • Infecções perioperatórias Referências: Diretrizes Brasileiras de Diabetes Mellitus 2019-2020 VILAR – Endocrinologia Clínica HARRISON – Medicina Interna