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O hipoparatireoidismo (HPT) pode ser congênito ou, mais frequentemente, adquirido. Trata-se de um distúrbio endócrino um tanto raro em todas as suas formas, sendo decorrente da secreção e/ou ação deficientes do paratormônio (PTH). Como consequência, ocorre redução das concentrações de cálcio (Ca++) no fluido extracelular, a qual é responsável pelo surgimento das manifestações clínicas da doença. Laboratorialmente, o HPT caracteriza-se por baixos níveis de Ca++ sérico e elevação da concentração sérica de fósforo, ao passo que o PTH está ausente ou inadequadamente baixo na circulação. No entanto, ele pode estar elevado nos raros casos de resistência dos órgãos-alvo ao PTH. O PTH é um peptídeo com 84 aminoácidos (peso molecular 9.300), e seu gene está localizado no cromossomo 11. Ele provém de uma molécula precursora denominada pré-pró-PTH, cuja clivagem origina PTH e pró-PTH (não secretado para a circulação). As ações do PTH no osso e no rim são mediadas, em grande parte, pelo AMP cíclico (AMPc). Este último é produzido em resposta à ligação do PTH a seu receptor tipo 1 e à interação do complexo hormônio-receptor com uma proteína de ligação guanosina nucleotídio-estimuladora (Gs), com subsequente ativação da proteína G e da adenilciclase. Esse processo é dependente de magnésio e, desse modo, inibido na presença de hipomagnesemia. As ações conjuntas do PTH em seus tecidos-alvo (osso e rim) são fatores determinantes para a manutenção dos níveis de cálcio iônico dentro dos valores normais. No osso, regula a liberação de cálcio devido à sua ação no osteoclasto, ao passo que, nos rins, o PTH aumenta a reabsorção tubular de cálcio, diminui a reabsorção tubular de fosfato e estimula a conversão da 25(OH)D em 1,25(OH)2D3 (forma ativa da vitamina D). No hipoparatireoidismo, os efeitos do PTH no osso e nos rins estão ausentes ou bastante diminuídos, apresentando como resultado final hipocalcemia e hiperfosfatemia. Epidemiologia Estudo epidemiológico realizado na Dinamarca mostrou uma prevalência de HPT de 24/100.000 habitantes, com uma considerável predominância de causas cirúrgicas, dados semelhantes aos encontrados nos EUA. O estudo também mostrou um aumento do risco de insuficiência renal, doenças cardiovasculares, catarata, infecções e complicações neuropsiquiátricas entre os pacientes com HPT. Não houve, no entanto, aumento da mortalidade, de forma que o HPT não parece estar relacionado à diminuição da sobrevida. Etiologia O hipoparatireoidismo ocorre como resultado de duas situações: secreção deficiente de PTH ou, mais raramente, resistência à ação do PTH: Produção insuficiente de PTH • Distúrbios genéticos o Mutações no gene do pré-pró-PTH o Mutações ativadoras do gene do receptor sensor do cálcio o Síndrome de DiGeorge o Síndrome HDR o Síndrome de Kenny-Caffey o Síndrome de Sanjad-Sakati o Síndrome de Kearns-Sayre o Hipoparatireoidismo familiar ligado ao X o Hipoparatireoidismo familiar autossômico recessivo ou dominante o Hipoparatireoidismo por distúrbios mitocondriais • Iatrogênico o Cirurgia (tireoidectomia e paratireoidectomia) o Radioterapia o Terapia com 131I • Idiopático • Autoimune o Isolado o Síndrome poliglandular autoimune • Doenças infiltrativas/destrutivas o Hemocromatose o Talassemia o Doenças granulomatosas o Doença de Wilson o Amiloidose, sarcoidose o Metástases • Distúrbio na secreção do PTH o Hipomagnesemia e hipermagnesemia • Neonatal o Secundário a hiperparatireoidismo materno o Secundário a hipercalcemia hipocalciúrica familiar (HHF) materna Resistência à ação do PTH • Pseudo-hipoparatireoidismo • Hipomagnesemia • Condrodisplasia letal de Blomstrand Secreção deficiente de PTH A secreção deficiente de PTH pode resultar de causas congênitas ou adquiridas (que ocorrem com maior frequência). A reserva de secreção paratireóidea é ampla, de forma que danos consideráveis devem endocrinologia: hipoparatireoidismo Igor Mecenas ocorrer antes que o hipoparatireoidismo se desenvolva. Estima-se que uma única glândula normal já seja suficiente para manter normais os níveis de PTH e a homeostase do cálcio sérico. Causas adquiridas A etiologia mais comum de HPT em adultos são cirurgias na região cervical, em especial tireoidectomia, paratireoidectomia e ressecção radical do pescoço (75% dos casos). Causas cirúrgicas O HPT pós-operatório em geral ocorre devido à remoção acidental ou inevitável das paratireoides e/ou em função de dano ao suprimento sanguíneo dessas glândulas. A prevalência de HPT vai depender, sobretudo, da experiência do cirurgião e da extensão da cirurgia. No tocante ao hiperparatireoidismo pós- cirúrgico, as incidências mundialmente estimadas das formas transitórias (< 6 meses de duração) e permanentes (> 6 meses) são 25,4 a 83% e 0,12 a 4,6%, respectivamente. A hipocalcemia, nos pacientes que desenvolvem o HPT, costuma ocorrer dentro das primeiras 24 horas após a tireoidectomia. No entanto, em cerca de 60 a 70% dos casos de HPT pós-cirúrgico, os níveis séricos de cálcio costumam voltar ao normal após 4 a 6 semanas de evolução. Após este período, o risco de HPT crônico aumenta, ocorrendo em 15 a 25% dos casos. O número de glândulas paratireóideas mantidas in situ após a cirurgia correlaciona-se fortemente com o risco de o paciente desenvolver HPT crônico, sendo este risco de 16% quando uma ou duas glândulas são preservadas, mas de apenas 2,5% quando todas as quatro paratireoides são mantidas in situ. A dosagem intraoperatória do PTH às vezes pode ser útil na identificação dos pacientes mais propensos a desenvolver HPT após tireoidectomia. A patogênese do HPT transitório é multifatorial: edema, isquemia ou hemorragia dentro das paratireoides, síndrome da fome óssea (em pacientes com hiperparatireoidismo primário grave) e hipomagnesemia pós-operatória. Não cirúrgicas Infiltrativas/destrutivas. O HPT pode ser consequente ao acúmulo nas paratireoides de metais como ferro (hemocromatose e talassemia) e cobre (doença de Wilson), ou até mesmo ser decorrente de infiltrações granulomatosas ou neoplásicas. Depósito de alumínio em pacientes submetidos à diálise também pode levar à hipofunção paratireóidea. Em geral, o HPT é encontrado em pacientes com a rara tireoidite de Riedel. Já foram relatados casos em que o HPT precedeu o distúrbio tireoidiano. Não infiltrativas. É raro a hipofunção paratireoidiana surgir após a terapia com iodo radioativo. Também raro é o HPT transitório após infarto espontâneo de um adenoma paratireóideo. HPT sintomático foi também descrito em associação com a infecção pelo HIV. A hipomagnesemia pode prejudicar tanto a secreção como a ação do PTH e levar a um HPT funcional. A suplementação do magnésio corrige o defeito. Entre as etiologias de hipomagnesemia estão doenças crônicas (p. ex., alcoolismo, desnutrição, má absorção intestinal, diabetes melito etc.), fármacos (p. ex., diuréticos, cisplatina, antibióticos aminoglicosídeos, anfotericina B e ciclosporina), acidose metabólica e distúrbios renais (p. ex., pielonefrite crônica, nefropatia pós-obstrutiva, acidose tubular renal, perda renal primária de magnésio etc.). HPT funcional pode também resultar de hipermagnesemia, observada em mulheres submetidas à terapia tocolítica ou em pacientes com doença renal crônica em uso de suplementos de magnésio, antiácidos ou laxantes. Alcalose respiratória crônica pode levar a hiperfosfatemia e redução do cálcio iônico, associadas a prejuízo da reabsorção renal de cálcio e PTH normal. Tais achados sugerem alteração na secreção do PTH e resistência renal ao PTH. Autoimune. Destruição autoimune das paratireoides pode ser um fenômeno isolado ou vir associada a outras deficiências endócrinas. A associação mais comum inclui HPT, insuficiência adrenal e candidíase mucocutânea, o que caracteriza a síndrome poliglandular autoimune (SPA) tipo I ou síndrome APCED. Nessa síndrome,candidíase mucocutânea crônica – em mucosa oral, unhas e esôfago (mais raro) – quase sempre é a primeira manifestação a surgir (em geral, em torno dos 5 anos de idade). O HPT, presente em 80 a 85% dos casos, costuma aparecer ao final da primeira década, e a doença de Addison (DA), por volta dos 14 anos. Em casos excepcionais, a DA antecede o HPT. Outras manifestações endócrinas – diabetes melito tipo 1 (DM1), tireoidite e ooforite – podem ser vistas em alguns pacientes. Além disso, o HPT ocorre em cerca de 5% dos casos de SPA tipo 2 que surgem na vida adulta e têm como manifestações mais comuns doença autoimune tireoidiana (DAT), DM1 e DA. Em cerca de um terço dos pacientes com HPT adquirido isolado, são encontrados anticorpos contra o receptor sensor de cálcio (CaSR), o que indica uma etiologia autoimune para esses casos. Esses anticorpos não parecem destruir o CaSR, mas sim estimulá-lo, simulando, desta forma, um ambiente de hipercalcemia e, consequentemente, inibindo a secreção de PTH. Neonatal. Hipocalcemia neonatal pode resultar de prematuridade, asfixia ao nascimento, hipomagnesemia, diabetes melito materno, aporte dietético excessivo de fosfato (decorrente, por exemplo, da administração de leite de vaca, o que pode refletir uma inabilidade do rim imaturo para secretar fosfato), hipovitaminose D ou hipoparatireoidismo neonatal. Este último pode ser secundário à hipercalcemia materna durante a gestação, com consequente inibição das paratireoides do feto. É o caso, por exemplo, de mães com hiperparatireoidismo, com hipercalcemia hipocalciúrica familiar ou até mesmo com HPT que desenvolvem hipercalcemia como efeito adverso de uma dose de calcitriol mais elevada do que a necessária durante a gestação. Causas congênitas Agenesia ou hipoplasia congênitas das paratireoides causam HPT neonatal, seja como um fenômeno isolado (hipoparatireoidismo autossômico recessivo ou ligado ao X) ou como parte de síndromes genéticas. Síndrome de DiGeorge (SDG). Também denominada síndrome velocardiofacial, a SDG ocorre de modo esporádico e está associada a um defeito embriológico na formação da terceira, quarta e quinta bolsas branquiais, o que resulta na ausência de paratireoides. A SDG afeta 1 a cada 4.000 a 5.000 nascimentos vivos e, na maioria dos casos, resulta de microdeleções no cromossomo 22q11.21. A expressão fenotípica da SDG é bastante ampla e inclui anomalias cardíacas, hipoplasia paratireóidea, fácies anormal, aplasia tímica com imunodeficiência, fenda palatina, além de alterações renais, oculares e esqueléticas. Por isso, a SDG é com frequência citada pelo acrônimo CATCH 22 (cardiac defects [defeitos cardíacos], abnormal facies [anormalidades faciais], thymic hypoplasia [hipoplasia tímica], cleft palate [palato em ogiva], hypocalcemia [hipocalcemia] e 22q11 deletions [deleções 22q11]). Encontrada em 40 a 60% dos casos, a hipocalcemia pode ser transitória ou permanente, bem como se manifestar apenas na idade adulta. Foi demonstrado que a deleção do gene TBX1 é a responsável pelos defeitos cardiovasculares na SDG. Contudo, a base molecular para o desenvolvimento anormal das paratireoides ainda não foi elucidada. Em vários casos de SDG, não se verifica anormalidade detectável no 22q11, mas ocorrem deleções terminais 10p ou deleções intersticiais 10p13/10p14, e isso é um indicativo de que os dois loci podem ser importantes para o desenvolvimento das estruturas da bolsa branquial. Síndrome hipoparatireoidismo-surdez-displasia renal (HDR). Caracteriza-se por hipoparatireoidismo, surdez neurossensorial (moderada a profunda) e anomalias ou disfunção renais (p. ex., nefrose e acidose tubular renal). De transmissão autossômica dominante, resulta de mutações ou deleções do fator de transcrição GATA3, localizado no cromossomo 10p14-10. Síndrome hipoparatireoidismo-retardo mental- dismorfismo (HRD). Estudos recentes descrevem essa síndrome em indivíduos de origem árabe, a qual se caracteriza por hipoparatireoidismo congênito (por aplasia ou agenesia paratireóidea), retardo mental e manifestações dismórficas (p. ex., microcefalia, microftalmia, anormalidades auriculares, ponte nasal deprimida, lábio superior fino, mãos e pés pequenos etc.). Aspectos clínicos adicionais incluem baixa estatura, suscetibilidade a infecções graves (sobretudo na infância), espessamento do osso cortical, osteoesclerose e calcificação dos núcleos da base. A síndrome HRD engloba duas síndromes (Kenny-Caffey e Sanjad-Sakati) e resulta de uma deleção 12-bp (del52- 55) no segundo éxon que codifica o gene da tubulina cofator E (TBCE), localizado no braço longo do cromossomo 1q42-1q43. Distúrbios mitocondriais. Nesse grupo, estão a síndrome de Kearns-Sayre (HPT, oftalmoplegia externa progressiva, retinopatia pigmentar, bloqueio cardíaco ou cardiomiopatia e diabetes), MELAS com diabetes e HPT e MTDPS, um distúrbio da oxidação dos ácidos graxos, associado a neuropatia periférica, fígado agudo gorduroso na gravidez e HPT. Essas síndromes são causadas por defeitos em genes mitocondriais e têm transmissão materna. Hipoparatireoidismo isolado familiar (HIF). Trata-se de uma condição rara, com diferentes tipos de herança genética e etiologia, em que sintomas de hipocalcemia (p. ex., convulsões) podem se manifestar nos primeiros dias de vida. Na maioria dos casos, decorre de mutações heterozigotas ativadoras do gene do receptor sensor do cálcio (CaSR) nas células paratireóideas. Nesses casos, que têm transmissão autossômica dominante, encontramos hipocalcemia associada a níveis de PTH não normais e hipercalciúria. Defeitos heterozigotos no CaSR foram também detectados em casos esporádicos de HPT. Além disso, o HIF pode resultar de mutação homozigota do fator de transcrição GCM2, o qual está expresso nas células secretoras de PTH das paratireoides em desenvolvimento. O gene do GCM2 (antes referido como GCMB) foi mapeado no cromossomo 6p23. A transmissão da doença é autossômica recessiva ou, bem mais raro, autossômica dominante. O HIF ligado ao X resulta de agenesia paratireóidea, supostamente devido à deleção/inserção de DNA próximo ao gene SOX3 no cromossomo Xq26- q27. Existem casos muito raros de hipoparatireoidismo de herança autossômica dominante ou recessiva causados por mutações no gene PTH que levam a um processamento alterado da molécula do pré-pró-PTH e/ou a tradução inadequada do mRNA. Da mesma maneira, mutações no gene pré-pró-PTH resultam em níveis de PTH indetectáveis ou muito baixos, com consequentes hipocalcemia sintomática e hiperfosfatemia. A despeito das considerações anteriores, a base molecular genética da maioria dos casos de HIF autossômico recessivo ainda não foi identificada. Resistência à ação do PTH Pseudo-hipoparatireoidismo O pseudo-hipoparatireoidismo (PHP) é uma doença hereditária, caracterizada por resistência dos órgãos- alvo à ação do PTH. Laboratorialmente manifesta-se por hipocalcemia, hiperfosfatemia e níveis elevados de PTH. Existem dois tipos principais de PHP (1a e 1b). Mais recentemente foram descritos o PHP tipo 1c e o PHP tipo 2. PHP tipo 1a (PHP-1a) O PHP-1a é caracterizado pela presença de atividade diminuída (em torno de 50% do normal) da Gsα, a subunidade α da proteína G estimuladora, Gs, essencial para a ação celular do PTH. O PHP-1a, herdado como um traço autossômico dominante, decorre de mutações no gene da proteína Gsα (GNAS1), mapeado no cromossomo 20q13.3. O gene mutante é herdado da mãe. A Gsα acopla o receptor do PTH à adenilciclase. Assim, a resposta do AMPc à administração do PTH está bastante diminuída ou bloqueada no PHP tipo 1a. Como a Gsα também acopla vários outros receptores à adenilciclase, pode ocorrer resistência parcial a outros hormônios (gonadotrofinas, TSH, GH, GnRh e prolactina). PHP tipo 1b (PHP-1b) A exemplo dos indivíduos acometidos do PHP-1a, pacientes com PHP-1b desenvolvem deficiência de Gsα aparentemente restritaaos túbulos proximais renais. Para o tipo autossômico dominante de PHP-1b, essa deficiência é causada por microdeleções herdadas da mãe, dentro ou a montante do locus do GNAS1. PHP tipo 1c (PHP-1c) O PHP-1c é uma variante do PHP-1a, com o mesmo modo de herança, porém não há mutações na proteína Gsα, mas sim uma inabilidade do PTH de se ligar ao seu receptor. Os pacientes apresentam as mesmas características de osteodistrofia de Albright, além de resistência a múltiplos hormônios. As mutações do gene GNAS1 que levam ao PHP-1c em geral residem no último éxon codificador da Gs. PHP tipo 2 (PHP-2) Em indivíduos afetados pelo PHP-2, a resistência ao PTH é caracterizada por uma resposta fosfatúrica reduzida à administração de PTH, apesar de um aumento normal na excreção urinária do AMPc. Essa variante genética carece de uma clara base familiar, e existe a possibilidade de que seja um defeito adquirido. De fato, um quadro clínico e laboratorial similar ocorre em pacientes com deficiência grave de vitamina D e, portanto, essa hipótese precisa sempre ser excluída em pacientes com PHP-2. No entanto, permanece incerto se o aumento na secreção de PTH associado à deficiência de vitamina D acarreta hiperfosfatemia resistente ao PTH.1 Ademais, um subgrupo de pacientes com distrofia miotônica exibe os aspectos bioquímicos do PHP-2. Pseudopseudo-hipoparatireoidismo (PPHP) Trata-se de uma rara condição em indivíduos afetados que apresentam um fenótipo similar ao do PHP-1a, porém não há resistência ao PTH nem hipocalcemia. Com frequência, pacientes com PPHP são encontrados na mesma família do que aqueles com PHP-1a. Assim, ambas as doenças são causadas por mutações no GNAS1. As pessoas que herdam o gene mutante de seu pai exibem PPHP, ao passo que aqueles que o herdam de sua mãe se apresentam com PHP-1a. Condrodisplasia letal de Blomstrand É um distúrbio raro, caracterizado por letalidade precoce, maturação óssea avançada e diferenciação de condrócitos acelerada. Crianças com BLC em geral nascem prematuras e se apresentam com uma síndrome dismórfica grave, caracterizada por membros muito curtos. A herança de BLC é recessiva, e a síndrome está associada a mutações de perda de função, homozigotas ou heterozigotas, no gene que codifica o receptor de PTH/PTHrP (PTHR1). Hiperplasia secundária das glândulas paratireoides ocorre como resultado de hipocalcemia presumida. Estudos radiológicos revelam hiperdensidade acentuada de todo o esqueleto e ossificação bastante avançada. O diagnóstico pode ser feito tão cedo quanto entre a 12a e a 13a semana de gestação por ultrassonografia transvaginal. A maioria dos bebês com BLC morre logo após o nascimento. Quadro Clínico As manifestações do hipoparatireoidismo (HPT) de qualquer etiologia ocorrem devido ao aumento da excitabilidade neuromuscular, tanto da musculatura esquelética quanto da miocárdica, decorrente de hipocalcemia. Em geral, quanto menores os níveis de cálcio, maiores a riqueza e a intensidade dos sintomas. Os sintomas mais característicos da hipocalcemia são cãibras e parestesias (periférica e perioral). Nos casos mais graves, podem surgir tetania, espasmo carpopedal, laringospasmo, broncospasmo, convulsões e arritmias cardíacas, o que em alguns casos pode resultar em morte do paciente. Uma crise convulsiva pode ser a apresentação inicial do HPT, e essa hipótese, diante de convulsões sem causa aparente, deve ser sempre cogitada. A doença deve também ser considerada em pacientes sem tetania, mas com evidências de miopatia (mialgias e fraqueza muscular). A hipocalcemia crônica pode também propiciar o surgimento de disfunção extrapiramidal (parkinsonismo, coreia, disartria etc.) e cerebelar (anormalidades da marcha, instabilidade postural etc.). Sintomas extrapiramidais estão em geral associados à calcificação dos núcleos da base e costumam ser detectados pela tomografia computadorizada. Podem também ocorrer alterações cutâneas, dentárias, oculares e alopecia. Características clínicas associadas à hipocalcemia: • Irritabilidade neuromuscular o Sinal de Chvostek o Sinal de Trousseau o Parestesias o Tetania o Convulsões (focais, petit mal, grand mal) o Cãibras musculares o Mialgias (inclusive, dor torácica) o Fraqueza muscular o Polimiosite o Espasmos laríngeos o Broncospasmo • Status mental o Confusão o Desorientação o Psicose o Fadiga o Ansiedade • Envolvimento do músculo liso o Disfagia o Dor abdominal o Cólica biliar o Dispneia o Chiado • Cardíacas o Prolongamento do segmento ST e intervalo QT o Alterações no ECG indicativas de IAM; arritmias etc. o Insuficiência cardíaca o Cardiomiopatia • Sinais e sintomas neurológicos o Sinais extrapiramidais devido à calcificação dos gânglios da base o Calcificação do córtex cerebral ou cerebelo o Distúrbios da personalidade o Irritabilidade o Habilidade intelectual prejudicada o Mudanças inespecíficas do EEG o Pressão intracraniana aumentada o Alterações da marcha o Instabilidade postural o Parkinsonismo o Disartria o Coreoatetose; espasmos distônicos • Mudanças ectodérmicas o Pele seca o Cabelos grosseiros o Unhas frágeis o Queda de cabelo; alopecia o Hipoplasia do esmalte; defeitos da dentina o Raízes pré-molares encurtadas o Lâmina dura espessada o Erupção dentária retardada o Cáries dentárias o Perda de todos os dentes (bastante rara) o Eczema atópico o Dermatite esfoliativa o Psoríase o Impetigo herpetiforme • Manifestações oftalmológicas o Catarata subcapsular o Papiledema O risco de desenvolvimento de catarata encontra-se aumentado, mas não em pacientes com HPT pós- cirúrgico. Algumas vezes, depressão crônica, reversível com a correção da hipocalcemia, pode ser uma manifestação adicional do HPT. Ansiedade, fadiga e fraqueza muscular também têm sido associadas. As alterações dentárias dependem da época do aparecimento da hipocalcemia. Em crianças, pode causar hipoplasia do esmalte, defeitos da dentina, retardamento na erupção dentária, aumento da frequência de cáries e encurtamento das raízes dos molares e pré-molares. Em certos casos, pode haver perda de todos os dentes. HPT crônico, seja autoimune ou pós-cirúrgico, ocorre junto a aumento da densidade mineral óssea, sobretudo na coluna lombar. Pode acontecer, ainda, de o HPT simular uma espondilite anquilosante. As manifestações cardíacas da hipocalcemia podem se restringir a prolongamento do segmento ST e do intervalo QT ao eletrocardiograma, às vezes acompanhado de episódios de síncope após atividade física. Ondas T anormais podem ser encontradas em cerca de 50% dos casos. Entretanto, diante de queda acentuada da calcemia, poderão ocorrer taquicardia, insuficiência cardíaca (incomum e refratária ao tratamento convencional, mas reversível com a reposição de cálcio) e, o que é mais raro, fibrilação atrial ou ventricular. Além disso, encontra-se miocardiopatia dilatada, reversível com a correção da hipocalcemia. Por fim, há casos descritos de HPT com dor torácica e alterações eletrocardiográficas indicativas de infarto agudo do miocárdio (IAM). O risco de doença cardíaca isquêmica, no entanto, parece ser aumentado apenas nos casos de HPT não cirúrgico. Complicações renais também têm sido relatadas em pacientes com HPT crônico, como insuficiência renal crônica, litíase renal e aumento do risco de tratamento dialítico, provavelmente em decorrência do aumento do produto cálcio-fósforo. Convulsões ocorrem em 30 a 79% dos pacientes hipoparatireóideos. Em geral são do tipo grande mal, mas também podem ser do tipo pequeno mal, focais ou psicomotoras. Algumas aparecem até meses ou anos após a tireoidectomia. Calcificações dos núcleos da base e cerebelo são mais comuns nos tipos idiopático ou autoimune. Ao exame físico, as alterações mais características da hipocalcemia são os sinais de Trousseau e Chvostek. Este último é obtido pela rápida percussão sobreo nervo facial em seu trajeto (cerca de 2 cm anterior ao lobo da orelha), o que resulta na contração dos músculos faciais ipsolaterais e do lábio superior. Em torno de 10% das pessoas normocalcêmicas apresentam esse sinal. O sinal de Trousseau é mais específico (observado em 1 a 4% dos indivíduos normais) e é obtido inflando-se um esfigmomanômetro de pressão cerca de 20 mmHg acima da pressão sistólica, durante 3 minutos. Começa por adução do polegar, seguida da flexão das articulações metacarpofalangianas, extensão das articulações interfalangianas e flexão do punho, produzindo a postura da main d’accoucheur (mão de obstetra). Ambos os sinais podem ser mascarados pelo uso de hidantoína. É importante salientar que um significativo número de pacientes com HPT é completamente assintomático e tem sua doença diagnosticada ao acaso, seja pela dosagem da calcemia em exames de rotina, seja pela detecção, ao exame físico, dos sinais de Trousseau e de Chvostek. Da mesma maneira, sintomas do HPT podem se tornar evidentes apenas durante períodos de aumento de demanda do sistema homeostático do cálcio (gestação e lactação, ciclo menstrual e estados de alcalose) ou durante o uso de substâncias que reduzam a calcemia (p. ex., bisfosfonatos). A tetania pode ser vista, também, em pacientes com hipomagnesemia, alcalose metabólica ou alcalose respiratória por hiperventilação (causa mais comum). Manifestações clínicas do pseudo- hipoparatireoidismo Pacientes com PHP tipo 1a em geral têm face arredondada, pescoço curto, baixa estatura, calcificações ou ossificações subcutâneas e braquidactilia (dedos curtos das mãos, sobretudo o quarto e o quinto dedo), características essas denominadas osteodistrofia hereditária de Albright. Conforme mencionado, esse fenótipo pode ser herdado de modo separado, sem resistência ao PTH nem hipocalcemia, o que caracteriza o pseudopseudo- hipoparatireoidismo (PPHP). No PHP tipos 1b, 1c e 2, há hipocalcemia, mas não as citadas anormalidades. No PHP-1a, são comuns hipotireoidismo primário e anormalidades na função reprodutiva (oligomenorreia em mulheres e infertilidade masculina). Paradoxalmente, foram relatados dois casos de puberdade precoce em meninos com PHP-1a. Em um estudo, 69% dos pacientes com PHP-1a tinham deficiência de GH. Recentemente, foi descrita em nosso meio a associação familiar de PHP-1a e psoríase. Vários pacientes com PHP têm alterações esqueléticas condizentes com hiperparatireoidismo. Tal fato levou alguns autores a postularem que a resistência do osso ao PTH no PHP seria relativa. Diagnóstico A história e o exame clínico são dados importantes para a avaliação de uma suspeita de hipocalcemia. O diagnóstico da doença de base depende da história (p. ex., cirurgia do pescoço), dos achados físicos (constituição corpórea anormal, alopecia, cicatriz no pescoço, candidíase mucocutânea, vitiligo etc.) e de testes laboratoriais adicionais (p. ex., evidência para hipoadrenalismo, dosagem de autoanticorpos anti-21- hidroxilase, antiparatireoide ou antitireoperoxidase, testes genéticos, testes de surdez, imagem renal etc.). A aparência física pode ajudar a distinguir o pseudo- hipoparatireoidismo (PHP) tipo 1a do tipo 1b, uma vez que a osteodistrofia hereditária de Albright, conforme mencionado, não ocorre no PHP-1b. Os marcadores bioquímicos do hipoparatireoidismo (HPT) são hipocalcemia e hiperfosfatemia, na presença de função renal normal. As concentrações de cálcio sérico com frequência se situam entre 6 e 7 mg/dℓ (VR: 8,6 a 10,3), e as do fósforo, entre 6 e 9 mg/dℓ (VR: 2,7 a 4,5). Concentrações de cálcio ionizado < 1 mmol/ℓ (VR: 1,11 a 1,40) também são observadas. Na avaliação de um paciente com hipocalcemia, é indispensável medir a concentração da albumina sérica, uma vez que cerca de 40% do cálcio circulante está ligado à albumina. Assim, hipoalbuminemia reduzirá a calcemia em cerca de 0,8 mg/dℓ para cada 1 g/dℓ de redução na albumina sérica. Esses pacientes não são de fato hipocalcêmicos, já que os níveis do cálcio fisiologicamente importantes (cálcio livre ou ionizado) estão normais. Em pacientes com hipoalbuminemia ou em situação muito grave, deve-se, portanto, medir o cálcio ionizado. Como alternativa, pode-se corrigir o cálcio pela concentração sérica da albumina, de acordo com a fórmula descrita a seguir: Cálcio sérico corrigido = cálcio sérico encontrado + [0,8 × (4 – albumina sérica encontrada)] No HPT, os níveis séricos de PTH em geral estão baixos ou indetectáveis. Contudo, podem ser normais quando houver alguma função paratireóidea preservada. Nos casos de resistência ao PTH, os valores desse hormônio se encontram no limite superior da normalidade ou elevados. O nível da 1,25(OH)2D3 é baixo ou normal-baixo, porém a fosfatase alcalina permanece inalterada. A calciúria de 24 horas encontra- se reduzida, com exceção dos raros casos resultantes de mutação do receptor do cálcio, que cursam com hipocalcemia e hipercalciúria. Como rotina, durante investigação do HPT, recomenda-se dosar também os níveis séricos de magnésio, uma vez que a hipomagnesemia pode reduzir tanto a secreção quanto a ação do PTH. Orienta-se, portanto, que, na vigência de baixas concentrações de magnésio no soro, essa condição seja corrigida antes da confirmação diagnóstica do HPT. A excreção urinária de fosfato e do AMP cíclico apresenta aumento significativo após a administração de PTH exógeno, exceto em casos de PPHP. A resposta do AMPc urinário baixa ou ausente à administração parenteral do PTH (teste de Ellsworth- Howard) ocorre no PHP-1a, PHP-1b e PHP-1c, ao passo que, no PHP tipo 2, ela está normal. Do mesmo modo, a resposta fosfatúrica ao PTH está bastante diminuída em todos pacientes com os citados tipos de PHP. No PPHP e no hipoparatireoidismo, ambas as respostas encontram-se normais, uma vez que não há resistência ao PTH nos túbulos renais proximais. Em pacientes com HPT autoimune, tanto no modo isolado como na SPA, é comum o achado de autoanticorpos contra o receptor sensor do cálcio (em até 49% dos casos). A presença de vitiligo ou candidíase, bem como a positividade para autoanticorpos, aponta para hipocalcemia de etiologia autoimune (síndrome poliglandular autoimune). Tratamento No manuseio do hipoparatireoidismo, devem ser considerados o tratamento do quadro agudo de hipocalcemia e a terapia crônica. Os principais agentes farmacológicos utilizados são sais de cálcio e preparações de vitamina D. Tratamento da hipocalcemia aguda • Crise hipocalcêmica (tetania, convulsões, laringospasmo, broncospasmo): 1 ampola (10 ml) de gliconato de cálcio (GC) a 10% IV diluída em 100 mℓ de SG 5% (em 10 min) + 10 ampolas de GC em 1ℓ de SG 5% (50 mℓ/h) Embora o valor real do Ca++ sérico corrigido seja quase sempre considerado um limiar para o manuseio agudo (ou seja, 7,5 mg/dℓ [1,9 mmol/ℓ]), são os sintomas que em geral ditam a decisão de se administrar ou não cálcio por via intravenosa (IV). Assim, pacientes com sintomas graves (p. ex., tetania, laringospasmo, broncospasmo, convulsões, insuficiência cardíaca ou status mental alterado) requerem a administração imediata de cálcio IV, mesmo se o Ca++ sérico estiver apenas um pouco reduzido (p. ex., 7 a 8 mg/dℓ [1,75 a 2 mmol/ℓ]). Gliconato de cálcio a 10% (90 mg de cálcio elementar/10 mℓ) é a opção mais indicada. Cloreto de cálcio deve ser evitado porque é irritante e potencialmente esclerosante para as veias. Assim, 10 mℓ de gliconato de cálcio a 10%, diluídos em 100 mℓ de solução glicosada a 5% (SG 5%), são infundidos por via intravenosa durante 10 minutos. Essa infusão fornece 90 mg de cálcio elementar e pode ser seguida por uma infusão contínua de maior quantidade que se baseia no peso corporal: 15 mg/kg de cálcio elementar em geral correspondem a cerca de 10 ampolas (900 mg de cálcio elementar) diluídas em 1 ℓ de SG 5%, na velocidade de 50 mℓ/h. Em até 8 horas, esse protocolode infusão irá elevar o nível do Ca++ sérico em cerca de 2 mg/dℓ. O ideal é manter a infusão IV de cálcio até que o paciente receba um esquema efetivo de reposição oral de cálcio e vitamina D. Calcitriol, na dose de 0,25 a 0,5 mg/dia, é a preparação preferida de vitamina D em pacientes com hipocalcemia aguda grave, devido ao seu rápido início de ação. Se a hipocalcemia for causada por depleção de magnésio, deve-se corrigir a hipomagnesemia. A administração isolada de cálcio não funciona. O magnésio pode, também, ser utilizado quando se suspeita de hipomagnesemia como fator causal. Nesses casos, pode ser infundido sulfato de magnésio a 10% do seguinte modo: 2 g (16 mEq) de sulfato de magnésio a 10% durantecerca de 10 minutos, seguidos de 1 g (8 mEq), em 100 mℓ de solução fisiológica ou glicosada a cada hora. Tratamento da hipocalcemia crônica • Hipocalcemia crônica: Carbonato de cálcio (1,5 a 3 g/dia de cálcio elementar, em doses divididas) + calcitriol (0,25 a 1 μg/dia VO) ou vitamina D2/D3 (25.000 a 100.000 UI/dia VO) O cálcio e a vitamina D servem de suporte principal da terapia crônica. O valor de referência (VR) para o cálcio sérico é de 8,5 a 10,5 mg/dℓ. As metas do tratamento são controlar os sintomas e manter os níveis de Ca++ sérico total corrigido pela albumina próximo ao limite inferior da normalidade (algum valor entre 8 e 8,5 mg/dℓ), o fósforo sérico próximo ao limite superior da normalidade (normal, 2,7 a 4,5 mg/dℓ), o cálcio urinário < 300 mg/24 h (normal, 55 a 220) e o produto cálcio × fósforo < 55 mg2/dℓ2 (4,4 mmol2/ℓ²). Níveis de Ca++ sérico > 9 mg/dℓ não são necessários e aumentam o risco de hipercalciúria (devido à deficiência do PTH, a reabsorção tubular de cálcio está prejudicada), predispondo os pacientes a nefrolitíase, nefrocalcinose e insuficiência renal. Valores < 8 mg/dℓ deixam o paciente assintomático, mas aumentam o risco para o surgimento futuro de catarata. Valores do produto cálcio × fósforo > 55 mg2/dℓ² podem levar a precipitação de sais de cálcio-fósforo em partes moles (p. ex., rins, cristalino e gânglios da base). Os níveis séricos de cálcio, fósforo e creatinina devem ser dosados a cada 7 a 30 dias durante os ajustes iniciais do tratamento. Após a estabilização, essa avaliação passa a ser semestral. Níveis séricos de 25-hidroxivitamina D e calciúria devem ser dosados anualmente. Avaliações oftalmológicas anuais para monitorar o desenvolvimento de catarata estão indicadas para todos os pacientes. Reposição de cálcio Recomenda-se usar o cálcio na dose diária de 1,5 a 3 g de cálcio elementar. Essas doses altas podem reduzir a dose diária da vitamina D, necessária para uma absorção intestinal adequada do cálcio. No entanto, a quantidade necessária varia muito entre os pacientes (1 a 9 g/dia). A dieta deve ser rica em Ca++ e com baixo teor de fosfato, para minimizar a hiperfosfatemia. Entre os sais de cálcio, o carbonato de cálcio (CaCO3) é o mais empregado, por ser o de menor custo e apresentar maior conteúdo de cálcio elementar (40%). Cada 1.000 mg de CaCO3 fornecem 400 mg de cálcio elementar. Como requer acidificação para ter uma absorção eficaz, o CaCO3 deve ser ingerido durante ou após uma refeição ou com bebidas cítricas. Esse composto é menos absorvido em pacientes idosos, pacientes com acloridria ou naqueles em uso de inibidores da bomba de prótons (p. ex., omeprazol, lansoprazol). Nesses casos, tem preferência o citrato de cálcio, a menos que o paciente tenha insuficiência renal (contraindicação para o citrato). Caso se opte pelo CaCO3, o paciente deve receber uma dieta rica em proteínas para assegurar uma absorção adequada. Citrato de cálcio é, também, a melhor opção em pacientes com nefrolitíase. Indica-se que os suplementos de cálcio sejam tomados em doses fracionadas de 1 g ou menos, considerando a provável saturação da capacidade absortiva intestinal de cálcio a cada refeição. Formulação Conteúdo de cálcio elementar Miligramas de sal para obter 1.000 mg de cálcio elementar Carbonato 40% 2.500 Fosfato 38% 2.631 Cloreto 27% 3.700 Citrato 21% 4.762 Lactato 13% 7.700 Gliconato 9% 11.111 A suplementação de cálcio em indivíduos com HPT tem o potencial de causar hipercalciúria, o que é preocupante considerando o risco aumentado de o indivíduo desenvolver cálculos renais. Por outro lado, os suplementos de cálcio podem funcionar como quelantes intestinais do fósforo, sendo, desta forma, úteis em evitar a hiperfosfatemia inerente à reduzida função das paratireoides. Vitamina D e seus análogos A vitamina D endógena, chamada de vitamina D3 ou colecalciferol, é produzida na pele após exposição a raios ultravioleta. A vitamina D2 (ergocalciferol), utilizada como enriquecedor alimentar, é produzida de modo artificial e é equipotente ao colecalciferol. Para se tornar ativa, a vitamina D3 precisa sofrer 25-hidroxilação no fígado e, depois, 1α-hidroxilação no rim. No tratamento do hipoparatireoidismo permanente, além do cálcio, em geral é preciso administrar a vitamina D. Como no hipoparatireoidismo a 1α-hidroxilação está prejudicada, a preferência é para metabólitos que não requeiram essa modificação: calcitriol (fármaco de escolha) e alfacalcidol. As doses devem ser ajustadas de acordo com a sintomatologia e a calcemia. Calcitriol (Rocaltrol® – cápsulas de 0,25 µg) Trata-se do tipo mais ativo da vitamina D (1,25[OH]2D3). É considerada a opção de escolha em virtude de apresentar maior rapidez de ação, curta meia-vida biológica (cerca de 4 a 6 horas), baixo risco de intoxicação, além de não requerer a hidroxilação renal, prejudicada no hipoparatireoidismo. O principal inconveniente é seu custo elevado. A dose em geral necessária varia de 0,25 a 1 μg/dia, 1 a 2 vezes/dia. Alguns pacientes podem requerer até 3 μg ou mais por dia. Aumento significativo no Ca++ sérico pode ocorrer no prazo de 3 dias.1 Recomenda-se aumentar progressivamente a dose do calcitriol em 0,25 μg/dia caso o paciente não atinja os níveis desejados de cálcio sérico e/ou permaneça sintomático, podendo-se realizar aumentos maiores da dose de uma única vez caso o paciente desenvolva hipocalcemia mais grave. Calcitriol mantém os níveis séricos de cálcio, sobretudo por melhorar a eficiência da absorção intestinal de cálcio. Contudo, o calcitriol também promove a remodelação óssea, por meio da sinalização da via RANKL. Os indivíduos em uso de calcitriol devem ser orientados a manter uma dieta pobre em fósforo, uma vez que o análogo de vitamina D aumenta também a absorção intestinal desse mineral, o que pode facilitar o desenvolvimento de hiperfosfatemia e o aumento do produto cálcio-fósforo, com consequente aumento do risco de calcificações extraesqueléticas. Portanto, naqueles pacientes que cursam com níveis de fósforo acima do normal em vigência do tratamento com calcitriol, deve-se diminuir a sua dose diária e aumentar a suplementação oral de cálcio (considerando o efeito dos suplementos de cálcio em diminuir a absorção intestinal de fósforo). Vitamina D3 (colecalciferol) ou vitamina D2 (ergocalciferol) A dose comum para manutenção da calcemia normal com o uso da vitamina D3 é de 25.000 a 100.000 UI, em tomada única. Em relação ao calcitriol, tem a vantagem do custo mais baixo. As desvantagens incluem a necessidade do metabolismo hepático e renal, bem como início de ação mais lento (10 a 14 dias) e duração de ação mais prolongada. Assim, caso aconteça hipercalcemia, o efeito dessas vitaminas pode persistir por várias semanas (14 a 75 dias) após a interrupção do tratamento. Portanto, uma vez existindo a disponibilidade do tratamento com calcitriol, seu uso em altas doses não tem sido mais necessário. No entanto, colecalciferol ou ergocalciferol são, muitas vezes, usados em conjunto com o calcitriol. A meia-vida deles (2 a 3 semanas) ajuda a propiciar um controle mais suave, em função da meia-vida muito curta do calcitriol,que é medida em horas. Além disso, a reposição com o calcitriol não assegura a manutenção de níveis séricos adequados de 25-hidroxicolecalciferol, que devem ser mantidos acima de 20 ng/mℓ, mesmo em pacientes com HPT. O racional para essa recomendação baseia-se no fato de que a ativação celular do colecalciferol, a partir de hidroxilases teciduais, ocorre em alguns tecidos extrarrenais, sendo importante para determinadas funções celulares. Portanto, recomenda-se iniciar reposição de colecalciferol nos pacientes com hipoparatireoidismo e deficiência de vitamina D associada (níveis abaixo de 20 ng/mℓ), independentemente do uso concomitante de calcitriol. Alfacalcidol (1α-hidroxivitamina D3; Alfad® – cápsulas de 0,25 e 1 µg) Esse análogo é rapidamente convertido in vivo a 1,25 (OH)2D3. Sua ação inicia-se com 1 a 2 dias e perdura por 5 a 7 dias após sua suspensão. A dose comum é de 0,5 a 3 μg/dia, porém em alguns casos são necessárias doses de até 5 μg/dia. Estudos clínicos comparando a eficácia do alfacalcidol com o calcitriol no tratamento do HPT não foram ainda realizados, embora o segundo pareça ser duas vezes mais potente em causar elevação da calcemia. Di-hidrotaquisterol Disponível em comprimidos de 0,125, 0,2 e 0,4 mg, tem início de ação em 4 a 7 dias, a qual perdura por 7 a 21 dias após suspensão da medicação. A dose padrão é de 0,2 a 1 mg/dia. O uso do di-hidrotaquisterol (DHT) fica limitado por sua menor potência. Além disso, já não está mais disponível em nosso meio, nem nos EUA. Os principais efeitos colaterais da terapia com vitamina D são a hipercalcemia e a hipercalciúria (sinal mais precoce de toxicidade), as quais, quando crônicas, podem levar à insuficiência renal. Outros medicamentos Diuréticos tiazídicos Em função de aumentarem a reabsorção de cálcio no túbulo distal, os tiazídicos podem ser úteis para reduzir ou evitar a hipercalciúria causada pela terapia com cálcio e vitamina D. Quando a excreção urinária de cálcio nas 24 horas se aproximar de 250 mg, recomenda-se utilizar um diurético tiazídico (p. ex., hidroclorotiazida ou clortalidona, 25 a 100 mg/dia) junto com dieta hipossódica. O efeito sobre a calciúria é dose- dependente, podendo ser necessário chegar a uma dose 100 mg/dia, dividida em duas tomadas diárias. Durante o tratamento, distúrbios hidreletrolíticos e a pressão arterial devem ser monitorados. A associação com amilorida pode reduzir o risco de hipocalemia, além de diminuir ainda mais a excreção urinária de cálcio. Antiácidos Um antiácido não absorvível pode ser adicionado ao esquema terapêutico habitual para pacientes que atinjam normalização da calcemia, mas persistam com níveis séricos de fósforo > 6 mg/dℓ. Uma medida adicional contra a hiperfosfatemia é instruir os pacientes a reduzir a ingestão de alimentos ricos em fosfatos, como carnes, ovos, produtos lácteos e certos refrigerantes (p. ex., Coca-Cola® e Pepsi-Cola®). A redução da hiperfosfatemia visa à prevenção de calcificações metastáticas. Novas Perspectivas PTH O tratamento de hipoparatireoidismo (HPT) com PTH sintético é atraente porque propicia a reposição do hormônio que está faltando. Além disso, essa terapia permite uma redução significativa nas necessidades diárias de cálcio e calcitriol, o que potencialmente diminui o risco de hipercalcemia e hipercalciúria. Uma suposta vantagem adicional é que, por causa de suas propriedades fosfatúricas, o uso do PTH pode reduzir o risco de deposição de cálcio nos rins (nefrocalcinose, nefrolitíase) e, possivelmente, em outras partes moles. Diversos estudos clínicos recentes têm avaliado a eficácia do PTH (1-34) [teriparatida, Forteo®] ou PTH intacto (1-84) no tratamento do HPT, aplicados por via subcutânea. Constatou-se que ambos seriam superiores ao calcitriol em estabilizar o cálcio sérico, normalizar o fosfato sérico e reduzir a excreção urinária de cálcio. Também diminuem os requerimentos de vitamina D e aumentam os marcadores de remodelação óssea. Além disso, parece que alguns pacientes com HPT experimentam melhor qualidade de vida, em comparação ao tratamento convencional com calcitriol e cálcio. Existem também alguns relatos do sucesso da terapia com PTH (1-34) em crianças com HPT. As principais limitações do uso de PTH (1-34) e PTH (1-84) são o custo elevado do tratamento e a ausência de dados definitivos sobre a segurança do uso prolongado do medicamento em adultos e, sobretudo, em crianças. Em modelos animais, tem sido demonstrado um aumento do risco de osteossarcoma com o uso prolongado do PTH, embora não se saiba ainda se o mesmo ocorre em seres humanos. Além disso, faltam evidências sobre algum papel benéfico do tratamento em reduzir o risco de complicações futuras associadas ao HPT. O uso do PTH intacto (1-84) foi, no entanto, aprovado para tratamento do HPT nos EUA, mas com restrições, em decorrência do potencial aumento do risco de osteossarcoma. Deste modo, deve ser apenas introduzido naqueles pacientes nos quais a hipocalcemia não consegue ser controlada com uso apenas da suplementação de cálcio associada a análogos da vitamina D e desde que os benefícios superem os riscos (a substância deve ser evitada em indivíduos com risco aumentado para osteossarcoma, como naqueles com doença de Paget, com elevações inexplicáveis da fosfatase alcalina ou com história de radiação externa envolvendo o esqueleto). A dose aprovada para uso é de 50 μg em dose única diária, devendo-se reduzir em 50% a dose de calcitriol no início do tratamento. A dose diária pode ser, então, diminuída para 25 μg/dia ou aumentada até 75 e 100 μg (dose máxima diária), dependendo da resposta terapêutica.56 Na ausência de resposta com a dose inicial, o aumento deve ser de 25 μg a cada 4 semanas. Referências: VILAR – Endocrinologia Clínica HARRISON – Medicina Interna
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